sábado, 7 de junho de 2008

Augusto dos Anjos (A máscara)

Eu sei que há muito pranto na existência,
Dores que ferem corações de pedra,
E onde a vida borbulha e o sangue medra,
Aí existe a mágoa em sua essência.
No delírio, porém, da febre ardente
Da ventura fugaz e transitória
O peito rompe a capa tormentória
Para sorrindo palpitar contente.

Assim a turba inconsciente passa,
Muitos que esgotam do prazer a taça
Sentem no peito a dor indefinida.

E entre a mágoa que masc’ra eterna apouca
A humanidade ri-se e ri-se louca
No carnaval intérmino da vida.

José Lins do Rego (O rio)

O rio Paraíba corria bem próximo ao cercado. Chamavam-no "o rio". E era tudo. Em tempos antigos fora muito mais estreito. Os marizeiros e as ingazeiras apertavam as duas margens e as águas corriam em leito mais fundo. Agora era largo e, quando descia nas grandes enchentes, fazia medo. Contava-se o tempo pelas eras das cheias. Isto se deu na cheia de 93, aquilo se fez depois da cheia de 68. Para nós meninos, o rio era mesmo a nossa serventia nos tempos de verão, quando as águas partiam e se retinham nos poços. Os moleques saíam para lavar os cavalos e íamos com eles. Havia o Poço das Pedras, lá para as bandas da Paciência. Punham-se os animais dentro d'água e ficávamos nos banhos, nos cangapés. Os aruás cobriam os lajedos, botando gosma pelo casco. Nas grandes secas o povo comia aruá que tinha gosto de lama. O leito do rio cobria-se de junco e faziam-se plantações de batata-doce pelas vazantes. Era o bom rio da seca a pagar o que fizera de mau nas cheias devastadoras. E quando ainda não partia a corrente, o povo grande do engenho armava banheiros de palha para o banho das moças. As minhas tias desciam para a água fria do Paraíba que ainda não cortava sabão.

O rio para mim seria um ponto de contato com o mundo. Quando estava ele de barreira a barreira, no marizeiro maior, amarravam a canoa que Zé Guedes manobrava.

Vinham cargueiros do outro lado pedindo passagem. Tiravam as cangalhas dos cavalos e, enquanto os canoeiros remavam a toda a força, os animais, com as cabeças agarradas pelo cabresto, seguiam nadando ao lado da embarcação. Ouvia então a conversa dos estranhos. Quase sempre eram aguardenteiros contrabandistas que atravessavam, vindos dos engenhos de Itambé com destino ao sertão. Falavam do outro lado do mundo, de terras que não eram de meu avô. Os grandes do engenho não gostavam de me ver metido com aquela gente. Às vezes o meu avô aparecia para dar gritos. Escondia-me no fundo da canoa até que ele fosse para longe. Uma vez eu e o moleque Ricardo chegamos na beira do rio e não havia ninguém. O Paraíba dava somente um nado e corria no manso, sem correnteza forte. Ricardo desatou a corda, meteu-se na canoa comigo, e quando procurou manobrar era impossível. A canoa foi descendo de rio abaixo aos arrancos da água. Não havia força que pudesse contê-la. Pus-me a chorar alto, senti-me arrastado para o fim da terra. Mas Zé Guedes, vendo a canoa solta, correu pela beira do rio e foi nos pegar quase que no Poço das Pedras. Ricardo nem tomara conhecimento do desastre. Estava sentado na popa. Zé Guedes porém deu-lhe umas lapadas de cinturão e gritou para mim:

- Vou dizer ao velho!

Não disse nada. Apenas a viagem malograda me deixou alarmado. Fiquei com medo da canoa e apavorado com o rio. Só mais tarde é que voltaria ele a ser para mim mestre de vida.

biografia do autor postada em 8 de maio.

Fonte:
O Melhor da Crônica Brasileira", José Olympio Editora - Rio de Janeiro, 1997. Disponivel em http://www.releituras.com/

José Lins do Rego (Onde estão as borboletas azuis?)

O dia hoje está uma maravilha e, aqui de minha casa, eu olho para a lagoa que tem as águas luminosas pelo sol de maio que há pouco nascera. É uma manhã de glória como dizem os poetas, e para gozá-la, saio a passear.

Nada nesta cidade se parece mais com um recanto de romance que esta lagoa mansa, sem rumores de ondas, quieta, sem arrogâncias de águas raivosas. Tudo por aqui é como se fosse domado pela mão do homem, lagoa doméstica que, pela sabedoria sanitária do Saturnino de Brito, se transformara, de foco de mosquitos e de febres, em esplendor de beleza, capaz de em planos de bom urbanista ser o orgulho de uma cidade. Mas, mal o cronista apaixonado pelos recantos idílicos da natureza inicia a sua viagem lírica, começa a sentir que os homens são criaturas sem entranhas, terríveis criaturas sem amor ao que deviam amar, sem cuidado pelo que deviam cuidar.

Porque, mal me pus a andar pelas terras que circundam a lagoa, o que vi não é para que se conte.

Há quem diga e afirme que o brasileiro não gosta da natureza. Que todos somos inimigos das árvores, dos rios, da terra. E há a teoria de que o pavor da floresta nos transformara em citadinos, em derrubadores de matas, queimadores de terras. Mas esta teoria não corresponde à realidade, se nos voltarmos para os bosques e jardins de outrora que por toda a parte alegravam as nossas cidades.

Aqui no Rio de tempos para cá, deu nos homens de Governo uma verdadeira doença que é este desprezo e quase ódio pelos nossos recantos da natureza.

Há o caso das matas da Tijuca para uma exceção honrosa. Mas, por outro lado, há este caso da Lagoa Rodrigo de Freitas, como um crime monstruoso. Porque tudo que é erros e mais erros foram cometidos em relação à paisagem deste maravilhoso pedaço de nossa cidade.

Isto de se conduzir o lixo do Rio para aterrar trechos e trechos de uma massa líquida que é um regalo para os olhos, não merece nem um comentário, pela estupidez, pela lamentável grosseria de homens que não respeitam nada.

E feito isto não há quem possa se aproximar da lagoa Rodrigo de Freitas. Lá estão os bichos podres, uma fedentina horrível a atrair urubus como numa "sapucaia". E o que podia ser uma atração para os que pretendessem repousar, é aquilo que nos envergonha e nos dói.

O Sr. Hildebrando de Góis, que saneou a "Baixada Fluminense", se quiser encontrar o que sanear, que faça este passeio a que o modesto cronista se arriscou, por entre lixos, com urubus quase a roçarem-lhe o rosto.

Onde estão as borboletas azuis do poeta Casimiro?

Fonte:
O Melhor da Crônica Brasileira", José Olympio Editora - Rio de Janeiro, 1997. Disponivel em http://www.releituras.com/

Academia Paraibana de Letras

Na Paraíba, em fins do século XIX, o movimento intelectual teve um surto renovador da maior importância. Os jornais que circulavam em nosso Estado, dirigidos por grandes jornalistas da época, com a cooperação de corpo redacional da melhor categoria, se tornaram centros culturais em que os vocacionados para as letras, manifestavam as suas tendências literárias.

Muitas entidades destinadas ao cultivo do espírito foram se formando,como bem assinalou o acadêmico Eduardo Martins em esboço histórico intitulado "Instituições Paraibanas de Cultura – 1801-1941", publicado na Revista da Academia Paraibana de Letras, n.º 8, ano 26, setembro de 1978, pp. 175/180. Enumerou as associações surgidas e que "foram, sem dúvida, as precursoras dessa vida laboriosa das letras", no Estado. Relacionou em seu artigo as seguintes entidades: Clube Literário e Recreativo, Clube Cardoso Vieira, Centro Literário Paraibano, Clube Literário Benjamim Constant, Clube Sete de Setembro, Instituto Histórico Geográfico Paraibano, Associação dos Homens de Letras, que deu origem a Academia dos Novos, Gabinete de Estudinhos de Geografia e História da Paraíba.

Apenas o IHGP mantém-se em atividade, os demais tiveram vida efêmera. Certamente as idéias, as aspirações e os sonhos desses homens de letras motivaram Coriolano de Medeiros a reunir um grupo formado por Mathias Freire, Horácio de Almeida, Luiz Pinto, Rocha Barreto, Álvaro de Carvalho, Durwal Albuquerque, Veiga Júnior, Celso Mariz e Hortêncio Ribeiro (este representado por procuração) constituindo-se em autênticos fundadores da Academia.

Na tarde do dia 14 de setembro de 1941, o professor Coriolano de Medeiros concretizou o seu ideal de criar a "Casa do Pensamento da Paraíba". Este era o único Estado da Federação que ainda não contava com uma entidade desse tipo. A reunião inaugural realizou-se no gabinete do diretor da Biblioteca Pública do Estado.

Em poucas palavras, Coriolano de Medeiros assumiu a direção dos trabalhos, disse da finalidade daquele encontro, declarou que estava fundada a Academia Paraibana de Letras, destinada a "perpetuar as tradições literárias da Paraíba". Por sugestão do Côn. Mathias Freire, Coriolano passou a presidir a novel instituição, dessa data até 14 de setembro de 1946, quando renunciou, por motivo de saúde.

Foi eleito, naquele mesmo dia, o Dr. Oscar de Oliveira Castro que, em seu breve discurso de agradecimento, disse: "Coriolano de Medeiros continua sendo o Presidente de Honra desta Casa, que lhe deve tão assinalados trabalhos."

Para caracterizar a instituição, criou-se um emblema, idealizado pelo Côn. Mathias Freire e desenhado pelo Prof. Eduardo Stuckert; a insígnia traz, além do nome e da data de criação da APL, o desenho de um sol, simbolizando a inteligência e o talento dos que integram o sodalício. A expressão latina, também sugerida pelo Côn. Mathias Freire, "DECUS ET OPUS", que se traduz Estética e Trabalho, tornou-se o lema da associação.

Inicialmente, a APL contou com 11 cadeiras, número, depois, aumentado para 30. Em 1959, com a reforma dos estatutos criaram-se mais 10, fixando-se, oficialmente, em 40.

Todos com patronos, escolhidos, entre os nomes mais representativos das nossa intelectualidade. São eles: Augusto dos Anjos, Arruda Câmara, Albino Meira, Adolpho Cirne, Alcides Bezerra, Aristides Lobo, Arthur Achiles, Afonso Campos, Antonio Gomes, Cardoso Vieira, Cordeiro Sênior, Coelho Lisboa, Diogo Velho, Eliseu Cézar, Eugênio Toscano, Francisco Antônio Carneiro da Cunha, Gama e Melo, Irineu Joffily, Irineu Pinto, Joaquim da Silva, Maximiano Machado, Maciel Pinheiro, Neves Júnior, Pedro Américo, Perillo Doliveira, Pe. Inácio Rolim, Pe. Azevedo, Pe. Lindolfo Correia, Rodrigues de Carvalho, Santos Estanislau, Epitácio Pessoa, Carlos Dias Fernandes, Castro Pinto, Pereira da Silva, Raul Machado, Tavares Cavalcanti, Allyrio Wanderley, Américo Falcão, José Lins do Rego, Mello Leitão.

A Sede - Nos primeiros tempos, tiveram os acadêmicos de enfrentar grandes problemas financeiros. Por causa disso, reuniam-se, inicialmente, na Biblioteca Pública, onde se instalaram por mais de dois meses. Posteriormente, na residência do confrade Côn. Mathias Freire, Vice-Presidente da Instituição. Depois, abrigou-se na casa do acadêmico Álvaro de Carvalho.

Oscar de Castro, após assumir, a Presidência, procurou o Prefeito Municipal da época, Dr. Abelardo Jurema, obtendo a doação, em 1947 do prédio n.º 179, situado à Rua Visconde de Pelotas, para que, ali, se instalasse a Academia.

A pequena dimensão do terreno não permitiu, porém, a construção do nosso silogeu. Finalmente, por compra do velho casarão de número 25, situado à Rua Duque de Caxias, desta Capital, conseguiu-se a sede própria. Nela se encontra até hoje.

O Estado da Paraíba, na administração do então Governador Tarcísio de Miranda Burity, forneceu recursos para aquisição do prédio contíguo, de n.º 37 que se deu por escritura pública, lavrada em 26 de novembro de 1981. Os dois imóveis, passaram a formar uma só unidade imobiliária. Neles situa-se a Casa de Coriolano de Medeiros.

Os edifícios conjugados passaram por diversas reformas, principalmente a realizada na gestão do acadêmico, Dr. Manuel Batista de Medeiros, hoje, é o mais importante ‘centro de cultura’ do Estado, não só pela ação daquele excelente administrador, mas de outros que o sucederam.

O ex-presidente, acadêmico Luiz Augusto Crispim, entre outras benfeitorias, criou o Memorial Augusto dos Anjos (1984), que foi totalmente revitalizado, sendo reinaugurado na passagem do sexagésimo aniversário de fundação da instituição, ocorrido em 14 de setembro de 2001, na administração do escritor Joacil de Britto Pereira

A APL é filiada à Federação das Academias de Letras do Brasil, e reconhecida de utilidade pública, entidade de direito privado, sem fins lucrativos. Esse reconhecimento se deu pela Lei Municipal n.º 39, de 23.08.1948.

Tem a sua biblioteca registrada no Instituto Nacional do Livro (INL), com o nome de Biblioteca Álvaro de Carvalho.

Desde a sua fundação, a entidade já foi dirigida por 10 presidentes: Coriolano de Medeiros (1941-1946), Oscar de Castro (1946-1970), Clovis Lima (1970-1973), Higino Brito (1973-1976), Aurélio de Albuquerque (1976-1978), Afonso Pereira (1978-1984), Luís Augusto Crispim (1984-1991), Manuel Batista de Medeiros (1991 -1994), Joacil de Britto Pereira (1994-1996), Wellington Hermes Vasconcelos de Aguiar (1996-1998). Atualmente é presidida pelo escritor Joacil de Britto Pereira, estando este no seu terceiro mandato.

O Conselho Diretor editou 17 revistas, além de outras publicações e criou um periódico, que já está na 27 ª tiragem.

Aberta ao público, realiza na última sexta-feira de cada mês, o ‘Chá Acadêmico’. Tem lançado, em seu Auditório Celso Furtado e em seu Jardim de Academos, livros de sócios, e de escritores alheios aos seus quadros.

Acresceu ao número de sócios beneméritos e correspondentes algumas ilustres personalidades. Da mesma forma ampliou, embora com parcimônia, o número dos sócios honorários.

A Academia é um centro ativo, vivo e dinâmico, estuante de entusiasmo.
Acadêmicos
Acadêmicos - Respectivas Cadeiras - Naturalidade
ALTIMAR de Alencar PIMENTEL - 1 - Maceió - AL
ADYLLA Rocha RABELLO - 2 - J. Pessoa
LUIZ AUGUSTO da Franca CRISPIM - 3 - J. Pessoa
JOSÉ LOUREIRO Lopes - 4 - Piancó
OSWALDO TRIGUEIRO DO VALLE - 5 -Cruz do Espírito Santo
HILDEBERTO BARBOSA Filho - 6 - Aroeiras
DORGIVAL TERCEIRO NETO - 7 - Taperoá
ASCENDINO LEITE - 8 - Conceição
MANUEL BATISTA de Medeiros - 9 - Pedra Lavrada
JOSÉ OCTÁVIO de Arruda Mello - 10 - J. Pessoa
José JACKSON de Carneiro CARVALHO - 11 - Caiçara
WELLINGTON Hermes Vasconcelos de AGUIAR - 12 - J. Pessoa
José GLÁUCIO VEIGA - 13 - C. Grande
RONALDO José da CUNHA LIMA - 14 - Guarabira
PAULO Gustavo GALVÃO - 15 - C. Grande
DEUSDEDIT Vasconcelos LEITÃO - 16 - Cajazeiras
JOACIL DE BRITTO PEREIRA - 17 - Caicó RN
LUIZ HUGO Guimarães - 18 - J.Pessoa
GUILHERME Gomes da Silveira D´AVILA LINS - 19 - J.Pessoa
ELIZABETH Figueiredo Agra MARINHEIRO - 20 - C. Grande
FLÁVIO SÁTIRO Fernandes - 21 - Patos
JOMAR MORAIS Souto - 22 - Santa Luzia
MARIANA Cantalice SOARES - 23 - J. Pessoa
EVALDO GONÇALVES de Queiroz - 24 - São João do Cariri
JOSÉ RAFAEL Menezes - 25 - Monteiro
Antônio JUAREZ FARIAS - 26 - Cabaceiras
CARLOS Augusto ROMERO - 27 - Alagoa Nova
MARCOS Augusto TRINDADE - 28 - J. Pessoa
AFONSO PEREIRA da Silva - 29 - Bonito de Santa Fé
OTÁVIO Augusto SITÔNIO Pinto - 30 -Princesa Izabel
ÂNGELA BEZERRA DE CASTRO - 31 -Bananeiras
WILLS LEAL - 32 - Alagoa Nova
DAMIÃO Ramos CAVALCANTI - 33 -Pilar
HUMBERTO Cavalcanti MELLO - 34 -J. Pessoa
ARIANO Villar SUASSUNA - 35 -J. Pessoa
EURIVALDO Caldas TAVARES - 36 - J. Pessoa
Luiz GONZAGA RODRIGUES - 37 - Alagoa Nova
LUIZ NUNES Alves - 38 - Água Branca
SÉRGIO Martinho Aquino DE CASTRO PINTO - 39 - J. Pessoa
ANTÔNIO de Souza SOBRINHO - 40 - Cajazeiras

Brasão e Bandeira
Academia mantém como distintivos um símbolo em círculos concêntricos com o dístico: ACADEMIA PARAIBANA DE LETRAS, na parte superior, e, na inferior, a data 14 de setembro de 1941, e, no centro, um sol estilizado com a legenda Decus et Opus - Estética e Trabalho.

A Academia tem a sua bandeira, em cor azul-marinho e amarelo, na qual se repetem o dístico definido no artigo anterior, de acordo com o desenho de autoria de Eduardo Stuckert e aprovado quando se fez o primeiro estatuto. E, ainda um círculo formado por palmas verdes, rodeadas por tochas com flamantes.

Fonte:
Academia Paraibana de Letras
http://www2.aplpb.com.br/

Eno Teodoro Wanke (1929-2001)

por Filemon F. Martins

"Um livro pode ser nosso sem nos pertencer. Só um livro lido nos pertence realmente". (Eno Teodoro Wanke)

Nasceu em Ponta Grossa, Paraná, a 23 de junho de 1929. Filho de Ernesto Francisco Wanke e de Lucilla Klüppel Wanke. Aprendeu as primeiras letras na Escola Evangélica Alemã, de sua cidade natal. Quando a escola foi fechada em razão do advento do Estado Novo, o futuro escritor foi transferido para o Liceu dos Campos, cuja proprietária era a educadora Judith Silveira, hoje nome de rua na cidade.

Estudou também no Colégio Regente Feijó, de Ponta Grossa, no Colégio Santa Cruz, da cidade de Castro, PR, onde completou o ginásio. Em 1948, transferiu-se para Curitiba, PR, onde terminou o científico no Colégio Iguaçu e em 1949, após vestibular, entrou para a Escola de Engenharia Civil da Universidade do Paraná, formando-se em 1953. Trabalhou na Prefeitura de Ponta Grossa (1954-1955). Atuou como fiscal de construção de uma linha de alta tensão elétrica em Curitiba, da Companhia Força e Luz do Paraná.

Em 1957 ingressou, por concurso, no curso de Refinação de Petróleo, da Petrobrás, no Rio, passando a trabalhar em 1958 na Refinaria Presidente Bernardes de Cubatão, SP, residindo em Santos, onde viveu onze anos. A partir de 1969 passou a residir no Rio de Janeiro, onde fez carreira dentro da Empresa.

Começou a escrever desde os doze anos. Poeta, Trovador, Contista, Cronista, Biógrafo, Ensaísta, Historiador, Fabulista e Prefaciador, entre outros. Como sonetista de primeira, obteve com o soneto APELO, 160 versões para 95 idiomas e dialetos. É o soneto em português mais traduzido para idiomas estrangeiros:
“Eu venho da lição dos tempos idos
e vejo a guerra no horizonte armada.
Será que os homens bons não fazem nada?
Será que não me prestarão ouvidos?

Eu vejo a Humanidade manejada
em prol dos interesses corrompidos.
É mister acabar com esta espada
suspensa sobre os lares oprimidos!

É preciso ganhar maturidade
no fomento da paz e da verdade,
na supressão do mal e da loucura...

Que a estrutura econômica da guerra
se faça em pó! E que reinem sobre a terra
os frutos do trabalho e da fartura!”.

Como trovador, escreveu trovas magníficas e inesquecíveis, como estas, entre outras:
“Senhor! Que eu pratique o bem
separe o joio do trigo,
e tenha força também
de amar o irmão inimigo.”

“Na praia deserta, eu penso
que a imagem da solidão
começa no mar imenso
e finda em meu coração.”

“Quem vai ao mar deitar rede
que tome cuidado, tome!
o mar nunca teve sede,
mas nunca vi tanta fome!”

“Seguindo a trilha infinita
do meu destino estrelado,
eu sou aquele que habita
a ilusão de ser amado.”

“O meu destino se encerra
num grave e eterno conflito:
- meu corpo é feito de terra,
- meu coração, de infinito.”

A obra de Eno Theodoro Wanke é extensa e variada. Eis as principais: “NAS MINHAS HORAS” (poesia, 1953), “MICROTROVAS” (1961), “OS HOMENS DO PLANETA AZUL” (sonetos, 1965), “OS CAMPOS DO NUNCA MAIS” (poesia, 1967), “VIA DOLOROSA” (sonetos religiosos, 1972), “A TROVA” (estudo, 1973), “A TROVA POPULAR” (estudo, 1974), “A TROVA LITERÁRIA” (estudo, 1976), “REFLEXÕES MAROTINHAS” (pensamentos humorísticos, 1981), “VIDA E LUTA DO TROVADO RODOLFO CAVALCANTE” (biografia, 1982), “A CARPINTARIA DO VERSO” (didática da metrificação, 1982, 1989, 1990 e 1994), “DE ROSAS & DE LÍRIOS” (minicontos, 1987), “O ACENDEDOR DE SONETOS” (líricos, 1991), “ALMA DO SÉCULO” (sonetos, 1991), “FÁBULAS” (1993), “ADELMAR TAVARES, UM TROVADOR AO LUAR” (biografia, 1997), “ANTOLOGIA DE SONETOS SOBRE A TROVA” (1998), “CONTOS BEM-HUMORADOS” (1998), “FARIS MICHAELE, O TAPEJARA” (biografia, 1999), “ELUCIDÁRIO MÉTRICO” (metrificação, 2000) e “APARÍCIO FERNANDES, TROVADOR E ANTOLOGISTA” (biografia, 2000).

O escritor transitou do CLÁSSICO ao MODERNISMO com elegância e competência, passando pelo lirismo, romantismo, parnasianismo, às vezes até irreverente como no caso de “NESTE LUGAR SOLITÁRIO” (a trova em grafitos de banheiro, 1988) e “ANTOLOGIA DA TROVA ESCABROSA” (1989), aderindo, de forma brilhante ao TROVISMO, desde o seu primeiro momento, em 1950, tornando-se um dos maiores propagadores e historiadores do Movimento da Trova Brasileira.

Eno foi um escritor exuberante, multiforme e polivalente. Alguns CLECS (pensamentos humorísticos) de Eno, selecionados por Elmar Joenck, publicados em 1998: “Quando um adjetivo mente, ele, por castigo, vira advérbio. Folha que se desprende da árvore não volta nunca mais. Melhor perder o trem do que perder a linha. O sol nasce para todos. Mas a maioria prefere dormir um pouco mais. Um tolo inteligente não fala, que é para não revelar sua condição”. Organizou e participou ao lado do Trovador Clério José Borges de Sant’Anna, dos Seminários Nacionais da Trova, no Estado do Espírito Santo, organizados pelo Clube dos Trovadores Capixabas, de 1981 a 1999. Recebeu o título de Cidadão Espírito-santense, conferido pela Assembléia Legislativa do Estado do Espírito Santo. Faleceu a 28 de maio de 2001, deixando livros e livrotes que ultrapassam 1000 títulos.

Está presente em várias obras de Aparício Fernandes, entre outras: “NOSSAS TROVAS”, 1973; “NOSSOS POETAS”, 1974; “POETAS DO BRASIL”, 1975; “ANUÁRIO DE POETAS DO BRASIL”, 1976, 1977, 1978, 1979, 1980 e 1981; “NOSSA MENSAGEM”, 1977; “ESCRITORES DO BRASIL”, 1979, 1980. Participou também das “COLETÂNEAS DE TROVAS BRASILEIRAS”, organizadas pelo Trovador Fernandes Vianna, Recife, PE. Verbete de inúmeras obras literárias, entre outras: ENCICLOPÉDIA DE LITERATURA BRASILEIRA, de Afrânio Coutinho e J. Galante de Sousa, edição do MEC, 1990, edição revista e atualizada por Graça Coutinho e Rita Moutinho Botelho, em 2001.

Fontes:
http://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.php?cod=7644&cat=Ensaios&vinda=S
http://www.consciencia.net/citacoes/wx/wanke.html

Eno Teodoro Wanke (Trovas)

1
Ó rosa, nobre e bonita,
que encantamento trazeis!
Em vossa beleza habita
a majestade dos reis.

2
É bom repartir o vinho
da alegria em nosso andar.
São os risos do caminho
que ajudam a bem chegar.

3
Meu caro poeta: o Universo
espera atendas meu rogo:
- Ou pões mais fogo no verso,
ou pões o verso no fogo!

4
O meu destino se encerra
num grave e eterno conflito:
- Meu corpo é feito de terra,
meu coração, de infinito.

5
Não há nada mais profundo,
mais belo e comovedor,
nem maior poder no mundo
que um simples gesto de amor!

6
Felicidade, vantagem
que todos querem ganhar,
não é bem um fim de viagem,
é um modo de viajar.

7
Pinheiro, dais a guarida,
o fogo, o fruto, o conforto.
- No berço, trazeis a vida.
- No caixão, levais o morto.

8
Quem vai ao mar deitar rede,
que tome cuidado, tome!
O mar nunca teve sede,
mas nunca vi tanta fome.
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Fonte:
TABORDA, Vasco José e WOCZIKOSKY, Orlando (organizadores). Antologia de Trovadores do Paraná. Curitiba: Edição de O Formigueiro - Instituto Assistencial de Autores do Paraná.

Eno Teodoro Wanke (Sonetos)

APELO

Eu venho da lição dos tempos idos
e vejo a guerra no horizonte armada.
Será que os homens bons não fazem nada?
Será que não me prestarão ouvidos?

Eu vejo a Humanidade manejada
em prol dos interesses corrompidos.
É mister acabar com esta espada
suspensa sobre os lares oprimidos!

É preciso ganhar maturidade
no fomento da paz e da verdade,
na supressão do mal e da loucura...

Que a estrutura econômica da guerra
se faça em pó! E que reinem sobre a terra
os frutos do trabalho e da fartura!


O NASCIMENTO DO SONETO

Há pouco tive um pensamento estranho:
"Que tal se hoje eu fizesse algum soneto?"
Estou até de veia... Eis que o tamanho
da inspiração já deu para um quarteto!

Bobagem continuar, porém. Que ganho?
Caiu-me o lápis. Já apontei. É preto.
E como faz calor! — Me espera um banho
gelado assim termine este soneto.

Estou também com sono. Que preguiça!
Mas, amanhã é domingo. Irei à missa?!
Não sei. Depois, decidirei se vou.

Ai, ai... Vou terminar logo em seguida
com isto. Estou com sede. Puxa vida!
— E o parto do soneto terminou!


SONETO VAZIO

Se este é o primeiro verso de um soneto,
eis o segundo do soneto acima.
Terceiro verso: Santo Deus, que meto
agora aqui no quarto? Desanima!

E, lido o quinto verso, lhes prometo
um sexto! E atenção, que já termina!
No sétimo, reparo que o quarteto
acaba neste oitavo. E tome a rima!

E aqui, meu nono verso, meus senhores,
no décimo, sugiro-lhes paciência,
do undécimo habilmente me descarto!

Duodécimo: E que tal falar de amores?
Mas... Décimo-terceiro! A penitência
tem chave de ouro, enfim: décimo-quarto!

GAMA

Eu quero ser poesia. Eu quero ser
a simples voz das coisas, o acalanto
da luz tremeluzindo ao claro encanto
dos namorados ébrios de prazer...

Eu quero aquele mágico poder
da música em surdina, ser quebranto
de lágrimas nos olhos que amo tanto,
ser quase um objetivo de viver...

Eu quero ser o sonho cristalino
do absorto pensamento do menino
olhando para as nuvens do sol-pôr...

Eu quero ser a voz azul dos passos
que os pássaros escrevem nos espaços,
eu quero ser poesia. Eu quero amor.

PSI

Nem sabes, filho meu, quanto prazer
me causas, quando observo que desponta
em ti uma juventude alegre e pronta
à nítida conquista de viver!

Já fui exuberante assim, um ser
risonho, todo envolto em faz-de-conta
— e às vezes minha mãe surgia, tonta
das traquinagens feitas sem querer...

Revivo os tempos do meu tempo, e sei
definitivamente o que é ser rei
singrando os mares do sentir risonho...

És meu caminho de ontem, eu-menino,
e quero apenas, filho, que o destino
te faça tudo aquilo que eu te sonho!

ÔMEGA

Se podes namorar? Querida filha,
quem sou, para dizer? — Quando o botão
de rosa espia o mundo, ansioso, não
o impedirei de abrir-se em maravilha!

És juventude, e seguirás a trilha
do teu destino. E desabrocharão
teus dias, tua vida, do clarão
da aurora que hoje inicialmente brilha...

O ciclo do lirismo se completa
e em ti revivo anseios de um poeta
que muito ardeu de amor e muito quis...

Adivinhando as nuvens do teu sonho,
querida filha, em tuas mãos deponho
o meu consentimento. Sê feliz!

EPÍLOGO

As flores, esmagadas pelo duro
caminho em nossos passos, tão floridos,
deixaram seus perfumes coloridos
em tudo o que procuras e procuro.

Felicidade é um fruto já maduro,
e a vida nos encontra já sofridos...
Os filhos, tão sonhados e vividos,
já podem caminhar pelo futuro!

Agora, ao som do tilintar das taças
felizes, neste festival de graças
que nosso lar recebe do Senhor,

só peço a Deus que afaste a nuvem triste,
conserve em nós a luz que em nós existe,
e seja amor, completamente amor!

SAUDADE

Mas que saudade, que saudade a minha,
saudade imensa de sentir poesia,
poesia em tudo, assim como eu sentia
enquanto eu tinha o coração que eu tinha...

Porque já tive um coração um dia,
que disparava, ou quase se detinha
se ela aos meus braços palpitante vinha,
e que ternuras doidas consumia...

Vivia então constantemente imerso
na mágica do sonho, no universo
do amor ao ser que eu pressupunha meu...

Não vivo mais. Vegeto, na esperança
de achá-la ainda — à ladra que, tão mansa,
levou meu coração... Não devolveu...

DESEJOS DE RETORNO

Eu quero pôr de novo as calças rotas,
sair na chuva, andar pela calçada,
juntar-me à garrulice alvoroçada
dos bandos de garotos e garotas!

Sentir de novo as arrepiantes gotas
no rosto, os pés metidos na enxurrada,
o espírito zanzando, sem mais nada,
sem mais me preocuparem coisas doutas...

Não posso trabalhar... Nesta vidraça
que o meu suspiro de saudade embaça,
escorrem cristalizações de sonho...

Ah, Fausto, eu te compreendo! Se o demônio
surgisse agora, eu tinha a alma danada
em troca de zanzar pela enxurrada!
.
Fonte:
http://paginas.terra.com.br/arte/PopBox/sonetario/wanke.htm

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Miguel Sanches Neto (Do perigo das idéias fixas)

Como escrever é carência, estratégia para preencher vazios, o autor sempre quer a aprovação amorosa de seu trabalho. Por isso acaba invariavelmente se frustrando, por melhor que seu livro seja. Haverá sim aprovação, algumas meramente diplomáticas, escritas com palavras gastas em cartões ligeiros, outras de uma verdade comovente, mas é impossível controlar a rejeição, que veste os mais variados trajes.

Um autor, cujo livro teve cobertura completa nos canais de comunicação, sofre porque certo jornalista não o citou em sua coluna. De repente, por essa omissão talvez involuntária, sua alegria se perde e ele se sente vencido, sem a mínima vontade de escrever.

Um ser com os nervos à flor da pele, assim é o escritor. E uma pele fina, tão fina que qualquer palavra mais áspera a rompe. Muitas vezes, não precisa haver nem a palavra. Basta um silêncio. E ei-lo todo esfolado diante de sua imperdoável consciência.

Com o lançamento de Chove sobre minha infância, recebi, de vários leitores que adoraram o romance, restrições quanto a este ou àquele capítulo. No começo, pensei em cortar os capítulos na segunda edição, pois queria agradar o interlocutor tão sincero que tinha corrido risco ao me alertar para as fraquezas do livro. Mas como as opiniões continuaram — e, felizmente, continuam — chegando, fui percebendo que o que parecia, para certa pessoa, um trecho menor era o melhor para outra. Não havia consenso entre elas, cada uma projetando seus conceitos e preconceitos na escolha dos melhores e dos piores momentos do romance.

Esta diversidade de opinião aumentou com Hóspede secreto, minha primeira coletânea de contos. Não prevalece a menor coerência nas escolhas — feitas em jornais, revistas, cartas e verbalmente — dos bons contos do livro. Cada um escolhe o seu, pois se trata de uma antologia, elegendo-o por motivos os mais diversos. A multiplicidade de razões de meus leitores me fez perceber que todos os 13 contos eram o melhor conto do livro — sob pontos de vista antagônicos. E isso me pacificou, definitivamente, com o volume, que não sofrerá maiores mudanças.

Digamos que tal fato me tornou invulnerável às restrições, permitindo-me um amor mais pleno pelo livro. Posso, portanto, continuar produzindo minha literatura, que ao mesmo tempo contentará e descontentará quem, amorosa ou rancorosamente, se dedicar a ela.

Com os anos, depois de muito sofrimento, o escritor vai desenvolvendo esta autodefesa. Como o mundo o nega, e o negará sempre, uma vez que inexiste a desejada unanimidade, ele passa a se valorizar mais e mais, criando uma atitude autista, de exílio em seu mundo, a ponto de nada mais atingi-lo. Só assim, isolado em sua vocação, consegue força para escrever.

É aí, então, que ele se torna um ser desagradável, pois a soberba anula o outro, visto como um irritante desmancha-prazeres, sem direito a exercer um gosto literário, necessariamente seletivo.

Como escrever é carência, estratégia para preencher vazios, o autor sempre quer a aprovação amorosa de seu trabalho, mas é preciso que seu amor-próprio, inflado ao máximo, passe pela calibragem destes leitores mais críticos, que na maioria das vezes — e falo com a experiência de quem atua nas duas frentes — não está disposto a usar palavras acolchoadas, preferindo as que ferem fundo.

Como escrever é carência, estratégia para preencher vazios, o autor sempre quer a aprovação amorosa de seu trabalho.

O autor sempre quer.

Fonte:
http://www.miguelsanches.com.br/

Lima Barreto (Quase ela deu o "sim", mas...)

João Cazu era um moço suburbano, forte e saudável, mas pouco ativo e amigo do trabalho.

Vivia em casa dos tios, numa estação de subúrbios, onde tinha moradia, comida, roupa, calçado e algum dinheiro que a sua bondosa tia e madrinha lhe dava para os cigarros.

Ele, porém, não os comprava; "filava-os" dos outros. "Refundia" os níqueis que lhe dava a tia, para flores a dar às namoradas e comprar bilhetes de tômbolas, nos vários "mafuás", mais ou menos eclesiásticos, que há por aquelas redondezas.

O conhecimento do seu hábito de "filar" cigarros aos camaradas e amigos, estava tão espalhado que, mal um deles o via, logo tirava da algibeira um cigarro; e, antes de saudá-lo, dizia:

—Toma lá o cigarro, Cazu.

Vivia assim muito bem, sem ambições nem tenções. A maior parte do dia, especialmente a tarde, empregava ele, com outros companheiros, em dar loucos pontapés, numa bola, tendo por arena um terreno baldio das vizinhanças da residência dele ou melhor: dos seus tios e padrinhos.

Contudo, ainda não estava satisfeito. Restava-lhe a grave preocupação de encontrar quem lhe lavasse e engomasse a roupa, remendasse as calças e outras peças do vestuário, cerzisse as meias, etc., etc.

Em resumo: ele queria uma mulher, uma esposa, adaptável ao seu jeito descansado.

Tinha visto falar em sujeitos que se casam com moças ricas e não precisam trabalhar; em outros que esposam professoras e adquirem a meritória profissão de "maridos da professora"; ele, porém, não aspirava a tanto.
Apesar disso, não desanimou de descobrir uma mulher que lhe servis convenientemente.

Continuou a jogar displicentemente, o seu football vagabundo e a viver cheio de segurança e abundância com os seus tios e padrinhos.

Certo dia, passando pela porteira da casa de uma sua vizinha mais ou menos conhecida, ela lhe pediu:

— "Seu" Cazu, o senhor vai até à estação?

— Vou, Dona Ermelinda.

— Podia me fazer um favor?

— Pois não.

— É ver se o "Seu" Gustavo da padaria "Rosa de Ouro", me pode ceder duas estampilhas de seiscentos réis. Tenho que fazer um requerimento ao Tesouro, sobre coisas do meu montepio, com urgência, precisava muito.

— Não há dúvida, minha senhora.

Cazu, dizendo isto, pensava de si para si: ,'É um bom partido. Tem montepio, é viúva; o diabo são os filhos!" Dona Ermelinda, à vista da resposta dele, disse:

— Está aqui o dinheiro.

Conquanto dissesse várias vezes que não precisava daquilo — o dinheiro — o impenitente jogador de football e feliz hóspede dos tios, foi embolsando os nicolaus, por causa das dúvidas.

Fez o que tinha a fazer na estação, adquiriu as estampilhas e voltou para entregá-las à viúva.

De fato, Dona Ermelinda era viúva de um contínuo ou cousa parecida de uma repartição pública. Viúva e com pouco mais de trinta anos, nada se falava da sua reputação.

Tinha uma filha e um filho que educava com grande desvelo e muito sacrifício.

Era proprietária do pequeno chalet onde morava, em cujo quintal havia laranjeiras e algumas outras árvores frutíferas.

Fora o seu falecido marido que o adquirira com o produto de uma "sorte" na loteria; e, se ela, com a morte do esposo, o salvara das garras de escrivães, escreventes, meirinhos, solicitadores e advogados "mambembes", devia-o à precaução do marido que comprara a casa, em nome dela.

Assim mesmo, tinha sido preciso a intervenção do seu compadre, o Capitão Hermenegildo, a fim de remover os obstáculos que certos " águias" começavam a pôr, para impedir que ela entrasse em plena posse do imóvel e abocanhar-lhe afinal o seu chalézito humilde.

De volta, Cazu bateu à porta da viúva que trabalhava no interior, com cujo rendimento ela conseguia aumentar de muito o módico, senão irrisório montepio, de modo a conseguir fazer face às despesas mensais com ela e os filhos.

Percebendo a pobre viúva que era o Cazu, sem se levantar da máquina, gritou:

— Entre, "Seu" Cazu.

Estava só, os filhos ainda não tinham vindo do colégio. Cazu entrou.

Após entregar as estampilhas, quis o rapaz retirar-se; mas foi obstado por Ermelinda nestes termos:

— Espere um pouco, "Seu" Cazu. Vamos tomar café.

Ele aceitou e, embora, ambos se serviram da infusão da "preciosa rubiácea" , como se diz no estilo "valorização".

A viúva, tomando café, acompanhado com pão e manteiga, pôs-se a olhar o companheiro com certo interesse. Ele notou e fez-se amável e galante, demorando em esvaziar a xícara. A viuvinha sorria interiormente de contentamento. Cazu pensou com os seus botões: "Está aí um bom partido: casa própria, montepio, renda das costuras; e além de tudo, há de lavar-me e consertar a roupa. Se calhou, fico livre das censuras da tia..."

Essa vaga tenção ganhou mais corpo, quando a viúva, olhando-lhe a camisa, perguntou:

— "Seu " Cazu, se eu lhe disser uma cousa, o senhor fica zangado?

— Ora, qual, Dona Ermelinda?

— Bem. A sua camisa está rasgada no peito. O senhor traz " ela" amanhã, que eu conserto "ela".

Cazu respondeu que era preciso lavá-la primeiro; mas a viúva prontificou-se em fazer isso também. O player dos pontapés, fingindo relutância no começo, aceitou afinal; e doido por isso estava ele, pois era uma " entrada" , para obter uma lavadeira em condições favoráveis.

Dito e feito: daí em diante, com jeito e manha, ele conseguiu que a viúva se fizesse a sua lavadeira bem em conta.

Cazu, após tal conquista, redobrou de atividade no football, abandonou os biscates e não dava um passo, para obter emprego. Que é que ele queria mais? Tinha tudo...

Na redondeza, passavam como noivos; mas não eram, nem mesmo namorados declarados.

Havia entre ambos, unicamente um "namoro de caboclo", com o que Cazu ganhou uma lavadeira, sem nenhuma exigência monetária e cultivava-o carinhosamente.

Um belo dia, após ano e pouco de tal namoro, houve um casamento na casa dos tios do diligente jogador de football. Ele, à vista da cerimônia e da festa, pensou: "Porque também eu não me caso? Porque eu não peço Ermelinda em casamento? Ela aceita, por certo; e eu..."

Matutou domingo, pois o casamento tinha sido no sábado; refletiu segunda e, na terça, cheio de coragem, chegou-se à Ermelinda e pediu-a em casamento.

— É grave isto, Cazu. Olhe que sou viúva e com dois filhos!

— Tratava "eles" bem; eu juro!

— Está bem. Sexta-feira, você vem cedo, para almoçar comigo e eu dou a resposta.

Assim foi feito. Cazu chegou cedo e os dous estiveram a conversar. Ela, com toda a naturalidade, e ele, cheio de ansiedade e, apreensivo.

Num dado momento, Ermelinda foi até à gaveta de um móvel e tirou de lá um papel.

— Cazu — disse ela, tendo o papel na mão — você vai à venda e à quitanda e compra o que está aqui nesta "nota". É para o almoço.

Cazu agarrou trêmulo o papelucho e pôs-se a ler o seguinte:

1 quilo de feijão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .600 rs.
1/2 de farinha. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 200 rs.
1/2 de bacalhau. . . . . . . . . . . .. . . . . . . .1.200 rs.
1/2 de batatas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 360 rs.
Cebolas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 200 rs.
Alhos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .100 rs.
Azeite. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 300 rs.
Sal. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100 rs.
Vinagre. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 200 rs.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3.260 rs.

Quitanda:

Carvão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ...280 rs.
Couve. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ....200 rs.
Salsa. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ...100 rs.
Cebolinha. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ......100 rs.

tudo: . . . . . . . . . . . ..............................3.860 rs.

Acabada a leitura, Cazu não se levantou logo da cadeira; e, com a lista na mão, a olhar de um lado a outro, parecia atordoado, estuporado.

— Anda Cazu, fez a viúva. Assim, demorando, o almoço fica tarde...

— É que...

— Que há?

— Não tenho dinheiro.

— Mas você não quer casar comigo? É mostrar atividade meu filho! Dê os seus passos... Vá! Um chefe de família não se atrapalha... É agir !

João Cazu, tendo a lista de gêneros na mão, ergueu-se da cadeira, saiu e não mais voltou...

(mantida a grafia da época)

Fonte:
O texto acima foi extraído da revista "Careta" - Rio de Janeiro, edição de 29/01/1921. Consta, também, do livro "O homem que sabia javanês e outros contos", Pólo Editorial do Paraná - Curitiba (PR), 1997. Disponível em http://www.releituras.com

Manuel da Fonseca (Os Olhos do Poeta)

O poeta tem olhos de água para reflectirem todas as cores do mundo,
e as formas e as proporções exactas, mesmo das coisas que desconhecem.
Em seu olhar estão as distâncias sem mistério que há entre as estrelas,
e estão as estrelas luzindo na penumbra dos bairros da miséria,
com as silhuetas escuras dos meninos vadios esguedelhados ao vento.
Em seu olhar estão as neves eternas dos Himalaias vencidos
e as rugas maceradas das mães que perderam os filhos na luta entre as pátrias
e o movimento ululante dos homens que voltam ao lar com as mãos vazias e calejadas
e a luz do deserto incandescente e trémula, e os gelos dos pólos,brancos,
e a sombra das pálpebras sobre o rosto das noivas que não noivaram
e os tesouros dos oceanos desvendados maravilhando como contos-de-fada à hora da infância
e os trapos negros das mulheres dos pescadores esvoaçando como bandeiras aflitas
e correndo pela costa de mãos jogadas pro mar amaldiçoando a tempestade:
todas as cores, todas as formas do mundo se agitam nos olhos do poeta.
Do seu olhar, que é um farol erguido no alto de um promontório,
sai uma estrela voando nas trevas,
tocando de esperança o coração dos homens de todas as latitudes.
E os dias claros, inundados de vida, perdem o brilho nos olhos do poeta
que escreve poemas de revolta com tinta de sol na noite de angústia que pesa no mundo.

Fonte:
http://campodetrigocomcorvos.zip.net/index.html

Millôr Fernandes (Barata à Vista)

A barata é a mais lídima das aquisições democráticas do mundo. Quase toda a casa a possui. Aos pobres lhes cabe melhor quinhão desses insetos, muito embora o Sr. Guinle não possa se queixar pois o Copacabana também as tem apesar de todo o DDT. Pertencendo à família das BLATÍDEAS, muito conhecida nos buracos de rodapés, cantos de estantes, fundos de arquivos e de gavetas, as baratas têm hábitos próprios interessantíssimos com os quais me familiarizei nos meus longos anos de pertinaz contato com arcanos e alfarrábios.

Para se lidar com baratas há quem acredite em inseticidas e baraticidas. Como em tudo mais, acredito em psicologia. Para se aplicar a psicologia é preciso um certo método e uma vasta disciplina. Vejamos.

Encontra-se a barata. Para se encontrar uma barata não é preciso muito gasto de energia. Em geral ela nos procura. E mais em geral ainda ela vem ao meio de nossos dedos quando pegamos aquela pilha de livros que estava embaixo da escada. No momento em que sentimos a barata presa em nossos dedos um sentimento de horror inaudito corre nossa espinha. Largamos livros, agitamo-nos furiosamente, batemos no chão, nos móveis e nos livros com o primeiro pano ou jornal que se nos depara, mas, a essa altura, a barata já estará longe, escondida numa das 365 mil páginas dos 870 livros que espalhamos no chão. Como encontrá-la? eis o problema. Esse problema, depois de acalmados nossos nervos e esfregadas nossas mãos com sabão e bastante álcool, é que procuramos resolver.

Existe, para se pegar uma barata, dois processos distintos. Um é chamar a empregada e dizer: "Tem uma barata aí! Quero isso bem limpo!" e virar covardemente as costas. Dessa atitude pode resultar que a barata atinja um extraordinário grau de longevidade pois a empregada passará um pano nos livros e jogará por cima deles um pouco de DDT, dando-se por satisfeita. A barata também. E daqui há seis meses, quando você for pegar aquele velho exemplar de Balzac, terá a desagradável surpresa de ver, à página 276, olhando-o com aqueles olhos brejeiros e aquelas antenas irônicas que lhe são próprios, a mesma barata que você tinha condenado à morte. Vocês fitar-se-ão demoradamente. Ela continuará baloiçando as antenas. E você, depois de um segundo de inércia, saltará para o ar, jogará o livro para o outro lado e berrará femininamente. Pois eis que as baratas têm o extraordinário poder de nos afeminar a todos, afirmativa essa que se aceitará sem contestação se se atentar para o grande número de baratas que há em nossos teatros.

Portanto não se deve virar as costas a uma barata, como fazem os elementos da ribalta, mas sim enfrentá-la masculamente. Para isso precisamos, antes de mais nada, saber se a barata é uma BLATÍDEA comum ou se é uma PERIPLANETA AMERICANA, ou, em linguagem menos científica, uma dessas baratas que voam. Se é dessas aconselho o leitor a desistir de qualquer pretensão máscula, arrumar as malas, fechar as portas de sua casa e entrar para o Teatro.

Agora, se é das outras, sempre há recursos:

1 — Pegue um Correio da Manhã bem dobrado, deixando à mostra o artigo de fundo. Sacuda os livros e espere, trepado numa cadeira. Atente sobretudo para o estilo de bater quando a barata surgir. Lembre-se: o estilo é o homem.

2 — Quando a barata surgir bata de uma vez. Não durma na pontaria. Ela normalmente pára um pouquinho, para sondar o ambiente cá de fora e confrontá-lo com a literatura em que vive metida. esse o momento de atacar.

3 — Trate de verificar se o inseto em que você está batendo é uma barata ou um barato. Nunca se esqueça: o barato sai caro.

4 — Nunca aproxime e afaste o jornal para fazer pontaria. As baratas sabem muito bem o que as espera quando sentem esse ventinho, quando você bater de verdade ela já terá embarcado para a Europa.

5 — Não tenha pena de bater. Bata firme, forte, decididamente. É a vida dela ou a sua. Se você não a matar terá que passar a existência inteira alimentando-a a inseticida.

6 — Não se importe com as coisas que o cercam. Afinal de contas que são meia dúzia de copos partidos, um tapete manchado, dois livros com as páginas rasgadas e uma perna de cadeira quebrada se você conseguiu eliminar uma barata?

7 — Se falhar, só a paciência lhe dará outra oportunidade. A barata não lhe dará outra tão cedo, enquanto permanecer em sua memória o trauma da pancada que quase lhe tirava a vida. Não adianta você sacudir livro após livro porque se recusará a aparecer. Agarrar-se-á às páginas e, se cair ao chão, correrá rapidamente, escondendo-se por trás do guarda-roupa.

8 — Não se deixe levar pela vaidade. Às vezes você atinge uma barata de leve e ela vira-se de barriga para o ar agitando as perninhas ininterruptamente, com a expressão de quem está dando uma gargalhada, achando você engraçadíssimo. Isso poderá lisonjeá-lo mas não a poupe por esse motivo.

9 — Às vezes elas tentam outro truque sentimental. Atingidas de leve elas vão se arrastando tristemente, de vez em quando olhando para você com um olhar que 1he dilacera o coração, como quem diz: "Seu malvado, viu o que você fez?" Antes de começar a chorar bata até matar. Depois chore.

10 — De seis em seis meses faça um teste consigo próprio para ver se você está mais desbaratador do que no semestre anterior. Se a resposta for negativa não esmoreça. Continue lutando até que possa, como nós, cobrar caro pelas lições administradas. E essa é nossa última recomendação: cobre sempre caro pelos seus conselhos nesse setor. Não se barateie!

Millôr Fernandes, ao que parece, padece do mesmo horror a baratas que muitos de nós têmos.

Fonte:
FERNANDES, Millôr. Lições de Um Ignorante. RJ: José Álvaro Editor, 1967, pág. 113. Disponível em http://www.releituras.com

Lairton Trovão de Andrade (1943)


Fonte:
Portal CEN

Lairton Trovão de Andrade (Trovas)



Fonte:
Portal CEN

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Silvia Plath (Devaneios)

Para que serve minha vida e o que vou fazer com ela? Não sei e sinto medo. Não posso ler todos os livros que quero; não posso ser todas as pessoas que quero e viver todas as vidas que quero. E por que eu quero? Quero viver e sentir as nuances, os tons e as variações das experiências físicas e mentais possíveis de minha existência. E sou terrivelmente limitada. (…)Tenho muita vida pela frente, mas inexplicadamente sinto-me triste e fraca. No fundo, talvez se possa localizar tal sentimento em meu desagrado por ter de escolher entre alternativas. Talvez por isso queira ser todos - assim, ninguém poderá me culpar por eu ser eu. Assim, não precisarei assumir a responsabilidade pelo desenvolvimento do meu caráter e de minha filosofia.
Eis a fuga pra loucura...

Fonte:
http://portas-lapsos.zip.net/index.html

Nilto Maciel (Panorama do Conto Cearense - Parte VI)

ANOS 1970

Seguindo informações de alguns historiadores ou cronistas da Literatura Brasileira, 1975 é o marco de uma nova era. No Ceará, entretanto, e em outros Estados talvez, esse marco não é bem nítido, eis que bem antes daquele ano se publicaram importantes livros de contos de escritores cearenses, como Mundinha Panchico, de Juarez Barroso, em 1969; A Morte Trágica de Alain Delon, de Francisco Sobreira, em 1972; Os Olhos do Lixo, de Socorro Trindad, no mesmo ano, com prefácio de Câmara Cascudo; Pluralia Tantum, de Gilmar de Carvalho, em 1973. Sem falar nos romances e conjuntos de poemas.

No Ceará alguns observadores já vinham apontando a existência de uma espécie de paralisia na literatura. Eusélio Oliveira, ao escrever sobre o primeiro livro de Francisco Sobreira, dizia: “A Morte Trágica de Alain Delon, antes de ser mais um livro de contos, é uma prova inequívoca de desafio contra o relaxamento improdutivo do movimento literário cearense”. João Antônio, nas dobras do livro Joaquinho Gato, de Juarez Barroso, afirma: “a publicação de alguns novos autores” (...) “motivou a palavra boom como designativo de um movimento literário vindo de publicações levadas a público a partir de 1975”.

A revista O Saco começou a nascer em 1975 e foi em volta dela que, no Ceará, os novos contistas se tornaram mais ou menos conhecidos no resto do Brasil, iniciando-se um período de edição de seus livros no Rio de Janeiro e em São Paulo e de contos esparsos em jornais e revistas de todo o país. Alexandre Barbalho escreveu o mais importante estudo daquele período, no Ceará, dando ênfase àquela publicação, no livro Cultura e Imprensa Alternativa. Um dos capítulos (pág. 35) assim se inicia: “Para perceber o boom da imprensa alternativa dos anos 70 é necessário saber que a eclosão editorial e a proliferação de publicações, nas mais variadas formas, ocorreram por todo o país”. Entretanto, bem antes de O Saco alguns escritores novos já divulgavam suas narrativas em jornais, revistas e antologias. Outros publicaram seus primeiros livros de histórias curtas, como se observou no início deste capítulo. Sendo assim, aquela revista significou a conseqüência de uma agitação iniciada individualmente e não ainda como grupo.

Em 1976 Glauco Mattoso e Nilto Maciel organizaram uma antologia de contos dos novos escritores brasileiros, intitulada Queda de Braço – Uma Antologia do Conto Marginal, publicada no ano seguinte. Do Ceará participaram A. Rosemberg (que em seguida adotou o nome Rosemberg Cariry), Airton Monte, Carlos Emílio Corrêa Lima, Edvar Costa, Francisco Sobreira, Jackson Sampaio, João Bosco Sobreira Bezerra, Nilto Maciel, Paulo Véras e Victor Cintra, quase todos inéditos em livro naquele ano.

A seguir viria o Grupo Siriará de Literatura, que continuaria, de certa forma, o trabalho desenvolvido pelo pessoal de O Saco, aglutinando os escritores cearenses em torno de um programa e de uma revista. Consoante a opinião de Dimas Macedo, em “Literatura e Escritores Cearenses” (CI, págs. 145/158), o Siriará, “que eclodiu no final da década de setenta, além de um manifesto e de uma revista que morreu com o primeiro número, não deixou a meu juízo uma contribuição significativa, enquanto movimento de renovação estética e literária”. E mais adiante: “Mas é indiscutível também que do Siriará provêm alguns dos melhores escritores cearenses da década de 1980, com raízes num período bem anterior, que remonta à criação da revista O Saco”.

Noticia F. S. Nascimento, no livro Augusto dos Anjos: “Com o advento da revista cultural O Saco em abril de 1976, reconhecidamente o mais audacioso projeto editorial da época no Ceará, a jovem intelectualidade da terra ganhava o espaço gráfico reclamado para o exercício de sua criatividade, fazendo literatura e desenvolvendo suas aptidões artísticas. Comandado por Manoel Raposo, Jackson Sampaio, Carlos Emílio Corrêa Lima e Nilto Maciel, o empreendimento tornou-se responsável pela afirmação de poetas, ficcionistas e ensaístas hoje com acesso aos suplementos literários e demais publicações de âmbito nacional, o que autoriza dizer que O Saco fez em sua meteórica existência o que outros órgãos do gênero não têm conseguido realizar em dezenas de anos”.

Adriano Spínola, em “A Nova Ficção Cearense”, afirma: “Numa terra tradicionalmente de poetas – talvez por ser o modo mais fácil de se destacar culturalmente, num meio de poucas oportunidades, ou porque o Ceará seja mesmo um manancial de talentos poéticos, quem sabe – a ficção narrativa tem merecido pouca atenção/dedicação por quantos militam na literatura. Da velha geração, há o exemplo raro de fidelidade ao conto, acompanhado de um constante aprimoramento, por parte do Sr. Moreira Campos, mestre inconteste no gênero, reconhecido nacionalmente; o Sr. Fran Martins, novelista de primeira, ao que parece contentou-se com o seu Dois de Ouro, um trabalho notável, nada nos dando, porém, posteriormente, que se lhe igualasse em peso; o Sr. Jáder de Carvalho, há muito preferiu ser poeta lírico, com qualidades; e há o Sr. Eduardo Campos, que, tendo-se realizado mais plenamente na área dramática, com algu­mas peças de merecido sucesso nacional, abandonou, ao que tudo indica, a novelística; Juarez Barroso, não fora a morte prematura, bem que nos poderia ter dado uma ficção que se ligasse à força de uma D.Guidinha do Poço, por exemplo. Vivência não lhe faltava, nem talento. Mas não o fez”.

No mesmo artigo Adriano anotou: “Na nova geração, o interesse pela narrativa literária ganha poucos adeptos. Tomando como base o Grupo Siriará, formado em 79, dos seus 24 membros, apenas 4 a 5 se empenharam na criação de personagens e enredos. O resto, tome poesia! Era, na verdade, muito mais um grupo de poetas, todos ansiosos em revelarem suas produções nascentes e serem os primeiros bardos anunciadores de um novo tempo, que se avizinhava, ao cair do obscurantismo político-cultural, que sentíamos ainda grudado nos dedos”.

Para concluir, Spínola observou: “Se poucos foram os que se ligaram à prosa ficcional, em compensação o fizeram com uma garra e uma categoria superlativa. Como é o caso de Airton Monte, Nilto Maciel, Paulo Véras e Carlos Emílio”.

Durante os anos 1970 diversos foram os livros de contos de novos escritores cearenses editados em Fortaleza, bem como em outras capitais. O primeiro deles, em 1972, foi A Morte Trágica de Alain Delon, de Francisco Sobreira. No mesmo ano se publicaram mais três coleções: Exercício Para o Salto, de Cláudio Aguiar; Os Olhos do Lixo, de Socorro Trindad; e A Coleira de Peggy, de Holdemar Menezes, com uma peculiaridade: o primeiro e o terceiro fora do Ceará e o segundo no Ceará, porém de escritora nascida em outro Estado. Em 1973 apareceu um dos mais importantes e singulares livros de ficção curta do Ceará: Pluralia Tantum, de Gilmar de Carvalho. Em 1974 Nilto Maciel estreou com Itinerário. Em São Paulo no ano de 1975 veio a lume O Casarão, de Caio Porfírio Carneiro, que havia estreado ainda em 1961 e, portanto, não se enquadra no rol dos novos contistas. O mesmo se pode dizer de Juarez Barroso, com seu Joaquinho Gato, de 1976. Desse ano é O Menino D’água, de Fernanda Teixeira Gurgel do Amaral. No ano seguinte saíram Depoimento de um Sábio, de Cláudio Aguiar, Milagre na Salina (catalogado como romance), de Mario Pontes, e Coisas & Bichos, de José Hélder de Souza, todos então radicados fora do Ceará. No mesmo ano se publicou Tocaia, de Yehudi Bezerra. Os mais velhos continuaram editando narrativas curtas, como Moreira Campos, que em 1978 apresentou ao público Os Doze Parafusos. Naquele ano estrearam duas contistas: Socorro Trindad, com Cada Cabeça uma Sentença, e Glória Martins, com Reencontro. 1979 pode ser visto como um ano fértil em livros de contos no Ceará. Francisco Sobreira editou seu segundo volume, A Noite Mágica, e aconteceu a estréia de quatro contistas: Gerardo Mello Mourão, com Piero Della Francesca ou As Vizinhas Chilenas; Geraldo Markan, com O Mundo Refletido nas Armas Brilhantes do Guerreiro; Airton Monte, com O Grande Pânico; e Paulo Véras, com O Cabeça-de-Cuia.

Alguns contistas surgidos naquele período só viriam a publicar livro de contos muito depois, como é o caso de Carlos Emílio Corrêa Lima, Joyce Cavalcante, Audifax Rios, Batista de Lima, Barros Pinho, Rosemberg Cariry e Marly Vasconcelos. Dois faleceram ainda jovens: Paulo Véras e Yehudi Bezerra. Outros desapareceram do cenário das letras impressas. Poucos se mantiveram ativos no gênero conto.

Os contistas surgidos por volta de 1970 podem ser agrupados em três segmentos: o dos que viviam fora do Ceará, o dos que viviam no Ceará e publicaram seus primeiros livros de histórias curtas a partir de 1970 e o dos que só viriam a editar coleções de narrativas após 1980, embora já as escrevessem e até as publicassem em jornais, revistas e antologias. Do primeiro segmento fazem parte Francisco Sobreira, Cláudio Aguiar, Holdemar Menezes, Mario Pontes, José Hélder de Souza, Gerardo Mello Mourão e Moacir C. Lopes. Integram o segundo grupo Socorro Trindad, Gilmar de Carvalho, Nilto Maciel, Fernanda Teixeira Gurgel do Amaral, Yehudi Bezerra, Glória Martins, Geraldo Markan, Airton Monte e Paulo Véras. O último segmento é composto de Nilze Costa e Silva, Fernando Câncio, Carlos Emílio Corrêa Lima, Rosemberg Cariry, Joyce Cavalcante, Audifax Rios, Barros Pinho e Batista de Lima.

Um dos que se dedicaram quase que exclusivamente à peça ficional curta é Francisco Sobreira. Sua obra tem sido objeto de inúmeros estudos. Já publicou oito livros de peças curtas. Nas dobras do primeiro volume, Eusélio Oliveira anotou: “Francisco Sobreira consegue dominar com segurança logística o código de intercâmbio vivencial latente em cada constelação ficcional de seus contos”. Ao publicar A Morte Trágica de Alain Delon, Francisco Sobreira não chegou a ultrapassar as limitadas fronteiras da província cearense, permanecendo, por assim dizer, no ineditismo. Seu segundo livro, A Noite Mágica, nada tem de revolucionário, de vanguardista, de inovador. Muito pelo contrário, é tecnicamente conservador, tal como a obra de José Lins do Rego que, por esta mesma razão, adquiriu renome dentro do romance regionalista brasileiro.

Francisco Sobreira não faz nenhuma alquimia de estilo, não cria nenhuma nova linguagem. No entanto, esta aparente acomodação do contista não indica seja ele um simples contador de histórias.

Sendo conservador na forma, o livro de Sobreira segue a trilha da prosa de ficção de pós-1964. Perpassa por quase todos os contos um vento forte de paranóia, caudaloso na literatura urbana brasileira dos últimos anos do século XX. Histórias de medo, terror, alucinação. Medo de ser preso, de perder o emprego, de morrer de fome, medo disso e daquilo. As pessoas se sentem caçadas como bichos, ameaçadas, perseguidas. Os amigos e os parentes são delatores ou espiões a serviço do Poder. A própria sombra de cada ser humano é um dedo-duro em potencial. Esse horror kafkiano é notório em “O Caçado”, “Enquanto o Diabo Esfrega o Olho”, “O Falso Álibi”, “O Caçador de Nostálgicos”, percebido até nos títulos. O narrador, sempre perseguido, sempre paranóico, torna-se perseguidor, delator, comparsa da polícia (representação do direito de perseguir), como em “A Voz do Vizinho”.

O absurdo é, assim, o ingrediente principal da iguaria narrada. Às vezes um absurdo que, de tão cotidiano, perde o sabor de coisa literária. Em “A Lâmina”, por exemplo. Porque ninguém é mais dono de nada. Outras vezes, o absurdo apresenta-se como se o personagem fosse apenas um deficiente mental, incapaz de perceber a vida e a morte ao seu redor, manejado por tentáculos tão torturantes quanto os fantasmas dos pesadelos. A realidade narrada aproxima-se, então, do sonho. Os protagonistas e os espectadores são meros joguetes nas malhas de seres todo-poderosos que inventam a vida ou o fato. Por isto, em alguns contos a presença do elemento onírico é perfeitamente perceptível ou mesmo preponderante. Os atos e as imagens se sucedem de forma incoerente, deixando o personagem simplesmente perplexo, espantado diante da estranha realidade de que tenta desesperadamente fugir. Assim, reduz à condição de ficção, de brincadeira de mau gosto, de encenação, quando muito de logro, a peça que lhe pregam. Não acredita ser possível tão absurda realidade. Por fim se convence e tenta fugir. Porém já é tarde demais. “A Pedra” é belíssima obra e tem dimensão diferente dos demais. No entanto, o mesmo clima de perseguição, de repressão, na pessoa de um pobre sertanejo virado pagador de promessas.

No artigo “Fitas”, estampado no Jornal do Brasil, Antônio M. Nunes se refere ao uso e abuso do “insólito dos acontecimentos para instaurar uma outra realidade que, devido a sua linguagem e estrutura, aproxima-se do thriller cinematográfico”.

Ao comentar Um Dia... Os Mesmos Dias, Jorge de Sá, em “Como Se Fosse Uma Objetiva”, enuncia: “o contista se afasta do “fantástico” e se aproxima de uma realidade própria dos documentários”.

Na apresentação de O Tempo Está Dentro de Nós, Jaime Hipólito Dantas chama a atenção do leitor para a “prosa trabalhada, aqui e ali um pouco dramática, é certo, mas sempre sem qualquer obscuridade ou afetação”.

Wilson Martins se manifestou assim: “Os contos reunidos em Clarita são de qualidade desigual, muitos deles (a começar pelo que dá título ao livro, e é o melhor) tomando a invenção arbitrária, ou seja, inverossímil, por imaginação criadora”.

Em “Sobreira: aderindo à vigorosidade da vida” (Jornal O Norte, João Pessoa, PB, 3/8/97), ao comentar Grandes Amizades, Hildeberto Barbosa Filho observa que os personagens e as situações, “mesmo as mais cotidianas, adquirem certa nuance enigmática que, a seu turno, termina por envolver os seus contos numa atmosfera de suspense e de estranhamento”.

Nas dobras de Crônica do Amor e do Ódio, Nelson Patriota comenta: “Com personagens despojados de grandes projetos existenciais, uma vez que estes aconteceram, e se mostraram falhos, no passado, Sobreira vai construindo uma obra fiel ao seu tempo”.

A obra literária de Cláudio Aguiar está exaustivamente analisada por diversos críticos, brasileiros e estrangeiros, em artigos e ensaios reunidos no livro Viento del Nordeste, com o subtítulo Homenaje Internacional al Escritor Brasileño Cláudio Aguiar, em espanhol, da Universidad Pontificia de Salamanca, 1995. Num dos ensaios, “El Descubrimiento en Caldeirão”, César Real Ramos, Professor de Literatura Espanhola da referida Universidade, faz a gênese do Caldeirão e vê no primeiro livro de histórias curtas de Cláudio os primeiros pingos d’água que iriam gerar o grande rio do romance: “En Exercício, además, a través de continuos cambios de focalizacion y de voz narrativa, poco a poco nos vamos adentrando en el interior de los personajes, en las almas, en las conciencias”.

Holdemar Menezes não deixou vasta obra no gênero conto. No dizer de Assis Brasil, “podemos sentir a mão do ficcionista, numa linguagem forte, contundente, participante, onde já se abrigavam Dalton Trevisan e Rubem Fonseca”. Em “Repressão, Revolta e Engajamento”, capítulo do livro Itinerário do Conto, Hélio Pólvora o filia “à linha ficcional de Albert Camus e pensadores assemelhados”. E sintetiza: “Na ficção brasileira deste último meio século, Holdemar Menezes é o narrador consciente dos pequenos dramas provocados pela tragédia essencial do ser e pela tragédia da repressão político-social que o violenta, emudece e constrange”.

Embora venha escrevendo desde muito antes de 1970, Mario Pontes tem publicado pouco. Em 1999 deu a lume Andante com Morte, composto de quatro histórias longas. Ivo Barroso, nas dobras, relembra o primeiro livro, Milagre na Salina, como “Uma série de narrativas que se interpenetram, que se recosem para formar um painel picasseano de linhas simples e dramáticas, onde não falta igualmente o colorido vivo da ironia e do humor”. Ao se referir ao segundo livro, o chama de reunião de quatro novelas. E sintetiza: “Uma delas, ‘A Morte Infinita’, anteriormente batizada com o mesmo título do livro Andante com Morte, impressionou tanto a Didier Lamaison, o tradutor francês de Carlos Drummond de Andrade, que logo se propôs a transladá-la para sua língua, numa permanente reescrita, com a mesma meticulosidade com que o autor trabalhara seu texto. É uma novela de andamento cinematográfico em que a ação se prolonga num ralenti quase insuportável, longo como a aridez do areal em que ela se desenrola, para, de repente, adquirir uma dinâmica de duelo faroéstico, violentas imagens em zoom e primeiros planos cortantes e minuciosos como o grande close da boca de um revólver no momento do disparo”. De 2003 é Um Homem Chamado Noel, cuja estrutura narrativa é semelhante à de Milagre na Salina (1977). Ambos podem ser lidos como coletâneas de contos ou como novelas.

Outro que vive fora do Ceará há tempos é José Hélder de Souza. Seu primeiro livro, Coisas & Bichos (1977), mereceu estudo de Clovis Sena, na introdução intitulada “Caçadas Humanas & Bala de Prata”, onde argumenta: “Aqui o principal não está propriamente na linguagem elaborada, opção literária bonita, sem ser bem o caso. Neste conjunto de contos de José Hélder a beleza se acha na narrativa mesma”. No terceiro parágrafo, observa Sena: “Com um poder narrativo ora lírico, ora dramático, por vezes humorado, o Autor nos coloca em face da situação da caçada: perseguido-perseguidor”.

Em “Um Contador de Causos” (CI, págs. 26/28), Dimas Macedo destaca “a sua fidelidade à linguagem popular, ao lado do seu estilo e do seu jeito de dizer muito peculiar, porque individualíssima a sua escritura literária. Histórias, enredos bem arquitetados ao gosto do leitor, fala e linguajar matutos que penetram bem fundo o coração, sentando tendas na alma, cravejando punhais de beleza nos olhos, invadindo a imaginação do leitor até a sedução total do espírito”.

No prefácio ao terceiro livro de Hélder, Pequenas Histórias Matutas, observou Dimas Macedo: “Sendo poeta de fino amanho com o convívio das musas, sabe ser também o imenso ficcionista que é: um contista consciente do valor do universo que pretende explorar, que quer denunciar para melhor se fazer compreender, pelo gosto mesmo de esculpir a expressão, a matéria-prima de sua bela escritura artesanal”. Em outro parágrafo anotou: “Sem desmerecimento para nenhum dos seus livros, penso que em Rio dos Ventos (1992) reside o valimento maior da sua trajetória de escritor, especialmente a sua trajetória de contista” (...).

Embora nascido em 1917 (Moreira Campos é de 1914), Gerardo Mello Mourão se inclui neste capítulo em razão do ano da publicação de seu primeiro livro de contos, 1979. É tido como um dos nomes fundamentais da poesia brasileira e reside há vários anos no Rio de Janeiro. Nas orelhas de Piero Della Francesca ou As Vizinhas Chilenas o editor escreveu: “O autor nos deixa aqui, às vezes, diante da parábola pura, diante do conto, a história inventada e contada, em que as coisas, as pessoas e os lugares saltam vivos da inventada fantasia. Nesses contos, de resto, escritos quase todos em dias de exílio ou de peregrinação por outros países da América, há muitos nomes de pessoas reais. Talvez os fatos em que elas se envolvem nem sempre sejam mera coincidência. O próprio autor, porém, faz questão de deixar claro que ele mesmo não sabe se Abigail Gonçalves se suicidou ou se Miguel Eyquem continua a carregar Helena Vial na garupa de sua motocicleta. Mas tanto no relato épico do Coronel paraguaio, como na aventura lawrenciana de Rosa Maria Bandera, é difícil distinguir entre a fantasia e a realidade, até porque a fantasia e a realidade são uma única e mesma coisa”.

Moacir C. Lopes não costuma ser mencionado em livros de história e crítica literária cearenses. Também de geração muito anterior à daqueles que estrearam nos anos 1970, organizou e editou a Antologia de Contistas Novos em 1971. Apesar disso, seu primeiro livro é O Navio Morto e Outras Tentações do Mar, de 1995. As nove composições reunidas no volume se centram em temas do mar. Nas abas do volume anotou o editor: “Histórias em que, além de jogos de estilo originais, o autor exercita um animismo muito particular – erotizado – da natureza, que se torna algo maligno, cruel, obsceno, em “Do Corpo de Marisa Brotarão Orquídeas”, ou selvagem e exótico, poético e surpreendente em “O Mar Devolverá o Corpo de Clarissa”, principalmente quando os humanos são tomados pelos espíritos marinhos”.
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Estrearam com livro de contos nos anos 1970 Socorro Trindad, Gilmar de Carvalho, Nilto Maciel, Fernanda Teixeira Gurgel do Amaral, Yehudi Bezerra, Glória Martins, Geraldo Markan, Airton Monte e Paulo Véras.

Salvo engano, Socorro Trindad publicou somente duas coleções. Após o livro de estréia, editou Cada Cabeça uma Sentença, em 1978, com prefácio de Aguinaldo Silva, intitulado “A Árdua Batalha Contra os Papangoos”. São dele estas palavras: “Enquanto invenção, este livro, a nosso ver, situa-se solitariamente dentro do que se convencionou chamar de “o novo conto brasileiro”. Esta solidão é pelo fato de que a autora não se prende à linha que começa com Dalton Trevisan e que vai até a assimilação da influência dos modernos latino-americanos”.

“O Massacre no Mangue” é uma crônica atualíssima de sabor página policial, até mesmo estilisticamente, e também à maneira do romance gótico. Socorro Trindad tem duas virtudes essenciais: o poder de misturar o joio e o trigo e uma esplêndida cultura literária. Leia-se “Bodas de Ouro”, história de trancoso tão extraordinária como as do arco-da-velha.

Entre os que acreditaram ter concluído sua obra de contista está Gilmar de Carvalho. No entanto, pela singularidade de suas narrativas, não pode ser comparado a nenhum prosador de ficção do Ceará. Não somente porque seus contos são fundados na erudição, seja no latim, no inglês, na História, na Filosofia, na mitologia, na Bíblia etc. Também porque ora escreve como poeta, ora como salmista, ora como ninguém. Juarez Barroso, nas dobras de Pluralia Tantum, diz que a literatura de Gilmar é “uma afirmação de liberdade. Mas ele não fica junto à turma do sereno, ao bloco da contracultura. Formalmente, rejeita o marginalismo artístico, os vanguardismos escandalizantes. Seu estilo é clássico, sua narração, fabular, levemente borgiana. A partir daí ele constrói, ou destrói, ri dos deuses, mais perto de Lúcifer que do Arcanjo São Miguel (afinal de contas, uma figura do establishment), simpatizante dos exus, louvador da pomba-gira, Vênus mestiça e mais sensual, naturalmente”. A seguir se nega chamar de contos os textos de Gilmar. Na verdade, não são contos tradicionais. Em comum com estes apenas o terem títulos, alguns personagens, alguma narração. O resto é bem diferente. Afirma Juarez: “Gilmar não escreve contos. O conto, por mais de vanguarda que seja, tem a sua disciplina, sua forma de discurso. Gilmar é um compositor de cantos em prosa, discípulo remoto do Rei Salomão, que tanto trabalho deu ao Senhor com sua rebeldia e sua mania de amor. Amante da vestal romana, consagrada em virgindade ao deus maior, Gilmar, libertário e libertador sofre agora o mesmo castigo de Prometeu. Zeus acorrentou-o ao relógio da Praça do Ferreira, à Coluna da Hora. Que, aliás, não existe mais”.

Na apresentação do citado livro, em forma de carta, Mario Pontes confessa: “Na minha humilde fantasia, seu texto me dá a impressão de ter sido escrito por uma criatura semelhante àquela divindade indiana de muitas mãos. Como cada mão escreve algo diferente da outra, o meu comodismo quer me obrigar a ver no produto final apenas uma colagem arbitrária, um trabalho habilidoso de justaposições meramente formais. Mas mesmo um preguiçoso como eu acabo por suspeitar que, de fato, a “simples” colagem mascara um sem número de relações particulares e ricas. E entregando-me à suspeita, chego até ao espanto diante dessa prodigalidade de teses e antíteses, desse jogo calidoscópico de coincidências e contrastes, dessa facilidade de supressão de distâncias que me arrastam ao centro de um redemoinho de significados inacessíveis à minha miopia crítica”.

Ensina Dimas Macedo, em “A Ficção de Gilmar de Carvalho” (Leitura e Conjuntura, págs. 54/56): “sua concepção borgeana e, portanto, inusitada do apreender a concretude do universo ficcional, aliada a uma refinada capacidade de resgatar o insólito através de recursos estilísticos alegorizantes, tudo isso tem concorrido para emprestar à produção literária de Gilmar de Carvalho uma situação privilegiada entre o inventário dos seus contemporâneos de geração”.

Outro que, como Francisco Sobreira, tem se dedicado à elaboração de histórias curtas é Nilto Maciel, com sete volumes editados. Em “Os Contos de Nilto Maciel” (Novos Ensaios, págs. 106/110), Sânzio de Azevedo observou: (...) “de nada adiantaria ao escritor engendrar estórias bem urdidas, fundamentá-las com os alicerces dos mitos, se não pudesse dispor de um instrumento lingüístico adequado”.

F. S. Nascimento reuniu num só estudo, “A Ficção de Nilto Maciel”, (AAA, págs. 177/186), três ensaios estampados em jornais. Constata: “O avanço do contista ficou bem evidenciado, tanto na manipulação da linguagem, como no tratamento ficcional dado aos episódios reproduzidos”. José Alcides Pinto (PA-II, págs. 76/78) considera Tempos de Mula Preta “um dos livros de conto mais ousados que foram editados nesses últimos dez anos, não só em termos do Ceará, mas em todo o País, ao lado de outro grande livro, este de autor consagrado pela crítica e de nome firme na literatura — Os Doze Parafusos, do mestre Moreira Campos”.

Em “A Nova Ficção Cearense”, Adriano Spínola escreveu: “Inscreve-se ele no que de melhor temos no momento em matéria de contos no Brasil. Percebe-se no autor um tal domínio do ficcional, uma capacidade inventiva e transfigurante da linguagem, aliada a uma não menos capacidade de alteridade, versátil e verossímil, com relação aos personagens, que o colocam entre os mais avançados e promissores contistas da atualidade”.

No prefácio de Punhalzinho Cravado de Ódio, Dimas Macedo viu no contista um “mestre na arte de contar estórias inesperadamente fabulosas”. Tanussi Cardoso, em “A Impressão da Realidade em As Insolentes Patas do Cão, de Nilto Maciel”, observou: o contista “lima as gorduras do texto e, vigorosamente, trabalha com a palavra certa, no lugar certo e na hora certa”. E o inclui no “rol dos grandes escritores deste país”.

Em “As Insolentes Patas do Cão” (TC, págs. 21/24), Francisco Carvalho escreveu: “Nilto Maciel é atualmente, sem nenhum favor, um dos nomes mais representativos da moderna literatura brasileira”. E mais: “O leitor razoavelmente familiarizado com a disciplina literária não terá dificuldade em concluir que entre essas narrativas, todas elas de excelente extração, existem algumas obras-primas da moderna ficção brasileira”. Para ele, o contista “é um narrador admirável. Possui todas aquelas virtudes (talento, imaginação, invenção, técnica de narrar e de expor) que de modo algum podem faltar a um bom contador de histórias”.

Diz Carlos Augusto Viana, em “Nilto Maciel Reconstrói o Mundo a Partir da Linguagem” (DN, 1/3/1995): “Lançando o seu olhar agudo sobre o cotidiano, filtrando as ações humanas a partir do humor e da ironia, flagra o insólito, o inesperado, os momentos abissais da condição humana”.

Anotou Caio Porfírio Carneiro, em “A Unidade de Babel”: “Senhor de todos os segredos da arte de contar, caminhando, com segurança, pelo regional, o fantástico, o alegórico, o mágico, indo do fotográfico ao sombrio” (...). Astrid Cabral, em “Babel Contemporânea” (Literatura n.º 14), escreveu: “Aberto a múltiplas tendências, NM ora reverencia a tradição literária consagrada, ora se lança na experimentação lingüística e estrutural”.

Yehudi Bezerra não teve tempo de escrever mais. Deixou publicado apenas o livro Tocaia. Em carta-prefácio, Airton Monte escreveu: “Você, seu judeu safado, de rosto cheio de esquinas de ângulos, possui a rebeldia dos que viveram o que escrevem, não a piedade inútil, humilhante dos que sabem por ouvir dizer, dos que chegam no sertão e ficam olhando tudo, como se fosse tudo uma pintura imóvel no tempo e no espaço, com o olhar mais bobo que o de quem está num jardim zoológico espiando a bicharada fazer o que eles gostam de ver, não o que na verdade é”. E depois: “Tocaia surge de repente no universo das letras cearenses como um pé-de-vento, para arrebentar o mofo de uma literatura mumificada, quebradiça e facilmente digestiva. No seu livro as coisas são ditas com seus verdadeiros nomes, há a despreocupação das sofisticações temáticas, das frescuras estéticas que tanto deliciam o senso estético duvidoso das patotas divinas”.

Na categoria dos que escreveram ou publicaram pouco está Glória Martins. Teve o livro Reencontro prefaciado por Pedro Paulo Montenegro, para quem “a nota dominante (no livro) é a espontaneidade, espontaneidade tão grande que pode mesmo a alguns parecer, em determinados momentos, descuidos formais.” E conclui: “Duas grandes notas podemos detectar numa leitura de Reencontro: imaginação e capacidade de observação da parte da autora e, como mensagem mais profunda, aquela ânsia de libertação”. Composto de nove narrativas, o livro apresenta narração linear, ora na primeira, ora na terceira pessoa. A contista pouco se vale do diálogo, mais presente em “Se Eu Passo no Botequim Eu Fico”. Um ou outro monólogo interior, como em “Sim, Doutor”, história urbana, como a maioria, com uma pitada de humor. “Tia Bela” oscila entre o romantismo e o realismo, em ambiente de fazenda.

Embora Geraldo Markan tenha nascido em 1929, estreou no gênero conto somente em 1979, com O Mundo Refletido nas Armas Brilhantes do Guerreiro. Dias da Silva, no artigo de título igual ao do livro, integrante do volume III do livro Da Pena ao Vento (2001), enuncia: “De começo, devo dizer que não é tão simples determinar-se o gênero da obra. Livro de contos? Livro de crônicas? Momentos de puros devaneios da imaginação sensível? Textos fantásticos? De gênero maravilhoso? De gênero estranho?

Raras vezes, um diálogo menos artificial ou uma narração de fatos. Até porque o outro está sempre indo embora, fugindo, escorregadio ou inacessível. E o narrador termina só, ruminando seu desespero. Isso se reflete no próprio corpo das narrativas. No final, Geraldo Markan faz poesia ou crônica leve, apesar de se dizer o nunca-poeta. Termina fazendo markanices, ele também personagem.

O Mundo Refletido nas Armas Brilhantes do Guerreiro é título poético e metafórico, porque, na verdade, o mundo refletido naquilo que simboliza o poder: à época de Alexandre e companhia, as armas brilhantes do guerreiro; hoje, o ouro, a moeda, o carro, a piscina – adereços e o próprio ser, a um só tempo. O mundo refletido no ouro do burguês.

Passeiam, pelas páginas quase sempre de uma delicadeza e uma pureza clássicas, personagens de voz amena, alguns falando inglês ou citando Baudelaire, Fernando Pessoa e o lírico Camões. Remoendo seus vazios, tateando os muros escuros de seus labirintos pegajosos. Vez por outra, um deslize imperdoável ante a poesia a minar de cada palavra. E surge quase uma historinha de fotonovela: “Ecidujerp, ou seja, Otiecnocerp”. Apesar disso, um ranço bom de naturalismo ainda inexplorado – a nostalgia do domínio holandês no Nordeste.

Embora a crítica esperasse uma avalanche de livros de Airton Monte, tal não se deu. No entanto, poderá ter as gavetas empanturradas de contos. Seja como for, é ele um dos mais importantes contistas cearenses surgidos depois de 1970. Os críticos lhe concederam os melhores louvores. Em “O Grande Pânico, de Airton Monte” (FM, págs. 197/200), Batista de Lima assim resume seu livro inaugural: “São 102 páginas contendo 15 histórias breves, densas e crispadas, retiradas dos pontos mais sombrios e marginais da sociedade. Transcrição de um mundo transeunte de suas retinas de vampiro da quase grande noturna Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, do Farol do Mucuripe, dos hospícios e dos campos de futebol. A marginalização. A tragédia de uma sociedade obcecada pela vontade de viver. O medo, a loucura e a fome. Reinvenção dos mitos que essa gente cultiva”.

Seus personagens são seres humanos desesperados no amor impossível. Farrapos humanos que teimam em viver ou perdem toda e qualquer esperança. Cegos, mendigos, prostitutas decaídas, cornos, devoradores de moscas, tarados, velhos, solitários, assassinos arrependidos e idiotizados, loucos, todos loucos, pois a loucura não é senão sentir-se sem rumo, sem esperança, sem saída.

A linguagem de Homem Não Chora é poética, ritmada, ondulante, viva, apaixonada. Como em “Velho ao Telescópio”, talvez um dos mais poéticos e inventivos contos da literatura brasileira.

Incrédulo diante do homem, o contista vasculha as vísceras de uma sociedade embrutecida e revela criaturas que os mais crédulos pensavam existirem apenas no reino da fantasia.

As peças ficcionais de Airton Monte são voltadas para o drama do homem suburbano, do marginal, da “gente chinfrim, ralé miúda”. Na mesma categoria estão os loucos, os alcoólatras, as prostitutas pobres, os pivetes, os fracassados de todo o gênero.

Para Dimas Macedo, em “Os Contos de Airton Monte” (LC, págs. 79/81), “seus contos revelam um engajamento humano quase que sem precedentes na nova safra de contistas seus contemporâneos, são textos graves que dissecam o cotidiano de marginalidade e penetram nos recônditos do desespero e da tragédia dos perseguidos pelos fantasmas de uma sociedade opressora. Relatos pungentes da odisséia dos drogados da vida, dos enlouquecidos e abandonados, dos embriagados pelo absurdo existencial, os seus contos refletem igualmente, por assim dizer, o sórdido e o patético do estrangulado universo social que paulatinamente nos vem resgatando”.

Em “Homem Não Chora (Mas... Ama)” (PA-II, págs. 71/72), José Alcides Pinto comenta: “A plasticidade da linguagem, a comovente reação dos personagens (ele trabalha com poucos), os recursos criativos, a consciência de um mundo caótico, conflitante, o desamor, tudo isso vem juntar-se à denúncia social, ao grito e à dor humana para completar o painel de agonia e sofrimento em que se esbate a humanidade de hoje.”

Como Yehudi Bezerra, falecido precocemente, Paulo Véras deixou poucos contos, reunidos em O Cabeça-de-Cuia (Editora Moderna, São Paulo, 1979). Lígia Morrone Averbuck, na contracapa do livro, anotou: “O que mais impressiona no ficcionista Paulo Véras é a sua prodigiosa inventividade, a riqueza de sua criação de personagens, plenas de força e atuantes numa ampla gama de situações. Movendo-se num universo de fantasia e realidade, essas personagens pertencem a um tempo mítico, são recuperadas do passado pela memória, projetando-se num clima difuso e indefinido, sem perderem sua força de verdade”.

Paulo Véras enveredou também pela análise psicológica das personagens. Suas obras são quase todas tecidas a partir do fio da memória, razão por que os personagens situam-se entre a infância e a adolescência.

As composições de O Cabeça-de-Cuia são todas curtas, quase sintéticas, quase à maneira de Dalton Trevisan. Períodos incisivos, sem rodeios, sem malabarismos de linguagem. Espécie de roteiro para elaboração de narrativas mais extensas.

Os vinte e seis contos de O Cabeça-de-Cuia carregam esta mesma maneira de escrever, porém não há homogeneidade temática. Uns são mais voltados para o interior das personagens, outros para o binômio homem-ambiente. E são estes últimos, quase todos circunscritos ao espaço rural, os que apresentam melhor feição. Gravitam em torno de personagens situados entre a infância e a adolescência. Neles o contista melhor se revela.

Em “Os Contos de Paulo Véras” (FM, págs. 224/225), Batista de Lima afirma: “Usando de uma linguagem que muito bem se casa com o clima da trama. Usando de um estilo flexível. Às vezes períodos curtíssimos, às vezes longos e em uma oportunidade, “O Cochicho dos Cavalos” (história de um suicida), todo um conto sem um ponto sequer”.
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Fonte:

Situações didáticas – Língua Portuguesa

Mais do que letras

Até dominar a leitura e a escrita, a garotada passa por experiências enriquecedoras, como ler sem saber ler e escrever sem saber escrever

Cada criança chega à escola em uma fase da alfabetização – o nível de compreensão depende das possibilidades prévias de contato com o mundo da escrita. Apesar de uma classe ter alunos em estágios diferentes de conhecimento, todos podem aprender. “O ambiente escolar deve ser pensado para propiciar inúmeras interações com a língua escrita”, afirma Telma Weisz, especialista em Psicologia Escolar e uma das maiores autoridades em alfabetização no Brasil. O papel do professor é mediar interações.

Para auxiliá-lo na tarefa de facilitar o ingresso da meninada no universo da linguagem escrita, o docente tem à disposição algumas atividades consagradas. “Aprendi que a leitura para a classe é uma delas e faço isso diariamente. Sento-me em roda com a turma, mostro um livro, falo sobre o autor e leio por cerca de 15 minutos”, afirma Cintia Dante de Queiroz Minelli, da EMEB Professor Bráulio José Valentim, na zona rural de Mogi Mirim, a 160 quilômetros de São Paulo. A educadora incentiva a escrita utilizando letras móveis ou lápis: “É para que as crianças descubram que tudo o que falam pode ser escrito”.

A conclusão da alfabetização inicial ocorre após os dois primeiros anos de escolaridade. Nas séries seguintes, a garotada aprofunda conhecimentos sobre diferentes gêneros de texto e ganha maior autonomia na produção e na leitura. Maria Ussifati, da EM Tempo Integral, de Umuarama, a 600 quilômetros de Curitiba, vê o progresso de seus alunos da 4ª série. Eles lêem uns para os outros e indicam títulos a amigos. “Percebo que mesmo os que não têm o hábito de ler ficam interessados quando vêem o colega com um livro ou contando uma história curiosa”, ela explica. As cinco situações didáticas de Língua Portuguesa estão descritas em duas fases, alfabetização inicial e continuidade. Como o nível de leitura e escrita varia dentro de uma classe, é importante identificar em que fase cada aluno está e escolher atividades adequadas para a turma.

Seqüência Didática

Contos do mundo todo

Leitura para a classe (na alfabetização inicial)

O que é
A turma forma uma roda, e o professor lê em voz alta textos literários, jornalísticos, regras de jogos etc. Os gêneros devem variar para que o repertório se amplie. Além de contos de fadas, valem notícias que tratem de algum assunto de interesse de crianças. Também é imprescindível garantir a qualidade do material à disposição da meninada.

Quando propor
Diariamente.

O que a criança aprende
Os usos e as funções da escrita, as características que distinguem os gêneros e as diferenças entre o oral e o escrito. Ela se familiariza com a linguagem e os elementos dos livros (que contam histórias), dos jornais (que trazem notícias) e dos textos instrucionais (que incluem regras de jogos ou receitas culinárias).

Leitura para a classe (na continuidade)

O que é
Leitura de livros literários mais longos (podem ser selecionados capítulos inteiros, por exemplo) e textos informativos mais complexos. O objetivo é que a turma construa uma compreensão coletiva de cada obra.

Quando propor
Diariamente.

O que a criança aprende
Características de textos mais difíceis e de diferentes gêneros.

Prática de leitura

Leitura para aprender a ler (na alfabetização inicial)

O que é
A tentativa de ler listas ou textos conhecidos de memória (poemas, canções e trava-línguas). Sabendo o que es tá escrito (nomes de frutas, por exemplo), é possível antecipar o que pode estar escrito e confirmar por meio do conhecimento das letras iniciais ou finais, entre outras formas (leia o quadro abaixo).

Quando propor
Em dias alternados aos de atividades de escrita.

O que a criança aprende
O funcionamento do sistema de escrita. Além disso, ela compreende como acionar as primeiras estratégias de leitura.

Leitura para aprender a ler (na continuidade)

O que é
O crescimento da autonomia. O estudante pode entrar em contato com diferentes gêneros para saber quando e como usá-los e, assim, aprender a buscar informações e a ler para estudar.

Quando propor
Em dias alternados aos de atividades de escrita.

O que a criança aprende
A compreender textos mais desafiadores. Durante a leitura, ela pode localizar e selecionar informações apoiandose em títulos, subtítulos ou imagens e apontando o que é interessante.

RODA DIÁRIA - A garotada fica atenta à professora Cintia, que lê boas histórias com capricho na entonação

Produção textual (na alfabetização inicial)

O que é
Os pequenos ditam um texto, e o professor escreve no quadro. Eles ficam com o controle do que se escreve e acompanham como isso é feito. Podem ser feitas perguntas para provocar participações e estruturar a escrita. Ao fim da atividade, a produção deve ser revisada.

Quando propor
Várias vezes por semana, sempre que houver uso da escrita.

O que a criança aprende
A organizar as idéias principais de um texto conhecido e a modificar a linguagem, passando da forma oral para a escrita.

Produção textual (na continuidade)

O que é
A reescrita e a produção de textos com autonomia crescente. O aluno define o leitor, o propósito e o gênero, revisa e cuida da apresentação final.

Quando propor
Diariamente.

O que a criança aprende
A usar procedimentos de escritor: planejar o que escrever, fazer rascunhos, reler e revisar.

AMIGOS OUVINTES - O gosto pelos livros é incentivado na EM Tempo Integral com leituras feitas por alunos

Comunicação oral (na alfabetização inicial)

O que é
Atividades em que a garotada narra histórias, declama poemas, apresenta seminários e realiza entrevistas. Podem ser feitos saraus e apresentações para expor um tema usando roteiros ou cartazes para apoiar a fala.

Quando propor
Algumas vezes por mês, dependendo dos projetos e das atividades em desenvolvimento.

O que a criança aprende
A utilizar a linguagem oral com eficiência, defendendo pontos de vista, relatando acontecimentos, formulando perguntas e adequando sua fala a diferentes situações formais.

Comunicação oral (na continuidade)

O que é
Preparação e realização de atividades e projetos que incluam a exposição oral, articulando conteúdos de linguagem verbal e escrita. É interessante incentivar a turma a falar com base em um roteiro e a fazer entrevistas e seminários.

Quando propor
Algumas vezes por mês, dependendo dos projetos e das atividades em desenvolvimento.

O que a criança aprende
A participar de situações que requeiram ouvir com atenção, intervir sem sair do assunto tratado, formular perguntas, responder a elas justificando suas respostas e fazer exposições sobre temas estudados.

Fonte:
http://revistaescola.abril.com.br/edicoes/0213/aberto/mt_281449.shtml