sábado, 30 de março de 2019

Odenir Follador (Ponta Grossa, Princesa dos Campos Gerais)


Salve, salve, oh! Querida Ponta Grossa,
 Princesa encantada dos Campos Gerais!
Das verdes campinas és a alma nossa.
Brancas asas, o início... Esquecer jamais!

De seus prédios e casarões alvissareiros,
das ruas seminuas no entorno da praça.
Onde havia até transporte de passageiros;
a Estação Saudades e a Maria Fumaça!

Havia também outro meio de transporte:
quatro linhas de ônibus no Ponto Azul
que ligava todos os bairros dando suporte,
num irrequieto vai e vem, de Norte a Sul.

E muito próximos, com porte magistral:
a fonte da Praça Barão do Rio Branco,
o Coreto e a nossa imponente Catedral;
magia dourada de um momento franco.

Indústrias Wagner com chaminé altaneiro,
da Cia. Adriática e da cerveja Original!
Nas ruas: cavalos, carroças e carroceiro
movendo e agitando o centro comercial.

As muitas lojas, comerciais e industriais
foram demolidas, sequer preservadas!
Só lembranças...  Hoje não existem mais!
Pela moderna construção, foram trocadas.

Oh! Querida Princesa dos Campos Gerais;
que saudades... Recordação e Nostalgia!
Lembranças que não apagarão jamais,
da candura e doçura que tivemos um dia.

Fonte: O poeta

Leon Eliachar (O Pileque)


Airton saiu da boate cambaleando, não viu quando um automóvel quase o pegou. Não viu, mas ouviu:

- Sai da frente, ó palhaço!

Riu sozinho, porque nem levou susto. Olhou para o alto, viu uma porção de janelas iluminadas, como se fossem manchetes da solidão que domina Copacabana, às quatro da madrugada. Queria ir pra casa, mas não se lembrava onde morava. Seus amigos quiseram colocá-lo num táxi:

- Deixa que sei ir sozinho.

Veio andando, andando, sem rumo certo, duas moças o abordaram:

- Está sem sono, meu bem?

Airton disse um palavrão, ouviu dois, saiu resmungando, esbarrou num guarda:

- Tem fogo aí, ô meu chapa?

O guarda acendeu seu cigarro, aproveitou pra filar um, tentou puxar um papo mas Airton preferiu continuar andando. Agora o dia já estava clareando, o sol vermelho esticava as sombras de algumas pessoas que começavam a sair e ele ainda nem tinha voltado. Sentou-se no degrau de um edifício, chegou um homem pra reclamar, dizendo que era contra o regulamento. Airton achou graça do regulamento, porque o homem era um lavador de automóveis e estava completamente nu. Levantou-se, sem discutir, levou de sobra os respingos da mangueira, mas não perdeu a pose:

- Quanto é a lavagem?

Continuou andando, entrou num boteco:

- Média, pão e manteiga.

Comeu devagarinho, pagou, misturou-se com a multidão de homens e mulheres apressados que tentavam condução para o trabalho. Sentiu-se diferente dos outros, quis ficar com pena deles, mas acabou com pena de si mesmo, quando percebeu que estava com um dia de atraso: os outros já estavam vivendo o dia seguinte e ele ainda estava no ontem.

- Táxi! Táxi!

Saltou na porta de casa, decidido de que este seria o seu último pileque. Abriu a porta com cuidado, entrou devagarzinho, sem fazer o menor ruído. A mulher já estava na cozinha, preparando o café das crianças:

- É você, Airton?

Não teve outro jeito:

- Sou eu. Tive de fazer serão novamente, acabei num bar com os amigos, juro que foi a ultima vez, meu bem.

A mulher não disse uma palavra, deu-lhe um copo de leite:

- Acho bom você dormir um pouco, deve estar muito cansado.

Ele passou pelo quarto dos meninos, deu um beijo na testa de cada um. O menorzinho acordou, bocejando:

- Você já vai trabalhar, papai?

Sentiu vergonha de ser marido, de ser pai, de ser chefe de família. Retirou-se para o seu quarto, vestiu o pijama, cerrou as cortinas, para que a escuridão envolvesse o seu drama. Ficou pensando em Nina, sua amante, comparou-a com a mulher. Há três anos que a conhecera e há duas semanas que havia decidido romper, definitivamente, para salvar o seu lar. Mas não conseguia esquecê-la, daí ter apelado para a bebida. Saía sozinho, todas as noites, voltava de madrugada, não sabia sequer se a mulher aceitava suas desculpas ou se o aceitava assim mesmo como era, porque o amava muito.

Não conseguia dormir, não conseguia trabalhar, não conseguia mais nada. Deitava-se às oito da manhã, levantava-se as duas. Há quinze dias não almoçava nem jantava em casa e sua família não merecia isso. No escritório, resistia a tentação de uma reconciliação com "a outra":

- Diz que não estou.

À noite era um desajustado, um homem incompatibilizado consigo mesmo, tentando lavar com a bebida um passado ainda recente. Entrava nas boates, juntava o seu drama a outros dramas semelhantes, na efervescência do álcool. Todos sorriam, mas ninguém levava o sorriso pra casa. Pior que o cansaço, a insônia. Levantou-se, trocou novamente de roupa, foi tomar café com a mulher:

- Você não vai dormir, meu bem?

Sentiu-se forte com a doçura e a compreensão da mulher:

- Não tenho sono, preciso decidir um negócio muito importante hoje.

Tomaram café, ele saiu apressado. À noite, trouxe balas para os filhos e flores para a mulher. Jantaram juntos, com luz de vela. De madrugada, ao lado de seis garrafas de champanha vazias, os dois estavam caídos, também vazios. Acordaram quase juntos, com o primeiro raio de sol. Ela apertou sua mão, com um sorriso feliz, ele disse, sem virar o rosto do chão:

- Meu Deus, já é dia claro, tenho de voltar pra casa!

Fonte:
Leon Eliachar. A mulher em flagrante, 1969.

J. G. de Araújo Jorge (Inspirações de Amor) III


AQUELE MEU BALÃO...

Levei o dia todo, a minha tarde inteira,
não joguei futebol e até nem quis brincar
de soldado e ladrão...
Ajoelhado na sala, a minha brincadeira
foi cortar os papéis de cores, e os juntar
fazendo o meu balão...

Só tarde, quando o céu, lá na altura se encheu
de outros muitos balões - eu o levei para a rua
entre grande escarcéu...
Nem sei como o fizera - era mais alto que eu!...
- havia de passar bem juntinho da lua
até tocar no céu!...

Olhando-o não cabia em mim minha alegria,
e a todos, um a um, apontava contente:
- vê? Fui eu que fiz...
Depois... Eu o acendi... Que bola ele fazia!...
- Foi inchando... crescendo... encheu completamente!...
Como fiquei feliz!...

Afinal... vendo-o cheio a vacilar... Soltamos!...
E ele ergueu-se no espaço... e em coro a garotada
gritou numa explosão:
Vai subir !... Vai subir !... Mas, logo nos calamos...
Na noite de luar, na noite enluarada
- pegou fogo o balão !...
.........

Hoje, às vezes, me lembro do balão queimado
e choro ao reviver as coisas do passado
que o  tempo sepultou...
- É que eu fiz, outra vez, depois daquela idade,
um balão bem maior: - o da Felicidade
que a vida incendiou !...

ASSIM...

Assim foi nosso amor... um sonho que viveu
de um sonho, e despertou na realidade um dia...
Um pouco de quimera ao léu da fantasia...
Um flor que brotou e num botão morreu...

Embora sendo nosso, este amor foi só meu,
porque o teu, não foi mais que pura hipocrisia,
- no fundo, há muito tempo, a minha alma sentia
este fim que o destino afinal já lhe deu...

Não podes, bem o sei  - sendo mulher como és,
saber quanto sofri, vendo esta flor desfeita
e as pétalas no chão, pisadas por teus pés...

Que importa ? Hás de sofrer mais tarde - a vida é assim...
Esse mesmo sorrir que agora te deleita
é o mesmo que depois há de amargar teu fim !...

AURORA SERTANEJA
Há silêncio na sombra, e o choro das ramadas
 é a música da noite em plena solidão...
 A lua se desmancha em luz na escuridão,
prateando a areia branca e fina das estradas...

As matas, raramente, aqui e ali, rasgadas
pelos raios do luar - deixam ver pelo chão,
- ora um curso de riacho em suave lentidão,
ora as cinzas e os paus no claro das queimadas

Na frescura do espaço há místicos perfumes,
e na noite sensual, como estrelas errantes,
cintilam, sem parar, milhões de vaga-lumes...

E em meio à natureza encantada e pagã,
no estojo azul do céu, bordado de brilhantes,
multicor vai se abrindo o leque da manhã!…

BAZAR DE RITMOS...

Nas vitrinas há luz!... Está em festa o bazar
de ritmos, de sons, estranhos e diversos,
- onde canta a minha alma dentro dos meus versos
como num búzio canta e ecoa a voz do mar!

Quantos versos compus!... E que diversidade
de momentos... de estado de alma... nos meus sons!
- traduz bem um bazar, a minha mocidade
na confusão febril das suas sensações...

Sensações que são minhas, por meu Ser sentidas,
mesmo aquelas talvez mais rubras... mais bizarras...
- sinfonia de uma alma onde há notas perdidas
de violinos, pardais, pandeiros e cigarras!

Violinos, - nos meus poemas vagos, doloridos...
pardais, - nos meus trinados de alegria e amor...
pandeiros, - na cadencia ruim de meus sentidos,
e cigarras, nos versos cheios de calor!

BAZAR DE RITMOS!

Há dentro do bazar a estranha sinfonia
que escrevi para o mundo em toda orquestração,
- é a música da vida, um ser de cada dia
a desdobrar os "eus" da minha multidão...

Há ritmos que riem! Ritmos que gritam!
- vibrações como guizos finos e estridentes...
- emoções como sinos brônzeos e soturnos...

E, assim, nessa alternância, no meu Ser se agitam
- pedaços de rapsódias vivas e contentes...
- trechos emocionais e tristes de noturnos!...

Nas vitrinas há luz!... Está em festa o bazar!
Há sonhos... ilusões... lembranças... e segredos...
Tudo isto para a vida criança vir comprar,
e insensível destruir meus últimos brinquedos!

BONECAS ... BONECOS ...
Uma vez, apanhei a boneca mais rica,
a boneca mais rica e mais graciosa
que a minha prima tinha...
Na Corte, só formada de bonecas,
minha prima a julgava a mais formosa
e a elegera a rainha...

Foi certa vez - ainda me lembro bem,
era um garoto assim pelos seis anos
e por ouvir falar em coração,
quis ver se na boneca tão bonita
existiria um coração também.

E se isso quis saber
e se eu assim pensava,
era porque essa prima me mostrava
um boneco vestido de palhaço,
alegre e folgazão,
por quem - dizia ela muitas vezes -
tinha a boneca um grande amor oculto
e uma grande paixão.

Um dia, apanhei a boneca, e escondido
rasguei o seu vestido
e furando-a no peito com a tesoura,
vi, com surpresa, em vez de sangue humano
só pedaços de pano...

Não achei no seu corpo o que queria
e vendo que a boneca era vazia
e o boneco também,
o que senti na minha alma de criança
explicar já não sei,
- lembro-me apenas, e isso com certeza.
- tenho bem vivo ainda na lembrança -
que não achando os corações no peito
dos bonecos...
- chorei...

II

Hoje. .. vai bem distante esse episódio
nos sem-fins da memória,
e por certo talvez o esqueceria
se você não entrasse em minha vida
transformando o episódio numa história...

Em meu viver, você representou
o papel da boneca;
- eu, simplesmente,
fiz a criança de novo, e ingenuamente
mais uma vez a vida me enganou . . .

Ao descobrir, no entanto, o meu engano
vendo-a tão fútil
linda, mas vazia,
- já não chorei minha desilusão...
Mas fiz - com que tristeza !... - esta poesia,
invejando o destino dos bonecos      
que nascem sem coração !

Fonte:
J. G. de Araújo Jorge. Os Mais Belos Poemas Que O Amor Inspirou. vol. 1. SP: Ed. Theor, 1965.

Correção de Trova

Em José Maria Machado de Araújo, postado em 28 de março, a trova correta é:



Mesmo eu sem saber de nada
digo aos crentes e aos ateus:
a eternidade é a estrada
com o tamanho de Deus!


Havia sido postado o primeiro verso erroneamente com 8 versos: "Mesmo eu não sabendo de nada", e o segundo verso iniciado com letra maiúscula. Já corrigido na postagem original.

sexta-feira, 29 de março de 2019

José Feldman (Curitiba 326 anos)

Parque Barigui - Pintura de Jaqueline Braun Loewen
Poema para a Cidade de Curitiba, que completa 326 anos, hoje, 29 de março de 2019.

Curitiba, tu és saudade
de um tempo que se passou.
Como não amar esta cidade
onde minha jornada iniciou?

Lembro bem do Pilarzinho,
do Tanguá e do Tingui,
Bosque do Alemão no caminho
e claro também o Barigui.

No Largo da Ordem, a feira,
Big Pizza, Rua das Rosas,
também uma vida festeira,
sebos, barzinhos e muitas prosas.

Bairro de Santa Felicidade,
restaurantes... que delícia!
Enriquecem esta cidade
numa saudade vitalícia.

Mais um ano se completa,
trezentos e vinte e seis se passaram,
deixa no coração deste poeta
doces lembranças que nunca se apagaram.

Carlos Pelicer (1899 - 1977)


Carlos Pellicer Cámara nasceu em Villahermosa/Tabasco/México, em 1899 e faleceu em Ciudad de México, 1977. Poeta mexicano, considerado o poeta de maior registro e maior intensidade da primeira metade do século XX.

Estudou na Escola Nacional Preparatória de México e, posteriormente, fez estudos em Bogotá, Colômbia. Professor de literatura e de historia em escolas secundárias, foi um excelente periodista e crítico literário. Como promotor cultural, foi museógrafo e impulsionou as artes plásticas, e em sua faceta política exerceu a diplomacia e foi senador da República.

Integrante do círculo de criadores formado em torno da revista Contemporâneos (Jaime Torres Bodet, Salvador Novo, Xavier Villaurrutia, Gilberto Owen, Bernardo Ortiz de Montellano), diferentemente deles não se inclinou por uma poesia metafísica, centrada na consciência. Carlos Pellicer se interessou na exuberância da paisagem natural e os elementos que a integram (o ar, o vento, o fogo). Por isso que a crítica não considere racionalista sua poesia, mas um canto que celebra o mundo.

Destaca-se em sua obra: Colores en el mar y otros poemas (1921), a lírica amorosa de Hora de Junio (1931) y o aspecto religioso de Práctica de Vuelo (1937). Sua maneira singular de contemplar e interpretar a vida dá a seu verso perfis pessoais, que fale do amor humano ou se eleve a cantar ao amor divino. Inimigo férreo do nerudismo, que considerou uma praga para a América, foi um dos escritores mais populares de seu país. Em 1954 recebeu o Prêmio Nacional de Literatura.
 

quinta-feira, 28 de março de 2019

José Maria Machado de Araújo (1922 - 2004)

A água jorrando em cascatas
pelos penhascos da serra,
é o sangue puro das matas
enchendo as veias da terra!

A cruz que às costas tu levas
pesa mais que a minha cruz:
é que eu ponho luz nas trevas
e tu, pões trevas na luz.

Ama, sê bom, e terás
horas tranquilas e calmas...
O amor é um sol que desfaz
a neblina que há nas almas!...

Angústia é a pressão feroz
daquela tristeza ingente,
que é bem maior do que nós
e teima em caber na gente...

Ante as sandálias furadas
que entre cascalhos gastei,
não culpo o chão das estradas,
mas os maus passos que dei.

Ao candidatar-se a Alice,
a modelo, o secretário
deu-lhe uma tanguinha e disse:
- Preencha este formulário...

Ao dentista, todo dia,
vai a noiva do Ventura...
E o noivo nem desconfia
que ela usa dentadura...

Ao pôr-lhe a esmola no prato
pergunto ao surdo, baixinho:
- És mesmo surdo de fato?
E ele: - Surdinho, surdinho!...

Ao vê-la, cheia de encantos
nos braços de outro, não nego,
os meus ciúmes são tantos,
que preferia ser cego!

Após longa caminhada
meus pés, sangrando em ferida,
deixaram no pó da estrada
as reticências da vida...

Aprende, filho, a viver
com amor, paz e alegria,
e eu te juro que hás de ter
mais de um hoje em cada dia.

As crianças ao falar
inventam frases tão belas,
que a gente fica a pensar
que é Deus que fala por elas.

A trova com boa rima
Mas sem um bom pensamento
Lembra uma linda menina
Com cabecinha de vento.

Bendigo o trabalhador
que, sem febre de ambição,
constrói domínios de amor
num pedacinho de chão!

Cite a terceira pessoa
do verbo amar, por favor.
E a voz do aluno ressoa:
- O ciúme, professor!

Com treze pontos que fez
na loteca, o Zé Gambá
já pronuncia, em Francês:
Niterói - "Niteruá"!

Coração, nunca te iludas,
pode ser falso o teu pranto:
há muito santo que é judas...
e muito judas que é santo...

De meu coração cativo
que é fonte de amor imenso,
nascem mágoas - porque vivo;
nascem culpas - porque penso!...

Demitiram o Waldir
da chefia da seção,
por esquecer-se de rir
da piada do patrão!

Deus deposita a ventura
nas almas puras e mansas:
há domínios de ternura
no coração das crianças!

Disse: "Que trova bonita!"
Mas tu não ouviste bem
e logo indagaste aflita:
"Quem é que é bonita, quem?"

Dizes serem diferentes
nossos ciúmes, - convenho:
-Tu sabes por quem os sentes,
eu não sei de quem os tenho!

Dos grandes não tenhas medo
se a razão não te faltar:
olha que um simples rochedo
tem domínio sobre o mar.

Ela é boa e não se poupa...
Vive a limpar, sem mãos frouxas:
de dia – trouxas de roupa,
de noite – roupa de trouxas!...

Ela é tudo em minha vida!
Seu nome... seu nome... Bem,
quem ama mulher proibida
não diz o nome a ninguém!

"Ela voltará, descansa",
a esperança me dizia...
E eu não via que a esperança
por piedade me mentia...

Em cada abismo em que afundo,
eu sempre planto um jardim
para achá-lo mais fecundo
quem cair depois de mim...

Em conflitos e bonanças
nossos destinos se traçam:
nós somos duas crianças
que brigam, depois se abraçam!

Em meu peito amargurado
tantos conflitos abrigo
que, às vezes, fico arrasado
de tanto brigar comigo!...

Em te negar a ternura
que eu tinha e nunca te dei,
quantos anos de ventura
à minha vida roubei!...

Entre a tua e a minha idade,
filho meu, quanta distância! ...
- És a infância da saudade,
sou a saudade da infância. . .

Esses olhos que possuis,
cheios de encanto e calor,
são dois convites azuis
para uma festa de amor!

Estuda, criança, aprende,
te educa enquanto puderes,
que o teu futuro depende
da educação que tiveres!

É tão forte e tão perfeito
o teu olhar, doce e mudo,
que ao infiltrar-se em meu peito
toma o domínio de tudo...

Eu, com outra? - Que maldade!
E tu crês nessa tolice?
- Não houve nem a metade
do que o ciúme te disse!...

É uma loura de lascar
minha secretária, a Elisa.
Só não sabe trabalhar,
mas eu pergunto: e precisa?

Eu sempre soube enfrentar
os conflitos mais violentos:
um velho lobo do mar
não foge à fúria dos ventos!

"Eu sou, sim!"  Ela jurou...
E o rapaz casou com ela.
Não era o que ele pensou,
mas era o signo dela...

Eu tenho amor, tu pureza,
não temas um lar modesto:
a nossa fé põe a mesa
e Deus há de por-lhe o resto...

Feita a macumba, sisudo,
disse-me o velho orixá:
- Oxalá vai lhe dar tudo...
E eu respondi: - Oxalá!...

Finjo ter ciúme agora,
para matar a saudade
daqueles tempos de outrora
em que o tinha de verdade.

Fizemos, na vida ingrata,
do nosso amor um tesouro:
os filhos nos deram prata!
Os netos nos deram ouro!

Há, na vida, uma verdade
que é cumprida com rigor:
- Só se encontra com a saudade
quem teve encontros de amor.

Há nos pais tamanhos brilhos
de meiguices e de afetos,
que alforriados dos filhos,
tornam-se escravos dos netos!

Hoje, na mansão mais alta
do Céu, sem falta de nada,
o artista lamenta a falta
que tem feito à garotada!...

Já fui jovem, mas não pude
tal ventura perceber,
porque a minha juventude
passou por mim sem eu ver!

Lentamente cai a tarde...
E o medo da solidão
vai fazendo com que eu guarde
as tardes no coração.

Louvo os heróis e heroínas
que cruzam o mar da vida
por entre espessas neblinas
e encontram, sempre, saída!

Mesmo eu sem saber de nada
digo aos crentes e aos ateus:
a eternidade é a estrada
com o tamanho de Deus!

Mesmo morta, mãe querida,
a tua luz me alumia,
pois, não morre quem na vida
foi sempre uma estrela guia.

Minhas mãos cheias de amor,
plantam amor pelas ruas...
E mais não plantam, Senhor,
porque só me deste duas!...

Na ânsia de te encontrar
eu dominei mil fracassos,
e não pude dominar
meu coração em pedaços!...

Não a ofendi, "seu" Juiz!
Só disse àquela malvada
o que um motorista diz
quando leva uma fechada!...

Não busquem na vida o "além",
que a busca será perdida,
pois Deus não conta a ninguém
o que existe além da vida.

Não condenes, por favor,
estes ciúmes, meu bem:
- Já viste alguém sem amor
sentir ciúmes de alguém?

Não condenes, por favor,
os meus ciúmes, Maria.
Olha que os cegos de amor
também precisam de guia!

Não deixo, cheio de mágoa,
a esperança me faltar:
eu sei que sou poça d'água
mas tenho sonhos de mar.

Não foste a minha metade,
pois jamais me deste um "sim",
mas fizeste que a saudade
fosse a metade de mim!...

Não tive escola, é verdade,
na minha infância sofrida,
mas com força de vontade
cursei a escola da Vida.

Não tive, por ambição,
o mundo bom que eu queria,
e Deus deu-me um coração
onde esse mundo cabia!

Nascemos irmãos comuns...
Mas, a ambição e os engodos
puseram nas mãos de alguns
o mundo que era de todos!

Nasceu de um simples afeto
o mundo do nosso amor:
o sonho, - foi o arquiteto
e o desejo, - o construtor!

Na trilha do meu destino,
agora quase no fim,
ainda encontro um menino
brincando dentro de mim...

Na vidraça uma pedrada...
Corro à rua... e a raiva passa
ante a criança culpada:
- já quebrei tanta vidraça!...

Nosso amor, em desacerto,
e de mágoas tão coberto,
hoje não tem mais conserto
nem acerto que dê certo!...

Nosso outono é tão bonito
que ao sonho abrimos as portas,
e um amor quase infinito
põe vida nas folhas mortas.

Nunca ambiciones a fama
se não sabes merecê-la...
Quem sobe em cordas de lama
jamais chega a ser estrela.

O domínio mais profundo
deste mundo é o coração,
pois é maior do que o mundo
e cabe dentro da mão!...

O meu sonho mais bonito
é, de um dia, conquistar
esse domínio infinito
que há dentro de seu olhar!...

Os que devastam as matas
por prazer de devastar,
vão chorar quando as Cascatas
não puderem mais chorar!

O tempo é ladrão perfeito
mas a saudade o enganou,
escondendo no meu peito
o que o tempo me roubou...

Parece imenso, e é restrito
o saber que o Homem cultua:
quer conquistar o infinito
e, apenas, pousou na Lua.

Pelas sandálias furadas
que entre cascalhos gastei,
não culpo o chão das estradas,
culpo os maus passos que dei.

Perdoar, mesmo ofendido,
às vezes não custa nada:
cada conflito contido
é uma vitória alcançada.

Pesada cruz suportamos:
-de ciúmes os dois sofremos!
Por isso é que nos amamos
e nunca nos entendemos...

Pode o homem ser tacanho,
pode ser grande e perfeito,
que o seu mundo é do tamanho
do mundo que tem no peito.

Por crer em Deus e querer
voltar ao céu de onde vim,
eu comecei a fazer
outro céu dentro de mim!

Por ambição desmedida
muitos homens conheci,
que, sendo donos da vida,
não foram donos de si...

Por favor, doutor Gamboa,
dê-me um remédio bem quente:
marido de mulher boa
não pode ficar doente...

Por oito lustros inteiros,
nossos acertos, Maria,
foram como o dos ponteiros
de um relógio, ao meio-dia...

Por querer sempre o melhor
descobri, em meu labor
que o pão ganho com suor
tem muito melhor sabor!...

Por tuas culpas, eu minto
para ninguém te ferir,
mas só Deus sabe o que sinto
quando tenho que mentir...

Quando me ponho a brincar
com os netos que Deus me deu,
no domínio do meu lar
o dominado sou eu!...

Quando o homem prender as rédeas,
decisões precipitadas,
muitas das grandes tragédias
poderão ser evitadas...

Quanto pão, quanto agasalho,
ao suor estou devendo!
Sangue branco do trabalho
em minha pele escorrendo!...

Quem vive de alma iludida,
entre conflitos, não sente
que a gente não muda a vida,
a vida é que muda a gente!

Que o jardineiro da paz
nunca se dê por vencido...
Feliz aquele que faz
da vida um jardim florido.

Que tudo quanto a Deus peço
caiba no meu coração:
pois, o desejo em excesso
não é desejo, é ambição!

Que vontade de chorar
sinto na alma, certos dias
em que abro as mãos para dar...
mas encontro as mãos vazias!...

Quis ir além do que sou
e, apenas, colhi fracassos...
Meu limite ultrapassou
o tamanho dos meus braços!...

- Sabes quem morreu?  O Piassa.
E o amigo: - É brincadeira!
- Se é brincadeira, é sem graça,
o enterro foi quarta-feira!...

Se a estrada em que me confino
pelo destino é traçada,
sei que não mudo o destino,
mas posso mudar de estrada!

Sei que existes, sei que és linda,
sei que é doce o teu olhar...
Só não sei quem és ainda,
mas eu hei de te encontrar!...

Sejam grandes ou pequenas,
eu sinto muito mais medo
das culpas que têm, apenas,
o tamanho de um segredo...

Sempre desculpo e tolero
teu ciúme pertinaz.
Não vale o bem que te quero,
todo o mal que ele me faz.

Sem teu amor que é meu mundo,
a vida não faz sentido:
é como andar num mar fundo,
dentro de um barco, perdido.

Sendo a vida vela acesa
dos ventos maus te acautela,
que o destino, de surpresa,
apaga a chama da vela.

Sendo o amor um grande bem,
traz o mal que nos invade:
quem mais ama, menos tem
domínio sobre a saudade...

Seria a vida mais doce,
para os meus sonhos sem fim,
se o mundo, em que eu giro, fosse
o mundo que gira em mim.

Seria o mundo perfeito,
sem ódio, sem ambição,
se as mãos que batem no peito
batessem no coração!...

Se um domínio deslumbrante
vejo da serra mais alta,
vejo, também, mais distante
a terra que aos pés me falta...

Se vês em mim algum brilho,
também podes ser assim
pois foi a escola, meu filho
que fez um homem de mim.

Sofro um castigo pesado
e não quero que se abrande,
pois não fui injustiçado:
minha culpa é que foi grande!

Sonho de alma prevenida,
pois sei que, o sonho é quimera,
e em cada esquina da vida
uma surpresa me espera.

Também sou irmão, na dor,
da velha fonte entre abrolhos.
Quem tem ciúmes de amor,
tem duas fontes nos olhos.

Tendo a precaução por base,
a reticência é uma queixa
que a gente deixa na frase
quando a censura não deixa...

Tenho ciúme profundo
de todo mundo, porque
tenho medo que esse mundo
roube o meu mundo - você!

Tenho culpas e, realmente
muitas delas me consomem.
Cometo-as porque sou gente,
confesso-as porque sou homem.

Tive-a por mãe, que ventura
chamava-se Margarida.
E foi ela a flor mais pura
do jardim da minha vida.

Trovadores, meus irmãos,
vamos viver de mãos dadas.
Onde há correntes de mãos
não há mãos acorrentadas!

Tu dizes que eu sou perfeito
e eu nunca fui o que pensas:
nas alcovas do meu peito
se escondem culpas imensas!

Um reino em seu ventre cabe
e ela o governa sozinha ...
Só quem é mãe é que sabe
quanto custa ser rainha !...

Vejo, em conflitos amargos,
que a causa do meu revés,
foi subir em passos largos
sem ver onde punha os pés.

Vencendo fragas ingratas,
desde a montanha a cantar...
É que a água das cascatas
também tem sonhos de mar!...

Vive o pobre do Vicente
entre o pecado e a virtude,
a esposa muito doente
e a vizinha... que saúde!

Vivi a infância sem mágoa
de não ter Papai Noel:
eu tinha uma poça d'água
e um barquinho de papel...

Academia de Letras de Teófilo Otoni/MG (Programação de 2019)


Sessões solenes e especiais da Academia de Letras de Teófilo Otoni e do Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri, programadas para o ano de 2019

18 de maio 2019:

Sessão especial da Academia de Letras de Teófilo Otoni em conjunto com o Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri, destinada a entrega, anual, da Medalha de Mérito Cultural Dona Didinha.

Lançamentos literários e, homenagem aos diversos profissionais das artes plásticas, cerâmica, escultura, xilogravura, desenho e artesanato com outorga do Diploma e Medalha de Honra ao Mérito Albert Schirmer.

15 de junho de 2019:

Sessão especial da Academia de Letras de Teófilo Otoni em conjunto com o Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri, em comemoração ao Dia do escritor teófilo-otonense (Lei nº 6.788, de 28 de outubro de 2006), com recepção e posse de membros para o quadro social e lançamentos literários.

17 de agosto de 2019:
Sessão solene do Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri, em comemoração ao Dia Nacional do Historiador (Lei nº 12.130, de 17 de dezembro de 2009) e, inauguração da Estrada de Rodagem Santa Clara-Filadélfia: primeira estrada de rodagem construída no Brasil, considerada data cívica municipal, pela Lei nº5.770, de 19 de outubro de 2007.

Outorga da Medalha de Reconhecimento Reinaldo Ottoni  Porto, aos professores de história e geografia que atuaram no ensino das disciplinas, no município e região e, do

Prêmio Frei Samuel Tetteroo, conferido a pessoas naturais ou jurídicas que hajam destacado na promoção de estudos e, na difusão de conhecimentos de história, geografia e ciências afins, assim como no fomento a cultura, defesa e preservação do patrimônio histórico, artístico e cultural do vale do Mucuri.

21 de setembro de 2019:

Sessão solene da Academia de Letras de Teófilo Otoni em conjunto com o Instituto Histórico e Geográfico do Mucuri para outorga da Medalha Conselheiro João da Matta Machado (Benfeitor do Município de Teófilo Otoni (Lei nº 5.505, de 06 de outubro de 2015) e, lançamentos literários.

09 de novembro de 2019:

Sessão especial da Academia de Letras de Teófilo Otoni em comemoração ao Dia Nacional da Cultura e da Ciência (Lei nº 5.579, de 15 de maio de 1970) e Dia Nacional da Língua Portuguesa (Lei nº11.310, de 12 de junho de 2006), homenagem a professores de língua portuguesa que atuaram no ensino da disciplina na cidade e região;

outorga do IV Prêmio Literário Gonzaga de Carvalho, recepção e posse para o quadro social e lançamentos literários.

14 de dezembro 2019:

22ª Noite do Café-com-Letras: lançamento do 17º número da Revista Café-com-Letras; entrega de Cestas Literárias a diversas instituições educacionais, sociais e culturais da cidade e região, lançamentos literários, recepção e posse para o quadro social e,

homenagem ao escritor e historiador Serafim Ângelo da Silva Pereira (centenário de nascimento:1919-2019).
___________________________
Local das sessões: Plenário da Câmara Municipal de Teófilo Otoni - Praça Tiradentes, 170 - Teófilo Otoni/MG

Horário: 19:00 horas


Fonte:
Prof. Wilson Colares da Costa
Secretário Geral da Academia de Letras de Teófilo Otoni

Pajo (Lançamento do livro “A Sinfonia das Estações”)

Em cordial visita e com efusiva alegria, venho apresentar-lhe meu novo livro que será lançado em maio próximo "A Sinfonia das Estações", em Formiga/MG.

Dê nos a alegria de sua adesão e aquisição antecipada. Divulgue aos seus também!

Conto com você!

Desde já, agradeço.

Att.,
Paulo José - Pajo - Amrit Prabhu
Paulo José de Oliveira
(37) 99923.8122
Formiga – MG – Brasil
Facebook: http://www.facebook.com/profile.php?id=1794442787
Twitter: https://twitter.com/Pajo121Oliveira

 

quarta-feira, 27 de março de 2019

Teresinka Pereira (Poemas Recolhidos)


EM TUMBAS DISTANTES

Agora sim, desejo
estar tranquila, sem
luzes nas paredes,
sem parques, nem jardins.

Agora reclamo
minha vazia solidão,
como uma chuva infinita
       para lavar
os pecados do mundo,
porque este cansaço
        que sinto
provém de um amor
        impossível,
de uma história
       que não foi dita,
um fio de vida em pedaços
que brotam do passado
como uma constelação acesa
     de cicatrizes
em tumbas distantes.

ENIGMAS

Uma vez saltei
de minha pele de rosa
e recatadamente
entrei na fonte
de cristalinos enigmas.

Ainda sou desconhecida,
mas tenho um ímpeto
de oceano solto
e as pupilas fosforescentes
para engendrar os mais
atrevidos sonhos.

HORA DE POESIA

poucas palavras
poucas linhas
o bramar
da mente
pede poesia.
lábios fechados
a distância acende
um jato de desejos.
perco-me na busca
da menor palavra…

LUZ NA RUA

Luz de prata
jogada sobre os sonhos
de quem caminha na rua.
Nem mesmo a chuva
estraga seu brilho...
O poeta olha o céu
e segue seu caminho
entres as árvores,
com sua canção
galopando na noite.

MEDO
Sem luz
sem sol
sem esperança,
a palavra
elabora o medo
no registro da alma.
Com o tempo,
a humildade
vai trazendo a razão:
não há motivos
para ter medo!

O BARCO

Muitas ilusões leva
o barco que faz indecisas
as soltas ondas do mar.

Ele vai ao seu destino
impulsionado
por asas invisíveis,
que dançam com lamentos
de saudades.

Sozinhos nos olhamos
do lado de cá do porto,
abandonados, sem saber
como amar em terra firme.

O COMPUTADOR

O computador
não é um animal
de estimação
ao qual a gente
se acostuma
a tolerar as manias
e se acomodar
com o que nos traz
de recompensa.
Mas, o que fazer
quando temos
um velho computador
e a escrivaninha
cheia de partes
e ninguém quer
levar essa coisa
já em desuso?
Deveria haver um
cemitério para os
queridos computadores...

POESIA

A poesia
tem vida e futuro,
é pele e alma,
esperança e nostalgia.
Eu suspiro
a cada instante
olhando
a imensidade do céu
que nos cobre
e me apodero
da noite.

SOLIDARIEDADE
 

Dou-lhe meu apoio
    incondicional
para derrocar
a vaidade e a fraqueza.
A vida é um labirinto
       de surpresas
e às más
temos que responder
com a determinação
de ser mais forte.

Façamos o empenho
de desfrutar
o amor e o ócio
que nos corresponde.
Além disso, há tempo...
a primavera já vem chegando...
Já sabem da minha
     solidariedade!

TRÊS VERSOS

Aprecia a vida e a poesia
como vês uma rosa:
não tentes entendê-las.

Fonte: A poetisa

Arthur de Azevedo (A Tia Aninha)


Ainda há poucos anos havia, numa das capitais do Norte, uma velhinha pobre, paupérrima que não mendigava, mas aceitava o agasalho que lhe davam algumas famílias compassivas, passando um mês aqui, outro ali, quinze dias acolá. Uma bela manhã chegava com sua lata de folha (tudo quanto possuía) e aboletava-se entre afagos e sorrisos de boas-vindas.

- Seja bem aparecida, tia Aninha! O seu quarto lá está, tem sua cama preparada! Mas desta vez demore-se mais tempo: você a ninguém incomoda nesta casa, nem aumenta a despesa: fique o tempo que quiser.

Mas a tia Aninha, quando suspeitava que a sua presença ia se tornando aborrecida, levantava o voo e partia, com a sua lata de folha, para alojar-se noutra parte.

Era uma velhinha alegre, mas de uma alegria que nenhum observador experimentado acharia natural e sincera.

As crianças adoravam-na, porque ela sabia contar-lhes muitas histórias bonitas de fadas e lobisomens - e aí está um dos motivos por que a tia Aninha, depois de prolongada ausência, era sempre bem recebida, com a sua lata de folha.
___________________________

Foi numa dessas casas hospitaleiras que a encontrei um dia (antes a não encontrasse!), rodeada de fedelhos boquiabertos e ofegantes. Interessou-me aquele rosto enrugado e macilento, em que julguei descobrir vestígios de um passado cheio de peripécias e vicissitudes.

A velha boêmia simpatizou comigo, pelo que, aliás nenhum merecimento me atribui, porque ela - coitadinha! - simpatizava com toda a gente. Nas suas palavras, nos seus gestos e nos seus olhares, que brilhavam ainda através de duas pequeninas frestas esquecidas entre as pálpebras, nunca ninguém descobriu a menor prevenção contra pessoa alguma.

Não pertencia ao tipo, muito comum no Brasil e creio que em toda a parte, da velha parasita, que anda de lar em lar, de alcova a alcova, trazendo e levando enredos, novidades e mexericos, dando fé do que se passa em casa de Fulano para chalrar em casa de Beltrano, adulando as donas e seduzindo as donzelas, embiocada e devotada.

Como lhe mentissem, dizendo que eu era romancista, a tia Aninha me declarou, sorrindo, que a sua vida tinha sido um verdadeiro romance, e essa declaração me levou (antes não levasse!) a revolver aquelas cinzas, curioso de se embaixo delas crepitavam ainda as derradeiras brasas.

Crepitavam; mas a história da tia Aninha era vulgaríssima, sem incidentes excepcionais nem grandes lances e surpresas do acaso. Se ela imaginava que aquilo daria um romance, não fazia mais do que fazem todos os indivíduos para quem o mundo não foi um mar de rosas. Não há criatura infeliz que não esteja persuadida que da sua existência se faria a mais interessante das novelas.

Nascera a tia Aninha pouco depois da independência. Era filha única de um negociante português, sofrivelmente apatacado. A sua vida correu pacifica e serena até os vinte anos. Foi nessa idade que o seu coração falou: ela apaixonou-se por um caixeiro do pai.

A mãe que desejava ser sogra de um príncipe, descobrindo um dia esses amores, que aliás duravam, havia já dois anos, foi ter com o marido e disse-lhe tudo.

O negociante enfureceu-se; pôs imediatamente no andar da rua o mísero subalterno que se atrevia a levantar os olhos tão alto, e andou por o todo bairro comercial a pedir de porta em porta que ninguém o arrumasse. O rapaz ficou, portanto, incompatibilizado com a praça, e resolveu partir para o Rio de Janeiro, procurando no Sul a fortuna que lhe fugia no Norte. Partiu.

Partiu, mas antes disso, prometeu, por intermédio de uma boa amiga da moça, guardar-lhe fidelidade, e voltar um dia, quando melhorasse de posição, e de haveres, para casar-se com ela.

Prometeu igualmente escrever-lhe por todos os correios, promessa que cumpriu, graças ainda ao gracioso intermédio da amiga, que recebia as cartas, embora endereçadas à tia Aninha.

Isto passava-se em 1844. Durante dois anos vieram cartas por todos os correios. Nas penúltimas, o moço queixava-se, em caracteres trêmulos, de que se sentia muito enfermo, e nas últimas que eram lacônicas, escritas sob um esforço violento e visível já não falava um doente mas um moribundo. "Talvez seja esta a minha última carta" escreveu ele um dia - e a moça não recebeu mais nenhuma.

Dois ou três meses depois o pai friamente, à mesa do jantar, deu-lhe a notícia da morte do noivo.

A pobrezinha contava já vinte e seis anos. Se até então repelira todas as propostas de casamento que lhe foram feitas pelo pai, dali por diante não admitiu que lhe falassem mais nisso.

O velho, depois de se meter imprudentemente numa arriscada especulação de açúcares, faliu em 1850, e alguns meses depois desaparecia, fulminado por uma congestão.

Mãe e filha ficaram reduzidas à pobreza extrema. Os amigos de outrora, sumiram-se, afugentados pelo aspecto da miséria.

Em 1855 redobraram ainda os infortúnios de Aninha, com a morte da mãe, vítima do cólera-morbo.

Datavam dessa época a sua vida de boêmia e a sua lata de folha. Tinha então apenas trinta e três anos, mas não lhe davam menos de cinquenta tais foram os estragos causados pelo sofrimento.
 __________________________________

Quando a tia Aninha acabou de me contar todas essas coisas, uma tarde em que por acaso nos achamos sozinhos, num dos seus asilos habituais, no jardim, à sombra de uma latada, não me atrevi a dizer-lhe que na sua existência de viúva-virgem não havia matéria para um romance, a menos que o talento e a imaginação do romancista suprissem o que lhe faltava. Entretanto, proferi esta frase, que continha uma fórmula de consolação:

- A sua vida é, na realidade, um verdadeiro romance, tia Aninha; mas creia que esse mesmo tem sido o romance de muitas mulheres.

- Oh! Se o senhor lesse as cartas que ele me escreveu! Só elas dariam páginas e páginas. Era um simples caixeiro, mas muito inteligente. Quer vê-las?

- O quê?

- As cartas!

- Ainda as conserva?

- Se ainda as conservo? São a minha fortuna. Vou buscá-las.

A velha ergueu-se, foi ao seu quarto, e pouco depois voltou trazendo a sua inseparável lata de folha.
__________________________________

Li algumas das cartas: nada havia nelas de extraordinário, mas tinham, relativamente, muito valor material, porque estavam todas seladas com os selos das nossas primeiras emissões postais: o "olho de boi", o "trezentos réis inclinados" e outros.

- Diz a senhora muito bem; a sua fortuna está nestas cartas! Saiba, tia Aninha, que cada um destes selos vale centenas de mil réis!

 A pobre velha, que ignorava a mania filatélica, não compreendeu: foi preciso que eu lho explicasse.

Ela protestou:

 - Desfazer-me das minhas cartas? Nunca!

 - Não se desfaça das cartas; desfaça-se dos selos.

 - Estes selos podem valer milhões! Não os venderei! Para que preciso de dinheiro?

 Deveria calar-me. Tenho remorsos de haver revelado ao dono da casa onde me achava a existência dos selos da tia Aninha. Ele foi o primeiro a querer comprá-los para negócio.

Pouco tardou que se espalhasse em toda a cidade a noticia de que a velha possuía uma riqueza encerrada na sua lata de folha. Por fim, já não se dizia que eram selos do correio, mas velhas moedas de ouro, joias raras e preciosíssimas, o diabo!

E era o seu tesouro tão cobiçado, tanta gente lhe falava nele e manifestava o desejo de examiná-lo, que a tia Aninha, mais ciosa da sua lata de folha que Harpagon do seu cofre, tinha pesadelos e alucinações terríveis, vivia num contínuo sobressalto, não podia dormir duas horas que hão despertasse aos gritos, sonhando que lhe roubavam a sua querida lata, o seu travesseiro.

Agora havia empenhos para hospedá-la; aconselhavam-na a fazer testamento, adulavam-na, perseguiam-na com uma solicitude que a desvairou, que lhe tirou lentamente o raciocínio e a saúde.

Mais do que nunca não esquentava lugar, aparecia e logo desaparecia; já não contava às crianças as suas bonitas histórias de fadas e lobisomens; já não falava a ninguém no seu romance, sem perceber, coitada! que o seu romance começava agora.

Os pequeninos, que dantes a adoravam, tinham medo dela, e os garotos apupavam-na quando a mísera passava, com a desconfiança no olhar, desgrenhada, andrajosa, descalça, faminta, apertando nos braços esqueléticos a sua lata de folha, o seu travesseiro, o seu tesouro.
__________________________________

Uma noite em que a tia Aninha, vagabundeando à-toa, atravessava uma praça deserta e silenciosa, foi assaltada por um malfeitor que a roubou, depois de atordoá-la com uma paulada. Conduzida, algumas horas depois, para um hospital, expirou pronunciando o nome do noivo, martirizada menos pela paulada assassina que pela ideia de haver perdido as suas cartas de amor.

Leon Eliachar (Dicionário de Bolso) Letras T até Z


T

Tatuagem
— mapa de recalques.

Táxi — é esse meio de transporte que só quer nos levar para o lado contrário de onde queremos ir.

Teatro — é esse lugar onde a gente está sempre desejando que os atores falem mais alto e os espectadores mais baixo.

Teatro — recinto onde algumas pessoas passam horas pigarreando no palco para uma multidão que fica tossindo na plateia.

Técnico — sujeito que se especializa em não entender nada de apenas uma matéria.

Telegrama — a única forma da gente dizer alguma coisa medindo as palavras.

Televisão — aparelho que se coloca no meio da sala para as visitas fingirem que estão vendo justamente na hora em que o dono da casa finge que está querendo conversar.

Ternura — massagem em long-play.

Tintureiro — equilibrista que anda montado numa bicicleta com um cabide de um lado e um ônibus do outro.

Túmulo — último buraco em que o indivíduo se mete.

U

Um quilo — são as 900 gramas de mercadoria que ficam no outro prato da balança.

Urna — caixinha onde uma porção de gente coloca um papelzinho para fazer sorteio e às vezes o azar é tanto que sai um presidente.

V

Vaga
— é esse espaço que um automóvel consegue fazer entre dois automóveis.

Velhice — infância fechando o círculo vicioso. -

Vício — o que sempre estamos fazendo pela última vez.

Vigarista — é esse camarada que resolveu industrializar a sua simpatia.

Voador, disco — objeto que ninguém identifica mas todo mundo fotografa.

Voto — papeleta que se coloca dentro da urna sem deixar ninguém ver o que está escrito, nem mesmo quem coloca.

X

Xerife — sujeito que passa a metade do filme limpando a estrelinha e a outra metade limpando o revólver, porque quem limpa a cidade é o mocinho.

Z

Zarolho
— sujeito que tira uma pequena para dançar e saem as duas.

terça-feira, 26 de março de 2019

Vivaldo Terres (Poemas Escolhidos) VIII


ALMA ILUDIDA

Como é bela a juventude,
Nos áureos tempos da vida.
Enche-nos de esperanças,
E nos deixa a alma iludida.

Pensando que essa alegria,
E plena felicidade...
Seguira por toda vida,
Sem tristeza e sem saudade.

Pobres jovens desconhecem.
O transcorrer da existência,
Depois de muita alegria.

Dos amores do passado,
Vem-nos a melancolia...
A angústia e o desagrado.

Ah! Se a vida nos fosse sempre,
O fulgor da juventude.
De alegria e felicidade,
Sem tristeza e sem saudade.

AO VÊ-LA MENINA

Ao vê-la menina naquele salão,
Cantando e dançando, fiquei comovido,
Lembrando-me de alguém que há tempos já era esquecido

Lembrei-me daquela que faz muito tempo,
Garota imponente e determinada,
Que enciumada ficou quase louca,
Gritando zangada entre nós não existe mais nada.

Simplesmente porque alguém desumano,
Na certa um tirano, invejoso também,
Por não ser amado o pobre diabo,
Inventou uma calúnia
Para que entre nós tudo fosse terminado,
E por ela eu não fosse amado.

Eu esqueci que era calúnia
E se ela me amasse em mim teria acreditado,
Pois eu não tinha motivo nenhum para traí-la
E tinha certeza que se isso o fizesse!
Ela jamais voltaria a amar-me

Mas em mim não acreditou!
Somente chorou lágrimas sentidas...
Indo embora como eu também.
Destruindo um amor, destruindo duas vidas.

CHEIA DE ILUSÕES

Quando ela passa vaidosa,
 Mostrando o seu charme cheia de ilusões.
Pensando que a vida lhe será sempre cheia,
De muitas alegrias...
E sem decepções.

Não olha pros lados só olha pra frente...
Digitando no celular.
Mandando mensagens ou recebendo-as,
E às vezes cheia de satisfação.
Um belo sorriso dos seus lindos lábios sai,
Para ela mesma encantar.

Que dias felizes que momentos divinos,
Como seria bom se assim continuassem.
Mas infelizmente não é sempre assim,
Cheia de encantos e satisfações.
Quando menos se espera,
Vêm as adversidades...
Ferindo-nos almas e corações.

POR QUE DIZES NÃO ME AMAR?

Não sei por que dizes não me amar?
Se todo mundo vê esta verdade,
Quando passas por mim...
Teus olhos exprimem,
Um misto de amor e lealdade.

Por que não declarar de uma vez!
Este amor que trazes na alma,
E no peito entrincheirado.
Por que não dizer eu te amo,
Até porque amar não é pecado!

Como seria maravilhoso se um dia,
Esta verdade fosse por ti declarada...
Então seriamos felizes, pois tenho certeza.
Desde quando cruzamos nossos olhos!
Tu sabes que por mim és amada.

QUE DATA MARAVILHOSA

Que noite bela e serena!
O céu coberto de estrelas...
A lua se desfazia em amor,
Com todo seu esplendor.

E tu estavas tão bela num elegante vestido
E ao te ver sorrindo...
Encantado ainda estou!

Como foi bela essa noite...
Em que nós nos conhecemos
Pois ao te conhecer...
Eu aprendi a sonhar!
Pensava que no meu peito
Coração não existia!
E que nunca em minha vida.
Iria me apaixonar!

Hoje em dia estou preso!
Nas correntes dos teus braços.
Prefiro que esta pena...
Eu nunca possa pagar!

Não contrato advogado.
Pra me livrar da prisão...
Pois diz o meu coração.
Que devo continuar!

TE AMO

Tu és uma mulher meiga e bonita,
Teus carinhos são tão grandes como a tua calma,
Às vezes quando não estas contente...
É porque motivos outros te feriram a alma.

Alma tão boa de bondade eterna,
Bondade esta que a todos encanta,
Te amo tanto, que quero que um dia,
Tu sejas minha, muito minha, oh Santa.

Vives no mundo com objetivo...
De acabar com a senda da maldade,
Nascestes mesmo para praticar o amor,
Para mostrar a tua dignidade.

És para todos nós que te rodeiam.
O anjo bom, a fada da bondade,
Isto porque em toda tua vida,
O que mais fizestes foi à caridade.

Fonte: O Autor

Carolina Ramos (“Colégio São José” de Santos – 95 Anos)


Quem passa pela av. Ana Costa, frente ao “Colégio São José”, sabe que seus olhos contemplam um cofre sagrado que guarda augustas recordações. Sabe, também, que, pelos portões daquele prédio, que ocupa quase um quarteirão, já passaram várias gerações de santistas, em busca do tesouro do saber, resguardado por detrás daqueles nobres muros.

Dezenove de março de 1924, Dia de São José! Nesse mesmo lindo dia, nascemos - tu,  meu querido Colégio  e  quem emocionada escreve estas  linhas.

Vai longe o tempo em que, saia azul marinho e blusa branca, atravessei por longos e felizes anos teus corredores, na procura  inconsciente de um dia chegar a ser  gente. O percurso estendeu-se do Jardim da Infância à Escola Normal, sem esquecer, entre eles, o Secretariado.  Ambos crescemos, caro Colégio, ao embalo do Hino Nacional que Nina Mazagão nos ensinou a cantar -  cartilha do amor à Pátria!

Quanta saudade daquele tempo bom, distante sonho... da querida Irmã Margarida,  doce “ma mère”, a Superiora. De Irmã Filomena, tão amiga e de Irmã Virgínia, sempre austera na iniciação da língua francesa, enquanto o sorriso de Irmã Edith captava simpatias para o idioma inglês.

Como não lembrar Zulmira Campos? Ao comando do idioma pátrio, tão brava quanto eficiente, fez tremer de susto àquela aluna tímida, que, aos 11 anos de idade, recebeu de volta o seu primeiro trabalho de redação, “A morte do sabiá”, devolvido à autora (que  se derramara  poeticamente), com nota  insignificante e a reprimenda:- “ Isto foi feito com a mão do gato! Uma criança não escreve assim! Nunca mais faça uma coisa dessas!”-  O que levou a apavorada aluna a, infantilmente, anular-se  até o final do curso, a escrever frases secas e curtas, para que ninguém duvidasse da sua autoria. E, quem diria! – a mesma mestra, posteriormente, iria incentivar bastante a poesia daquela ex-aluna, sem saber que a sua reprimenda inicial fora na verdade não só um grande elogio, mas, também, o primeiro prêmio de literatura que ela recebera!

Minhas filhas  passaram por essa grande mestra e têm certeza do quanto devemos ao rigorismo de Zulmira Campos! E, também, à simpatia dos professores, João Papa Sobrinho (Física), Isolino (Química), Marieta Garcia (História da Civilização) sempre assídua às festinhas de ex-alunas.

E quanto poderia ser dito sobre o querido Prof. Domingos Aulicino, hoje nome de Praça, paraninfo da turma de 1940, quase extinta. Distinção em pessoa, nosso professor de Latim apenas errou ao afirmar: - “O mundo só tomará jeito quando for governado por mãos ternas de uma mulher”. Prof. Aulicino não chegou aos tempos atuais, quando a realidade o desdiria.

Luiz Carranca substituiu Zulmira Lambert, no ensino da temível Matemática, área em que esta ex-aluna era redondo zero à esquerda! E ele bem conhecia as alergias das alunas à matéria da qual era mestre! Era também crítico literário de A Tribuna, e, dele, guardo duas cartas nas quais comenta meus livros de contos e poesias, com palavras que sempre me emocionam.

Do Curso Normal, saltam os nomes de Irmã Maria Imaculada (Psicologia), tão fina e amiga e de Zeny Goulart, primeira vereadora de Santos, (Fisiologia e Sociologia). Tive o prazer de entronizar seu nome como Patrona de uma Cadeira no IHGS.

Benditos mestres! Nem todos citados, mas todos sempre muito queridos! – Saudades, no coração de cada aluna. Crescemos juntos, querido “Colégio São José”.

Eu partirei... mas, tu, sempre jovem, hás de seguir de pé - marco honroso e indelével do ensino santista! Cercado sempre  de muito amor, provarás o que, feliz, afirmei na letra do teu  Hino: -“Jamais teu nome há de ser esquecido/ pois quem te ama há de sempre te amar! “

Fonte: A autora

segunda-feira, 25 de março de 2019

Raul Poli (1946 - 2004)


A coragem é virtude

que enobrece o coração,

e mais atinge amplitude,

ao defender-se um irmão.



A façanha mais bonita

que alguém pode realizar,

é alegrar-se na desdita,

e sem pedir, ofertar.



Ancião, por que tens no olhar

dor profunda, sem igual?

- Só estou saudoso a lembrar

dos meus tempos de Natal…



A vida que nós amamos,

não passa de uma ilusão,

pois nela nos encontramos,

envoltos na escuridão.



A vida sempre a passar

arrasta todos com ela,

despeja prata o luar,

banha o beiral da janela.



Era pequeno e custava

pôr-me de pé a caminhar,

só percebi quando estava

aos pés da cruz a rezar...



Escritor sem dicionário

não atinge a perfeição.

Qual caneta é necessário,

igual os dedos da mão.



Estrela rica e brilhante

explode, dentro de mim,

como se fosse um diamante

com mescla de carmesim.



Eu sinto a vida enfadada

e tão inúteis meus dias...

– Não precisas fazer nada,

basta apenas que sorrias...



Eu tenho a chave da vida

que fecha a porta da dor.

Cura males e a ferida,

a excelsa chave do amor.



Fulge a lua prateada,

é pura voz da razão,

ouvir-se a boca fechada,

é o cantar do coração.



Lá nas paragens do Além,

no renascer verdadeiro,

a flauta doce do Bem,

há de soar por inteiro.



Lutava tanto por fama

que veio a tê-la de fato.

Por sossego agora clama,

busca refúgio no mato.



Na clara noite estrelada,

só valem letras escritas,

na campina ensolarada,

pedras também são bonitas.



Não preciso e não careço

ir ao encontro de um jardim

pois o mais belo adereço

se encontra dentro de mim.



Nesse mundo degradante

o decente perde espaço.

Rotulado a todo instante

com o timbre de palhaço...



No plano em que nós vivemos,

estamos mortos, ao certo,

por isso é que apenas vemos

dores e angústias por perto.



No rico pampa gaúcho

sento num toco no chão

mas sou um monarca de luxo

quando eu sorvo o chimarrão.



Olho pro céu, me parece

a cor de lá esmorecer,

talvez estrelas em prece

pela ventura de ver.



O que chamamos de morte,

e tanto nos faz chorar,

na verdade é a grande sorte,

glorioso retorno ao Lar.



Os rudes nossos avós

que eram sábios também,

legaram ditos pra nós

vermos das brumas além.



Quando o trabalho me cansa

ao chegar o fim do dia,

a minh’alma então descansa

nos acordes da poesia.



Quem não puder entender,

não se importe co’a demora.

O mais prudente é saber:

pra tudo há tempo e hora...



Quero-quero, sentinela,

no meio da noite grita,

espalhando que é por ela

que minha alma anda proscrita...



Sala nobre e iluminada,

partiu-se a mais fina taça,

tradição longa quebrada,

resta diamante com jaça.



Se me persegue um ladrão,

busco do guarda a perícia.

Agora, pergunto, então:

– Quem me salva da polícia?



Tangem, solenes, os sinos,

um monge canta, distante.

Na sinfonia dos dois hinos,

faço uma prece, exultante.



Todo mundo arruma um jeito

de eleger sua mãe, rainha.

Mas no reino do meu peito,

tenho um trono só pra minha.



Tudo tem igual valor,

no meu tranco de solteiro:

– Caso com o último amor,

mas lembrando do primeiro...



Um brilho fraco e distante,

do mais suave fulgor,

me acena muito lá adiante

pois era a estrela do amor.



Vamos fazer o correto,

de nossa vida um resumo:

tu serás meu objeto,

eu serei o teu consumo...



Vida, suprema magia,

hino de canto e louvor,

é luz que vibra e irradia

a plenitude do amor.
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Raul Poli nasceu no município de Coronel Pilar/RS, no ano de 1946. Coronel Pilar se tornou independente em 2001, e os coronelpilarenses se orgulham e veem em Raul Poli, mais que um filho, um expoente literário.

Deixou sua terra, ainda jovem, transferindo-se para Caxias do Sul,  onde ingressou na UCS, Universidade de Caxias do Sul, no curso de Bacharelado em Direito.

Além de sua profícua atuação profissional, de forma incondicional, contribuiu na difusão e elevação da Trova Literária, em todos os segmentos sociais.

Ainda que meteórica, também deixou suas marcas inscritas nas páginas da Academia Caxiense de Letras-RS, aonde ocupou a cadeira 23, cuja antecessora fora, coincidentemente, a primeira presidente da UBT, seção local, Eloy Maria de Oliveira Fardo.

Raul Poli faleceu no dia 21 de dezembro de 2004, numa terça-feira, no Pio Sodalício Damas de Caridade, Hospital Pompeia, de Caxias do Sul e o sepultamento ocorreu na sua própria cidade natal.

Procuramos resgatar dos anais trovadorescos, parte de um vasto legado do homenageado, num átimo de júbilo e reconhecimento do seu notório talento linguístico e poético a ressoar no universo literário, pelos séculos sem fim.

Raul Poli é autor das obras literárias, Cristal Cósmico, editada em 1997, Alquimia da Vida, editada em 2000, e Dança dos Girassóis, editada em 2003, formando assim uma trilogia, todas através da Gráfica da Universidade de Caxias do Sul.

O insigne autor também foi condecorado com várias premiações em diversos concursos literários, além de integrar inúmeras antologias, como o foi em “A Trova Literária em Caxias do Sul – II”, e tantas outras.

Raul Poli se caracterizou por sua disponibilidade em atuar, incentivando a arte literária, ainda que por vezes, não teve seu trabalho devidamente valorizado.

Muito estudioso e pesquisador, possuía dois trabalhos literários em vias de conclusão. Num deles abordava, em detalhes, o tradicional Chimarrão. Desde o plantio da erva-mate, até o desfolhamento e transformação em pó para o consumo. Além da secagem, moagem e envasamento, as regras básicas que norteiam o preparo do chimarrão, bebida tipicamente gaúcha.

A outra obra versava sobre Pedras Preciosas (ou semipreciosas). Da sua extração na natureza, sua constituição, sua coloração e suas formas até a sua prospecção no solo , a classificação e lapidação. Conforme o autor, uma verdadeira obra didática, de inquestionável valor.

Infelizmente, o próprio autor, quiçá por mera insatisfação, ausência de apoio ou de estímulo a editá-las, simplesmente destruiu-as. Não pactuava com a mediocridade humana. Quanto mais rente à perfeição mais preenchia as lacunas deixadas pelo decurso da história. Seu pensamento percorria os mais diversos meandros do comportamento humano.

Num estilo próprio e peculiar, suas descrições literárias refletiam a realidade de forma sutil e descomplicada. Acessível na abordagem e profundo em suas essências. Percorria com fluidez as veredas cósmicas e sem alunissar redarguia com altivez aos questionamentos antropológicos, ecleticamente destronados à luz de estereótipos hodiernos. Sondava o infinito dos entes, na amplitude da perenidade, sem se distanciar da finitude da peregrina humanidade. Raul Poli fez da Alquimia da Vida, à sombra do cotidiano, num exuberante palco de valores humanos, um vasto canteiro florido a aspergir suas essências em forma de aromas na dialética existencial.

Mas, foi na Dança dos Girassóis e à cítara do congraçamento, que lapidara, com afinco e determinação em suas noites enluaradas, o mais excelso Cristal Cósmico, baluarte indeclinável dos anseios, projetos e aspirações.


Fonte:
União Brasileira de Trovadores Porto Alegre - RS. Trovas. Luiz Damo e Raul Poli. Coleção Terra e Céu vol. XXXV. Cachoeirinha/RS: Texto Certo, 2016.