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quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Mario Quintana em Prosa e Verso 7



A BELA E O DRAGÃO

As coisas que não têm nome assustam, escravizam-nos, devoram-nos... Se a bela faz de ti gato e sapato, chama-lhe, por exemplo, A BELA DESDENHOSA. E ei-la rotulada, classificada, exorcizada, simples marionete agora, com todos os gestos perfeitamente previsíveis, dentro do seu papel de boneca de pau. E no dia em que chamares a um dragão de JOLÍ, o dragão te seguirá por toda parte como um cachorrinho...

APARIÇÃO

Tão de súbito, por sobre o perfil noturno da casaria, tão de súbito surgiu, como um choque, um impacto, um milagre, que o coração, aterrado, nem lhe sabia o nome: a lua! - a lua ensanguentada e irreconhecível de Babilônia e Cartago, dos campos malditos de após-batalha, a lua dos parricídios, das populações em retirada, dos estupros, a lua dos primeiros e dos últimos tempos.

EPÍLOGO

Não, o melhor é não falares, não explicares coisa alguma. Tudo agora está suspenso. Nada aguenta mais nada. E sabe Deus o que é que desencadeia as catástrofes, o que é que derruba um castelo de cartas! Não se sabe... Umas vezes passa uma avalanche e não morre uma mosca... Outras vezes senta uma mosca e desaba uma cidade.

ESTUFA

Que imaginação depravada têm as orquídeas! A sua contemplação escandaliza e fascina. Vivem procurando e criando inéditos coloridos, e estranhas formas, combinações incríveis, como quem procura uma volúpia nova, um sexo novo...

INFERNO

Em suave andadura de sonho, sob uma infinita série de arco-íris celestiais, anjos me conduziam num palanquim dourado, entre um curioso povo de profetas e virgens, que formavam alas para me ver passar. Mas eu me debruçava inquieto a uma e outra janela: faltava-lhe alguma coisa. Faltava... Faltavam os meus desafetos. Eu só queria era ver a cara deles, ver a cara que eles fariam quando me vissem passar, tirado por anjos num palanquim de ouro!

O ESPIÃO

Bem o conheço. Num espelho de bar, numa vitrina ao acaso do footing, em qualquer vidraça por aí, trocamos às vezes um súbito e inquietante olhar. Não, isto não pode continuar assim. Que tens tu de espionar-me? Que me censuras, fantasma? Que tens a ver com os meus bares, com os meus cigarros, com os meus delírios ambulatórios, com tudo o que não faço na vida!?

TRÁGICO ACIDENTE DE LEITURA

Tão comodamente que eu estava lendo, como quem viaja num raio de lua, num tapete mágico, num trenó, num sonho. Nem lia: deslizava. Quando de súbito a terrível palavra apareceu, apareceu e ficou, plantada ali diante de mim, focando-me: ABSCÔNDITO. Que momento passei!... O momento de imobilidade e apreensão de quando o fotógrafo se posta atrás da máquina, envolvidos os dois no mesmo pano preto, como um duplo monstro misterioso e corcunda... O terrível silêncio do condenado ante o pelotão de fuzilamento, quando os soldados dormem na pontaria e o capitão vai gritar: Fogo!

Fonte:
Mario Quintana. Sapato florido. São Paulo: Globo, 2005.

segunda-feira, 30 de julho de 2018

Vinícius de Moraes (Contemplações do poeta ao cair da noite)


Ainda há pouco, a reler a página admirável de frei Luís de Sousa, cujo título, possivelmente dado pelos antologistas Álvaro Lins e Aurélio Buarque de Holanda, é (se em vez de poeta ler-se arcebispo) o mesmo desta crônica, tive a alegria de verificar quão parecidas eram as minhas noites de solidão em Montevidéu, com as de frei Bertolameu dos Mártires, mais de três séculos antes. Como o santo arcebispo, também eu passava o dia todo dando expediente, quiçá de menos hierarquia, pois enquanto ele devia andar às voltas com despachos celestiais, tinha eu a meu cargo despachos marítimos e terrestres, além da firmação de passaportes e faturas e da contagem diária dos emolumentos consulares. 

E como fazia ele, com relação às coisas divinas, eu, ao fechar-se a noite sobre o cerro que provocou no descobridor a exclamação nominativa da cidade, depois de um curto trajeto de automóvel até o bairro de Pocitos, onde tenho meu apartamento num sétimo andar "pagava-me o peso do dia, e do trabalho com um passatempo mal conhecido no mundo, e ao menos buscado de poucos (e ainda mal, que se muitos o buscaram fora melhor ao mundo)". Entregava-me a uma profunda contemplação da bem-amada ausente. Esta era a maneira de vencer a distância irremediável que se estendia diante dos meus olhos voltados para o norte e que às vezes buscavam, na linha descendente de Alfa e Beta de Centauro, o ponto exato onde ela, de sua janela sobre o parque, devia também pensar em mim. 

E não se maravilhe ninguém de que eu, tal o arcebispo, passasse com tanta facilidade dos negócios à contemplação. Não tinha, é claro, "dês da primeira idade feito hábito neste santo exercício". Mas o que me faltava em penitências, sobrava-me em ternura e querer-bem. E se nele "este antigo costume lhe trazia a viola do espírito tão temperada sempre, que em qualquer conjunção que largava o negócio, logo a achava prestes para sem detença entoar as músicas da Celestial Jerusalém, e ficar absorto nos prazeres do divino ócio", eu por mim tinha sempre bem afinado o meu violão Del Vecchio, e me comprazia em machucar-me as saudades com os doridos acordes de tantas canções feitas para a bem-amada. E assim não me era por nada difícil passar de faturas a doçuras, e desligar-me da rotina do trabalho para a comunhão com a amiga distante, num lento evolar-se do meu ser empós sua adorável imagem, que às vezes parecia corporificar-se na lua que estava no céu. E não era incomum ficarmos, eu e a lua de Montevidéu, em doce conúbio, ela dilatando os espaços com os raios de seu amor, eu esvaindo-me de amor em seu luar. Pois era aquele o luar do meu bem no seu pungente exílio, a segredar-me que, mesmo ausente, ali estava para iluminar as minhas horas; e eu tivesse paciência e a esperasse dentro e fora de mim, que ela se vestira toda de luz para o nosso futuro encontro; e não me desesperasse, pois estava próximo o dia em que nunca mais nos haveríamos de separar. 

De outros turnos - como no caso de frei Bertolameu, que dessem-lhe azo os negócios, "subia sobre tarde a um eirado que mandou fazer em uma casa das mais altas do Paço; e como o passarinho, que depois de andar todo o dia ocupado na fábrica de seu ninho, quando vai caindo o Sol, e as sombras crescendo, estende as asas pelo ar, dando umas voltas alegres, e desenfadadas, que parece não bole pena, ou posto sobre um raminho canta descansadamente", - também eu deixava-me estar no terraço de meu apartamento, um dos mais altos de Pocitos: e feito ele que, à imagem da avezinha, "depois de alargar os olhos pelas serras e outeiros, que do alto se descobriam, estendia os de sua alma às maiores alturas do Céu, voava com a consideração por aquelas eternas moradas, desabafava, e em voz baixa entoava de quando em quando alegres Hinos" - eu por minha vez, ante a ideia de compartilhar com a bem-amada a visão dos amplos espaços crepusculares do estuário do rio da Prata, e de rodeá-la, com meus braços dentro das iluminações do poente oriental, punha-me, tal um menino que, ai de mim, já não sou mais, a tamborilar com os dedos e a cantar com ela alegres sambas do meu Rio, que não é da Prata nem do Ouro, mas que é cidade de muito instante, e em hoje mora, em casa única, o meu antes triste e multifário coração.

Fonte:
Vinícius de Moraes. Para viver um grande amor.

segunda-feira, 16 de julho de 2018

Érika Lourenço Jurandy (Querida Mãe)


Aqui sentada na varanda, olhando para as nuvens que correm sem parar, lembro-me de quando te senti, pela primeira vez, em minha vida. Foi quando passei a enxergar, ainda com tenra idade. Sem entender o que era aquela imensidão azul acima da minha cabeça, vi algo tão lindo que, mais tarde, descobri ser o céu. Quantas vezes depois, deitada na grama verde e junto às belas flores que você me deu, contemplei aquele azul sem igual, com os matizes que só você sabe como pintar. Vi, nas nuvens brancas e fofinhas, as formas e histórias que você decidia me contar. E todas as vezes que estive desanimada, você tratou de me fazer ver o lindo cenário que, de graça, me oferecia, para acalmar meu coração.

Nas noites, me deu a lua e as estrelas, a luz delas e a ciranda dos astros, me mostrando que seu amor por mim era infinito, tão infinito quanto aquelas luzes brilhantes lá em cima. Fez-me, além de feliz por ter tanta beleza ao redor, uma quase poeta, trazendo inspirações nas noites frias ou com belo firmamento, com lua nova ou minguante, não importa. Sempre me deu uma noite para poder ver, me inspirar e descansar.

Mesmo sabendo da minha fobia por ambientes com grandes extensões de água, não deixou de preservar minha saúde e vida, me dando os rios, os lagos, as cachoeiras, os mares. Apesar de nunca me obrigar a ir até esses belos locais, ainda assim, deixa-os por mim, pois sabe das minhas necessidades físicas e tem plena consciência de que necessito de água para manter-me viva! Como boa e zelosa mãe, me respeita e cuida de mim, aceitando minhas limitações com suas belezas naturais e gratuitas.

Tendo em mente que eu necessitaria de irmãos, me deu muitos, de diferentes tipos e comportamentos, que possuem o nome de animais, embora prefira chama-los de irmãos menores – ou nem tanto! – que ainda não aprenderam a falar. Com eles aprendi o valor da vida, do amor verdadeiro, da amizade e devoção. Aprendi a respeitar os diferentes, a ter delicadeza, a ser mais humana. Com eles estou sempre perto de você.

Para deixar meus ambientes coloridos, frescos e sempre com bom ar, livre de perigos respiratórios, fez nascer as mais belas plantas, árvores e flores. Todas com seus coloridos, com seus orvalhos, com suas sínteses e fotossínteses. Complexas, belas e plenas. Raras, fáceis de encontrar. Tamanhos e folhagens variados, tanta criatividade que nem sei como consegue tanto para me ofertar. Além disso, providenciou que muitas pudessem me oferecer alimentos, os frutos deliciosos, que ajudam na minha saúde e alimentação saudável. Por que só uma mãe zelosa como você pensa em tudo, nos mínimos detalhes.

A terra que existe, com todas as suas propriedades e camadas, com todo o poder de fazer nascer e crescer, demonstra a sua vontade de me fazer ver que tenho solo que me proporciona alicerce para construir minha vida, nos mais variados sentidos.

Não tenho palavras para descrever o quanto és maravilhosa e o quanto sou grata por ter nascido no seu seio, sendo um de seus filhos. Gratidão é pouco para dar-te, diante de tudo o que faz por mim. 

Infelizmente, nem todos os meus irmãos sabem o valor que possui e o quanto devem cuidar de ti. Destroem tudo o que oferece de bom grado e ainda reclamam quando, em determinados momentos, se insurge contra os danos que lhe propiciam. Aliás, você nunca revida o mal que te fazem; tudo de ruim que atribuem a você não passa de consequências dos malfeitos que realizam, acreditando que não haverá efeito colateral. Não pensam eles, os filhos ingratos, que são vítimas de suas próprias condutas maculosas, porque você é uma mãe sem igual e, como tal, ama seus filhos, mesmo os não merecedores.

Ah minha mãe Terra, minha querida Mãe Gaia. Aquela que cuida de mim até o fim, fazendo com que voltemos a seu seio quando acreditamos que chegamos ao nosso fim, a morte. É nela que nos unimos a ti novamente, mostrando que todos somos seus filhos, nem sempre tão gratos, mas seus.

(Medalha de Prata no V Concurso de Literatura da Natureza, Categoria Prosa)

Fonte:

quarta-feira, 11 de julho de 2018

Vinicius de Moraes (A Arte de Ser Velho)


É curioso como, com o avançar dos anos e o aproximar da morte, vão os homens fechando portas atrás de si, numa espécie de pudor de que o vejam enfrentar a velhice que se aproxima. Pelo menos entre nós, latinos da América, e sobretudo, do Brasil. E talvez seja melhor assim; pois se esse sentimento nos subtrai em vida, no sentido de seu aproveitamento no tempo, evita-nos incorrer em desfrutes de que não está isenta, por exemplo, a ancianidade entre alguns povos europeus e de alhures. 

Não estou querendo dizer com isso que todos os nossos velhinhos sejam nenhuma flor que se cheire. Temo-los tão pilantras como não importa onde, e com a agravante de praticarem seus malfeitos com menos ingenuidade. Mas, como coletividade, não há dúvida que os velhinhos brasileiros têm mais compostura que a maioria da velhorra internacional (tirante, é claro, a China), embora entreguem mais depressa a rapadura. 

Talvez nem seja compostura; talvez seja esse pudor de que falávamos acima, de se mostrarem em sua decadência, misturado ao muito frequente sentimento de não terem aproveitado os verdes anos como deveriam. Seja como for, aqui no Brasil os velhos se retraem daqueles seus semelhantes que, como se poderia dizer, têm a faca e o queijo nas mãos. Em reuniões e lugares públicos não têm sido poucas as vezes em que já surpreendi olhares de velhos para moços que se poderiam traduzir mais ou menos assim: "Desgraçado! Aproveita enquanto é tempo porque não demora muito vais ficar assim como eu, um velho, e nenhuma dessas boas olhará mais sequer para o teu lado..." 

Isso, aqui no Brasil, é fácil sentir nas boates, com exceção de São Paulo, onde alguns cocorocas ainda arriscam seu pezinho na pista, de cara cheia e sem ligar ao enfarte. No Rio é bem menos comum, e no geral, em mesa de velho não senta broto, pois, conforme reza a máxima popular, quem gosta de velho é reumatismo. O que me parece, de certo modo, cruel. Mas, o que se vai fazer? Assim é a mocidade- ínscia, cruel e gulosa em seus apetites. Como aliás, muito bem diz também a sabedoria do povo: homem velho e mulher nova, ou chifre ou cova. 

Na Europa, felizmente para a classe, a cantiga soa diferente. Aliás, nos Estados Unidos dá-se, de certo modo, o mesmo. É verdade que no caso dos Estados Unidos a felicidade dos velhos é conseguida um pouco à base da vigarista; mas na Europa não. Na Europa veem-se meninas lindas nas boates dançando cheek to cheek com verdadeiros macróbios, e de olhinho fechado e tudo. Enquanto que nos Estados Unidos eu creio que seja mais... cheek to cheek. Lembro-me que em Paris, no Club St. Florentin, onde eu ia bastante, havia na pista um velhinho sempre com meninas diferentes. O "matusa" enfrentava qualquer parada, do rock ao chá-chá-chá e dançava o fino, com todos os extravagantes passinhos com que os gauleses enfeitam as danças do Caribe, sem falar no nosso samba. Um dia, um rapazinho folgado veio convidar a menina do velhinho para dançar e sabem o que ela disse? - isso mesmo que vocês estão pensando e mais toda essa coisa. E enquanto isso, o velhinho de pé, o peito inchado, pronto para sair na física. 

Eu achei a cena uma graça só, mas não sei se teria sentido o mesmo aqui no Brasil, se ela se tivesse passado no Sacha's com algum parente meu. Porque, no fundo, nós queremos os nossos velhinhos em casa, em sua cadeira de balanço, lendo Michel Zevaco ou pensando na morte próxima, como fazia meu avô. Velhinho saliente é muito bom, muito bom, mas de avô dos outros. Nosso, não.

Fonte:

terça-feira, 10 de julho de 2018

Vinicius de Morais (Namorados públicos)


Da mesma forma que os monumentos históricos ou artísticos, as belezas naturais, os bailes e cafés, os parques e jardins - os casais de namorados são coisa que pertencem ao patrimônio de uma cidade. Uma cidade sem namorados públicos não é uma verdadeira cidade. Os cicerones de Paris costumam mostrá-los aos turistas, inteiramente despreocupados em suas ternuras, como típicas curiosidades locais. No Hyde Park, em Londres, é possível vê-los às centenas, sobre o gramado esmeralda desse parque inexcedível como se estivessem em casa. O transeunte margeia beijos intermináveis, abraços infinitos, olhares abissais, namorados que leem romances, namorados que dormem, namorados que brigam, a um passo uns dos outros, perfeitamente indiferentes ao que lhes vai em torno, - e o que é formidável - guardados da curiosidade, ou malícia alheias, por um passante policial, cuja função é zelar pela perfeita consecução de seus carinhos, com uma imparticipação e fidelidade dignas de todos os aplausos. É claro que os namorados não abusam. Mas nessa questão de carinhos de superfície eles se permitem um uso inumerável. Entregam-se em beijos que fariam a inveja de John Gilbert ao tempo da sua paixão por Greta Garbo. Dão-se abraços de não se saber mais quem é o outro. Fazem-se cafunés maravilhosos, esfregam-se os narizes, acarinham-se os rostos, enfim: tudo isso que faz a deliciosa cozinha dos que se amam e que vem sendo a mesma desde os tempos mais recuados no tempo.

Ninguém pode dizer que o Rio não seja uma cidade de namorados: ela o é. Seria difícil, aliás, compreender-se uma cidade tão pródiga em beleza, sem namorados. Mas são namorados, meu Deus, ou tão ousados ou tão tímidos que parecem uma contrafação da natureza humana diante da Natureza. Grande culpada disso foi, até certo tempo, a nossa polícia de costumes, que arrolava todas as carícias de namorados dentro de um mesmo código moral, chegando até ao abuso de prender gente casada que saía para namorar fora de casa. Não. Há carícias e carícias. Que mal existe em se beijarem os namorados em praça pública ou nos cantos de rua? Em que uma coisa dessas ofende a moral? Por que não se poderão eles abraçar ternamente, quando tiverem vontade? Pois parece incrível: outro dia um amigo meu contou que foi "apitado" várias vezes por um guarda do Jardim Botânico, por estar dando um "peguinha" na namorada. De fato: é justo, mais do que justo, que se moralizem os costumes. Nada mais certo. Mas perseguir os namorados, da mesma forma que arrancar as plantas dos parques, ou maltratar os animais, é indício de mau caráter. Que os namorados se beijem à vontade nesta linda Rio de Janeiro. Nada há de mal no beijo dos namorados, como no amor dos pássaros. Deixai-os nos seus parques, nas suas ruas escuras, nos seus portões de casa. Deixai-os namorar, Senhor Prefeito, Senhor Diretor do Jardim Botânico, deixai-os namorar, porque eles têm cada dia menos lugares onde ir esconder seus anseios. Deixai-os se beijarem à vontade, porque o que em seus beijos irrita os burgueses moralizantes é justamente essa liberdade, essa beleza, essa poesia, esse voo que há num beijo de amor. Tréguas aos namorados!

Fonte:
Vinicius de Morais. Prosas.

sábado, 7 de julho de 2018

Darcy Pinheiro (Atitude Revolucionária)

Darcy é de Cruz Alta/RS
O texto abaixo da imagem é Medalha de Prata no V Concurso de Literatura da Natureza (organizado por Oliveira Caruso em 2015), Categoria Prosa
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Em época não muito distante, havia um proprietário de vasta área de terra, sendo  vinte por cento de campo e restante de mato, nativo formando uma floresta na qual habitavam animais de diversas espécies.

O campo era utilizado parte em agricultura e parte em pecuária. Com o passar do tempo, visando aumentar a área agricultável, deu-se,  início à derrubada da floresta. Consequentemente aumentou também a pulverização na lavoura, com a utilização de agrotóxicos.

A mata abrigava rico ecossistema: fauna e flora nativas habitada por animais de várias espécies, flores naturais, silvestres, abelhas em ocos de árvores,  pássaros, em grande quantidade completavam a beleza do local.  Com uso de agrotóxicos, nas pulverizações, as abelhas e pássaros começaram a morrer.

Sabe-se que na hierarquia das abelhas, as obreiras (soldados), são responsáveis pela  segurança, alimentação e higiene de todo o enxame, inclusive pela alimentação da rainha.

Uma obreira vendo as companheiras morrerem envenenadas ao coletarem o  néctar das flores, resultado do veneno utilizado na pulverização,  pressentiu que os enxames  corriam  risco de extinção. Sendo uma das responsáveis pela segurança do enxame, contatou com as companheiras de trabalho, sugerindo reunião com outras colmeias, a fim de estudarem providências a serem tomadas, para terminarem com o ato responsável pelo extermínio de abelhas.

Enxames organizados surgiram várias propostas para ação. Grupos queriam iniciar o protesto, picando o tratorista, quando este estivesse pulverizando. A revolucionária alertou-os,  que seria  suicídio coletivo, porque aquelas que fossem picar acabariam mortas.

Apresentou então, seu plano de ação:  Primeiro – começariam  voando,  em pequenos grupos,  sobre a cabeça do tratorista, para assustá-lo; Segundo:  não obtendo êxito, o enxame continuaria voando e uma abelha, apresentar-se-ia como voluntária, mesmo sabendo que morreria  ao executar a picada no tratorista; Terceiro – caso não lograssem êxito, dois ou mais enxames, pousariam no corpo do tratorista, iniciando pela cabeça até o cobrirem totalmente; Quarto: se  assim mesmo, não obtivessem vitória, mais obreiras iriam para o suicídio, com a finalidade de salvarem as irmãs e companheiras, Assim o ato de picar seria em grupos.

Decidiram em assembleia que o protesto continuaria até suspenderem a aplicação de veneno. Caso houvesse necessidade, convocariam outros animais e aves da floresta para participarem do ato. Designou-se também um pequeno grupo para repassar a ideia aos animais,   para em conjunto e demonstrando força, impedirem que mais habitantes da floresta continuassem morrendo pelo veneno utilizado nas pulverizações. 

Dias depois, mal clareado o dia, tratoristas e seus companheiros chegaram na lavoura, com  pulverizadores puxados por tratores. Ao iniciarem o trabalho,  um enxame revoou suas cabeças. Todos,  apavorados correram para se abrigarem. Passado certo tempo, voltaram para reiniciarem o trabalho. Então os enxames,  em prontidão, retomaram suas atividades e como combinado as voluntárias os picaram, enquanto que  o  restante do enxame continuou revoando e aumentando os zumbidos, fazendo-os   novamente saírem apavorados.

No dia seguinte, os enxames, avisados pela abelha de plantão, souberam de que os colocadores de veneno, voltaram à pulverizar. A abelha líder autorizou o início do terceiro plano. Ao  ligarem os tratores, todas as abelhas voaram em grupo,  em cima dos operários. Os enxames pousaram na cabeça dos tratoristas, e em seguida cobriram todo o corpo. Todos desesperados retornaram à granja, deixando o maquinário na lavoura.

Mais um dia se passou. Armados de foices, facão e motosserra,  se dirigiram para a floresta. Sempre vigiados, iniciaram a derrubada de árvores. As abelhas em permanente sobreaviso, partiram para o ataque. Agora um número maior de operárias se apresentou como  voluntárias, ao sacrifício. As picadas foram tantas que desnorteados os destruidores mais uma vez,  abandonaram as ferramentas indo  para a sede da granja. 

A abelha, revolucionária, solicitou ajuda aos tatus: que durante a noite cavaram buracos ao redor do trator, fazendo o mesmo afundar e impossibilitando-o de  operar por alguns dias.

Os trabalhadores não se davam por vencidos, voltaram  para destruírem a mata. Antes de iniciarem a derrubada de árvores, enquanto discutiam, como proceder, começou o ataque das pequenas formigas, ardedeiras, que os esperavam, alojadas nas proximidades das ferramentas. Mais uma vez vencidos tendo em vista que as pequenas formigas entraram, dentro das roupas, picando-os por todo corpo,  desistiram de executar o trabalho, ficando ausente, por algum tempo. O proprietário entendeu que não venceria por terra os animais da floresta. Resolveu que a única maneira de salvar sua lavoura seria com pulverização aérea e assim foi decidido. As abelhas ao avistarem um avião aterrissar perto da lavoura contataram os outros animais, em prontidão. Após escurecer vários animais de grande porte entraram em ação. Primeiramente viraram o avião, deixando-o com as rodas para cima, em seguida amassaram o tanque de combustível, inutilizando-o.

Quando o piloto e seus auxiliares chegaram, se surpreenderam com o estado da aeronave: incapacitada para o serviço.

Desesperado o granjeiro desistiu e procurou um especialista, para obter informações sobre outros meios para combater as lagartas que dizimavam a lavoura. .

No período interrompido, cada animal comprometeu-se a mostrar sua capacidade de ação. Todos os pássaros da floresta passaram a se alimentarem de lagartas,  demonstrando assim serem capazes de acabar com elas. As demais aves também comiam os insetos que prejudicavam a plantação.

Quando o agricultor verificou a grande quantidade de pássaros revoando e pousando em sua lavoura desesperou-se. Sem saber o que fazer, reuniu os empregados e batendo em latas, percorreram a lavoura na tentativa de espantá-los. Vendo que o método era  ineficiente, desistiu e ficou na espera do prejuízo.

Sem obter resultado com este método o agricultor decidiu conceder aviso prévio aos empregados com a justificativa de que não mais plantaria.

Esperando completar o aviso, um empregado, por curiosidade, foi examinar a plantação, verificou que não existiam lagartas. O número de vagens nos pés de soja era surpreendente. O milho também estava com ótimas espigas, sem nenhuma praga. Imediatamente contou ao proprietário, que não acreditando,  verificou pessoalmente. Constatada a veracidade, comentou com seus vizinhos, os quais confirmaram o não ataque de lagartas, resultando em boa produção.

O fazendeiro suspendeu a dispensa dada aos empregados, que iniciaram a preparação das máquinas para a colher e fazer nova plantação.. Após a colheita, mais uma surpresa, a produção superou as expectativas, muito superior as de anos anteriores.  Calculado  o lucro obtido pelo aumento da produção, acrescido à economia dos agrotóxicos,  verificou-se um aumento bastante significativo no lucro.

Suspenso o uso de agrotóxicos dois anos depois, a produção continuou aumentando. Desmontou o pulverizador utilizando algumas peças em outras máquinas e o vendeu como ferro velho. Designou os empregados para reflorestarem, parte da floresta que havia sido devastada.

                Com produção crescendo e despesas  diminuídas, foi possível aumentar o reflorestamento. Com a ausência de produtos químicos, os pássaros, abelhas e outros predadores dos inimigos das lavouras, aumentaram e se tornaram verdadeiros protetores das plantações.

Salienta-se: as abelhas, ao retirarem o néctar das flores, pousando e levantando voo contribuem com a polinização das plantas.

A partir desse acontecimento, o granjeiro passou a utilizar somente produtos orgânicos. Aumentou o numero de empregados contratados para recolherem no campo, esterco do gado, depositando-os em local apropriado, onde eram misturados com os dejetos dos suínos. Esse passou a ser o único adubo utilizado.

Por outro lado, costumava-se banhar o rebanho para terminar com os carrapatos, pelo menos duas vezes por ano. Quando chegou a época do banho de carrapaticida, mais uma vez agradeceu à cadeia alimentar tão necessária, visto que a própria natureza se encarrega de que haja seu crescimento. O gado passou a não ter nenhuma infestação de carrapatos. O ganho econômico aumentava.

Junto aos empregados, olhou para o céu e agradeceu pela ajuda dos pássaros. Afirmou aos empregados que principalmente os bem-te-vis, as garças e outras aves, estavam livrando o gado dos carrapatos. Assim a economia aumentava.   

        Em menos de cinco anos a granja foi a primeira na região, a obter reconhecimento e certificado, como produtora de cereais cem por cento orgânicos, elevando seus produtos a obterem maior preço no mercado internacional.

Outro setor foi desenvolvido, além dos produtos agrícolas: a produção de mel em grande escala, superando em valores a renda obtida com a plantação de milho. Seus vizinhos também entraram nesta nova atividade, tornando a região conhecida como produtora e exportadora de mel orgânico. Assim,  tudo que era produzido na região, recebia o rótulo: e/ ou selo de produtos orgânicos.

A nova técnica, foi expandida para outros produtores que  tomando conhecimento da atitude positiva deste produtor, respeitando todo o tipo de animais, iniciaram reflorestamento e diminuíram aplicações de produtos nocivos.

Em palestras, para as quais era convidado, o amigo da natureza, sempre afirmava que respeitando a natureza, ela sempre retribui. Provava que toda árvore derrubada destrói o habitat dos amigos e dos parceiros agrícolas, como costumava dizer, ao se referir aos animais da floresta, estes eram os melhores amigos dos agricultores, principalmente uma certa colmeia que comandada por valentes abelhas, revolucionaram a parceria entre todos os setores da agricultura regional e a natureza.    

Fonte:

terça-feira, 22 de maio de 2012

Amosse Mucavele (Apresentação)

Nina Rizzi

Á Nina Rizzi

Ando PENSATIVO
100 MOTIVO , dissocio-me da alma do gato de que me SIRVO
comovido pelo baile das mascarás que dançam na MESA ,onde o espirito do felino dita a sentença.
movo , o PRATO,
do lado da cozinha assisto o PARTO.
da carne que coze na OFICINA, e da panela testemunho a CHACINA dos ingredientes que jazem no pranto do PRATO do dia.
pego no garfo, afio as espadas do apetite com o semblante do meu líame (amor e angústia)
retiro-me da MESA , rodopio pela CASA, caminho em direcção a capoeira do meu lobo
e de seguida
penso ao alto no CRAVO
ACTIVO o amor nos olhos da rosa antes de ficar BRAVO
ponho o meu pensamento em pé
cavo bem ao fundo o sentimento que torna VIVO
este amor que o passáro canta ainda dentro do OVO
sento debaixo da árvore
TIRO o chulé do cansaço que cobre a alvorada do homem NOVO
ATIRO os silêncios costurados na primavera dos frutos que se embebedam no vôo do corvo
aos POUCOS à COPOS alcanço os TOPOS de um sonho erguido nos TRÓPICOS
e por fim activo, de forma radiante o meu uivo nos ouvidos do Globo:
eu não sou nada , sou apenas um sonhador.

Fonte:
Texto enviado pelo autor

domingo, 13 de novembro de 2011

Amosse Mucavele (Relógio)

Pintura de Salvador Dali
Á Marilía mulher que o tempo levou

É impossível que eu durma sem dar uma palmada no teu vertiginoso trilho

Impossível é, o meu acordar sem saudar a sua majestade voz

É impossível que eu me sente a mesa antes de namorar a sua redonda face

Impossível é, que eu vá ao serviço na sua ausência

Resumindo é impossível que eu viva sem ti, pois você é a menina dos meus olhos, de beleza infindável, incontornável é a sua sabedoria secular.

O teu silêncio ensina a pontualidade a falar todas as línguas

Querida ensina-me a fabricar verdades a hora certa. sabe admira-me bastante este seu jeito de ser e estar. mulher de mil e uma face pintadas a mesma cor ..

No pulso da parede que assombra a sala você declara o seu amor de forma leve, e eterna

Na parede do meu braço nossos sentimentos percorrem 365 dias sem intervalo, acendem o brilho das estrelas que iluminam o mundo.

A surdez dos ponteiros apontam o gatilho a nudez dos números, pois a muito que anda teso

Nós impávidos, assistimos a interminável guerra dos dois amantes

Que a cada hora carregam a certeza da morte dos sonhos e o nascer da nova aurora

Eu e você meu amor , escalaremos a montanha que cresce a cada olhar esboçado a compasso No cronômetro da distância que tem a nossa cara: o tempo - onde a hora se enamora com os minutos e os segundos.

Fonte:
Texto enviado pelo autor