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sábado, 22 de junho de 2019

Arthur de Azevedo (Como Eu me Diverti!)


CONTO-COMÉDIA

PERSONAGENS:


JORGE (empregado no comércio)

O COMENDADOR ANDRADE (negociante, sócio principal da firma Andrade, Gomes & Companhia)

UM MÉDICO

DONA MARIA (excelente senhora de meia idade, estabelecida com casa de alugar cômodos a moços solteiros)

A ação passa-se no Rio de Janeiro, em quarta feira de cinzas. Atualidade.

ATO ÚNICO

A cena representa a sala e a alcova que Jorge ocupa em casa de Dona Maria. Atirado sobre um velho canapé um hábito de frade encardido de suor e sujo de lama. No chão, um par de luvas, igualmente sujas, e um nariz de papelão quase a desfazer-se, preso a uns grandes bigodes e a um par de óculos.
CENA I

Dona Maria, o Médico.

O MÉDICO
Que tem ele?

DONA MARIA
Não sei, doutor, não sei. O senhor Jorge tem muito bom coração, mas tem muito má cabeça: é doido pelo Carnaval.

O MÉDICO
Gabo-lhe o gosto.

DONA MARIA
Ontem vestiu-se de frade, pôs aquele nariz postiço e andou, num carro todo enfeitado de flores, ao lado de uma sujeita que mora no Hotel Ravot, acompanhando um préstito (cortejo). Só o vestuário da pelintra lhe custou perto de oitocentos mil-réis!

O MÉDICO
Quem lhe disse?

DONA MARIA
Os meus hóspedes não têm segredo para mim.

O MÉDICO
Adiante.

DONA MARIA
Para se não constipar, o pobre moço levou consigo, por baixo do hábito, uma garrafa de conhaque e de vez em quando atiçava-lhe que era um gosto! Quando o préstito passou pela primeira vez na Rua do Ouvidor (eu estava lá...) já ia o frade que não se podia lamber! Depois na Rua da Constituição — isto sei eu por um amigo dele, que tudo viu — outro moço, também fantasiado, bifou-lhe a pelintra, e isso deu lugar...

O MÉDICO
...a um rolo! Pudera!...

DONA MARIA
Racharam-lhe a cabeça!

O MÉDICO
Naturalmente.

DONA MARIA
E o demônio do rapaz andou toda a noite, de cabeça rachada, à procura da tal mulher, dos Fenianos para os tenentes e dos Tenentes para os Democráticos, bebendo sempre, até cair na Rua do Fogo, às três horas da madrugada!...

O MÉDICO
Com efeito!

DONA MARIA
A polícia levou-o para a estação da travessa do Rosário, e pela manhã uns amigos que tinham sido avisados, trouxeram-no para casa.

O MÉDICO
Onde está ele?

DONA MARIA
Naquela alcova. Há cinco horas que ali está deitado, sem dar acordo de si. Por isso, mandei chamá-lo, doutor.

O MÉDICO
Fez bem. Vamos vê-lo.

(Entram na alcova)

CENA II
Jorge, o Médico, Dona Maria.

(Na alcova, Jorge está de cama, com a cabeça amarrada, os olhos fechados, os braços caídos. O Médico, ao ver o enfermo tem um movimento que escapa à Dona Maria)

O MÉDICO (tomando o pulso do doente)
Não tem febre. (Depois e examinar-lhe a cabeça) O ferimento nada vale... Já lhe puseram uns pontos falsos; é quanto basta... O seu hóspede tem apenas o que os estudantes chamam “uma ressaca”; precisa de descanso e mais nada. Quando voltar a si, se quiser tomar alguma coisa, dê-lhe uma canja, dois dedos de vinho do Porto misturado com água de Vichi, um pouco de marmelada, e disse. Se amanhã continuar incomodado, que tome um laxante.

CENA III
O Médico, Dona Maria.

(Na sala).

O MÉDICO (tomando o chapéu)
A senhora não imagina como estimei por ter sido chamado para ver este senhor Jorge. Foi uma providência.

DONA MARIA
Por que, doutor?

O MÉDICO
Conheço-o, mas não sabia que se tratava dele. É o namorado, quase noivo de minha afilhada, filha do meu amigo Raposo. A menina gosta dele, e o pai já estava meio inclinado a consentir no casamento; tinham-lhe dado boas informações sobre este pândego. Agora, porém, vou prevenir o compadre, e dissuadir minha afilhada, que é muito dócil e me ouve acatamento.

DONA MARIA
Valha-me Deus! e sou eu a culpada de tudo isto!

O MÉDICO
Culpada, por quê?

DONA MARIA
Por ter mandado chamar o padrinho! Pobre rapaz!...

O MÉDICO
A senhora deve estar, pelo contrário, satisfeita, por ter indiretamente contribuído para este resultado. (Voltando-se para a alcova) Que grande patife! namorar uma menina pura como uma flor, e andar de carro, publicamente embriagado, em companhia de uma prostituta.

DONA MARIA
No carnaval tudo se desculpa.

O MÉDICO
Nada! — eu sou o padrinho, o segundo pai daquele anjo! (Vai saindo)

DONA MARIA (tomando o Médico pelo braço)
Doutor, doutor, não vá assim zangado com o senhor Jorge... não diga nada à família da menina... Ah! se eu soubesse... Mas que quer?... Vejo que este hóspede tem segredos para mim... (O doutor tenta safar-se). Ouça doutor... ele tem um bom emprego... é muito estimado pelos patrões...

O MÉDICO
E a minha afilhada tem um dote de cento e cinquenta contos.

DONA MARIA (aterrada, largando o braço do Médico)
Cento e cinquenta contos!

O MÉDICO (saindo)
Fora o que lhe há de caber por morte do pai! (Chegando à porta, para, volta-se e diz:) Canja... vinho do Porto... água de Vichi... marmelada... e disse! (Sai)

CENA IV
Dona Maria, depois Andrade.


DONA MARIA (fica perplexa, de olhos baixos, na atitude de Fedra, quando diz)
Juste ciel! qu’ ai je faite aujourd’hui? *

(É despertada bruscamente pelo Comendador Andrade, que entra com espalhafato)

O COMENDADOR (gritando)
Onde está o senhor Jorge?

DONA MARIA (consigo)
Um homem zangado! É ele, é o pai da menina!

O COMENDADOR
Senhora, pergunto-lhe pelo senhor Jorge!

DONA MARIA
Está doente... naquela alcova... dorme...

O COMENDADOR
Já me contaram as façanhas que ele praticou esta noite! (Apanhando o nariz postiço) Cá está uma prova! (Atira-o longe)

DONA MARIA
Desculpe-me essa rapaziada, e não lhe negue a mão da menina. O Comendador — A mão da menina! Que menina?

DONA MARIA
Sua filha.

O COMENDADOR
Minha filha? Qual delas? Pois este mariola ainda por cima se atreve a erguer os olhos para uma das filhas do seu patrão!

DONA MARIA
Do seu patrão? Ah! então não é o senhor Raposo?

O COMENDADOR
Que Raposo, nem meio Raposo! Eu sou o Comendador Andrade, sócio principal da firma Andrade, Gomes & Companhia! — O senhor Jorge está dormindo, disse a senhora.

DONA MARIA
Sim, senhor.

O COMENDADOR
Pois bem; quando acordar, diga-lhe que eu aqui estive, e o ponho no olho da rua! Que apareça para fazermos as contas!

DONA MARIA
Atenda, senhor Comendador!

O COMENDADOR
A nada atendo! A casa Andrade, Gomes & Companhia não pode ter empregados que se embriagam e passam a noite no xadrez! Era o que faltava! (Sai arrebatadamente).

CENA V
Jorge, Dona Maria.

(Na alcova, Dona Maria sai).

JORGE (abre um olho, depois o outro, olha em volta de si, certifica-se que está em sua casa, dirige à Dona Maria um sorriso de agradecimento, solta um longo suspiro, e exclama com voz rouca e sumida)
Como eu me diverti!
_________________
Nota do blog:
* Juste ciel! qu’ ai je faite aujourd’hui?  (Juste Ciel! - literalmente é Apenas o Céu! Mas é expressão utilizada também como se fosse "Mon Dieu!"). 
 qu’ ai je faite aujourd’hui? (Que eu fiz hoje?). Juntos, no texto acima, tomam um tom de lástima.

Fonte:
Arthur de Azevedo. Escrita em 1883. Digitalização e revisão ortográfica por Iba Mendes. São Paulo, 2017.

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Teatro (Sistema Coringa)

Histórico

Modelo dramatúrgico criado por Augusto Boal (1931-2009) para permitir a montagem de qualquer peça com elencos reduzidos, alterando as tradicionais relações narrativas do gênero dramático, apoiado numa proposta épica e crítica.

Após o golpe militar de 1964, os homens de teatro se veem numa situação paradoxal: há pouco público e inexistem peças que retratem as profundas mudanças ocorridas na realidade. A primeira experiência de uso do Coringa dá-se em Arena Conta Zumbi, pelo Teatro de Arena, em 1965.

No Rio de Janeiro, Augusto Boal dirige Opinião, no ano anterior, espetáculo que enfeixava as experiências de ex-cepecistas, sobretudo apoiados nos esquemas dramatúrgicos criados pelo "agit-prop". Opinião é uma colagem de fontes diversas: músicas, notícias de jornal, citações de livros, cenas esquemáticas e depoimentos pessoais situando as três realidades em cena, nucleadas em torno de Nara Leão (1942-1989) (a classe média intelectualizada), João do Vale (1934-1996) (o migrante nordestino) e Zé Kéti (1921-1999) (o sambista de morro).

Com essa experiência dramatúrgica na bagagem, Augusto Boal integra o coletivo de artistas que cria Zumbi. Trata-se aqui de colocar em cena um episódio complexo da história brasileira: a luta dos quilombolas de Palmares e sua resistência ao jugo português. Mas o Arena enfrenta dificuldades materiais, desde o pequeno palco e espaço cênico até um elenco reduzido. Escolhido o tema, os locais de ação e as principais personagens - a saga da luta antiescravagista -, a solução cênica encontrada toma o aspecto de um grande seminário dramatizado, com os oito atores representando todas as personagens, revezando-se no desempenho das pequenas cenas focadas sobre os pontos fortes da trama, deixando a um ator coringa a função narrativa de fazer as interligações entre fatos, pessoas e processos, como um professor de história organizando uma aula e dando seu ponto de vista sobre os acontecimentos. O emprego da música ajuda as passagens de cena, acrescentando tons líricos ou exortativos de grande efeito. Augusto Boal, Gianfrancesco Guarnieri (1934-2006) e Edu Lobo (1943) assinam a realização.

A montagem de Arena Conta Tiradentes, em 1967, aprofunda a experiência e surge explicada teoricamente em "O Sistema Coringa", redigido por Boal. O sistema evolui conceitualmente, desenvolvido para ser aplicado a qualquer texto teatral, permitindo, desse modo, tanto o barateamento da produção quanto a implantação de proposições estéticas, ligadas a um modo épico e dialético de expor a trama.

São empregados quatro procedimentos: a desvinculação ator/personagem (qualquer ator pode representar qualquer personagem, desde que vista a máscara correspondente), perspectiva narrativa unitária (o ponto de vista autoral é assumido ideologicamente pelo grupo que faz a encenação), ecletismo de gênero e estilo (cada cena tem seu estilo próprio - comédia, drama, sátira, revista, melodrama, etc. - independentemente do conjunto, que se transforma numa colagem estética de expressividades), uso da música (elemento de ligação, fusão entre o particular e o geral, introdução do ingrediente lírico ou exortativo no contexto mítico e dramático).

O Coringa é uma personagem onisciente que altera, inverte, recoloca, pede para ser refeita sob outra perspectiva uma cena, sempre que sinta necessidade de alertar a plateia para algo significativo, concentrando a função crítica e distanciada.

Função oposta ocupa o protagonista, o herói. Ele deve ser naturalista, fechado em sua lógica causal e psicológica, sempre representado pelo mesmo ator, destinado a criar e dar corpo à dimensão do particular típico, insuflando a ilusão cênica e materializando a dimensão mítica, uma vez que se destina à identificação e ao fomento da empatia junto ao público.

O conjunto de tais procedimentos é especialmente épico, oriundo de Bertolt Brecht (1898-1956), mas não deixa de abrigar, igualmente, uma tentativa de conciliar o historicismo proposto pelo distanciamento brechtiano com o particular típico, como concebido por György Lukács (1885-1971), outro teórico marxista que defende um herói mítico e fechado sobre si mesmo.

O sistema é examinado e tem suas propostas rebatidas no livro O Mito e o Herói no Moderno Teatro Brasileiro, por Anatol Rosenfeld (1912-1973). Tomando ponto por ponto os aspectos polêmicos da proposta de Boal, o crítico expõe os limites e contradições que apresenta, concluindo pela impossibilidade de sua aplicação a qualquer peça, como pretendia ser seu objetivo central.

E especificamente sobre Tiradentes, observa: "O herói, embora criticado pelos seus erros e cercado por um aparelho distanciador, é levado inteiramente a sério como herói [...] não chegando a ser suficientemente mito para colher as vantagens estéticas do arquétipo monumental. Mas de outro lado tem do mito a esquematização extrema de modo a não render suficientemente na dimensão da análise histórico-social e da vigência empática. A não ser que nos enganemos, Boal não deseja que se aplique a Tiradentes a sua excelente formulação: 'sempre os heróis de uma classe são os quixotes da classe que a sucede'. O herói, tal como proposto na peça, seria hoje um ser quixotesco, como o Hércules de Dürrenmatt".1

Na base dessas discussões encontram-se questões estéticas e ideológicas muito amplas, que devem ser reportadas às distintas soluções propostas por Bertolt Brecht ou por Lúkacs; ou seja, os modos diversos de se dialetizar artisticamente a perspectiva crítica e histórica.

Após Zumbi e Tiradentes, o coringa volta a ser empregado por Boal em A Lua Muito Pequena e a Caminhada Perigosa, texto integrante da Primeira Feira Paulista de Opinião em 1968 e em Arena Conta Bolivar, criação vitimada pela Censura e apresentada apenas no exterior, em 1970. Ainda que pleno de contradições, é ele utilizado por muitos grupos latino-americanos, ao longo dos anos 1970, que encontram assim um modo de ação política compatível com o fechamento dos regimes políticos do período. Em modo evoluído e diverso, ajuda Augusto Boal a definir e propor, logo a seguir, o Teatro do Oprimido.

Ao longo das décadas seguintes, no Brasil, algumas das técnicas teatrais nascidas ou criadas no sistema coringa acabam por ser empregadas em outros contextos, utilizadas como recursos de linguagem, sem obedecer, todavia, às suas determinações ideológicas. São exemplos: o rodízio de personagens do elenco por meio da substituição de adereços; o amálgama de gêneros diversos numa mesma cena ou peça; o emprego de recursos narrativos mesclados com cenas dramáticas, etc., tornando o Sistema algo assimilado e diluído, mais uma prática do que um modelo, no cotidiano do fazer teatral.

Notas
1 ROSENFELD, Anatol. O mito e o herói no moderno teatro brasileiro. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1996. p. 38.


Referências:
BOAL, Augusto. 'O Sistema Coringa'. In: Arena conta Tiradentes. São Paulo: Sagarana, 1967. Republicado In: BOAL, Augusto. Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977.
MOSTAÇO, Edelcio. Teatro e política: Arena, Oficina e Opinião. São Paulo: Proposta, 1982. 196 p.
ROSENFELD, Anatol. O mito e o herói no moderno teatro brasileiro. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1996. 122 p.

Fonte:
SISTEMA Coringa. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2017. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo620/sistema-coringa>. Acesso em: 13 de Ago. 2017. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7

domingo, 15 de maio de 2016

Teatro da Terra (O Cravo Espanhol) Estreia 25 de Maio

de Romeu Correia

direção de produção e luz Pedro Domingos

Estreia a 25 de maio às 21H30

Teatro Cinema de Ponte de Sor / Portugal
de 25 a 29 de maio
quarta a sábado às 21h30
domingo às 16h e 21h30

info e reservas: 967 710 598 | 242 292 073
teatrodaterra@gmail.com | teatrodaterra.pt.vu
bilhete – 6 €
“Assim, com o tempo, conseguimos fundir o que de vagas recordações trouxemos da infância com o belo-da-idadeadulta saído do gênio criador dos seus autores, que para o caso d’O Cravo Espanhol foram: algumas figuras dos saltimbancos do Picasso do período rosa; a Paulette Goddard, a do vestido-trapo, quando esta personificava o fruto juventude colhido por Chaplin; a Anna Magnani de alguns filmes neo-realistas italianos do pós-guerra; o clima patético dos vagabundos com um sonho dentro d’A Estrada, de Fellini, e todo o sortilégio que, felizmente, ainda surpreendemos para nosso regalo nas feiras, romarias, exibições de fantoches, nos dias de Circo, nos pantomineiros vendedores da banha da cobra (que arte e que poder de comunicação têm alguns destes tipos!); tudo isto, dizíamos nós, o passado e o presente muito bem digeridos no almofariz-da-vida, creio ter sido a teia mestra da nossa farsa trágica. Farsa trágica, um conflito de amor e frustração baseado nas cegadas carnavalescas dos anos vinte. História  dialogada numa linguagem direta e rude, sem papas na língua, como acontecia nos espetáculos de rua desses tempos.”

É desta forma que o autor Romeu Correia descreve resumidamente a sua obra O CRAVO ESPANHOL. O Escriturário, símbolo dos improvisadores que logo perdem a autoria para o anonimato, é o impregnador das antigas cegadas no clima das cenas. Miguel, o toureiro frustrado, procura realizar-se lidando touros de pano com pernas de homem, no Carnaval. A filha bonita faz de “cavaleiro” e o filho rebelde de “bandarilheiro”. Dois cavalheiros atraídos na ocasião colaboram, vestidos de “boi” para esta “casa da brincadeira”. As memórias de infância de poetas, compositores de improviso, cantadores de fado e toda uma fauna artística eminentemente popular, despertaram a necessidade de, já nos anos setenta, voltar a um conceito esquecido e até desprezado por alguma intelectualidade da época. Tratasse de uma literatura criação-desabafo de dores e alegrias com as raízes mergulhadas no cerne da alma do Povo. A ânsia de comunicar é de tal forma imperativa que nem o desconhecimento da escrita serviu de obstáculo a uma criação artística, que teve mais tarde uma correspondente identificação no plano estético, quer nas artes plásticas quer na cinematografia.
   
O Teatro da Terra inicia com Romeu Correia uma série de espectáculos baseados na nossa investigação da corrente neo-realista portuguesa, a “batalha pelo conteúdo” precursora de muitos dos agora considerados mestres do cinema, das artes plásticas ou do teatro.

TEATRO da TERRA – Centro de Criação Artística de Ponte de Sor , C R L
Avenida da Liberdade, 64F , 2 º - 7400-218 - Ponte de Sor • Portugal | NIF 508869935
Tel . + 351242292073 / + 351967710598 - teatrodaterra@gmail . com | 
teatrodaterra.pt.vu

Fonte:
Teatro da Terra

sexta-feira, 28 de março de 2014

O Teatro (História – Portugal – Brasil)

Fonte: Fundação Jaime Câmara
Ninguém sabe ao certo como e quando surgiu o teatro. Provavelmente nasceu junto com a curiosidade do homem, que desde o tempo das cavernas já devia imaginar como seria ser um pássaro, ou outro bicho qualquer. De tanto observar, ele acabou conseguindo imitar esses bichos, para se aproximar deles sem ser visto numa caçada, por exemplo.

          Depois, o homem primitivo deve ter encenado toda essa caçada para seus companheiros das cavernas só para contar a eles como foi, já que não existia ainda linguagem como a gente conhece hoje. Isso tudo era teatro, mas ainda não era um espetáculo.

          Egito Antigo, Índia, China, Creta e a própria Grécia possuíam um teatro, antes mesmo do então chamado teatro grego. Tinha como característica principal sua estruturação toda baseada na religião, podemos, portanto, apontar o teatro apenas litúrgico. Este mesmo aspecto é o que de fato diferencia os egípcios, hindu, chinês, cretense e o teatro apenas litúrgico grego do teatro grego.

          No século VI a.C., a mistificação na Grécia em relação aos seus deuses e crenças extrapolava o campo religioso e passava a fazer parte da rotina das pessoas. Essa religião politeísta dava um panorama ao homem grego de todas as ocorrências inexplicáveis do mundo sem a ajuda da ainda arcaica ciência ocidental. Os deuses eram os benfeitores ou malfeitores da Terra e possuíam um poder sobre o homem, sobre o céu e sobre a terra. Assim surgiram lendas que, divulgadas por mecanismo de oralidade primária, ou seja, oralmente, de pai para filho, procuravam instruir toda a civilização para que essa atuasse em detrimento da subjetividade daquela sociedade e do bem em comum, seguindo regras de comportamento e um padrão paradigmático que não podia jamais ser quebrado.

          Só para ter uma ideia da grandeza dessa credulidade, quando o Colosso de Rodes foi parcialmente destruído por um terremoto, em 248 a.C., o rei egípcio Ptolomeu se propôs a reconstruir a enorme estátua (que homenageava o Deus Apolo, o Deus do Sol), sofrendo porém a recusa da população de Rodes, que ao consultar um dos oráculos (que segundo os gregos, eram homens que representavam os deuses na Terra) foi desmotivada a permitir a reconstrução, pois, segundo o oráculo, o terremoto havia sido um recado do deus que não tinha gostado da homenagem. Assim, o Colosso de Rodes, até hoje reconhecido como uma das sete maravilhas do mundo, ficou aos pedaços, sendo completamente destruído pelos árabes, na invasão em 654 d.C.

          Como a vida dos deuses estavam diretamente relacionada à vida dos homens na Grécia antiga, a ciência e a arte tenderam a seguir esse mesmo percurso, de forma que os deuses influenciavam até mesmo as guerras dos homens, como a Guerra de Tróia, que foi narrada pelos gregos com um misto de fábula e realidade, com um laço muito tênue entre a mitologia e o acontecimento real, de forma que os historiadores nunca souberam muito bem o que realmente aconteceu durante essa famosa guerra entre gregos e troianos. A arte por si própria não deixa de ser mítica, ou até mesmo mística, pois é elevada pelo homem como elemento fundamental para a relação humana, em seu sentido mais amplo, no tocante às emoções, ao sentimento humano, ao caráter, à personalidade, cultura e expressão do homem social. A ciência é a busca do bem comunitário, das inovações, da quebra incessante de barreiras que impedem o crescimento humano. A ciência e a arte tornam-se elementos biunívocos, ou seja, ligados entre si, pois o homem possui a vontade de exteriorizar todas as suas curiosidades, a fim de desenvolver métodos para criar, construir, transformar, unir, pesquisar, compreender e finalmente explicar.

          A cultura na Grécia antiga era restrita à louvação dos deuses, em festas e cultos religiosos, de forma que, as pessoas reuniam-se para aclamar aos deuses, agradecê-los ou fazer oferendas. As festas em respeito a Dionisio, o Deus da Alegria e do Vinho, realizava-se sob rígida fiscalização do legislador, que não permitia sacrilégios e manifestações cuja retórica fosse avessa à concepção religiosa da sociedade. Porém, para entreter a massa, Sólon, o tirano legislador da época (Séc. VI a.C.) permitiu em certa ocasião que um homem, que possuía um talento especial para imitar os outros, fizesse uma apresentação para o público. Eis que esse homem, a quem chamavam de Tespis, subiu em uma carroça diante do público afoito por novidades, colocou uma máscara, vestiu uma túnica e, impondo-se dramaticamente, expressou: "eu sou Dionisio, o Deus da Alegria". A forma como o homem postou-se diante de todos, como um deus, causou revolta e medo em alguns, porém muitos viram essa postura como um louvor ao Deus do Vinho. Sólon impediu a apresentação, mas o público queria mais, pois era fascinante e surpreendente a forma como aquele homem demonstrava seu talento. Durante um bom tempo foi proibido esse tipo de apresentação, julgada como um grande sacrilégio, de forma que a proibição perdurou até o começo da era mais brilhante da Grécia: a era democrática. Sem restrições e maior opressão ao livre arbítrio da sociedade (salvo mulheres e escravos), as pessoas tomaram gosto por essa arte tão criativa de se imitar, de forma que, com a democracia, os governantes começaram a incentivar aqueles que, por ventura se interessavam em entreter o público nas festas que homenageavam os deuses, realizando competições e distribuindo prêmios diversos para aqueles que imitassem melhor pessoas e deuses.

          No começo, a arte dramática restringiu-se apenas às festas dionisíacas, passando a ocupar um espaço maior na cultura grega com o passar dos anos, tornando-se mais acessível e mais aceita pelos gregos, que começaram a elaborar no Séc. V a.C. melhores formas de entretenimento pelo viés da arte cênica. Assim, constituíram fábulas e histórias diversas a serem encenadas para o público. Essa forma inovadora de se passar mensagens através de histórias dramáticas ficou conhecida como Tragédia Grega, onde os atores utilizavam máscaras e túnicas para interpretar seus personagens. A tragédia se passava em uma ampla plataforma chamada proskénion, situada na costa sudeste de Acrópole, local sagrado de Dionisio, no théatron ("local onde se vê"), cuja plateia era reservada para os espectadores. As apresentações cênicas eram compostas por um coro que narrava e tecia comentários a respeito da história principal que era interpretada pelos atores principais. As Tragédias foram escritas por homens que marcaram seus nomes na história da humanidade. Os mais conhecidos são Eurípedes (485 – 406 a.C., autor de "Alceste" e "Ifigênia em Tauride"), Ésquilo (525 – 456 a.C., autor de "Os Persas"), Sófocles (496? – 406? a.C., autor de "Édipo Rei", "Antígona" e "Electra") e Aristófanes (autor de "As Nuvens", "Plutão" e "As Rãs"). Esses autores buscavam passar para o público a visão divina da natureza, expressavam a imagem dos deuses e as crenças do povo.

          O respeito pelo théatron começava a fazer um efeito que perdura até hoje: a arte cênica tornou-se uma forma de ritual, onde quem encenava no proskénion pretendia passar uma informação de grande necessidade para a sociedade, com um trabalho corporal, com voz e interpretação, submetendo-se à catarse, cuja explicação advém de Aristóteles (384 – 322 a.C.), o primeiro filósofos que proferiu teses sobre a arte dramática. Segundo Aristóteles, a catarse faz com que as emoções do intérprete sejam liberadas numa construção fictícia. Aristóteles constituiu a primeira estética da arte dramática, cujo nome era bem apropriado: "Poética". As Tragédias seguiam causando furor, em espetáculos longos, com poesias e grandes textos que pretendiam mostrar um enredo. Para maior receptividade do público, que demandava de tramas bem articuladas e enredos intrigantes, os gregos criaram dois elementos até hoje reconhecidos: o protagonista (o herói) e o antagonista (o vilão), de forma que as tragédias falavam a respeito da realidade e da mitologia, versando contextos de conhecimento de todos. Os temas eram atribuídos a grandes heróis, aos deuses, sob argumento fundamental de expor uma ética, uma lição de vida e a moralidade.
          
          Apesar de sua profunda religiosidade, o tipo mais comumente satirizado por Gil Vicente é o frade que se entrega a amores proibidos (chegando a enlouquecer de amor), à ganância na venda de indulgências, ao exagerado misticismo, ao mundanismo, à depravação dos costumes. Criticou desde o frade de aldeia até o clero dos bispos, cardeais e mesmo o papa. Criticou também aqueles que rezavam mecanicamente; os que, invocando Deus, solicitavam favores pessoais; e os que assistiam à missa por obrigação social. Para exemplificar, leia-se este diálogo entre um sapateiro e o Diabo:
        
Sapateiro: Quantas missas eu ouvi, não me hão elas de prestar?

Diabo: Ouvir missa, então roubar - é caminho para aqui. (Auto da barca do Inferno)

Curioso é perceber que o Diabo nunca força ninguém ao pecado, ele apenas trabalha com as atitudes das próprias pessoas. Na peça Auto da feira, o Diabo, ao montar sua banca para oferecer os pecados, é interpelado por um serafim e assim argumenta:

E há de homens ruins,
mais mil vezes que não bons,
como vós mui bem sentis

E estes hão-de-comprar
disto que trago a vender,
que são artes de enganar,
e cousas para esquecer
o que deviam lembrar.
Toda a glória de viver
das gentes é ter dinheiro,
e quem muito quiser ter
cumpre-lhe de ser primeiro
 o mais ruim que puder.

(...)mas cada um veja o que faz,
porque eu não forço ninguém.
Se me vem comprar qualquer
clérigo, ou leigo, ou frade
falsas manhas de viver,
muito por sua vontade,
senhor, que lhe hei-de-fazer?
(...)

          A baixa nobreza representada pelo fidalgo decadente e pelo escudeiro é outra faixa social insistentemente criticada pelo autor. Por outro lado, o teatro vicentino satiriza o povo que abandona o campo em direção à cidade ou mesmo aqueles que sempre viveram na cidade, mas que, em ambos os casos, se deixam corromper pela perspectiva do lucro fácil. Isso explica a defesa e o carinho que Gil Vicente tem para com um tipo: o Lavrador, talvez o verdadeiro povo, vítima da exploração de toda a estrutura social.

          Riquíssima é a galeria de tipos humanos que formam o teatro vicentino: o velho apaixonado que se deixa roubar; a alcoviteira; a velha beata; o sapateiro que rouba o povo; o escudeiro fanfarrão; o médico incompetente; o judeu ganancioso; o fidalgo decadente; a mulher adúltera; o padre corrupto. Gil Vicente não tem a preocupação de fixar tipos psicológicos, e sim a de fixar tipos sociais. Observe que a maior parte dos personagens do teatro vicentino não tem nome de batismo, sendo designados pela profissão ou pelo tipo humano.

          Quanto à forma, à utilização de cenários e montagens, o teatro de Gil Vicente é extremamente simples. Tampouco obedece às três unidades do teatro clássico - ação, lugar e tempo. Seu texto apresenta uma estrutura poética, com o predomínio da redondilha maior, havendo mesmo várias cantigas no corpo de suas peças.

          Outro aspecto a salientar no teatro vicentino aparece como consequência natural de seu momento histórico: ao lado de algumas características tipicamente medievais (religiosidade, uso de alegorias, de redondilhas, não-obediência às três unidades do teatro clássico), percebem-se características humanistas, tais como a presença de figuras mitológicas, a condenação à perseguição aos judeus e cristãos-novos, a crítica social.
          
Curiosidades

          O teatro mais antigo de Lisboa, é  o Teatro Nacional de São Carlos, inaugurado em 1793, e mandado construir por um grupo de homens de negócios, de entre os quais se destacava Joaquim Pedro Quintella, pai do 1. Conde de Farrobo, grande benemérito e empresário teatral. O Teatro Nacional D. Maria II foi, por sua vez, inaugurado em 1846, tendo sido construído por iniciativa de Almeida Garrett.
         
          Em 1752, foi chamado à corte de Lisboa pelo rei D. José, Giovan Carlo Bibiena, que se encarregaria de construir a infeliz ópera do Tejo, inaugurada em 1755 e logo destruída pelo terremoto de 1 de Novembro desse mesmo ano.
         
          O Teatro D. Maria ll assinala Dia Mundial do Teatro com dois dias de espetáculos gratuitos

O TEATRO NO BRASIL


O teatro brasileiro surgiu quando Portugal começou a fazer do Brasil sua colônia (Século XVI). Os Jesuítas, com o intuito de catequizar os índios, trouxeram não só a nova religião católica, mas também uma cultura diferente, em que se incluía a literatura e o teatro. Aliada aos rituais festivos e danças indígenas, a primeira forma de teatro que os brasileiros conheceram foi a dos portugueses, que tinha um caráter pedagógico baseado na Bíblia. Nessa época, o maior responsável pelo ensinamento do teatro, bem como pela autoria das peças, foi Padre Anchieta.

Teatro dos jesuítas - Século XVI

Nos primeiros anos da colonização, os padres da chamada Companhia de Jesus (Jesuítas), que vieram para o Brasil, tinham como principal objetivo a catequese dos índios. Eles encontraram nas tribos brasileiras uma inclinação natural para a música, a dança e a oratória. Ou seja: tendências positivas para o desenvolvimento do teatro, que passou a ser usado como instrumento de "civilização" e de educação religiosa, além de diversão. O teatro, pelo "fascínio" da imagem representativa, era muito mais eficaz do que um sermão, pôr exemplo.

As primeiras peças foram, então, escritas pelos Jesuítas, que se utilizavam de elementos da cultura indígena (a começar pelo caráter de "sagrado" que o índio já tinha absorvido em sua cultura), até porque era preciso "tocar" o índio, falando de coisas que ele conhecia. Misturados a esses elementos, estavam os dogmas da Igreja Católica, para que o objetivo da Companhia - a catequese - não se perdesse.

As peças eram escritas em tupi, português ou espanhol (isso se deu até 1584, quando então "chegou" o latim). Nelas, os personagens eram santos, demônios, imperadores e, pôr vezes, representavam apenas simbolismos, como o Amor ou o Temor a Deus. Com a catequese, o teatro acabou se tornando matéria obrigatória para os estudantes da área de Humanas, nos colégios da Companhia de Jesus. No entanto, os personagens femininos eram proibidos (com exceção das Santas), para se evitar uma certa "empolgação" nos jovens.

Os atores, nessa época, eram os índios domesticados, os futuros padres, os brancos e os mamelucos. Todos amadores, que atuavam de improviso nas peças apresentadas nas Igrejas, nas praças e nos colégios. No que diz respeito aos autores, o nome

de mais destaque da época é o de Padre Anchieta . É dele a autoria de Auto de Pregação Universal, escrito entre 1567 e 1570, e representado em diversos locais do Brasil, pôr vários anos.

Outro auto de Anchieta é Na festa de São Lourenço, também conhecido como Mistério de Jesus. Os autos sacramentais, que continham caráter dramático, eram preferidos às comédias e tragédias, porque eram neles que estavam impregnadas as características da catequese. Eles tinham sempre um fundo religioso, moral e didático, e eram repletos de personagens alegóricos.

Além dos autos, outros "estilos teatrais" introduzidos pelos Jesuítas foram o presépio, que passou a ser incorporado nas festas folclóricas, e os pastoris.

Século - XVII

No século XVII, as representações de peças escritas pelos Jesuítas - pelo menos aquelas com a clara finalidade de catequese- começaram a ficar cada vez mais escassas. Este período, em que a obra missionária já estava praticamente consolidada, é inclusive chamado de Declínio do Teatro dos Jesuítas. No entanto, outros tipos de atividades teatrais também eram escassos, pôr conta deste século constituir um tempo de crise. As encenações existiam, fossem elas prejudicadas ou inspiradas pelas lutas da época (como pôr exemplo, as lutas contra os holandeses). Mas dependiam de ocasiões como festas religiosas ou cívicas para que fossem realizadas.

Das peças encenadas na época, podemos destacar as comédias apresentadas nos eventos de aclamação a D. João IV, em 1641, e as encenações promovidas pelos franciscanos do Convento de Santo Antônio, no Rio de Janeiro, com a finalidade de distrair a comunidade. Também se realizaram representações teatrais pôr conta das festas de instalação da província franciscana da Imaculada Conceição, em 1678, no Rio.

O que podemos notar neste século é a repercussão do teatro espanhol em nosso país, e a existência de um nome - ligado ao teatro - de destaque: Manuel Botelho de Oliveira (Bahia, 1636-1711). Ele foi o primeiro poeta brasileiro a ter suas obras publicadas, tendo escrito duas comédias em espanhol (Hay amigo para amigo e Amor, Engaños y Celos).

Século - XVIII

Foi somente na segunda metade do século XVIII que as peças teatrais passaram a ser apresentadas com uma certa frequência. Palcos (tablados) montados em praças públicas eram os locais das representações. Assim como as igrejas e, pôr vezes, o palácio de um ou outro governante. Nessa época, era forte a característica educacional do teatro. E uma atividade tão instrutiva acabou pôr merecer ser presenteada com locais fixos para as peças: as chamadas Casas da Ópera ou Casas da Comédia, que começaram a se espalhar pelo país.

Em seguida à fixação dos locais "de teatro", e em consequência disso, surgiram as primeiras companhias teatrais. Os atores eram contratados para fazer um determinado número de apresentações nas Casas da Ópera, durante todo o ano, ou apenas pôr alguns meses. Sendo assim, com os locais e elencos fixos, a atividade teatral do século XVIII começou a ser mais contínua o que em épocas anteriores. No século XVIII e início do XIX, os atores eram pessoas das classes mais baixas, em sua maioria mulatos. Havia um preconceito contra a atividade, chegando inclusive a ser proibida a participação de mulheres nos elencos. Dessa forma, eram os próprios homens que representavam os papéis femininos, passando a ser chamados de "travestis". Mesmo quando a presença de atrizes já havia sido "liberada", a má fama da classe de artistas, bem como a reclusão das mulheres na sociedade da época, as afastava dos palcos.

Quanto ao repertório, destaca-se a grande influência estrangeira no teatro brasileiro dessa época. Dentre nomes mais citados estavam os de Molière, Voltaire, Maffei, Goldoni e Metastásio. Apesar da maior influência estrangeira, alguns nomes nacionais também merecem ser lembrados. São eles: Luís Alves Pinto, que escreveu a comédia em verso Amor Mal Correspondido, Alexandre de Gusmão, que traduziu a comédia francesa O Marido Confundido, Cláudio Manuel da Costa, que escreveu O Parnaso Obsequioso e outros poemas representados em todo o país, e Inácio José de Alvarenga Peixoto, autor do drama Enéias no Lácio.

Século XIX Transição para o teatro nacional

A vinda da família real para o Brasil, em 1808, trouxe uma série de melhorias para o Brasil. Uma delas foi direcionada ao teatro. D. João VI, no decreto de 28 de maio de 1810, reconhecia a necessidade da construção de "teatros decentes".

Na verdade, o decreto representou um estímulo para a inauguração de vários teatros. As companhias teatrais, pôr vezes de canto e/ou dança (bailado), passaram a tomar conta dos teatros, trazendo com elas um público cada vez maior. A primeira delas, realmente brasileira, estreou em 1833, em Niterói, dirigida pôr João Caetano, com o drama O Príncipe Amante da Liberdade ou A Independência da Escócia. Uma consequência da estabilidade que iam ganhando as companhias dramáticas foi o crescimento, paralelo, do amadorismo.

A agitação que antecipou a Independência do Brasil foi refletida no teatro. As platéias eram muito agressivas, aproveitavam as encenações para promover manifestações, com direito a gritos que exaltavam a República. No entanto, toda esta "bagunça" representou uma preparação do espírito das pessoas, e também do teatro, para a existência de uma nação livre. Eram os primórdios da fundação do teatro - e de uma vida - realmente nacional. Até porque, em consequência do nacionalismo exacerbado do público, os atores estrangeiros começaram a ser substituídos pôr nacionais.

Ao contrário desse quadro, o respeito tomava conta do público quando D.Pedro estava presente no teatro ( fato que acontecia em épocas e lugares que viviam condições "normais", isto é, onde e quando não havia este tipo de manifestação). Nestas ocasiões, era mais interessante se admirar os espectadores - principalmente as senhoras ricamente vestidas - do que os atores. Além do luxo, podia se notar o preconceito contra os negros, que não compareciam aos teatros. Já os atores eram quase todos mulatos, mas cobriam os rostos com maquiagem branca e vermelha.

Século -XIX: Época Romântica

Desde a Independência, em 1822, um exacerbado sentimento nacionalista tomou conta das nossas manifestações culturais. Este espírito nacionalista também atingiu o teatro. No entanto, a literatura dramática brasileira ainda era incipiente e dependia de iniciativas isoladas. Muitas peças, a partir de 1838, foram influenciadas pelo Romantismo, movimento literário em voga na época. O romancista Joaquim Manuel de Macedo destacou alguns mitos do nascente sentimento de nacionalidade da época: o mito da grandeza territorial do Brasil, da opulência da natureza do país, da igualdade de todos os brasileiros, da hospitalidade do povo, entre outros. Estes mitos nortearam, em grande parte, os artistas românticos desse período.

A tragédia Antônio José ou O poeta e a inquisição escrita pôr Gonçalves de Magalhães (1811-1882) e levada à cena pôr João Caetano (1808-1863), a 13 de março de 1838, no teatro Constitucional Fluminense, foi o primeiro passo para a implantação de um teatro considerado brasileiro.

No mesmo ano, a 4 de outubro, foi representada pela primeira vez a comédia O juiz de paz da roça, de Martins Pena (1815-1848), também no teatro Constitucional Fluminense pela mesma companhia de João Caetano. A peça foi o pontapé inicial para a consolidação da comédia de costumes como gênero preferido do público. As peças de Martins Pena estavam integradas ao Romantismo, portanto, eram bem recebidas pelo público, cansado do formalismo clássico anterior. O autor é considerado o verdadeiro fundador do teatro nacional, pela quantidade - em quase dez anos, escreveu 28 peças - e qualidade de sua produção. Sua obra, pela grande popularidade que atingiu, foi muito importante para a consolidação do teatro no Brasil.

Época Realista Metade o Século XIX

Realismo na dramaturgia nacional pode ser subdividido em dois períodos: o primeiro, de 1855 - quando o empresário Joaquim Heliodoro monta sua companhia - até 1884 com a representação de O mandarim, de Artur Azevedo, que consolida o gênero revista e os dramas de casaca. O segundo período vai de 1884 aos primeiros anos do século XX, quando a opereta e a revista são os gêneros preferidos do público.

Essa primeira fase não se completa em um teatro naturalista. À exceção de uma ou outra tentativa, a literatura dramática não acompanhou o naturalismo pôr conta da preferência do público pelo "vaudeville", a revista e a paródia.

A renovação do teatro brasileiro, com a consolidação da comédia como gênero preferido do público, iniciou-se quando Joaquim Heliodoro Gomes dos Santos montou seu teatro, o Ginásio Dramático, em 1855. Esse novo espaço tinha como ensaiador e diretor de cena o francês Emílio Doux que trouxe as peças mais modernas da França da época.

O realismo importado da França introduziu a temática social, ou seja, as questões sociais mais relevantes do momento eram discutidas nos dramas de casaca. Era o teatro da tese social e da análise psicológica.

Nome de grande importância para o teatro dessa fase é o do dramaturgo Artur Azevedo (1855-1908). Segundo J. Galante de Souza ( O Teatro no Brasil, vol.1), Artur Azevedo "foi mais aplaudido nas suas bambochatas, nas suas revistas, escritas sem preocupação artística, do que quando escreveu teatro sério. O seu talento era o da improvisação, fácil, natural, mas sem fôlego para composições que exigissem amadurecimento, e para empreendimentos artísticos de larga envergadura".

Fernando Peixoto define bem a história do teatro no Brasil e no mundo em seu livro "O que é teatro", e nos traz referências de datas que ajudam entender sua trajetória no decorrer dos séculos.

A história do teatro brasileiro dramático surgiu em 1564, coincidentemente com a data de nascimento de Willian Shakespeare, quando foi encenado o Auto de Santiago pôr missionários jesuítas, na Bahia.

No Brasil o teatro surge como instrumento pedagógico. Eram Autos utilizados para a catequização dos índios, os quais o padre Manuel da Nóbrega encomendava-os ao padre José de Anchieta.

Já no século XIX (mais ou menos 1838), o teatro fica marcado pela tragédia romântica de Gonçalves Magalhães com a peça: "O Poeta e a Inquisição" e também Martins Pena com "O juiz de paz na roça". Martins Pena com toda sua simplicidade para escrever, porém justa eficácia para descrever o painel da época, teve seguidores "clássicos" de seus trabalhos, como Joaquim Manoel de Macedo, Machado de Assis e José de Alencar.

Foi em 1880 , em Lagos, na Nigéria que escravos brasileiros libertados deram um enorme salto no desenvolvimento do teatro, fundando a primeira companhia dramática brasileira – a Brazilian Dramatic Company .

Em 1900, o teatro deu seu grito de liberdade. Embora tenha enfrentado as mais duras crises políticas do país, conseguiu com muita luta estacar sua bandeira e marcar sua história.

De 1937 a 1945, a ditadura procura silenciar o teatro, mas a ideologia populista, através do teatro de revista, mantém-se ativa. Surgem as primeiras companhias estáveis do país, com nomes como: Procópio Ferreira, Jaime Costa, Dulcina de Moraes, Odilon Azevedo, Eva Tudor, entre outros.

Uma nova ideologia começava a surgir, juntamente com um dos maiores patrimônios do teatro brasileiro: Oswald de Andrade, que escreveu O Rei da Vela (1933), O Homem e o Cavalo (1934) e A Morta (1937), enfrentando desinibido e corajoso, a sufocante ditadura de Getúlio Vargas.

Em 1938, Paschoal Carlos Magno funda o Teatro do Estudante do Brasil. Começam surgir companhias experimentais de teatro, que estendem-se ao longo dos anos, marcando a introdução do modelo estrangeiro de teatro entre nós, consagrando então o princípio da encenação moderna no Brasil.

No ano de 1948 surge o TBC uma companhia que produzia teatro da burguesia para a burguesia, importando técnica e repertório, com tendências para o culturalismo estético. Já em 57, meio a preocupações sócio-políticas surge o Teatro de Arena de São Paulo. Relatos de jornais noticiavam que o Teatro de Arena foi a porta de entrada de muitos amadores para o teatro profissional, e que nos anos posteriores tornaram-se verdadeiras personalidades do mundo artístico.

Em 1958, em São Paulo, o Teatro Arena trazia a revolucionária "Eles não usam Black-tie", de Gianfrancesco Guarnieri, escancarando problemas sociais e políticos.  Em 1965, a encenação de "Morte e Vida Severina", de João Cabral de Melo Neto com música de Chico Buarque, estarreceu a crítica brasileira por sua poética pungente e montagem sensível. "A peça veio com uma encenação primorosa e marcou toda uma época", lembra Celso Nunes.  Em 1967, José Celso Martinez Correa quebrou tabus com "O Rei da Vela", de Oswald de Andrade. Provocativo e cáustico, ele chegava para estapear a burguesia.

O teatro contemporâneo


"...São infindáveis as tendências do teatro contemporâneo. Há uma permanência do realismo e paralelamente uma contestação do mesmo. As tendências muitas vezes são opostas, mas frequentemente se incorporam umas as outras..." (Fernando Peixoto – O que é teatro).

Os governos militares silenciaram tudo. Zé Celso, Boal e outros importantes artistas foram exilados. Antunes Filho, que ficou no Brasil, abriu nosso teatro contemporâneo com seu Centro de Pesquisa Teatral. "Com Macunaíma, ele rompeu com aquilo que ele próprio chama de teatrão e começou a trabalhar só com jovens, com uma atuação menos armada. O espetáculo tem uma cara nova, que não dá para comparar com nada que foi feito antes", fala João Roberto.

Marcando a abertura política, Celso Nunes finalmente estreia sua peça que havia sido proibida durante sete anos. Em "Patética", ele conta a morte do jornalista Vladmir Herzog. "A peça tinha sido premiada como melhor texto e proibida no mesmo ano, pelo regime. Só em 81 consegui montar", conta Nunes. Nesse ínterim, Boal desenvolveu o Teatro do Oprimido, com a democratização dos meios de produção teatral e acesso das camadas sociais menos favorecidas.

Nos anos seguintes, surge o que se chama de teatro de encenadores, com diretores como Gerald Thomas, Bia Lessa e Gabriel Vilela, dialogando com as vanguardas internacionais. Zé Celso volta do exílio e reabre o Oficina, com montagens impactantes como "As Boas", com Raul Cortez, "Hamlet", "Cacilda!", "Bacantes" e "Sertões". A partir dos anos 2000, o Brasil recebe muitos musicais internacionais.

Fontes:
HISTORIA DO TEATRO E O TEATRO EM PORTUGAL
Carlos Leite Ribeiro (enviado por e-mail)

HISTORIA DO TEATRO NO BRASIL
Barão em Foco
Rede Globo

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Bruno Seabra (O Senhor Papa-Suspiros)

Bruno Henrique de Almeida Seabra
Tatuoca (Pará), 6 de Outubro de 1837 — Salvador, 8 de Abril de 1876
–––––––––––-

Cena cômica

Personagem: O senhor papa-suspiros

Representa um homem de 45 à 50 anos, vestido burlescamente.

A ação passa-se no Rio de Janeiro

Época: atualidade (Século XIX)


O teatro apresenta uma pequena praça

À frente casas em perspectiva! À esquerda, um lampião. — É noite.

Ao levantar-se o pano a personagem entra em cena pela direita

Cena única

O senhor Papa-Suspiros,

(Indo até o lampião cantarolando fanhosamente)

Com jeito se leva o mundo,
De tudo o jeito é capaz,
O caso é ajeitar-se o jeito
Como muita gente faz.1

(Pára; tira de dentro do chapéu um grande ramo de flores, beija e o cheira com entusiasmo: vem à cena, torna a beijá-lo; e passeia vagaroso.)

(Recita; é burlesco até o fim.)

(Rindo:)

Ah-ah-ah! ah-ah-ah! Forte lembrança!
Ora a gente também tem seus amores?!

(Pára e se dirige à platéia:)

E esta! que massada! pois um homem
Não tem alma também como os senhores?

(Canta)

Amor é como defluxo
De qualquer venta se apossa
Sem dar contas ao nariz;
Seja nariz de visconde,
Ou de ministro ou de moça,
Branco, escuro ou verniz.

(Pequena pausa; depois pergunta, cantando desentoadamente:)

Sendo assim pois
Quem se livra destes dois?

(Passeando:)

Ah-ah-ah! ah-ah-ah! forte lembrança!
Ora a gente também tem seus amores?

(Beija o ramo com entusiasmo.)

(À platéia;)

Eu me chamo o senhor Papa-Suspiros,
Que é nome de família deste cujo;
Já sonhei uma vez com o baronato,
Apesar de me verem assim tão sujo:
E moro num quartinho muito estreito,
E não pago um vintém pela morada!
Filante não sou eu! porém pergunto,
Há de um homem teimar com a namorada?

(Passeando:)

Ah-ah-Ah! ah-ah-ah! forte lembrança!
Oh que bela invenção, que bela idéia!

(À platéia:)

Acreditem que a gente vive muito
Quando sabe viver à custa alheia.

(Passeando:)

 Ah-ah-Ah! ah-ah-ah! forte lembrança!
Oh que bela invenção, que bela idéia!

(À platéia:)

Eu nasci p’ra viver à custa alheia,
E vivo assim, assim meio contente;
Pois se a gente nasceu para ser pobre
É melhor ir vivendo assim a gente!

Cada qual vai vivendo como pode,
E porque foi com a gente a sorte avára
Há de a gente fazer-se de soberba,
E deixar de viver de meia-casa?!

(Passeando:)

Ah-ah-Ah! ah-ah-ah! forte lembrança!
Ora a gente tem seus amores!

(Á platéia:)

Eu como, visto e bebo à custa delas,
Que vida regalada, meus senhores!

(Passeando:)

Ah-ah-Ah! ah-ah-ah! forte lembrança!
Ora a gente tem seus amores!

(Á platéia:)

Namoro a rapariga mais galante,
Que meus olhos já viram sobre a terra;
Quando penso em casar com a rapariga,
Meu terno coração no peito (Forte) ber...ra!

(Passeando:)

Ah-ah-Ah! ah-ah-ah! forte lembrança!
Nasce um homem também p’ra ser marido!
Oh que dia feliz! (À platéia) quando me lembro
Tenho ânsias de ir como perdido!

(Canta)

Com jeito se leva o mundo,
De tudo o jeito é capaz,
O caso é ajeitar-se o jeito
Como muita gente faz.

(Passeando:)

Quero agora mandar fazer um fato.

(Atoleimado:)

E então fui comprar dez réis de flores;

(Mostrando o ramo para a platéia:)

O ramo é o capital... o fato os juros,
Que me hão de pagar os meus amores.

(Beija o ramo com entusiasmo:)
(Passeando:)

Ah-ah-Ah! ah-ah-ah! forte lembrança!
Ora um homem também já compra flores?!

(À platéia:)

Pois o caso é assim, comprei-lhe flores
Faz-se um mimo de um ramo à rapariga,
Depois... a gente pede qualquer coisa...
Não tem mais que dizer, — vendeu a espiga!

Pois amor é assim, o mais é bucha,
Eu cá sigo os amores desta laia.
Para paio de amor sou muito pobre,
Ela é mais rica, seja ela — paia!

(Canta:)

Com jeito se leva o mundo
De tudo o jeito é capaz,
O caso é ajeitar-se o jeito
Como muita gente faz.

A gente é como é — diz o que pensa,
Quem não pensa o que diz — faz como a gente,
Põe-se aí a pregar sermão aos outros
E pega — vai fazendo o que não sente.

Namorar, namorar como eu namoro,
Isto sim fica bem e a todos cabe;
Não é andar aí quebrando cantos.

(Rindo burlesco:)

Suspirando de amor por quem não sabe!

(Dentro batem 10 horas.)
(Depois de contar as horas:)

Já dez horas, Jesus! Não tarda a bicha!

(À platéia:)

Ai! que tenho ciúmes dos senhores!

(Olhando com atenção para a platéia e camarotes.)

Tanta gente... e que olhos curiosos
Para a cena gentil de meus amores!

Mas senhores, desejo a sós com ela,
A minha namorada, os meus amores,
Um momento ficar, para entregar-lhe.

(Mostrando:)

Este raminho de inocentes flores.

Como podem porém nos seus juízos,
De nós — ambos fazer — idéia injusta,
Eu lhes passo a contar um episódio
Para que vejam — quanto a moça custa.

(Canta ou recita ao som da música:)

A moça que eu amo
Tem olhos de gata
A cor da mulata,
Cabelos de lã;
Seus dentes são brancos,
Seus lábios vermelhos,
Que lembram dos velhos
A calva louçã.

Só veste os vestidos
À moda da França,
Seu nome é ‘Sperança,
Negaça de amor;
‘Svelta e gorducha
Tem fina cintura,
Na boca doçura,
No hálito odor.

Dez vezes lhe tenho
Um beijo pedido,
Não é meu marido,
— Responde, — e não dá!
Se intento agarrá-la
Me foge sorrindo,
E eu fico fingindo,
Dizendo-lhe que má!

Mas, amo esta moça,
Que nega-me um beijo,
E foge, e tem pejo,
Se teimo em pedir;
A moça, que fácil
Consente o amante
Beijá-la... adiante...
Promete — cair.

Há dias, a furto,
Beijei-a na orelha,
Se fez tão vermelha
Qual brasa em fogão!
Que mal faz na orelha
Beijar minha amante?
Tornou-me — tratante,
Cachorro... vilão! (Forte)

Que mal? Pois não sabe...
Não sabe e calou-se!
A moça engasgou-se

Com o fim da oração
Fitou-me nos olhos
— Em chamas ardidos;
Os meus atrevidos
Fitei-os no chão!

**

Já vem que essa moça
‘Stá fora de moda,
Não cabe, não se engoda
Com choros de amor!
Já vêem meus senhores,
Que a moça é inocente,
Palavra da gente
É toda pudor.

**

Eu me chamo o senhor Papa-Suspiros
Porque tenho vivido deste modo,
Suspirando d’amor pela Esperança,
Criada a mais gentil do mundo todo!

(Retirando-se:)

Ah-ah-Ah! ah-ah-ah! forte lembrança!
Ora a gente também tem na esperança!

FIM

1 Note-se que, na grafia da época, século XIX, jeito e ajeita-se grafavam-se com a letra gê, com o que o autor faria uma sugestão psicológica entre “geito”, “ageita-se” e gente.

Fonte:
Portal Domínio Público

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Carlos Leite Ribeiro (Casa de Fantasmas) Parte 2

Comédia Teatral

Carmo: Vou já, minha senhora. Olhe que já tenho alguns pastelinhos de bacalhau prontos. Quer que lhos traga?

Augusta: Depois trazes. Mas agora vai lá abrir a porta... Mas antes de abrires vê bem quem é.

Carmo: É o Sr. Coronel Ramalho. Boa noite, Sr. Coronel!

Coronel: Boa-noite, minha querida mulher. Desculpa o atraso, mas esta cabeça já não é o que era dantes. Vê lá tu que com a pressa de chegar a casa, me esqueci do molho das chaves no escritório!

Augusta: Não me digas que entre elas também lá deixaste as chaves do cofre?!

Coronel: Pois claro que também lá ficaram. Mas porque estás tão interessada nas chaves do cofre?

Augusta: Por nada, meu amor... Vê lá tu, sempre tão cuidadoso, esqueceres da chave do cofre no escritório... (baixando a voz) - Ai, Jesus... ai... A minha vida está em perigo...

Coronel: Não te compreendo, pois um esquecimento, qualquer pessoa pode ter. Olha, hoje calhou a mim...

Augusta: Eu nem quero acreditar... (baixando a voz) - arranjaste-me a bonita!... Ai... A minha vida a andar para trás...

A criada entra de rompante no salão, e...

Carmo: Minha senhora, minha senhora... Acuda-me! Ai que coisa tão esquisita que aconteceu!...

Augusta: Desembucha, e conta o que te aconteceu. Carmo, que aflição é essa?

Carmo: Os pastéis, os pastéis... Minha senhora...

Augusta: Sim, os pastéis, o que é que têm?! Não te entendo, vê lá se te explicas melhor, para que eu possa entender. O que é que aconteceu aos pastéis?

Carmo: Desapareceram, minha Senhora!

Augusta: Desapareceram?! Mas como é que isso foi possível?

Carmo: Não sei, minha senhora. Tinha-os numa travessa em cima da mesa da cozinha e, quando regressei, já não estavam lá.

Augusta: Mas essa situação é completamente impossível, pois cá em casa nunca desapareceu nada, mesmo nada. Carmo, procura bem os pastéis, sim, porque eles nem asas deviam ter, pois não? E ratos cá em casa não existem!

Carmo: Minha senhora, podia ter sido algum fantasma que tivesse passado por aqui.

Augusta: Credo mulher! “Abrenúncio pé-de-cabra à francesa”. Fantasmas cá em casa, nem pensar!

Toca a campainha da porta. O Senhor Coronel, embora admirado com o desaparecimento dos pastéis, vai abrir...

Coronel: Ah, é o Sr. Capitão Ribeiro, entre e parabéns, meu caro, pois hoje conseguiu não ser o último a chegar!

Capitão: Alguma vez tinha que ser o primeiro a chegar. Sabe, meu caro Coronel, curiosamente, o meu horóscopo indica que hoje vou ter uma noite fora do vulgar, mesmo fora do comum...

Coronel: Este Capitão Ribeiro, tem cada uma! Vejam bem o que o horóscopo lhe diz? Que ele vai ter uma noite fora do vulgar, fora do comum. Uma pessoa da sua categoria, a ler horóscopos, francamente que não lhe fica nada bem. O primeiro decénio do século XXI já passou, e como há ainda pessoas que acreditam nestas coisas!

Capitão: Meu caro Coronel, diga e pense o que quiser, mas eu acredito nessas “coisas”, como você diz, sem vergonha de o dizer. Cada qual, é como cada um.

Nesse momento a criada entra novamente de rompante no salão...

Carmo: Minha senhora!

Augusta: O que é te aconteceu agora, Carmo?

Carmo: O bolo de laranja...o bolo de laranja... Percebe?

Augusta: Mau, mau... O que é que aconteceu ao bolo?!

Carmo: Minha senhora... Compreende? Não compreende... O bolo de laranja, que estava no fogão...

Augusta: Diz rapidamente... O que é que lhe aconteceu?...

Carmo - Desapareceu! Assim como desapareceram as lâmpadas do corredor e da cozinha. Minha senhora, não consigo compreender estas coisas estranhas, pois isto nunca tinha acontecido antes! Devem ser Fantasmas que andam por aqui... E confesso que já estou a ficar aterrada!

Augusta: Calma, mulher, calma. Tu deves estar com visões: primeiro desapareceram os pastéis de bacalhau, depois o bolo de laranja, e agora até as lâmpadas do corredor e da cozinha desapareceram?

Carmo: Isso tudo, como vê, deve ser obra de Fantasmas, ou de coisas do outro mundo... Estou toda arrepiadinha e cheia de medo, minha senhora !

Coronel: Ah, ah, medricas! Fantasmas? Coisas do outro mundo?! Ah, ah, ah ... Essas ideias só podem sair da cabeça de uma criada! Ah, ah, ah ... Onde é que isto já se viu?! De facto, este serão está a ter um princípio muito divertido!... Muito divertido mesmo! Ah, ah, ah!

Augusta: Querido, por favor não te rias. Não te rias pois eu já nem sei o que dizer, ou melhor, pensar... É que podem muito bem existir Fantasmas, e quem sabe, as tais coisas do outro mundo... Olha que também já estou a ficar como tu, Carmo: arrepiada e com... Bem, com algum medo.

Capitão: Meus caros, já notaram que neste salão cheira a pastéis de bacalhau e a bolo de laranja?! Ora cheirem, cheirem bem, que logo notarão...

Augusta: Confesso que não estou a cheirar nada. Deve ser impressão do Sr. Capitão... Olhe, por favor, não faça nem provoque mais confusões. Por favor, Capitão! Que confusão esta, que momento este!...

Capitão: Eu não quero provocar nenhumas confusões, longe de mim tal ideia! Mas pareceu-me ter ouvido um ruído estranho para os lados da cozinha. Como eu tenho um certo jeitinho natural para descobrir certos mistérios, peço-vos licença para ir investigar o que se está a passar por aquelas bandas... Posso? Dão-me licença?

Coronel: Meu caro Capitão, descubra tudo à sua inteira vontade. Mas tome muito cuidado com os Fantasmas, pois eles, por vezes, até são muito maus, violentos e muito cruéis... Ah, ah, ah, que vontade que eu tenho de rir!

Capitão: Saiba o meu caro Coronel que eu nunca, por nunca, tive medo de nada, e, muito menos de Fantasmas!

Coronel: Vá lá então e descubra alguma coisinha. Faça de conta que está em sua casa. Este Capitão…

Por momentos ouve-se um ruído estranho como uma pancada seca e…

Coronel: Mas, mas o que é que aconteceu ao Capitão? Capitão, responda...

O Capitão entra no salão, a cambalear, agarrado à cabeça e todo sujo...

Capitão: Ai, ai a minha rica cabecinha... Ai... Vejam só o que  aconteceu à minha cabecinha!

Augusta: Coitadinho do Sr. Capitão! Olhem que grande "galo" tem na cabeça!... Diga-nos lá o que é que lhe aconteceu... Vá lá, diga-nos...

Capitão: Ai, ai a minha riquinha cabecinha!... Ai, que me dói tanto, tanto. E também estou todo sujo... Veja: todo sujo... Ai, que me dói tanto a minha cabecinha!

Coronel: Não me diga, meu caro Capitão, que foi um Fantasma que lhe deu uma "toutiçada" (pancada) na cabeça e lhe fez esse "galo", além de o sujar com farinha e ovo!... ah, ah, ah, que divertido eu estou!

A criada entra no salão com ar de pessoa comprometida ...

Carmo: Meus senhores, peço-vos perdão a todos, em especial ao Sr. Capitão. Pois, a culpada do que aconteceu, sou eu!... É que o Sr. Capitão apareceu na cozinha e, como ia para destapar o tacho onde está a cozer uma galinha... Espero que compreendam... como a luz está muito fraca, pensei que fosse um Fantasma - e zá catrapus, dei-lhe com a colher de pau na cabeça e depois atirei-lhe com um ovo e farinha. Desculpem, mas como devem calcular, estou muito desorientada com estas coisas que estão acontecendo...

Coronel: Estão a ver o que é que o nosso Capitão arranjou com esta brincadeira de Fantasmas? "Os Fantasmas Bateram na Cabeça do Capitão" ah, ah, ah, até dava um bom título para um romance policial... ah, ah, ah !

Augusta: O Sr. Capitão não faça caso do que o meu marido diz, pois já sabe como é que ele é. Vamos já arranjar-lhe um banhinho e bem quentinho!

Capitão: Muito obrigado, Dona Augusta. Bem preciso de um banho. Este estúpido acidente... Olhem, que ainda me dói a cabeça, e tenho o fato todo sujo...

Augusta: Carmo, prepara já um banho para o Sr. Capitão. E com a água bem quentinha – ouviste?

Carmo: É para já, minha senhora. Um banho bem quentinho, e em especial para o Sr. Capitão!

A campainha da porta volta a tocar…

Augusta: Desta vez sou eu que vou abrir a porta, enquanto a Carmo prepara o banho para o Sr. Capitão... Olhem quem é que chegou, o Sr. Alferes Marques! Boa-noite, entre, entre...

Marques: Com sua licença, Dona Augusta. Boa-noite a todos. Mas, olha que engraçado, o senhor Capitão Ribeiro com o rosto e o fato cheio de farinha e ovo! Não me diga que virou pasteleiro?

Coronel: Meu caro Alferes, o nosso comum e querido amigo Capitão, quis ir caçar Fantasmas, e, imagine que lhe atiraram com farinha e um ovo! Eheheheh! E não apanhou nenhum dito cujo Fantasma! Que divertido que eu estou, ah, ah, ah!

Capitão: Deixe-se de brincadeiras, pois, quem me atirou com isto, não foi nenhum Fantasma, mas sim a Carmo, a criada! Este nosso amigo Coronel muito gosta de gozar comigo.

Augusta: Vocês por favor não me falem mais em Fantasmas... Ai que eu até me arrepio toda, todinhaaaa...

Alferes: Ó Dona Augusta, não me diga que a senhora ainda acredita em Fantasmas?! Já a minha avó contava o que lhe contou a avó dela...

Augusta: Por favor, Sr. Alferes, em Fantasmas, não acredito... Mas lá que eles existem... Existem!

Entretanto, a Dona Augusta dirige-se ao seu quarto, e…

Augusta: Olha...! Ó seus bandidos, o que é que vocês fazem aqui no meu quarto? Bandidos!

1º Encapuzado - Cala já o bico, mulher... Olha que será muito melhor para ti... Caladinha, disse eu... E juizinho nessa cabeça, e não te esqueças... Juizinho e muita calma, senão, pescoço cortado...

2º Encapuzado - Se tu não te calas, ainda te corto o pescoço – assimmmm!

Augusta: Credo, homem, por favor chegue para lá essa faca... Que nervos!...

1º Encapuzado - Pois é como o meu amigo diz. Muito juizinho, senão... Pescoço fora! Vamos lá ao que mais interessa: quando é que nos dás a massinha, ou seja, o dinheiro que combinámos ?

Augusta: Não sei, não sei. Mas por favor não me façam mal, pois eu não tenho culpa do meu marido, o Sr. Coronel Ramalho, ter-se esquecido das chaves no escritório. Assim, não poderei tirar o dinheiro do cofre, como vocês querem. Mas essas fotografias não são minhas...

2º Encapuzado - Cala-te mulher, pois senão já sabes o que te pode acontecer: pescocinho cortado! E tu até tens um pescocinho bem feitinho...

Augusta: Não sei como fazer ou que fazer! Como já vos disse... Olhem, escutem, tive uma ideia: podiam vir cá amanhã, ou mesmo noutro dia, mais ou menos a esta hora, buscarem o dinheiro que me querem extorquir? Compreendem e estão de acordo?

1º Encapuzado - Compreendemos até muito bem! És muito espertinha, mas nós não nos vamos embora sem a massinha (dinheiro)! Que espertinha me saíste!

2º Encapuzado - Com esta brincadeira toda (que não é nenhuma brincadeira, antes pelo contrário), até rasguei as minhas calças. Foi na cozinha ao fugir da maldita da criada...

Augusta: Então... Então foram vocês que comeram os pastéis de bacalhau e o bolo de laranja?!

1º Encapuzado - Pois claro que fomos! Olha lá, não podíamos matar a fome? E estavam deliciosos! Bem podia ter sido mais...

2º Encapuzado - Pois ainda ficámos com fome...

Augusta: Pois, pois... Agora é que estou a compreender: Vocês é que são os Fantasmas que a criada Carminho julga que são!

Fora do quarto, ouve-se a voz do marido:

Coronel: Augusta, ó mulher, nunca mais sais daí do quarto? Olha que o Sr. Sargento Neto, acabou mesmo agora de chegar. Vem servir-nos o Whisky, pois vamos começar o nosso habitual joguinho de cartas.

Augusta: Marido, eu vou já. Só estou a acabar de me arranjar...

1º Encapuzado - Vai lá, mas toma muita atenção, pois nós, os Fantasmas, (como tu dizes), só vamos embora depois de recebermos o dinheirinho todo. Repito: o dinheiro todoooo!

2º Encapuzado - Não te esqueças que são só dez mil e quinhentos reais!

Dona Augusta, abanando a cabeça e encolhendo os ombros, sai do quarto e entra no salão…

Augusta: Boa-noite, Sr. Sargento Neto. Vou já servir o whisky, e para o Sr. Sargento, uma dose muito especial, tome.

Sargento: Este líquido, aliás, este precioso líquido, hoje parece estar divinal! Que rico whisky. Que delícia mais deliciosa que o Sr. Coronel tem cá em casa! Whisky como este, só nos quartéis e só para oficiais superiores!

Alferes: Este Scotch é mesmo genuíno. O que não admira, pois estamos em casa do Sr. Coronel. Em nada se compara com aquele que no outro dia bebemos em sua casa... Ó Capitão Ribeiro, desculpe lá a franqueza! Mas o whisky que lá bebemos era uma má imitação!

Capitão: Sabe, meu caro Sargento, há dias em que o paladar dos amigos não se encontra tão apurado como o de hoje... Mas este whisky, é de facto muito bom, muito diferente daquela "má qualidade" que bebemos por aí em casa de certos amigos, como por exemplo na do Alferes Marques.

Alferes: Mas esse facto tem uma explicação: o whisky chamado de "Imitação de Sacavém, ou de outra terra qualquer" ainda não atingiu a perfeição desejada!...

O Sr. Capitão entra no salão, depois de sair do banheiro...

Coronel: Meus caros amigos e companheiros, o nosso querido e estimado amigo Capitão Ribeiro foi tomar banho.

Capitão: Claro que tive de ir tomar banho... depois daquele disparate que a Carmo me fez... Olhem lá, por acaso, alguém viu as minhas calças? As minhas calças novas?

Alferes: Ó Capitão, não me diga que perdeu as calças!!!

Capitão: Bem, não quero dizer que as tenha perdido... Mas, logo as calças novas, que me custaram quase uma fortuna!...

Coronel: Então, o Sr. Capitão não sabe onde deixou as calças? É esquisito... Olhe, o seu copo está aqui bem cheio de whisky, beba agora e procure depois as calças. Não é que lhe fique mal o toalhão envolto no corpo... mas compreende... Cá em minha casa... Compreende que não é nada decente...

Capitão: Dou-lhe toda a razão, pois eu também não gosto de andar, ou estar, nesta figura. Entretanto, Dona Augusta, por favor, encha-me outra vez o copo. Muito obrigado pela sua gentileza... está bem assim... assim. Que magnífico whisky este! Parece-me que já estou a ficar com os "copos", ou seja, um pouco grosso, bêbedo... Mas eu quero as minhas calças, as minhas calças novas! Roubaram-mas... Isto deve ser uma manobra para me derrubarem psicologicamente!... Protesto, protesto, protesto... Quero as minhas calças novas... As minhas riquinhas calças novas!

Augusta: Tenha calma, Sr. Capitão, pois as calças vão aparecer. Sim, porque cá em casa, não há  (há...há...há?...) ladrões?... Fantasmas?

Coronel: Caro Capitão, antes de ir procurar as suas calças, beba mais um copo de whisky... Vá lá, não se faça esquisito. Depois de beber, vá procurar muito bem as calças, pois, como diz, e muito bem, minha mulher, cá em casa não há ladrões. Mas espere... Só se foi algum Fantasma que lhas roubou... Ah, ah, ah!... Teria sido um fantasma e, neste caso, fantasma e até ladrão?

Augusta: Ai, credo, marido... Cala-te por favor... Mas se foi... Algum Fan... Fantasma... Podemos pedir por favor que ele devolva as calças... Tive uma ideia: vamos todos gritar, assim: Ó Fantasmas!!! Ó senhores Fantasmas!!! Por favor devolvam as calças ao Senhor Capitão... - Vá lá, gritem todos comigo...

Coronel: Ó Augusta, tu também bebeste whisky? Mas o que é que te deu, para estares a gritar aí aos Fantasmas? Até parece que estás louca...

Sargento: Eu também estou de acordo em não gritarmos por Fantasmas, pois senão, daqui a pouco, ficamos inundados por eles, e lá se ia todo o whisky do nosso caro amigo Coronel. Pois devem existir Fantasmas apreciadores do bom whisky. Penso eu...

Coronel - Agora um pouco mais a sério: Carmo, vem cá depressa... Rápido, mulher... És cá uma vagarosa! Mas que mulher esta...

Carmo: Pronto, ao seu inteiro dispor, Sr. Coronel!

Coronel: Olha lá, vais aqui com o Sr. Capitão procurar as calças dele, as quais não devem andar por muito longe. Pelo menos penso que não...

Carmo: Sr. Coronel, eu não me importo de as ir procurar, mas... Mas o pior é a cozinha...

Coronel: E o que é que tem a cozinha a ver com as calças?!...

Carmo: Sabe, é que estou a cozinhar uma galinha de cabidela...

Coronel: E daí? Não me digas que estás com medo que a galinha levante voo e que fuja do tacho... Ficaste muito calada, diz qualquer coisa, ou estás com medo de qualquer coisa?

Carmo: Estou com medo dos Fantasmas, sim, Sr. Coronel, os Fantasmas podem voltar novamente e levarem com eles a galinha. Já vi que o Sr. Coronel não quer compreender, mas...

Coronel: Mau, mau. Deixa-te de brincadeiras e procura rapidamente as calças, pois o senhor Capitão não pode (nem deve) ficar em cuecas toda a noite!

Alferes: Confesso que eu próprio já estou a ficar com um certo receio dos Fantasmas! E pelos vistos, estes até são comilões! Ai, que horror: Fantasmas! Caro Capitão, não se vá embora, não procure ainda as calças, sem antes beber mais um copito de whisky, ao qual terei muito gosto, e prazer, em acompanhá-lo (a beber outro, claro...!).

Sargento: Ai que medo que eu sinto... Até sinto o corpo todo a tremer! Ah, ah, ah! Fantasmas! E se em vez de Fantasmas, fossem, fossem... Assim com estas formas... Formas femininas, compreendem?! Aí é que seria uma grande orgia! Perdão, Dona Augusta! Vejam lá que eu por causa dos Fantasmas, até me esqueci da senhora. Mais uma vez, as minhas desculpas...

Augusta: Aceito as suas desculpas, mas, Sr. Sargento, por favor não provoque mais confusões, pois já estou a ficar muito nervosa com este assunto. Ufff! Fantasmas…

Alferes: Tem toda a razão, em vez de Fantasmas, podiam ser, por exemplo, Lobisomens, Vampiros, ou mesmo Extraterrestres, enfim... sei lá que mais!

Coronel: Meus caros convidados, não podemos dar mais crédito a este assunto nem falar mais em Fantasmas! Sejamos racionais. Não existem Fantasmas! Não existem e ponto final.

Sargento: Pois é, mas nós estamos a dar crédito a essa parvoíce. Até parece um filme que vi há pouco tempo na televisão, com muitos fantasmas maus que até comiam...

Coronel: Bom. Vamos ao que mais interessa: Olha lá, Carmo, já encontraste as calças do Sr. Capitão? Eu quero este caso resolvido rapidamente, ouviste e compreendeste bem?

Carmo: Já as procurei por todo o lado que é sítio, mas não as encontrei.

Capitão: Mas eu quero as minhas calças... Eu quero as minhas calcinhas novas... As minhas ricas calcinhas... Um Capitão, nunca por nunca, pode, nem deve, andar em cuecas! É indigno para a sua categoria social e militar.

Sargento: Apoiado, apoiado! O caro Capitão tem toda a razão (mas não chore) e o seu protesto é pertinente... Embora já tenha bebido alguns copos de whisky!...

Alferes: O caro amigo Sargento, tem toda a razão, pois não deve tentar afogar o desgosto de ter perdido as calças, bebendo muito whisky. Olhe que eu conheço quem já tenha perdido as calças por muito menos!

Capitão: Mas eu quero, eu quero as minhas calcinhas novas. Por favor, compreendam-me, pois sinto-me muito infeliz sem elas... Imaginem só se os meus tropas me vissem neste estado!

A criada entra novamente de rompante no salão...

Carmo: Sr. Coronel, Sr. Coronel... Dona Augusta!

Coronel: Que tens tu? O que é que te aconteceu, Carmo?

Augusta: Não chores, pequena, e diz o que aconteceu...

Carmo: Uma desgraça - uma grande desgraça! É que a galinha de cabidela que estava ao lume...

Coronel: Não me digas que a deixaste queimar?!

Carmo: Não a deixei queimar, não. Mas ela desapareceu!

Augusta: Ai aqueles bandidos!...

Coronel: Bandidos?! Augusta, o que é que tu disseste? Aqueles quê? Confesso que não te ouvi muito bem, por favor repete...

Augusta: O que eu disse? Olha, pois disse, ou devia de ter dito: Fantasmas. Ou seja lá o que for... Mas não sei se foram ou não os Fantasmas que levaram a galinha de cabidela... Olha, não sei se disse alguma coisa, ou pensei alto.

Alferes: Amigos, reparem: agora até começou a cair água do tecto... Vejam, vejam! Até parece que está a chover e a água cheira a líquido orgânico.

Sargento: Olha, pois está. E escutem, não ouvem o barulho de um autoclismo a descarregar?

Coronel: De facto, estou a ouvir. Estou cansado de dizer à Carmo que não utilize o banheiro do sótão. Mas ela é teimosa, e o canalizador ainda não apareceu para afinar o autoclismo.

Carmo: Perdão, senhor Coronel, eu não utilizo o banheiro lá de cima, há mais de um mês. Para mais, com o medo que tenho dos Fantasmas, ainda hoje não fui lá  acima ao meu quarto. Que medo!

Coronel: Então, então... Queres dizer que não foste tu que utilizaste o banheiro?

Carmo: Juro por tudo que não fui eu que utilizei aquele banheiro.

Alferes: Bem, meus senhores, vamos analisar os factos referentes a este assunto: primeiro, os Fantasmas comeram os pastéis de bacalhau, depois o bolo de laranja, e por fim a galinha de cabidela. Com uma certa lógica, depois de comerem isto tudo, com certeza que precisaram de ir à casa de banho (banheiro)...!

Augusta: Mas que lógica... tão lógica! Fantasmas a utilizarem um banheiro - onde é que isto já se viu?

Capitão: Com essa conversa toda, não se esqueçam que eu quero as minhas riquinhas calcinhas... As minhas calças novas. Pela minha dignidade de Capitão, eu nunca devia de sofrer o vexame de andar p'ra aqui em cuecas, e logo em casa do Sr. Coronel.

Sargento: O Sr. Capitão tem toda a razão e todo o meu apoio. Mas por favor deixe de chorar, pois, põe-me muito nervoso. Mas... um Capitão em cuecas, ou em slips, é demais!

Alferes: Pois é, mas por causa das calças que eventualmente perdeu, teve o pretexto de já ter bebido quase uma garrafa inteira. Neste contexto, eu também não me importaria de andar em cuecas!

Sargento: Olhe que ainda está a tempo, meu amigo, pois o nosso querido e Sr. Coronel, ainda tem, pelo menos, mais uma garrafa cheia.

Sargento: Olhem que está novamente a cair água lá de cima. E muito mal cheirosa. De certeza que não comeram sabonetes nem beberam perfume!

Sargento: E prestem atenção. Oiçam com atenção… Um ruído tão característico, pois os Fantasmas devem estar a desbeber, ou seja, devem estar a fazer chichi!

Capitão: Mas eu quero as minhas riquinhas calças novas... Como ninguém se incomoda com o assunto, eu vou lá acima e mato todos, todos os Fantasmas... todos... todos, um a um.

Alferes: Amigos, admirem a valentia do nosso Capitão. Que homem tão valente, um verdadeiro representante da valente raça lusitana!

Sargento: É assim mesmo, caro Capitão. Vá mostrar aos Fantasmas o que é ser um homem de barba rija!... E mais: um verdadeiro herói dos nossos dias!

Capitão: Só preciso de uma arma, para assim poder avançar. Vou matá-los todos, todos os Fantasmas que aparecerem à minha frente... À minha frente...

Alferes: Estou mesmo a ver que vai ser uma enorme mortandade! Ai, pobres Fantasmas, agora é que vão ser elas, com o Capitão no encalço deles!

Coronel: Tem toda a razão para proceder assim, meu caro Capitão. Aqui tem uma boa arma: um martelo de orelhas! E assim tão bem armado, não se esqueça de matar todos (mas todos) os Fantasmas que encontrar no seu caminho. Força, Capitão Ribeiro!

Sargento: Mas tenha muito cuidado, não os maltrate muito, pois eu tenho horror em ver sangue. Contente-se só em fazer-lhes umas nódoas negras!

Coronel: Mas que situação tão caricata: um Capitão em cuecas, com um martelo de orelhas na mão, à procura de uns Fantasmas... E tudo isto em pleno século XXI...

Alferes: Deixai ir o homem, que está muito bem temperado em whisky...
Coronel: Oxalá é que não caia pela escada abaixo... E, claro, que apanhe muitos Fantasmas!

CONTINUA

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Carlos Leite Ribeiro (Casa de Fantasmas) Comédia Teatral - Parte 1

Como era habitual às quintas-feiras, em casa do Sr. Coronel Ramalho (grande herói das campanhas do tempo em que os ventos lutavam contra os moinhos),reunia-se um grupo de amigos para um animado e silencioso serão a jogar às cartas.

O salão onde esses serões se realizavam era amplo, tendo ao centro uma mesa rectangular, e em sua volta, seis cadeiras também do estilo Luís XV, assim como o aparador e a cristaleira que a ladeavam. No tecto, um lustre de metal e vidro, do mesmo modelo dos quatro apliques situados em paredes diferentes, assim como várias molduras com fotografias de familiares, destacando-se entre elas, uma enorme fotografia do austero pai do Sr. Coronel Ramalho, conhecido na época como comerciante de vinhos a granel, com os seus grandes e torcidos bigodes, situada em frente onde habitualmente a Dona Augusta, a esposa do Sr. Coronel Ramalho, fazia a sua renda (ou malha), junto a uma das duas janelas do salão. Ao fundo colocado ao meio da parede, situava-se um enorme e barulhento relógio que marcava até os quartos de hora, ficando por baixo uma vitrina onde o Sr. Coronel conservava orgulhosamente as suas condecorações e algumas armas antigas, algumas das quais das guerra napoleónicas.

Este salão tinha três portas: uma com acesso às escadas que, descendo, davam para a rua; subindo, davam para o sótão onde a criada tinha o seu quarto, junto à sua casa de banho e despensa da casa; outra porta dava para um corredor que ligava à cozinha; e uma terceira para o quarto do casal.

Os convidados para o serão desse dia (que por sinal eram sempre os mesmos), ou seja, o Sr. Capitão Ribeiro, o Sr. Alferes Marques e o Sr. Sargento Humberto, ainda não tinham chegado.

Mais tarde apareceram dois encapuzados, completamente desconhecidos, nem se chegando a saber de onde vieram…

Entretanto, a criada, a Carmo (uma jovem lisboeta que dizia ter vinte cinco anos) aproximou- se da patroa, de nome Augusta...

Carmo: Minha senhora, por favor... Dona Augusta, dá-me licença?

Augusta: Levantando os olhos de um bordado que estava a fazer, por fim, respondeu para a criada: Entra, entra Carmo. Diz lá o que queres?

Carmo: Minha Senhora, tenho de ir ao supermercado fazer umas compras, pois, são quase vinte horas e depois eles fecham. A senhora quer que pague a dinheiro?

Augusta: Ai não!... pois… não tenho dinheiro trocado... Eles que assentem na minha conta, que depois pago. Mas, Carmo, não te demores, e não te esqueças que hoje é quinta-feira, e os convidados não tardam aí a chegar...

Carmo: Eu não vou demorar mesmo nada, Dona Augusta, fique tranquila.

Augusta: Então vai lá, pequena...

Pouco depois da criada ter saído, toca a campainha da porta...

Augusta: Quem será que está a tocar à porta? A Carmo não deve ser. Só se esqueceu alguma coisa…

A campainha volta a tocar, desta vez mais prolongadamente…

Augusta: - Não toque mais, pois eu vou já abrir...

Ao abrir a porta, a Dona Augusta teve uma grande surpresa, pois à sua frente estavam três homens encapuçados.

Augusta: Mas...mas quem são os senhores, o que me querem? Por favor não me empurrem, estou em minha casa. Não me empurrem...!

1º Encapuzado - Mulher, está caladinha, senão... olha esta faca. Deixa-nos passar e senta-te aí nessa cadeira, sossegadinha...

2º Encapuzado - Raio da mulher não está quieta. Rápido, amigo, amarra depressa esta "fera" aí a essa cadeira...

Augusta: Ah, mas quem são os senhores?!...

2º Encapuzado - Está quieta e cala-te! Tem muita calma, pois só queremos falar um pouco contigo. Está sossegada, mulher... Tem juizinho nessa cabeça, senão...

1º Encapuzado - Já te dissemos para estares quieta e deixares de chorar! Nós só queremos falar contigo... Olha que é um assunto que te interessa muito...

Augusta: Eu vou estar quietinha, mas por favor não me empurrem, nem me agarrem... Por favor...

2º Encapuzado - E ela não se cala nem está sossegada, hei... Ó mulher, ainda te mato. Ouviste bem? Ainda te mato!

Augusta: - Mas quem são vocês? Por favor, digam-me... O que é vocês querem de mim?!...

1º Encapuzado - Assim está bem. Continua calminha, pois, só queremos mostrar-te umas fotografiazinhas que temos aqui...

2º Encapuzado - E são fotografias de uma pessoa que tu deves conhecer muito bem... Vá lá, não vires a cara para o lado... Não te armes em pudica! Olha! Olha!...

1º Encapuzado - Abre, abre, não feches os olhinhos... Vê, vê... Por acaso, não conheces esta mulher que está toda nua... Deitada na cama com este homem?!... Não me digas que a não conheces? Vá lá, faz um esforçozinho de memória!...

Augusta: Mas... Mas eu não conheço essa mulher... juro por tudo que não a conheço ! Juro que a não conheço, mas larguem-me, larguem-me...

2º Encapuzado - Não nos tentes enganar, pois esta mulher é mesmo tu - tu, ouviste bem? Ou será que não te conheces a ti própria?!...

1º Encapuzado - Não te faças de tolinha, pois connosco, isso não pega - espertinha!

2º Encapuzado - Ó mulher, deixa-te de tretas, pois é melhor entrares em acordo connosco. Pensa bem e rapidamente, e não queiras fazer nenhuma asneira...

Augusta: Mas eu já vos disse que esta mulher que está nesta fotografia toda nua, não sou eu!... Volto a jurar por tudo, que não sou eu que, está aí toda nua!

2º Encapuzado - Ah, ah... És tu, és, não me consegues enganar, e por favor não me faças perder a paciência. Senão, daqui a pouco corto-te o pescoço... Assim...!!!

1º Encapuzado - Tem calma, amigo, pois deves ter uma certa paciência com esta mulher... E tu aí, mulher, para não ficares com o teu pescocinho cortado, é melhor resolveres entrares em acordo connosco. Senão, como deves calcular, o teu maridinho, o Sr. Coronel, vai saber tudo, tim-tim por tim-tim!!!...

2º Encapuzado - Como já deves calcular, a nós, não nos custa nada... Mas mesmo nada, fazer isso! Amigo, talvez seja melhor mostrar-lhe novamente as fotografias...

Augusta: Eu não sei como é que vos hei-de fazer crer que esta mulher que está aqui, nesta fotografia, não sou eu!!! Juro que não sou eu! Só se for... Só se for... A minha irmã - gémea, que se chama Liza. Já há muitos anos que a não vejo. Só se for ela.

2º Encapuzado - Já te disse que não venhas com essa mentira! És tu, tu, e só tu - e está tudo dito !!! Percebeste?

Augusta: Ai que vida a minha! Já vi que não adianta discutir com vocês... Mas, finalmente, o que é que vocês querem de mim? Mais uma vez vos digo que não sou eu...

1º Encapuzado - Já te disse para estares quieta e cala-te... Como já vimos que és boa mulher, vamos fazer umas continhas, e assim, por estas fotografias... sim, por estas fotografias só te vamos levar...

2º Encapuzado - Digamos... Dez mil e quinhentos euros!

1º Encapuzado - Como vês, é uma verdadeira pechincha: só dez mil e quinhentos euros. Até devia ser mais qualquer coisinha…

Augusta: Mas o que é que vocês estão p'ra aí a dizer? Dez mil e quinhentos euros, é pouco dinheiro? Olhem que eu nunca tive tanto dinheiro junto e em meu poder! Vocês são uns escroques, uns chantagistas...

2º Encapuzado - Toma mas é cuidadinho com essa língua, pois senão já sabes que te corto o teu lindo pescoço.

Augusta: Ai credo, homem!... Que aflição... Tire-me essa faca daqui do meu pescoço!... Ai o meu coração...

1º Encapuzado - Não te enerves, mulher, olha o teu coração... Nós não desejamos que você morra, antes de nos dar o dinheiro...

Augusta: Ai, o meu pobre coração até parece que vai rebentar!... Ai...

1º Encapuzado - Deixa lá o coração e vamos lá ao que mais interessa: tens ou não os dez mil e quinhentos euros? Se não tens, vai ao cofre do teu marido, o Sr. Coronel, pois ele deve ter lá muito dinheiro...

Augusta: Mas não é possível, pois eu nunca roubei nada a ninguém, e muito menos ao meu marido. Vocês estão doidos...

2º Encapuzado - Não me venhas cá com esses argumentos, pois para nós não pega. Vai depressa ao cofre e traz rapidamente o dinheiro. Vá lá, rápido!...

1º Encapuzado - E para tua orientação, enquanto não nos entregares o dinheiro, ficaremos cá em casa a fazer distúrbios. E tu nem calculas os distúrbios que somos capazes de fazer...

Augusta: O que vocês estão p'ra aí a dizer? Que ficam cá em casa? Mas onde?...

1º Encapuzado - Onde não interessa. Mas podes ter a certeza que ficaremos cá até recebermos a massinha toda. Não faças essa cara de espantada e nem tentes brincar connosco...

2º Encapuzado - E toma bem atenção: se por acaso tentares denunciar-nos, já sabes o que te vai acontecer: pescoço fora!

Neste momento toca novamente a campainha da porta …

1º Encapuzado - Amigo, espreita aí pelo óculo da porta... O que é que vês?

2º Encapuzado - É a criada. Olha que a «mamífera» tem cá um "cabedal" de género avião... Ai que bom... bonzinho... Ai... Que gatinha! Estou a ficar cheio de comichões…

1º Encapuzado - Deixa-te de parvoíces. Vamos esconder-nos atrás daquele sofá... Rápido e sem barulho. Cuidado não tropeces nesse fio... Esconde-te... Rapidamente…

2º Encapuzado - E tu aí "menina"... Olha para aqui para mim... Assim... Se não colaborares connosco, já sabes o que te acontece aos teu lindo pescoço... Olha que não somos para brincadeiras...

1º Encapuzado - E toma atenção: diz à criada que faça qualquer coisa que se coma, pois estamos esfomeados! Ela que faça um bom petisco para nós... Não te esqueças!

2º Encapuzado - Agora “menina”, vai lá abrir a porta, mas com juizinho...
Augusta: É inacreditável o que me está a acontecer... Eu nem quero acreditar!... Deve ser um sonho mau...

Falando um pouco mais alto, prepara-se para abrir a porta...

Augusta: Quem é?... Quem é que está aí a bater à portaaa?...

Carmo: Sou eu, minha senhora, a Carmo.

Augusta: Até que enfim que chegaste! Sempre que vais fazer compras, até parece que levas uma cadeirinha atras de ti... Deves dar um grande desgaste à tua língua ao falares tanto com as vizinhas...

Carmo: Mas, a senhora deve de estar enganada, pois desta vez quase que não me demorei nada. Fui num pé e vim noutro.

Augusta: Olha que não me parece. A mim, pareceu que demoraste quase uma eternidade. Olha, vai para a cozinha e prepara... Deixa cá ver...talvez uns pastelitos de bacalhau e, bem fritinhos...

Carmo: Pastéis de bacalhau a esta hora?...

Augusta: Não compreendo a tua observação, pois, a qualquer hora, podemos ter vontade de comer pastéis de bacalhau!

Carmo: A senhora é que manda. Vou já preparar meia dúzia de pastéis...

Augusta: Só meia dúzia?! São poucos! Nem calculas a fome que eu tenho. Prepara pelo menos uma dúzia e meia ou mesmo duas dúzias, de pastelinhos e bem fritinhos, não te esqueças.

Carmo: Não sabia que a senhora tinha deixado de fazer dieta para o tal regime de emagrecimento, que tanto falava! Isto de ser criada, tem muito que se lhe diga!

Quando a criada já se encontrava na cozinha, toca novamente a campainha da porta.

Augusta: Carmo, vai abrir a porta; ainda não ouviste a campainha?
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continua…

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