sábado, 27 de março de 2010

Trova 134 - Nei Garcez (Curitiba/PR)

Hilda Persiani (Antigamente era assim...)

Confeitaria Colombo (Rio de Janeiro)
Depois do cochilo costumeiro da tarde,
Diante do espelho, as vaidosas mocinhas,
Davam seu último retoque e com alarde,
Saiam com as amigas . Nunca sozinhas ...

Na esperança que na Confeitaria elegante,
Como naquele tempo era de costume,
Encontrassem um belo rapaz galante,
Que ao vê-las belas, sentindo seu perfume,

Entre todas, por uma delas se encantasse
E se aproximando, com o peito a ofegar,
Com a voz embaraçada, lhe dissesse :

Você é a moça que elegi para minha rainha,
Com os seus lindos olhos vivo a sonhar,
Se você quiser, serei seu e você, será minha! ...
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O Teatro no Brasil

Teatro Brasileiro de Comédia
O teatro no Brasil surgiu no século XVI, tendo como motivo a propagação da fé religiosa. Dentre uns poucos autores, destacou-se o padre José de Anchieta, que escreveu alguns autos (antiga composição teatral) que visavam a catequização dos indígenas, bem como a integração entre portugueses, índios e espanhóis. Exemplo disso é o Auto de São Lourenço, escrito em tupi-guarani, português e espanhol.

Um hiato de dois séculos separa a atividade teatral jesuítica da continuidade e desenvolvimento do teatro no Brasil. Isso porque, durante os séculos XVII e XVIII, o país esteve envolvido com seu processo de colonização (enquanto colónio de Portugal) e em batalhas de defesa do território colonial. Foi a transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808, que trouxe inegável progresso para o teatro, consolidado pela Independência, em 1822.

O ator João Caetano formou, em 1833, uma companhia brasileira. Seu nome está vinculado a dois acontecimentos fundamentais da história da dramaturgia nacional: a estréia, em 13 de março de 1838, da peça Antônio José ou O Poeta e a Inquisição, de autoria de Gonçalves de Magalhães, a primeira tragédia escrita por um brasileiro e a única de assunto nacional; e, em 4 de outubro de 1838, a estréia da peça O Juiz de Paz na Roça, de autoria de Martins Pena, chamado na época de o "Molière brasileiro", que abriu o filão da comédia de costumes, o gênero mais característico da tradição cênica brasileira.

Gonçalves de Magalhães, ao voltar da Europa em 1867, introduziu no Brasil a influência romântica, que iria nortear escritores, poetas e dramaturgos. Gonçalves Dias (poeta romântico) é um dos mais representativos autores dessa época, e sua peça Leonor de Mendonça teve altos méritos, sendo até hoje representada. Alguns romancistas, como Machado de Assis, Joaquim Manuel de Macedo, José de Alencar, e poetas como Álvares de Azevedo e Castro Alves, também escreveram peças teatrais no século XIX.

O século XX despontou com um sólido teatro de variedades, mescla do varieté francês e das revistas portuguesas. As companhias estrangeiras continuavam a vir ao Brasil, com suas encenações trágicas e suas óperas bem ao gosto refinado da burguesia. O teatro ainda não recebera as influências dos movimentos modernos que pululavam na Europa desde fins do século anterior.

Os ecos da modernidade chegaram ao teatro brasileiro na obra de Oswald de Andrade, produzida toda na década de 1930, com destaque para O Rei da Vela, só encenada na década de 1960 por José Celso Martinez Corrêa. É a partir da encenação de Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, que nasce o moderno teatro brasileiro, não somente do ponto-de-vista da dramaturgia, mas também da encenação, e em pleno Estado Novo.

Surgiram grupos e companhias estáveis de repertório. Os mais significativos, a partir da década de 1940, foram: Os Comediantes, o TBC, o Teatro Oficina, o Teatro de Arena, o Teatro dos Sete, a Companhia Celi-Autran-Carrero, entre outros.

Quando tudo parecia ir bem com o teatro brasileiro, a ditadura militar veio impor a censura prévia a autores e encenadores, levando o teatro a um retrocesso produtivo, mas não criativo. Prova disso é que nunca houve tantos dramaturgos atuando simultaneamente.

Com o fim do regime militar, no início da década de 1980, o teatro tentou recobrar seus rumos e estabelecer novas diretrizes. Surgiram grupos e movimentos de estímulo a uma nova dramaturgia.

Fonte:
Wikipedia

Alex Giostri (O Ator e a Palavra)

A distância entre o ator e a palavra é tão mínima que nem se quiséssemos nós conseguiríamos separá-los para uma análise mais profunda. É - das profissões, a que mais requer o bom uso e o pleno conhecimento da própria palavra, de seu significado e significante, assim como também de sua simbologia – valor mágico - e de sua identificação com a massa, que é o público.

Um dos exercícios mais importantes e fundamentais para um ator é estar sempre em contato com a boa leitura, com bons livros, bons autores. É prioridade na vida do ator a intimidade com a palavra. E intimidade no sentido pleno mesmo. O ideal é que o ator estude primeiro a sua língua e a sua cultura para então estudar as técnicas de interpretação, ou então que faça as três coisas ao mesmo tempo, em horários diferentes para aproveitar todas as informações oferecidas.

O conhecimento da palavra multiplica a força do ator. Sua habilidade em conduzir uma frase, em pausar no momento correto, em dar a inflexão exata é fundamental para transformá-las, as palavras, em impressões.
É fundamental que as palavras na boca do ator sejam transformadas em impressões. Os espectadores querem ser impressionados por algo, não importa se por algo bom ou ruim, mas quando se deixam levar por uma obra de ficção, o que querem é serem impressionados. E é do ator essa responsabilidade.

Nota-se, portanto, que as palavras são fundamentais para qualquer relação, seja profissional ou pessoal. Não há comunicação sem a existência da palavra, seja falada, pensada, desenhada, enfim. Todas as emoções são emoções, mas também são palavras. Mesmo o silêncio, o silêncio é ausência, mas também é palavra.

É interessante se observarmos que só podemos oferecer um novo mundo a alguém se nós o tivermos desenhado de modo concreto, para nós mesmos. Não importa se o que oferecemos é invisível à maioria, se o que oferecemos não existe de fato; o fato é que se o que oferecemos para uma platéia está construído de modo concreto; se o que oferecemos é fruto de uma vivência interna muito bem elaborada, com recordações emocionais sólidas, todos, sem exceção, abarcarão em nossas sensações e buscarão - cada um com a sua subjetividade e suas palavras, adentrar na nossa experiência e respirá-la como se estivesse lá, concretamente.
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Fonte:
Alex Giostri.
http://www.alexgiostri.com.br/

Qorpo Santo (Hoje Sou um, e Amanhã Sou Outro)



Personagens
Fernando e Carlos, guardas
Eulália e Tibúrcia, damas do Paço
4 Oficiais
Criado
Soldado da Guarda Imperial

ATO PRIMEIRO

Cena Primeira

O REI - (para o Ministro) Já deste as providências que te recomendei ontem sobre os indigitados para a nova conspiração que contra mim se forja!?

MINISTRO - Não me foi possível, Senhor, pôr em práticas vossas ordens.

O REI - Ludibrias das ordens de teu Rei? Não sabes que te posso punir, com uma demissão, com baixa das honras, e até com a prisão!?

MINISTRO - Se eu referir a V. M. as razões ponderosas que tive para assim proceder, estou certo, e mais que certo que V. M. não hesitará em perdoar-me essa que julga uma grave falta; mas em verdade não passa de ilusão em V. M.

O REI - Ilusão! Quando deixas de cumprir ordens minhas?

MINISTRO - Pois bem, já que V.M. o ignora, eu lhe vou cientificar das cousas, que me obrigaram a assim proceder.

O REI - Pois bem: refere-as; e muito estimarei que me convençam e persuadam de que assim devemos proceder.

MINISTRO - Primeiramente, saiba V . M. de uma grande descoberta no Império do Brasil, e que se tem espalhado por todo o mundo cristão, e mesmo não cristão! Direi mesmo por todos os entes da espécie humana!

O REI (muito admirado) Oh! Dizei; falai! Que descobriram - é erro!?

MINISTRO - É cousa tão simples, quanto verdadeira:

1.ª - Que os nossos corpos não são mais que os invólucros de espíritos, ora de uns, ora de outros; que o que hoje é Rei como V. M. ontem não passava de um criado, ou vassalo meu, mesmo porque senti em meu corpo o vosso espírito, e convenci-me, por esse fato, ser então eu o verdadeiro Rei, e vós o meu Ministro! Pelo procedimento do Povo, e desses a quem V. M. chama conspiradores persuadi-me do que acabo de ponderar a V.M.

2.ª - Que pelas observaç5es filosóficas, este fato é tão verídico, que milhares de vezes vemos uma criança falar como um general; e este como uma criança. Vemos por exemplo um indivíduo colocado no cargo de presidente de uma Província; velho, carregado de serviços; com títulos, dignidades; e mesmo exercendo outros empregos de alta importância ter medo, Senhor: não poder abrir a boca diante de um homem considerado talvez pelo Povo, sem um emprego pessoal, sem mulher, talvez mesmo sem o necessário para todas as suas despesas, finalmente um corpo habitado por uma alma. Que quer dizer isto, Senhor? Que esse sobrecarregado de cargo e dignidades humanas é zero perante este protegido ou bafejado das dignas leis Divinas. Eu, pois, ontem estava tão acima de Vossa Majestade, porque sentia em mim o dever de cumprir uma missão Divina, que me era impossível cumprir ordens humanas. Podeis fazer agora o que quiserdes!

O REI - Estou pasmo - com a revelação que acabo de ouvir. Se isto se verifica, estou perdido!

MINISTRO - Não temais, Senhor... Todo o Povo vos ama, e a Nação vos estima; mas desejo que aprendais a conhecer-vos, e aos outros homens. E o que é o corpo e a alma de um ente qualquer da espécie humana: isto é, que os corpos são verdadeiramente habitaç5es daquelas almas que a Deus apraz fazer habitá-los, e que por isso mesmo todos são iguais perante Deus!

O REI - Mas quem foi no Império do Brasil o autor da descoberta, que tanto ilustra, moraliza e felicita - honrando!?

MINISTRO - Um homem, Senhor, predestinado sem dúvida pelo Onipotente para derramar esta luz divina por todos os habitantes do Globo que habitamos.

O REI - Mas quais os seus princípios, ou os de sua vida?

MINISTRO - É filho de um professor de primeiras letras; seguiu por algum tempo o comércio; estudou depois, e seguiu por alguns anos a profissão de seu Pai, roubadO~lhe pela morte, quando contava apenas de 9 a 10 anos de idade. Durante o tempo do seu magistério, empregou~Se sempre no estudo da História Universal; da Geografia; da Filosofia, da Retórica - e de todas as outras ciências e artes que o podiam ilustrar. Estudou tAMbém um pouco de Francês, e do Inglês; não tendo podido estudar também - Latim, conquanto a isso desse começo, por causa de uma enfermidade que em seus princípios o assaltou. Lia constantemente as melhores produções dos Poetas mais célebres de todos os tempos; dos Oradores mais profundos; dos Filósofos mais sábios e dos Retóricos mais brilhantes ou distintos pela escolha de suas belezas, de suas figuras oratórias! Foi esta a sua vida até a idade de trinta anos.

O REI - E nessa idade o que aconteceu? Pelo que dizes reconheço que não é um homem vulgar.

MINISTRO - Nessa idade, informam-me... isto é, deixou o exercício do Magistério para começar a produzir de todos os modos; e a profetizar!

O REI - Então também foi ou é profeta!?

MINISTRO - Sim, Senhor. Tudo quanto disse que havia acontecer, tem acontecido; e se espera que acontecerá!

O REI - Como se chama esse homem!?

MINISTRO - Ainda não vos disse, Senhor, - que esse homem viveu em um retiro por espaço de um ano ou mais, onde produziu numerosos trabalhos sobre todas as ciências, compondo uma obra de mais de 400 páginas em quarto, a que denomina E... ou E... de. .. E aí acrescentam que tomou o titulo de Dr. C... s.... - por não poder usar o nome de que usava - Q... L..., ou J... J... de Q. .. L..., ao interpretar diversos tópicos do Novo Testamento de N. s. Jesus Cristo, que até aos próprios Padres ou sacerdotes pareciam contraditórios!

O REI - Estou espantado de tão importante revelação!

MINISTRO - Ainda não é tudo, Senhor: Esse homem era durante esse tempo de jejum, estudo, e oração - alimentado pelos Reis do Universo, com exceção dos de palha! A sua cabeça era como um centro, donde saíam pensamentos, que voavam às dos Reis de que se alimentava, e destes recebia outros. Era como o coração do mundo, espalhando sangue por todas as suas veias, e assim alimentando-o e fortificando-o, e refluindo quando necessário a seu centro! Assim como acontece a respeito do coração humano, e do corpo em que se acha. Assim é que tem podido levar a todo o mundo habitado sem auxílio de tipo - tudo quanto há querido!

O REI - Cada vez fico mais espantado com o que ouço de teus lábios!

MINISTRO - É verdade quanto vos refiro! Não vos minto! E ainda não é tudo: esse homem tem composto, e continua a compor, numerosas obras: Tragédias; Comédias; poesias sobre todo e qualquer assunto; finalmente, bem se pode dizer - que é um desses raros talentos que só se admiram de séculos em séculos!

O REI - Poderíamos obter um retrato desse ente a meu ver tão grande ou maior que o próprio Jesus Cristo!?

MINISTRO - Eu não possuo algum; mas pode se encomendar ao nosso Cônsul na cidade de Porto Alegre, capital da Província de São Pedro do Sul, em que tem habitado, e creio que ainda vive.

O REI - Pois serás já quem fará essa encomenda!

MINISTRO - Aqui mesmo na presença de V . M. o farei. (Chega-se a uma mesa, pega em uma pena e papel, e escreve:)

"Sr. Cônsul de...

De ordem de Nosso Monarca, tenho a determinar a V. Sa. que no primeiro correio envie a esta Corte um retrato do Dr. Q... S..., do maior tamanho, e mais perfeito que houver.

Sendo indiferente o preço.

O Primeiro Ministro
DOUTOR SÁ E BRITO"

Corte de..., maio 9 de 1866.

(Fechou, depois de haver lido em voz alta; chama um criado; e manda por no correio - para seguir com toda a brevidade, recomendando.)

ATO SEGUNDO
A RAINHA E SUAS DAMAS - (entrando) Não é esta, Senhor (para o Rei) a primeira vez que sabendo haverdes querido encadear ou condenar à morte homens a quem julgo inocentes, venho perante vós impetrar o seu perdão! Chegou ao meu conhecimento que desconfiastes da fidelidade de vossos maiores e mais sábios Amigos, Henrique e Gil Gonzaga! É por estes sábios vassalos, e que tantas vezes têm ocupado os mais importantes cargos do Estado, que vos venho pedir; é a liberdade, ou não perseguição de suas pessoas que desejo!

O REI - Bem conheço, Senhora, o interesse que tomais em tudo quanto diz respeito à minha, à vossa e à felicidade do Estado que por herança ou Vontade Divina - governo: ora com sábios conselhos; ora com vossas felizes lembranças; ora com as mais justas - vossas reflexões! Estais portanto servida, Senhora, em vosso pedido; mesmo que o não fizésseis, a conversação que acabo de ter com um dos nossas mais distintos políticos, e atualmente na primeira pasta do Governo, seria bastante para perdoar a esses, de quem tive denúncia de que conspiram contra o nosso Governo!

A RAINHA - Quanto me apraz, Senhor, ouvir de vossos lábios, doces e salutares palavras! Estou tranqüila, e volto feliz aos trabalhos em que sempre me costumo ocupar! (Para o Ministro:) Senhor Ministro, continuai com vossos sábios conselhos a ilustrar vosso Grande Rei, e contai sempre com a proteção de vossa assaz afetuosa Rainha! (Sai com as Damas.)

OS GUARDAS - (entrando) Senhor! Senhor! (Fatigados e cheios de temor) Aproximam-se de nossas praias alguns vasos de guerra com bandeira de uma Nação com que estamos em guerra! Houveram alguns tiros entre os de guerra Nacionais e esses que se aproximam de nossa barra: é portanto mister pôr tudo em armas para repelir a audaz invasão!

O REI - (para o Ministro) É preciso darem-se as mais terminantes ordens a fim de que não sofra a cidade o menor mal! Escrevei já as seguintes ordens para o General comandante da Guarnição: (o Ministro senta-se e escreve) De ordem de s. M. nosso Rei, determino a V. Exa. que imediatamente ponha em armas, e pronta para repelir qualquer tentativa estrangeira, toda a tropa que faz a guarnição desta cidade! Mande tocar tambores pelas ruas para que se reúna não só toda a Guarda Nacional ativa, como também a reserva, dividida toda a tropa em colunas por todo o litoral da cidade, principalmente por suas praias mais vulneráveis, ou despidas de Fortalezas! (O Rei entrega o ofício a um, sai acompanhado de Guardas e volta imediatamente.)

O MINISTRO - (para outro) Parte imediatamente (depois de haver feito outro ofÍcio), leva este à Fortaleza da Laje; dizei ao respectivo Comandante que igual resolução comuniquei a todos os outros comandantes! (Sai o Guarda. [O Ministro] para o Rei:) Peço licença a Vossa Majestade para ir em pessoa dar as mais providências que em tão melindrosas circunstâncias são necessárias.

O REI - Vai, e não te demores a vir dar-me parte do que ocorre; pois se for necessário, quero ir eu mesmo em pessoa, com a minha presença, animar as tropas; exortar o Povo; e fazer, como me cumpre, quanto em mim cabe em proveito dele, e da Nação! (O Ministro parte.)

O REI - (passeando) Por mais saber que se tenha; por mais previdente que seja um monarca; por mais benefícios que derrame sobre seus Povos, e mesmo sobre os estrangeiros, com sua ciência, e com seu exemplo; sempre lhe sobrevém males inevitáveis, que o dever, e a honra, e a dignidade obrigam a repelir! E às vEzes com que dureza ele é obrigado a fazê-lo! Com que doR em seu coração Ele prevê os numerosos cadáveres juncando os campos da batalha! Céus! eu estremeço, quando vejo diante de meus olhos o horrível espetáculo de um açougue de homens! E se fossem só estes os que perecem; mas quantas famílias desoladas! Quantas viúvas sem marido! Quantas filhas sem Pai; quanta orfandade!... Quanto pesa o Cetro na destra daquele que o empunha com os mais inocentes desejos; com as mais sãs intenções! (Tomando um aspecto resoluto.) Tudo isto é verdade; mas quando a Pátria periga! Quando o inimigo audaz se atreve a insultá-la; quando pode tudo gemer, se o Rei fraquear; não deve ele reflexionar sobre as conseqüências; tem uma única resolução a tomar: Ligar-se ao Povo, ao Estado ou à Nação; identificar-se com eles, como se fora um só Ente, e debelar aquele, - sem poupança de forças, dinheiro, e tudo o mais que possa concorrer para o mais completo, e glorioso triunfo! Vamos pois em pessoa dar todas as ordens, dispor tudo, e expor se for necessário este peito às balas; este coração ao ferro insultante! Guarda! prepara-me um dos melhores cavalos em que eu cinja esta espada.

O GUARDA - Pronto, Senhor. (Sai.)

O REI - (veste a sua farda de General, depois de haver despido a capa com que se achava, e parte apressadamente. Ao sair, ouve um tiro de peça; desembainha a espada, dizendo:) São eles! (e segue.)

A RAINHA - (acompanhada das Damas) Não sei que mau influxo, destino, ou planeta, acompanha, guia, e muitas vezes transtorna as mais sábias administrações do Estado! Por quão pouco tempo gozam estes daquela paz que os tranqüiliza e felicita! Daquele progresso que a todos eleva; que a todos anima; que a todos enche de bens, e de venturas! Havia ainda tão pouco tempo que a Providência divina nos havia dado o triunfo contra os inimigos internos que pretendiam debelar-nos; e quando acaba de tranqüilizar os nossos corações, envia-nos talvez a mais cruel guerra estrangeira! Enfim, como não há mal algum, que não traga algum bem, devemos contar e esperar que este, como todos os outros, nos felicitará. (Ouvem-se numerosos tiros de peça e de fuzilaria. A Rainha, para as Damas:) Enquanto, Damas, os nossos canhões marítimos destroem os nossos inimigos, vamos desta janela animar as nossas tropas de terra com nossa presença, a fim de que se houver algum desembarque, eles conheçam que seríamos capazes de os acompanhar com uma arma em punho! (Aproximam-se de uma janela.)

UMA DAS DAMAS - V . M. vê? Lá se incendia um vaso inimigo! Lá caiu um mastro de uma galera!

A OUTRA - Ih!... Como a metralha varreu o convés daquela nau! Se continua assim, deste instante a duas horas, está o combate terminado, triunfando as nossas armas!

A RAINHA - Vocês vêem as tropas que estão desembarcando lá naquela ponta de península Anglicana?

AS DAMAS - Vemos; vemos! Que bicharia! Parecem corvos, ou nuvens de outros bichos! E quem sabe se as nossas ainda não viram esse desembarque!? Seria bom avisá-las! É lugar algum tanto escondido. Convém mandar saber!

A RAINHA - Dá cá o meu apito!

O CRIADO - (dando uma espécie de trombetinha) Eis, Senhora.

A RAINHA - (apita; um soldado da guarda imperial ou real responde com um toque de cometa; ela torna a apitar; ele fala.) Corre; voa onde está o Rei, e dize-Lhe que desembarcaram tropas inimigas na península! (O Guarda parte a todo o galope. A Rainha, olhando por um Óculo, e muito atentamente:) Ainda agora é que reparo! A fumaça não Me deixava ver bem! Os nossos vasos (dois) partem cheios de tropas para o lugar do desembarque! Numerosas lanchas os acompanham; daqui por cinco minutos, deve estar toda a tropa inimiga debelada! Embalde os traidores procuraram uma posição tão importante para destruir-nos... Serão destruÍdos e completamente aniquilados! Como saltam cabeças, pernas braços pelos ares! Que carnificina horrível se observa!? Como se matam; como se destroem entes humanos!

UMA DAS DAMAS - V. M. vê? Lá vem o Rei a galope! Seu cavalo vem banhado de suor; seu rosto é carmesim! Sua espada, ainda desembainhada, vem tinta de sangue! Céus! quão grande deve ser o triunfo conquistado hoje por nossas felizes armas!

O REI - (entrando banhado em sangue e suores; para a Rainha) Senhora, mandai-me vir outro fardamento limpo para mudar.

RAINHA - Entremos nesta câmara. (Entram, e passados alguns minutos, ele se apresenta com nova farda, calças, etc.) Adeus! Volto ao combate; e juro-vos que antes de pôr-se o sol, não ficará um soldado inimigo em território nosso. (Parte.)

A RAINHA - Deus abençoe os nossos projetos; e proteja os nossos esforços! (Acompanha-o até à porta; voltam à cena [a Rainha e as Damas)).

UMA DAS DAMAS - São horas, minha Senhora e Rainha, de tOmar os alimentos de costume com que reparais as forças que gastais em minha, e em utilidade de todos os vossos criados.

A OUTRA - Sim; até se não fora hoje um dia tão extraordinário, por certo teríamos faltado a um dos nossos mais importantes deveres. Pois o relógio marcou já uma hora da tarde; e o que agora oferecemos, devia ter sido apresentado a V. M. ao meio dia!

A RAINHA - Eu não trato, nem tenho disposição, ainda, disso; vamos. (Saem.)

ATO TERCEIRO
O REI - (distribuindo prêmios aos numerosos guerreiros que o auxiliaram no triunfo dos combates; conversando ora com um, ora com outro) Eis, Senhores, a recompensa daqueles, que sabem cumprir bem seus deveres, defendendo os interesses da Pátria, e com eles suas próprias fortunas. Estes recebem o saboroso prêmio de suas fadigas; a recompensa de seus trabalhos. Assim como os usurpadores recebem a morte, e tudo o mais que os pode inutilizar e destruir, quando tentam roubar, matar, ou de qualquer outro modo apossar-se, e fruir os bens que só a outrem pertencem, que só a outrem é permitido gozar! (Pegando uma medalha, e pendurando ao peito de um oficial-general:) Eis como revelarei ao Mundo a tua coragem e valentia. (Pondo outra em outro:) Eis com que despertarei no espírito de vossos concidadãos, a lembrança de milhares de cadáveres, com que a meu lado fizestes juncar o campo da batalha. (Pondo em outro:) Eis a prova mais evidente de meu amor por aqueles que me auxiliam no mais importante cargo que se pode exercer sobre a Terra o de governar os Povos, bem como do reconhecimento de vossos raros merecimentos! (Para outro:) É quanto basta para que o Mundo vos olhe com respeito; vossos Irmãos de armas com prazer, se não com emulação. (Pegando em umas caixinhas:) As gratificações que dentro encontrardes (dando a um dos oficiais) deveis cada um de vós entregar aos oficiais superiores e subalternos, que debaixo do meu e do vosso comando praticaram atos da maior bravura e valor. Para os soldados, outras distinções serão feitas, que atestam por toda a sua vida seus meritórios serviços; a recompensa da Pátria; e o afeto e gratidão do Rei! Transmiti-lhe entretanto este apertado abraço que a todos vós dou. (Abraça os quatro oficiais.)

ELES - (beijando a mão) Gratos e reconhecidos aos altos, nobres e elevados sentimentos de Vossa Majestade, protestamos perante Vós, Deus e as Leis, (arrancando um pouco as espadas) desembainharmos... (arrancando todas) estas espadas e com elas - defender-vos e a Nossa mais que todas virtuosa Rainha, fazendo cair cadáveres quantos se lhe opuserem; ou cairmos por terra banhados em nosso próprio sangue. (Fazem profunda reverência, e saem.)

A RAINHA - (e um pouco depois as Damas, entrando apressadamente e atirando-se nos braços do Rei) Meu querido esposo, quanto me fizeste pensar sobre a tua existência, sobre o teu futuro! Sobre a paz e felicidade do nosso Reino! (Desprendendo-se mui devagar de seus braços:) Sim, caro amigo! Quando milhares de feras tentavam lançar-nos talvez fora de nossos territórios deles se apossarem, destruir nossos bens, aniquilar nossa Pátria e fazerem destarte a desgraça geral não era para menos que para sentir-se o maior receio por tantos males de que nos achávamos ameaçados. Felizmente houve um triunfo completo. Os mares repletos de cabeças, de corpos que boiavam dos nossos inimigos, como se uma peste houvesse destruído a vida de milhares de peixes, como algumas vezes havemos observado. Na península em que tentaram um desembarque, eram tantos que bem se podia dizer que era um matadouro público de carneiros para alimentar uma grande cidade. Felizmente, viveremos, continuaremos a viver tranqüilos e felizes!

O REI - É tudo isso verdade minha muito querida esposa. Agora. porém, só nos cumpre continuar a velar sobre quanto diz respeito aos interesses públicos d'outra ordem. Eu continuarei a pensar; a meditar; a estudar; a cogitar quanto possa fazer a felicidade dos homens. Tu que és mulher, de igual modo procederás a respeito das de teu sexo. Combinaremos depois, e todos os dias por duas horas pelo menos de cada um, sobre tais assuntos; o que for julgado melhor, isso se porá em prática.

A RAINHA - Com muito prazer vos acompanharei em vosso modo de pensar e futura disposição. São horas de descanso, não quereis acompanhar-me?

O REI - Tenho ainda alguma cousa a fazer nesta sala. Não estou bem certo do que é; porém sei que me falta não sei o quê.

A RAINHA - Vede o que é; e se eu vos posso auxiliar.

O REI - Não me recordo; iremos portanto dar um passeio ao jardim, e depois se me lembrar voltarei. Ah! agora me lembro: é o rascunho da participação que cumpre fazer a todos os governadores que nos auxiliam em nosso importante Governo. (Senta-se; pega a pena, e escreve:) "Meus muito amados súditos e Governadores das diversas Províncias do meu importante Reino! Participo-vos, e sabei que quase inesperadamente fui surpreendido por numerosos traidores, ladrões e assassinos, mas que em um dia, hoje cercado dos meus generais e dos mais valentes, denodados soldados, obtive o mais completo triunfo sobre eles. É sempre a Providência Divina que auxilia nossas Armas e que, se por alguns momentos, como para experimentar a nossa crença, nos envia alguns flagelos, estes desaparecem logo, como as sombras da noite aos raios da loura Aurora. Publicai este fato glorioso de nossos concidadãos; de nossa fé; de nossa religião;. de nossa moral; e de nossa valentia. E conservai-vos, como sempre, no desempenho tão honroso, quão importante do Governo que vos conferiu O vosso Rei Q... s, - m. - Palácio das Mercês, Abril 9 de 1866."

O REI E A RAINHA - (para o publico) Sempre a Lei, a Razão e a Justiça triunfam da perfídia, da traição e da maldade!

Desce o pano, e termina o 3.º ato, e com ele a comédia.

Produzido em 15 de Maio de 1866, por José Joaquim de Campos Leão Qorpo-Santo, no beco do Rosário, em Porto Alegre, sobrado por cima do número 21.

Fonte:
www.biblio.com.br

Antonio Brás Constante (Cenas de um teatro em papel: Homenagem ao dia mundial do teatro)

Teatro del Principe (Espanha)
O pano sobe soberbo, parindo de suas entranhas um novo jogo de cenas. O mistério aos poucos vai sendo desvendado, drama profundo, tema engraçado. Mentes envolvidas pelas histórias ali oferecidas;

O ator é ser pulsante de muitos nomes, de várias vidas. Criatura de sonhos delirantes. Dono da arte ali estabelecida. Figura feita de textos, costurados no tecido da fantasia. Ente fictício e forjado na emoção, que revive no tempo de uma apresentação;

Cada ato é uma mentira consciente que toca os sentimentos do público de forma displicente. A imaginação transborda empurrada pela ilusão. A realidade lá fora não mais existe, pois agora tudo é doce utopia;

E segue a viagem imóvel em busca de distração, onde a encenação é placebo que se toma como verdade, feita de palavras, sons, gestos mudos. Belos mundos;

O palco é caixa profunda e rasa, tela sem vidro, janela sem paredes, caminho sem estrada. E uma energia vital e sem tomada, vai dançando dentro de si. Vazio transformado em espetáculo, pois da simbiose entre ator e palco um novo show nasce em esplendor teatral;

Enfim, mas não menos importante por ser fundamental, encontra-se a platéia ali presente. Mar murmurante em ondas de aplausos, impulsionados pelos movimentos apaixonantes dos gestos feitos na boca de cena sobre um tablado. Baixa o véu, termina o enredo, que agora repousa em segredo nas lembranças do espectador. Para encerrar esta obra textual, lhes digo um último fato: A arte quando chamada pelo nome é conhecida como TEATRO.

Fonte:
Colaboração do autor.

Carlos Leite Ribeiro (O Teatro)

Ninguém sabe ao certo como e quando surgiu o teatro. Provavelmente nasceu junto com a curiosidade do homem, que desde o tempo das cavernas já devia imaginar como seria ser um pássaro, ou outro bicho qualquer. De tanto observar, ele acabou conseguindo imitar esses bichos, para se aproximar deles sem ser visto numa caçada, por exemplo.

Depois, o homem primitivo deve ter encenado toda essa caçada para seus companheiros das cavernas só para contar a eles como foi, já que não existia ainda linguagem como a gente conhece hoje. Isso tudo era teatro, mas ainda não era um espetáculo.

Egito Antigo, Índia, China, Creta e a própria Grécia possuíam um teatro, antes mesmo do então chamado teatro grego. Tinha como característica principal sua estruturação toda baseada na religião, podemos, portanto, apontar o teatro apenas litúrgico. Este mesmo aspecto é o que de fato diferencia os egípcios, hindu, chinês, cretense e o teatro apenas litúrgico grego do teatro grego.

No século VI a.C., a mistificação na Grécia em relação aos seus deuses e crenças extrapolava o campo religioso e passava a fazer parte da rotina das pessoas. Essa religião politeísta dava um panorama ao homem grego de todas as ocorrências inexplicáveis do mundo sem a ajuda da ainda arcaica ciência ocidental. Os deuses eram os benfeitores ou malfeitores da Terra e possuíam um poder sobre o homem, sobre o céu e sobre a terra. Assim surgiram lendas que, divulgadas por mecanismo de oralidade primária, ou seja, oralmente, de pai para filho, procuravam instruir toda a civilização para que essa atuasse em detrimento da subjectividade daquela sociedade e do bem em comum, seguindo regras de comportamento e um padrão paradigmático que não podia jamais ser quebrado.

Só para ter uma ideia da grandeza dessa credulidade, quando o Colosso de Rodes foi parcialmente destruído por um terremoto, em 248 a.C., o rei egípcio Ptolomeu se propôs a reconstruir a enorme estátua (que homenageava o Deus Apolo, o Deus do Sol), sofrendo porém a recusa da população de Rodes, que ao consultar um dos oráculos (que segundo os gregos, eram homens que representavam os deuses na Terra) foi desmotivada a permitir a reconstrução, pois, segundo o oráculo, o terremoto havia sido um recado do Deus que não tinha gostado da homenagem. Assim, o Colosso de Rodes, até hoje reconhecido como uma das sete maravilhas do mundo, ficou aos pedaços, sendo completamente destruído pelos árabes, na invasão em 654 d.C.

Como a vida dos deuses estava diretamente relacionada à vida dos homens na Grécia antiga, a ciência e a arte tenderam a seguir esse mesmo percurso, de forma que os deuses influenciavam até mesmo as guerras dos homens, como a Guerra de Tróia, que foi narrada pelos gregos com um misto de fábula e realidade, com um laço muito tênue entre a mitologia e o acontecimento real, de forma que os historiadores nunca souberam muito bem o que realmente aconteceu durante essa famosa guerra entre gregos e troianos. A arte por si própria não deixa de ser mítica, ou até mesmo mística, pois é elevada pelo homem como elemento fundamental para a relação humana, em seu sentido mais amplo, no tocante às emoções, ao sentimento humano, ao caráter, à personalidade, cultura e expressão do homem social. A ciência é a busca do bem comunitário, das inovações, da quebra incessante de barreiras que impedem o crescimento humano. A ciência e a arte tornam-se elementos biunívocos, ou seja, ligados entre si, pois o homem possui a vontade de exteriorizar todas as suas curiosidades, a fim de desenvolver métodos para criar, construir, transformar, unir, pesquisar, compreender e finalmente explicar.

A cultura na Grécia antiga era restrita à louvação dos deuses, em festas e cultos religiosos, de forma que, as pessoas reuniam-se para aclamar aos deuses, agradecê-los ou fazer oferendas. As festas em respeito a Dionisio, o Deus da Alegria e do Vinho, realizava-se sob rígida fiscalização do legislador, que não permitia sacrilégios e manifestações cuja retórica fosse avessa à concepção religiosa da sociedade. Porém, para entreter a massa, Sólon, o legislador da época (Séc. VI a.C.) permitiu em certa ocasião que um homem, que possuía um talento especial para imitar os outros, fizesse uma apresentação para o público. Eis que esse homem, a quem chamavam de Tespis, subiu em uma carroça diante do público afoito por novidades, colocou uma máscara, vestiu uma túnica e, impondo-se dramaticamente, expressou: "eu sou Dionísio, o Deus da Alegria". A forma como o homem postou-se diante de todos, como um Deus, causou revolta e medo em alguns, porém muitos viram essa postura como um louvor ao Deus do Vinho. Sólon impediu a apresentação, mas o público queria mais, pois era fascinante e surpreendente a forma como aquele homem demonstrava seu talento. Durante um bom tempo foi proibido esse tipo de apresentação, julgada como um grande sacrilégio, de forma que a proibição perdurou até o começo da era mais brilhante da Grécia: a era democrática. Sem restrições e maior opressão ao livre arbítrio da sociedade (salvo mulheres e escravos), as pessoas tomaram gosto por essa arte tão criativa de se imitar, de forma que, com a democracia, os governantes começaram a incentivar aqueles que, por ventura se interessavam em entreter o público nas festas que homenageavam os deuses, realizando competições e distribuindo prémios diversos para aqueles que imitassem melhor pessoas e deuses.

No começo, a arte dramática restringiu-se apenas às festas dionisíacas, passando a ocupar um espaço maior na cultura grega com o passar dos anos, tornando-se mais acessível e mais aceita pelos gregos, que começaram a elaborar no Séc. V a.C. melhores formas de entretenimento pelo viés da arte cênica. Assim, constituíram fábulas e histórias diversas a serem encenadas para o público. Essa forma inovadora de se passar mensagens através de histórias dramáticas ficou conhecida como Tragédia Grega, onde os atores utilizavam máscaras e túnicas para interpretar seus personagens. A tragédia se passava em uma ampla plataforma chamada proskénion, situada na costa sudeste de Acrópole, local sagrado de Dioniso, no théatron ("local onde se vê"), cuja plateia era reservada para os espectadores. As apresentações cênicas eram compostas por um coro que narrava e tecia comentários a respeito da história principal que era interpretada pelos actores principais.
As Tragédias foram escritas por homens que marcaram seus nomes na história da humanidade. Os mais conhecidos são Eurípedes (485 – 406 a.C., autor de "Alceste" e "Ifigênia em Tauride"), Ésquilo (525 – 456 a.C., autor de "Os Persas"), Sófocles (496? – 406? a.C., autor de "Édipo Rei", "Antígona" e "Electra") e Aristófanes (autor de "As Nuvens", "Plutão" e "As Rãs"). Esses autores buscavam passar para o público a visão divina da natureza, expressavam a imagem dos deuses e as crenças do povo.

O respeito pelo théatron começava a fazer um efeito que perdura até hoje: a arte cénica tornou-se uma forma de ritual, onde quem encenava no proskénion pretendia passar uma informação de grande necessidade para a sociedade, com um trabalho corporal, com voz e interpretação, submetendo-se à catarse, cuja explicação advém de Aristóteles (384 – 322 a.C.), o primeiro filósofo que proferiu teses sobre a arte dramática. Segundo Aristóteles, a catarse faz com que as emoções do intérprete sejam liberadas numa construção fictícia. Aristóteles constituiu a primeira estética da arte dramática, cujo nome era bem apropriado: "Poética". As Tragédias seguiam causando furor, em espetáculos longos, com poesias e grandes textos que pretendiam mostrar um enredo. Para maior receptividade do público, que demandava de tramas bem articuladas e enredos intrigantes, os gregos criaram dois elementos até hoje reconhecidos: o protagonista (o herói) e o antagonista (o vilão), de forma que as tragédias falavam a respeito da realidade e da mitologia, versando contextos de conhecimento de todos. Os temas eram atribuídos a grandes heróis, aos deuses, sob argumento fundamental de expor uma ética, uma lição de vida e a moralidade

Fonte:
Colaboração de Carlos Leite Ribeiro

Artur de Azevedo (Elefantes e Ursos)


Era uma delícia ouvir o coronel Ferraz contar as suas façanhas de caça; mas ele só vibrava, e só era verdadeiramente genial a inventar carapetões quando tinha um bom auditório, quando via em volta de si olhos espantados e bocas abertas.

Dizem que na intimidade, conversando com um amigo, ou mesmo dois, era incapaz de pregar uma peta.

Ora, uma ocasião estava ele no meio de um grupo de vinte pessoas, em que estavam representados ambos os sexos e todas as idades.

As palavras do coronel, proferidas com aquela voz reboante e áspera, feita para comandar exércitos, eram avidamente bebidas. Apenas um rapaz do grupo, o Miranda, o maior estróina que Deus pusera no mundo, tinha na fisionomia um ar de mofa e parecia não tomar a sério as proezas cinegéticas do nosso herói.

Mas isso não foi nada - dizia este retorcendo as pontas dos seus enormes bigodes grisalhos. - Isso não foi nada à vista do que me aconteceu numa aldeia do Ganges, aonde me levou a minha vida aventurosa. Um casal de elefantes corria atrás de um moço que lhes maltratara o filho, um elefantinho deste tamanho (e o coronel indicou o tamanho de um elefantão). O macho ia atingir o moço com a tromba, quando o abati com um tiro da minha espingarda, que nunca falhou. Mas restava a fêmea... A arma estroa descarregada, mas eu, carioca da gema, lembrei-me do nosso jogo de capoeira, e passei-lhe uma rasteira tão na regra, que a prostrei por terra! Antes que se erguesse aquela pesada massa, tive tempo de carregar a espingarda e mandá-la passear no outro mundo. O moço estava salvo.

Houve no auditório um murmúrio de admiração. O coronel continuou:

- O moço, mal o sabia eu, era um príncipe, filho de um rajá, ou coisa que o valha, muito estimado na localidade: por isso, ergueram sobre o corpo do elefante macho uma espécie de trono em que me colocaram, deram-me a beber um licor sagrado, investiram-me não sei de que dignidade oficial, e fizeram-me assistir a umas danças intermináveis. Foi uma festa a que concorreram mais de vinte mil pessoas.

Passado o frêmito do auditório, o Miranda tomou a palavra:

- O coronel foi mais feliz no Ganges do que eu em Ceilão.

- Você já esteve em Ceilão? - perguntou o coronel.

- Ora! Onde não tenho estado? Um dia, estando a caçar - sim, porque também sou caçador! - saiu-me pela frente um enorme urso, que avançou para mim. Quis levar a mão à espingarda, mas tremia tanto, que não consegui pegá-la. E o urso a avançar! Nisto, senti um bafo no meu cachaço. Olhei para trás: era outro urso, de goela aberta e dentes arreganhados!

- E que fez você? - perguntou o coronel, interessado deveras.

- Não fiz nada - respondeu o Miranda. - Fui comido!

Fonte:
http://www.biblio.com.br/

Neida Rocha (Mundo (i)mundo)


Caos!
Negação da ordem.
Mundo imundo,
desordenado,
sem sentido.
Organizo meu mundo
e tiro o caos emocional.
Recrio o mundo
e harmonizo os sentimentos.
Faço do adjetivo o subjetivo.
Imundo > MUNDO.
Sou meu próprio sujeito.
Sou livre para Amar.
Recrio meu próprio mundo.
==================

Fonte
Colaboração da poetisa

Iara Melo (Caminhos)


Quantos caminhos percorremos
Quantos caminhos tropeçamos
Quantos caminhos almejamos
Quantos caminhos sofreamos,
Quantos percalços
encontramos...

Quantos viajantes expulsamos
Quantas almas alentamos
Quantos beijos doamos
Abraços que não nos aquecem
Palavras ao vento jogamos...

Ah, alma cansada
Não desalentes a falha
Dos que ignoram o amor
Luta é a tua máxima
Vês diamante em pedra bruta
Fabricas pedras de amor
Não virarás as costas aos percalços
Encontrados no teu caminho
Seguirás mente e corpo
Sofreando e vencendo a dor.

Tua alma reluzente
Dorme no alento da calmaria
Acorda no sorrir do orvalho
Caminha na relva da mansidão
Recebe o abraço da alvorada
Teus dias são de glória
Tua vida é retidão.

Segues nas flores
da tua alma
Na luz do sol nascente
No luar que te ilumina
Na brisa que te reluz
No espelho que te flameja
Cintila o teu esplendor
Demonstres, irradies,
Apontes...
Recebas...
Meu manancial de Amor!
============
Fonte:
Colaboração da poetisa

sexta-feira, 26 de março de 2010

Trova 133 - Soares da Cunha (Governador Valadares/MG)

Soares da Cunha (Baú de Trovas)


Eu nunca pedi um beijo,
Não gosto de beijo dado:
Pra matar o meu desejo
Tem que ser beijo roubado.

Ó canarinho de outrora,
Meu canarinho querido,
Parece que eu te ouço agora
Cantando no meu ouvido!

Nem mesmo a jóia mais cara
Prova toda a gratidão:
Tem algo que só se paga
Dando o próprio coração.

Quem perdeu a namorada,
Não se queixe nem reclame:
Se não tem mais a que amava,
Procure outra a quem ame.

Se quer cativar alguém,
Use palavras de mel.
Que nem as moscas, ninguém
Costuma gostar de fel…

Não gosto de fazer contas,
A conta sai sempre errada.
Por isto virei poeta,
Não faço conta de nada …

Pecados de amor, só são
Pecados de dar horror,
Se forem, na ocasião,
Praticados sem amor.

O lampião, noite escura,
Lá no fundo do sertão,
Filtra uma luz doce e pura
Que enternece o coração.

Não ter amor e fingir
É difícil a valer;
Mas acho que é mais difícil
Ter um amor e esconder.

Aquele olhar suplicante
Penetra em nossos refolhos:
Sem dar sequer um latido,
O cão implora com os olhos!

Abraços, beijos de fogo,
Em vez de aplacar o amor
Que anseia por desafogo,
Mais aumentam seu furor.

Abro os meus olhos e vejo
Que a manhã radiosa avança,
Borrifando a natureza
Com o orvalho da esperança!

Olho o céu, olho as montanhas,
Olho uma nuvem passar...
E acabo me convencendo
Que a alma é função do olhar.

Ao lado da manjedoira,
No nevoeiro matutino,
Eu vejo o bafo do boi
Aquecendo o Deus - Menino

Ó sino de alma de bronze,
Indiferente da sorte,
Tanto celebras a vida
Como celebras a morte.

Quizera, sem ter morrido,
No éter viver disperso,
E ser simplesmente o ouvido
Que escuta a voz do Universo

Às vezes, durante a missa,
Voando vinha de fora
Uma veloz andorinha
Visitar Nossa Senhora.

Toda a água que existia
Sumiu dos sertões distantes,
Para brotar, em seguida,
Dos olhos dos retirantes!

Em qualquer lugar que estejas,
Entre flores ou abrolhos,
A mesma distância, ó vate,
Separa do céu teus olhos!

Em travesseiro de nuvens
Repouso a minha cabeça:
Na companhia dos anjos,
Queira Deus que eu adormeça.

O poeta é uma pessoa
Que vive sempre ocupada:
Faz versos andando à toa,
Mas julgam que não faz nada.

A flor que eu contemplo agora,
Em meu ser quer pendurar,
Insiste em ficar no foco
Do meu deslumbrado olhar.

Ó chá de malva cheirosa,
- Folha com nome de flor -
Cujo perfume de rosa
Se transfigura em sabor.

Eu amava uma palmeira,
Lá longe, no entardecer...
Veio a noite traiçoeira,
Não vi mais meu bem-querer!

Nesta casa com janelas
A minh’alma fez morada:
Mas a casa não é dela,
É só uma casa alugada.

Todo mundo quer ser nobre,
Ter parentesco com os ricos.
Só um era irmão dos pobres:
Chamava-se São Francisco.

Cresceu demais minha aldeia,
Meu Deus, que desilusão:
Hoje, tão grande e tão cheia,
Não cabe em meu coração.

O nosso amor à justiça
Vem do medo que se sente
De que algum dia a injustiça
Possa sobrar para a gente.

Os profetas, com ameaças,
Ganham fama onde aparecem,
Já que não faltam desgraças,
Que todo dia acontecem.

Nenhum valor ia ter,
Para nós, a gratidão,
Se não se pudesse ser
Ingrato sem punição.

Se solto alguma tolice,
Eu mesmo, depois de tudo,
Me envergonho do que disse,
Melhor ter nascido mudo.

Ele recusa comida,
Ainda que seja pouca,
Para não ter o trabalho
De ter que levá-la à boca …

Tenho um punhado de netos
Que acho o maior dos baratos:
São lindos quando estão quietos
E sorrindo nos retratos …

A mulher e sua saia
Não conseguem combinar:
A mulher vai se assentando,
A saia quer levantar…

Provérbios temos aos centos,
Este é dos mais verdadeiros:
– Deus criou os alimentos
E o Diabo, os cozinheiros …

Os quadros que foi juntando
Ao pintor devem pesar
Talvez mais que as obras primas
Que ele deixou de pintar …

A gente em geral tropeça
Naquilo que há de través:
Mas aquele que tem pressa,
Tropeça em seus próprios pés.

É uma troca de carinho
A amizade: basta ver
Um burro coçando o outro,
Como tremem de prazer.

O cão, teu fiel amigo,
Mostra mais satisfação
Ao ver que trazes contigo
Um bom pedaço de pão.
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Oswaldo Soares da Cunha (1921)



Oswaldo Soares da Cunha nasceu em Baguari, município de Figueira do Rio Doce, hoje Governador Valadares, em 25-02-1921.

Fez o curso ginasial no Colégio Arnaldo, de Belo Horizonte, tendo se formado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, na capital mineira.

Mais conhecido como cultor exímio da arte das trovas, é também autor de poemas e sonetos, alguns dos quais figuram em antologias de poetas brasileiros.

Casado com Ivelyse Carmelita Sigismondi Lobo (artista plástica).

Se, como escreveu certa ocasião Eloy Pontes, as trovas constituem a prova de fogo dos poetas, Soares da Cunha venceu galhardamente essa prova... O seu livrinho “MARIA” é a prova irrefutável desta afirmação. O delicado poeta, residente em Belo Horizonte, é um trovador rico espontâneo, cheio de lirismo e emoção.” Escrevi estas palavras há quase dezessete anos, em 7 de setembro de 1946.

Quatro anos depois, numa crônica: “Um trovador das Alterosas”, dizia eu: “...Graça, simplicidade, malícia, sentimento, espírito de síntese, são, entre outras, as virtudes que se destacam das belas trovas de Soares da Cunha.”

Quando organizava “Meus Irmãos, os Trovadores”, Coletânea de duas mil trovas de autores brasileiras e divulgava pela imprensa do Brasil e Portugal quadras de centenas de trovadores, escrevi numa página mimeografada: “Oswaldo Soares da Cunha. forma com Djalma Andrade e Nilo Aparecida Pinto um trio magnífico de trovadores de Belo-Horizonte. E' natural de Minas Gerais, advogado e muito jovem. Em 1943 estreou com o livro “Estrela Cadente”; no ano seguinte publicou um belo e raro conjunto de trovas “Maria” e a seguir: “Rosa dos Ventos” e “Quadras”. Sua especialidade é a trova, e, aí, poucos o podem igualar. E' um trovador esplêndido, de um lirismo e graça que encantam. Muitas de suas trovas quer sejam líricas, filosóficas, mordazes ou regionais, são dignas de Antologia. Suas quadras já estão bem espalhadas pelo Brasil e Portugal.” (Rio, 14-1-1951)

No entanto, Soares da Cunha não é apenas trovador. Em 1952 quando publicou “Sonetos e Poemas”, escrevi uma crônica sobre seu livro e entre outras coisas dizia: “A primeira parte é composta. de vinte sonetos feitos com arte e bom gosto, todos dignos de atenção.”
Em 1954 comentei em outra crônica: “Soares da Cunha, trovador mineiro, envia-nos de Belo Horizonte “Quadras e Pensamentos” - da Editora Acaiaca. O poeta, já bastante conhecido e apreciado, é, sem dúvida alguma, um grande trovador.”

Finalmente, em 1962, enviou-me o trovador seu último livro “Mínimas” composto de pensamentos e trovas. Que poderia dizer mais? Pelas linhas que acabaram de ler podem aquilatar a sincera e antiga admiração que tenho pelo trovador Soares da Cunha. As minhas palavras não devem ser tomadas como uma, apresentação, pois o autor é bastante conhecido e dela não necessita. Apenas, como um dos organizadores da Coleção “Trovadores Brasileiros”, amigo e admirador do poeta focalizado, senti-me honrado de escrever esta pequena introdução.

Veterano e fértil trovador, Soares da Cunha é dono de muitas outras quadras que mereceriam figurar entre as cem deste volume. Esta, por exemplo:

“Feliz aquele que ainda
não te viu, formosa Inês:
- A mulher nunca é tão linda
como da primeira vez.”

ou esta outra:

“Se no ver-te eu me apaixonei,
não ponhas a culpa em mim:
culpado é quem me deu olhos
e te fez tão linda assim.”

E, entre outras mais que poderia citar, transcrevo esta, repleta de tédio e de melancolia:

“Quero sair pelo mundo,
cansei-me deste lugar,
quero partir para longe
e nunca mais regressar!...”

(LUIZ OTAVIO - Rio, 12-11-1963 )

LIVROS

Sangue da Alvorada (poemas)
Rosa dos Ventos (poemas)
Maria (trovas)
Pastor das Nuvens (trovas)
Lua no Poço (trovas)
Torre Sondra (trovas)
Mínimas (pensamentos)
Canção dos Condenados da Mina (poemas)
Livro das Trovas (coletânea)
Trovas de Sêneca (no prelo)

Fontes:
– J. G. de Araujo Jorge e Luiz Otávio. 100 trovas de Soares da Cunha. Coleção trovadores brasileiros.
– Academia Mineira de Letras.

João Felinto Neto (O Galo)


O galo canta ao azular do céu, de sobressalto eu me acordo. Quantos dias mais terei pela frente com esse madrugador barulhento?

Ele continua lá fora com o seu cocoricó irritante que irá até o sol aquecer suas penas.

Gosto de coisas antigas; sou saudosista. No entanto, em matéria de despertador, prefiro os modelos atuais. Os de corda ou pilha é só arremessá-los contra a parede e os a energia elétrica, desconectá-los da tomada. Contudo, o diabo do galo, só torcendo-lhe o pescoço; só há um pequeno problema, o galo é do vizinho. Resolvi escrever no jornal pedindo conselhos sobre o que devia fazer a respeito.

Recebi diversas correspondências, algumas bem interessantes.

Havia uma, em que o meu conselheiro mandava-me colocar uma venda nos olhos do galo, com isso ele não veria o sol e, portanto, adeus problema.

Outra, me aconselhava extrair da pobre ave, todos os órgãos responsáveis pelo seu canto.

Dê uma raposa de presente ao seu vizinho, dizia uma terceira.
Ponha fone de ouvido e engula um comprimido controlado bastante forte, já que você é o incomodado; eis uma quarta.

Acorde antes que o galo, e dessa forma ele jamais o acordará.

Compre um galo mudo e faça a troca com o do vizinho, ele não perceberá a troca, pelo menos até de madrugada.

Aproveite a oportunidade para ganhar dinheiro, grave o canto do galo e produza um CD com o título “Despertar do campo”, para as pessoas que adoram a vida rural. O seu vizinho, com certeza, compraria um.

Tire todas as penas do galo, ele sentirá tanto frio de madrugada, que não terá coragem de cantar, além do mais, terá vergonha de ficar pelado na frente das galinhas.

Faça um abrigo antinuclear e você não ouvirá o galo cantar; pode não ser uma boa idéia, mas rima.

Implante um chip no cérebro do galo e programe-o para cantar ao por do sol.

Convide o galo para um banho-de-cheiro, em vez da banheira, use uma panela de pressão.

Pelo visto, é apelar para o bom senso do vizinho. E que ele me convide para um almoço de confraternização, onde o cardápio seja galo com tucupi.

Fonte:
João Felinto Neto. Cronicas dispersas. Edição do Autor. 2007.

João Felinto Neto (Antologia Poética)


CABAZ

Um cesto envernizado
no qual eu guardo os frutos do meu delírio.
Um livro anunciado
e nunca editado,
intitulado de cabaz.
Um sonho engavetado e esquecido.
A cada dia acrescido de uma página,
uma a uma,
em poemas despertos pela inspiração.
Depois de escritos,
adormecidos no escuro de uma gaveta,
iluminados pela luz da imaginação.
Quem sabe ao amanhecer
possa me surpreender,
e agradar-me o resultado.
As páginas que eram antes separadas,
estejam editadas
em um livro encapado.

AUTO-RETRATO

Sou de nascimento,
humano.
De substância,
eterno.
Na poesia,
anônimo.
No comportar-se,
lépido.
De índole,
excessivo.
De convivência,
sentimental.
Na multidão,
passivo.
No aspecto,
normal.
De opinião,
inverso.
De ambição,
um pouco.
Na devoção,
incrédulo.
No pensamento,
um louco.

GRAMATICAL

Só em letras imprimo minha alma.
Mais do que texto
sou contexto indecifrável.
Meu sinônimo é antônimo de si mesmo.
Um sujeito indefinido
que é objeto de um erro
gramatical.
Entre modos e tempos,
triste verbo
que ecoa na forma nominal.
Orações que são subordinadas
aos meus vícios de linguagem.
Um início em letras ordenadas
e um fim
numa expressão oral.

AFLORA UM POETA

Assim se fez um poeta.
Como talhe na madeira
esculpi minha poesia.
De uma maneira fria
infundi minha alma no papel.
Nas costas de um corcel
cavalguei por entre versos;
muitas vezes sem regresso,
o poema, me tornei.
De um sono despertei
enquanto escrevia,
da caneta então flua
as idéias que sonhei.
Quem sabe se eu errei?
Foram mais de trinta anos,
foram tantos desenganos
que poeta, me tornei.

ABSTRAÇÃO

Meu paradeiro,
não me pergunte,
é ermo.
Meu erro,
um desengano.
Meu abstrato querer
é verdadeiro.
O meu agora,
é quando.
Por ser em parte,
não sou inteiro.
O meu tinteiro
é preto e branco.
Apenas passo pelo primeiro,
mas sou o último plano.

IMAGINAÇÃO

A metade de mim
é sonho.
Do que sonho,
metade sou.
Eu não sou
metade do sonho
da metade
que não sonhou.

SOU EU

Estou eu no mundo
em um lugar em que ninguém me entende.
Movo os lábios e parece
que ninguém me escuta,
somente um louco que para mim sorri
parece entender o que eu digo.
Ao reconhecer que o único que me entende
é um louco,
aproximo-me um pouco,
maior é meu espanto
ao descobrir que o louco
agora em pranto
sou eu.

VIVO

Viver
é para mim
distanciar-me
dos que são como eu
distantes.
É não procurar ombro.
É simplesmente chorar
por alguns instantes,
por não ficar.
É querer então estar
em mim presente,
para ver em seus olhos
que não estou ausente
da eterna ilusão
de que vivo.
Viver
é para mim,
seu riso.

EU POETA

Eu, poeta, choro agora,
as lágrimas de outrora,
de hoje e de amanhã.

Eu, poeta, sou inteiro.
Sou último e primeiro
em minha poesia vã.

Eu, poeta, sou reverso.
Sou verso do anverso
de ilimitadas versões.

Eu, poeta, sou um homem.
Minhas ambições somem
quando perco as ilusões.

Eu, poeta, não existo.
Sou um ato fictício
de minha própria criação.

INGÊNITO

Seguir os passos
a um lugar perdido na distância;
entrar na dança
de um ritual de acasalamento;
sentir nas mãos
o instintivo dom
que vem de dentro;
ouvir o som
de vozes ecoadas;
e nas entonações
das poesias declamadas,
revelar-se poeta.

DIMENSIONAL

No meu olhar
está o meu desfecho.
Sendo eu meu próprio eixo,
não consigo me deter
no movimento circular
do ser.
Volto a me ver
numa rua sem fim,
numa curva enfim,
volto ao mesmo lugar.
Olho as paredes sólidas,
diviso uma janela,
vejo-me nela
numa visão secular
como figura temporal
traçada no esboço do anormal.
Sou assim,
em mim,
dimensional.

DOR DE CABEÇA

Não consigo decifrar-me no enigma da vida.
Desconheço a mim
no escuro sono inconsciente da noite.
Talvez meus sonhos
tentem revelar-me ao meu próprio eu.
Estou sempre questionando
se são minhas as verdades ou as mentiras.
Descobrir-me
é meu eterno problema,
é minha dor de cabeça.
Serei culpa de um mundo avesso
no qual devemos todos ser direitos.
Posso até estar do lado errado.
Mas qual seria o certo
se errado não houvesse?
Sou uma língua estranha.
Não consigo traduzir-me.

VERSÃO DE MIM

Falo de mim,
ao mesmo tempo
diante de mim,
eu me calo.
Meus olhos me vigiam com vagar,
e devagar,
a divagar sobre um princípio
chego ao meu fim.
Começo a me despir de mim,
sem embaraço,
falando que enfim
eu me pareço
com o que eu mesmo sou,
antagonicamente pessoal.

AMPLIDÃO

Meu rosto já não cabe em minhas mãos
por ser meu pranto
bem maior que minha face.
Eu sou em parte,
parte de mim
que em mim não cabe;
sou amplidão.
Ponho na mão
o mundo que nela não cabe.
Peço perdão
à parte que ainda cabe em mim,
por meu sorriso,
é por saber que nada sabe.

ATRAVÉS DOS OLHOS

Inquieto,
meu pensamento
movimenta-se por trás dos olhos fixos.
Compenetrado,
absorto em uma ampla sala,
guarda minhas recordações.
Volta
no piscar dos olhos castanhos claros
e percebe o mundo à sua volta,
desordenado
pela ordem natural do caos.
E torna-se real
no obscuro mundo das idéias,
a síntese de tudo
que sou.

APELOS

O que desejo,
acaba sempre em lágrimas.
Meus beijos,
em despedida.
Ainda não vejo
para minhas mágoas
uma saída.
Os meus apelos,
que o mundo não saiba.
Nunca deixei de amar
por um só dia.
Já que a voz
no tempo em mim se cala,
que minha dor
não dure a minha vida.

ILUSÃO

Não abdico de quem sou,
não por que sou,
mas por me acostumar a ser.
Esta é a forma que o mundo me ver,
não a maneira de saber quem sou.

Sou por extenso e rubricado.
Sou um grande número cadastrado
em um pequeno pedaço de papel.
Sou uma foto três por quatro
resguardada por um véu
de plástico.

Uma imagem revelada
do negativo de um sobrenome.
Uma figura desbotada
com o passar dos anos.

Sobre as linhas de minhas digitais,
rabisquei demais
meu nome.

Sendo assim,
tornei-me enfim,
a ilusão de acreditar
quem sou.

FRACOS, FORTES E LOUCOS

Os fracos se suportam
por serem fracos,
os fortes se sufocam
tentando superar
uns aos outros,
e os loucos
toleram a ambos.
Pois os loucos sabem
que na solidão
a saudade é companhia lúgubre,
as horas se intensificam,
e os amores se distanciam.
Sou um fraco na dor,
sufocar-me-ia sem amor,
sou um louco.

CORES

Foram pedaços de lápis
que pintaram minha vida.
Em preto,
em branco,
pintaram meu pranto.
Em vermelho,
minha ideologia.
Em verde,
o interesse pelo campo.
Em amarelo,
um sol que brilha.
Em azul,
um mundo em céu
com um arco-íris
de utopia.

Em cores vivas,
em cores mortas,
são minhas dores.

Não há borracha
de tempo
que apague
minhas cores.

EXPOSTO

Eu pedi
que meu sorriso
fosse exposto,
mesmo a contra-gosto,
no caderno de tristeza.

Que servissem à mesa
com o meu cardápio,
mesmo que meu gosto
fosse amargo.

Que meus lábios
fossem lidos
pelos ouvidos
que não me escutam.

E que tudo que pedi
me fosse negado.

INCOMPREENSÃO

Pensei encontrar uma brecha,
um buraco,
uma fresta
no lençol de estrelas,
e espiar para fora
dessa redoma de cor.
Rasgar o céu
como uma folha de papel
azul.
Rasgar o véu
para ver a forma
de seu corpo nu,
num branco virginal
de flor.
Iluminando caminhos,
hei-me facho de luz.
Na dor,
sacrificar-me-ei por nós.
Suas datas
são minhas lições de casa.
Suas falas
são meus verbos perdidos.
Na ausência do ser,
não sou.
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Fonte:
João Felinto Neto. Cabaz.

João Felinto Neto (1966)


No dia 04 de outubro de 1966, nasce João Felinto Neto, em Apodi, Rio Grande do Norte. São seus pais Maria Dália Pinto, natural de Apodi e Francisco Felinto Neto, natural de Pombal.

Em 1969, parte com sua família para Tabuleiro do Norte no Ceará. No mesmo ano passa a residir em Limoeiro do Norte, sua pátria emotiva e ponto de partida de uma fase migratória que duraria toda a sua infância, e o levaria até Santa Isabel/PA (1971), Limoeiro do Norte/CE (1973), e Mossoró/RN (1974), onde ingressa, no Instituto Dom João Costa no ano de 1975.

Retorna novamente a Limoeiro do Norte (1977), onde permanece até 1982, ano em que conclui o 1º grau no Liceu de Artes e Ofícios.

Retorna definitivamente, com sua família à cidade de Mossoró. Conclui em 1985 o 2º grau na Escola Estadual Prof. Abel Freire Coelho.

Em 1986 ingressa no serviço público, como técnico de Laboratório do Hospital Regional Tancredo Neves, atual Tarcísio Maia.

Conclui o curso de Ciências Econômicas, pela UERN, em 1991, ano em que se casa com Lucineide Régis Felinto. O primeiro filho do casal, João Vítor Regis Felinto, nasce em 1997.
Somente aos 34 anos, começa escrever e catalogar poemas e crônicas. Até então seu mundo literário se resumia à leitura e ao pensamento.

Poesia:

Por minhas mãos (2003) – Fundação Vingt-um rosado (Coleção mossoroense)
Opalina (2004) - Fundação Vingt-un Rosado (Coleção mossoroense)
Reticências desfeitas (2006) – Litteris – Quártica editora
Olhos de guri (2006)- Infanto-juvenil – Editor/Autor
Alguns degraus (2007) – Editor/Autor
Poesia no lixo (2007) – Editor/Autor
Páginas de ontem (2007) – Editor/Autor
Cálice (2007) – Editor/Autor
Pax – vóbis (2007) – Editor/Autor
Megalíticos (2008) - Editor/Autor
Espinhos do deserto (2008) - Editor/Autor
Composições sem cifras (2008) - Editor/Autor
Árvore morte (2009) - Editor/Autor

Narrativa em verso:

O herege (2006) – Editor/Autor
A caveira & a rosa (2007) – Editor/Autor
Um pedaço de pangéia (2007) – Editor/Autor

Crônica:

Estranhas narrativas (2007) – Editor/Autor
Crônicas dispersas (2007) – Editor/Autor
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quinta-feira, 25 de março de 2010

Trova 132 - Nilo Aparecido Pinto (Caratinga/MG)

Bueno de Rivera (Antologia Poética)


A CABEÇA

O mágico equilíbrio
da cabeça no espaço!
Meus olhos me fitam,
se espraiam no corpo,
mas roupas, botões,
nos longos sapatos.
Neus olhos na febre
me buscam, não estou.
Mas vejo a cabeça
tão vaga, distante,
tão minha, tão próxima!
O universo em síntese
no pescoço-base.

Ai! como sofrem
os meus pensamentos!
O suor nas pálpebras
ou na testa infinita
de que fonte virá?
Da fonte das lágrimas?
Dança a cabeça,
agita-se em sonhos
mas cai desolada

nas mãos inocentes.
E cabeças há tantas
expostas ao luxo,
brinquedo de fígaro;
o pente nas ondas,
o mar de loções,
tesouras voando
como aves marinhas
nos claros espelhos.

Tão longe vivo,
tão distante vou,
que o resto é apenas
abstração... -
A gravata louca,
as meias de cores,
as solas macias
tão simples enfeites.
Meus olhos aflitos
me buscam, não estou.
Irmãos, eu vos digo,
Meu corpo não há.

Apenas a cabeça
como estranha lâmpada
na imensa torre
vela os tormentos.
Sinto a tragédia
do irmão do mundo.
Triste mensagem
chega, abafada
pelos gemidos
de alguém pedindo
pão e calor.

Cabeça inquieta,
mundo pequeno
em vão pousado
na paina quente.
Insônia amarga
que espera ansiosa
a luz tranqüila
da aurora próxima.

O beijo amoroso
da mãe ou da amiga
pergunta em silêncio.
A cabeça, no entanto,
não pode dizer.
Na sombra do quarto
acende-se em febre
no doce delírio
de um mundo melhor.

NOTURNO MINEIRO

Boa Viagem
dos velhos tempos de Minas.

0 alvo carregador
põe as lembranças no ombro,
recebe o abraço e a gorjeta.
0 chefe apita com força.
Não há lenços, há. camisas
rôtas, meninos e fraldas
acenando nos quintais.

As estrelas da vidraça
e a cara do itinerante
dançam nos óculos
do bacharel disponível.

Na luz morna do carro
a memória acende o olho.
Sinto a primeira viagem,
o trem do oeste, as vacas
descendo a serra, a fazenda
com gente amável no alpendre
e as lavadeiras no vale
como aves mansas pousadas
no córrego claro.

Congonhas do Campo. A cabeça
na janela espia o templo.
Os profetas do Aleijadinho
viajam na segunda classe
mas os museus não percebem.

A madrugada no túnel
acorda os heróis.
A tarde traz a fumaça do
mar. Um homem sozinho.
O mineiro pensa na vida
sentado no cais.

POEMA SIMPLES PARA O ÓRFÃO

Chora. A tua mãe levou nos olhos mortos
a tua madrugada.

Sentirás saudades do carinho perdido
e olharás com tristeza o crepúsculo
sobre o mundo vazio.

Tua mãe é tua infância,
não volta mais.

O MICROSCÓPIO

O olho no microscópio
vê o outro lado, é solene
sondando o indefinível.

Dramática a paciência
do olho através da lente,
buscando o mundo na lâmina.

A tosse espera a sentença,
o Ieito aguarda a resposta.
0 tísico pensa na morte.

O silencio é puro e o frio envolve
o laboratório.
Os frascos tremem de susto.

0 infinito dos germes
reflete no olho imenso
que pousa na objetiva.

0 avental se levanta.
Os dedos inconscientes
escrevem a palavra ríspida.

0 resultado terrível
entra nos óculos do medico
e ele diz: positivo.

0 doente tira o lenço.
Aperta a mulher e o filho,
chora no ombro da esposa.

Imagina a reclusão
no sanatório, a saudade
e o vento no quarto branco.

olha o papel: positivo.
Cresce a palavra com a tosse.
A febre queima a esperança.

0 microscopista, no entanto,
conta anedotas no bar.
Esta alheio e feliz.

Não sabe que o olho esquerdo
ditou a sentença e a morte.
Paga o café e caminha.

MANHÃ

O pão entre as flores de janela,
a vasilha de leite sob o orvalho.
As rosas e as crianças nuas
esperando o sol no alpendre.
Leio no jornal a frase mágica
"Glória aos que amanhecem !"

Galo do vizinho, a lua ainda
perdida no céu claro,
A água fresca no rosto

as idéias como espuma
Amanhece no meu espírito.
sinto as alegrias, os afetos
como corolas acesas.
A gravata como um símbolo.
As roupas leves conduzem
o meu corpo pelas ruas.
Vamos apagar o ódio
da face dos semelhantes.
Vamos rasgar a história.
Façamos de conta, irmãos,
que este dia tão puro
é o primeiro de mundo!

Olho o relógio e a folhinha,
A cabeça cai nas mãos.
Não adianta a alegria
amorosa da manha,
nem os eflúvios, os arroubos.
Amanhece no pássaro, na flor,
no trabalho das abelhas,
na pureza dos meninos,
mas cai a tarde nos ombros,
anoitece nos espíritos.
O homem acorda a nao sabe
que a vida espera na esquina.

O HOMEM DO MUNDO

Quando acordei, nao vi mais os tempos de meu pai
a face de minha mãe não falou de orações.
minha avó rezando na tempestade

e o vulto do Monsenhor entre as rosas da praça.
As perdidas casuarinas no crepúsculo vago,
lembrança de mortos no soluço do vento.

Onde estas, vitrola do bilhar deserto?
Onde arquivaste os discursos de quatorze?
Agora, ouço apenas o clamor dos vivos
unindo os continentes.

Não sou mais o homem do interior, sou o homem do mundo.
Hoje, o meu coração é um alfinete no mapa,
aceso também na hora solidária.

Adeus, alegrias inúteis! A dor bateu às nossas portas.
Temos os olhos enxutos, estamos conscientes.

A DISCOTECA

0 passado surge nos discos,
a voz profunda ressuscita.
Há cavatinas gemendo,
melodias brancas, soluços
do violino em conserva.

A mão nervosa, a batuta
dança no estúdio. Silencio.
A pauta sugere as notas.

Schubert morrendo tísico,
Patápio nas serenatas.
Caruso da um suspiro
no fundo da cera mágica.

A agulha fere o mistério.
Um beijo de lua desce.

Catulo abraça Beethoven
e o luar a doce a limpo
na modinha e na sonata.

Contralto em gestos macios,
sopramos em amplos lamentos.
A tristeza envolve o rosto
do tenor com a flor no peito.

Cansado das vozes mortal
da minha vitrola dócil,
abro a janela, recebo
o forte rumor da noite.
Pregões, gritos na praça,
casal lutando no alpendre
crianças chamando a mãe

O céu grava em cera virgem
o choro vivo do mundo.
________

Fonte:
J.G . de Araujo Jorge. Antologia da Nova Poesia Brasileira. 1. ed. 1948.
- Montagem da imagem = José Feldman

Bueno de Rivera (1911- 1982)


Odorico Bueno de Rivera Filho, mais conhecido por Bueno de Rivera (3 de abril de 1911, Santo Antônio do Monte, Minas Gerais — 25 de junho de 1982, Belo Horizonte) foi um radialista e poeta surrealista brasileiro

Tendo freqüentado apenas o primário, revelou-se um dos melhores de todo o Modernismo brasileiro. Em busca de futuro foi ainda moço para Belo Horizonte, onde aprendeu tipografia e trabalhou no ramo durante vários anos. Mais tarde foi microscopista no serviço de saúde pública e aí se motivou para escrever o marcante poema "O Microscópio".

Bueno de Rivera foi também um dos mais famosos speakers de Minas,tendo atuado longamente na histórica Rádio Mineira. Sabe-se que, ouvindo sua voz no rádio, dona Ângela se enamorara do poeta, antes mesmo de conhecê-lo pessoalmente, e viria a ser depois, para sempre, a sua companheira.

Pela editora José Olympio, publicou Mundo Submerso (1944) e Luz do Pântano (1948); pela Imprensa Oficial de Minas Gerais publicou - mais de 20 anos depois - Pasto de Pedra (1971).

Bueno de Rivera viveu 71 anos. Em 25/06/1982 veio a falecer, deixando viúva dona Ângela, os filhos Isaac e Clara, oito netos e sete irmãos.

Fontes:
- J. G. de Araujo Jorge. Antologia da Nova Poesia Brasileira. 1a ed. 1948.
- Wikipedia

terça-feira, 23 de março de 2010

Trova 131 - Arlene Lima (Maringá/PR)

Rita Elisa Seda (Garimpagem Literária)



Hoje peguei uma linda caixa que normalmente só abro uma vez por mês, ou melhor... algumas vezes por ano (poucas). Ela é toda de madeira texturizada em ocre e na tampa há uma roseta de gesso. Coloquei-a devagar em cima da cama, removi a tampa e vislumbrei os envelopes, de todas as cores, vários tamanhos e selos diversos. Uma alegria. Foi como puxar um fio condutor que nos leva direto ao passado. Tenho uma amiga que diz que sou muito organizada... olhando para aquela montoeira de cartas eliminei essa idéia – não sou assim, tão organizada! Os envelopes deveriam, pelo menos, estarem empilhados cronologicamente. Ainda bem que estavam fora de tempo e num espaço restrito.

Meu Deus! quantas lembranças içadas, várias sensações relembradas, muitas tristezas choradas, inúmeras alegrias conquistadas e o melhor foi reconhecer a evolução das amizades. Li algumas, escondi outras, mas não rasguei alguma. Sei que tudo tem seu momento e que um dia vou querer reler as que deixei de lado.
Foi quando já conseguia ver o fundo da caixa, tirando um enorme envelope pardo, vi a famigerada, a mal-amada, a terrorista das letras, a devoradora de idéias: a senhora dona traça! Lembrei-me do primeiro conselho que recebi quando comecei a escrever – os dois maiores inimigos de uma escritora são: sua morte e a traça. Sendo que a traça leva alguns anos para devorar um livro, mas o viúvo acaba com tudo em 1 minuto. Voltemos à traça! Ela estava gordinha, escura, serelepe se escondeu embaixo da ultima carta. Fui lá, sem dó nem piedade, e zás, esmaguei-a. Adeus corpinho movido por celulose e tinta. Olhei para o lado, encostada na parede, sob a janela, minha mala goiana. E, se nela também estivessem traças? Ainda pior... nos meus baús?! Afinal são vários espalhados em toda casa e dentro deles vários livros, vários é pouco... muitos livros. Verdadeiras preciosidades.

Nessa ciranda onde uma coisa puxa a outra, vieram algumas soluções, coisas simples para serem colocadas nas malas, caixas e baús: laranja sachê espetada de cravos da índia, velas de citronela (apagadas, é claro!), spray mata tudo (apelação) e o golpe final – naftalina. Quem é que agüenta um cheiro desse? Eu, não! mas sei que acaba com a traça, tão sensível, tão culta, com tanta informação em seu corpo, tanta que em sua veia não corre sangue, correm letras. Se duvida, mate uma traça para ver, ou melhor – ler. Decidi apelar, os sprays atuais são ecologicamente corretos; a não ser pelo fato de matar insetos. Chiiiiiiiiiiiiii, por todo canto. E, para que eu não morresse, também, precisei sair de casa.

Aproveitei para ficar no banco Roma, dando nó na ponta dessa ciranda. Como foi que Fernando Pessoa conseguiu eliminar as traças de seu baú? Sim... em Portugal também há traças. A Sônia Gabriel tem uma enorme mala Sheherazade onde podemos ficar mil e uma noites lendo seus contos. Será que por lá apareceu alguma traça? Melhor daqui por diante praticar o que era do feitio de Cora Coralina, a melhor maneira de se guardar livros é... colocando-os na geladeira! Isso mesmo, sempre, a vida toda, a geladeira da poeta era repleta de livros. Uma bela alternativa, economizo luz e tenho uma biblioteca na cozinha. Só sei que a hora que eu puder retornar à minha casa, quando lá o ar estiver respirável novamente, vou fazer algumas mudanças significativas... para as traças!

Fonte:
http://www.entrementes.com.br

Milton T. Mendonça (O Retrato de Ludmila)


Ao entrar no ateliê para mais uma seção de pintura, hoje pela manhã, a placa com os dizeres: livrai-me senhor dos abestados e dos atoleimados, que peguei emprestado de Hilda Hilst (Os dizeres e não a placa, infelizmente não a conheci pessoalmente), que coloco em cima da porta para espantar os espíritos de porco, olhou-me alerta esperando me pegar desprevenido. Meu sorriso foi inevitável. Imaginei-a sentada na sala, encurvada sobre a mesa de tampo redondo e brilhante, escrevendo seus textos, a lucidez estalando, vibrando a sua volta como uma descarga elétrica, fazendo saltar todos aqueles que raso na suas intenções entravam desavisados em seu horizonte. Meu sorriso se estendeu, senti ímpeto de gargalhar. Por algum motivo, quando percebo aquela placa, que há anos está no mesmo lugar, o dia fica diferente, é como se algo bom fosse acontecer. O dia começara bem.

Alegre voltei meus olhos para a tela sobre o cavalete. Fazem mais de duas semanas que o retrato está sendo elaborado, pensei que terminaria em dez dias como os outros, mas não deu, este é diferente. Faz parte da série de convidadas que estou pintando. É o segundo da série. Convidei-as por serem especiais, são algumas das mulheres que se preocupam com a cultura joséense, todas se esforçam para, de uma maneira ou de outra, deixar o povo menos atoleimado e isso para mim é uma causa muito nobre.

Parei em frente ao cavalete e aqueles olhos verdes, enormes, irradiando inteligência me olharam inquiridores. Faltam apenas algumas pinceladas para terminar. Essa é a parte mais difícil. Como já sei o que fazer, termino rapidamente.

A arte consiste em saber finalizar. O propósito caminha até o ponto da concretização, não podemos ultrapassa-lo ou ele se perde caindo no caos. Assino, está pronto. Não posso mais acrescentar nada. Esta é uma regra que para o bem do meu equilíbrio mental não quebro em hipótese alguma. É a minha gravidade.

Coloquei meus óculos para enxergar de longe e analisei o quadro com cuidado. Fiquei feliz por ter assinado assim que me sento, outra alternativa para construir a mão surge espontânea em minha imaginação, mas não sinto vontade de pegar o pincel. A força descomunal que me fez pintar aquele retrato extinguiu-se. Sinto-me tranqüilo e espantado por ter conseguido terminar. É uma sensação extremamente agradável apesar de contraditórias.

A luz da lanterna que o interlocutor joga sobre o rosto da sacerdotisa que me olha da tela, se espalha para todos os lados chocando-se e refletindo, voltando a chocar-se até criar a imagem que estou vendo, ela é única exatamente por só poder ser vista por mim. Sabemos que a luz só é percebida quando incide diretamente sobre a pupila, somente eu posso vê-la, portanto, preciso ser honesto na hora de retrata-la. Calculo os possíveis ângulos da luz rapidamente, poderia ter colocado mais sombra ali, mais luz acolá, percebo incomodado, mas não sinto vontade de me levantar, está terminado. No próximo acrescento, prometo cansado, sei que este é apenas um estudo.

Quando recebi a foto que ela me mandou, fiquei preocupado, era um close. Como colocar aquele rosto em uma tela cinqüenta por setenta? – perguntei-me ansioso. A sacerdotisa pagã, meio Celta, meio cigana veio a minha mente quase imediatamente. A Ludmila é assim: uma sacerdotisa do século XII, obrigada a viver no século XXI por força do tempo que não para.

Não gosto de fazer retrato baseado em fotografia. A fotografia é uma arte por si só, essa tal de releitura é um negócio que ainda não digeri direito. Sempre imagino estar em frente ao modelo – claro que tem exceção – o primeiro retrato desta série, o da Sônia Gabriel, por exemplo, copiei descaradamente da foto. O fotógrafo, apesar de ter recém entrado na adolescência, conseguiu captar a luz ideal, um verdadeiro olhar de gênio.

Pretendo pintar nove telas, ou quase isso, minhas convidadas são arredias e, como demorei em criar coragem para expor minha arte ao público, sou um senhor desconhecido e isto espanta os colaboradores. Infelizmente o ser humano gosta mesmo é de acompanhar a opinião da maioria. Faz parte da genética acho. Lembranças de aventuras imemoriais. Deu certo com um é provável que de certo com muitos – algo assim.

A calma invade meu corpo e saboreio a visão do retrato por um longo tempo. Será que ela vai gostar? – pergunto-me preocupado mas logo afasto a duvida. Ela me deu carta branca, não poderá reclamar. Mas não creio que emitirá sua opinião, se contentará com um franzir de nariz ou um comentário sarcástico sobre a minha idealização, não espero mais que isso. Estou satisfeito.

Levanto-me e vou a procura da máquina fotográfica. Ela será a primeira a receber a imagem. Uma pequena deferência pelo imenso prazer que me proporcionou.

Fonte:
http://www.entrementes.com.br/