sábado, 18 de abril de 2009

Augusto Frederico Schmidt (Aniversário de Nascimento)

Augusto Frederico Schmidt (Mais Poesias)


ESTRELA MORTA

Morta a Estrela que um dia, solitária,
Nasceu em céu sem termo.
Morta a Estrela que floriu nos meus olhos.
Morta a Estrela que olhei na noite erma.
Morta a Estrela que dançou diante dos nossos olhos,
A Estrela que descendo acendeu este amor
Morta a Estrela que foi para o meu coração,
Como a neve para os ninhos
Como o pecado para os santos
Como a ausência de Deus para os condenados.
(Canto da Noite, 1934)


POEMA (ERA UM GRANDE PÁSSARO…)

Era um grande pássaro. As asas estavam em cruz, abertas para os céus.
A morte, súbita, o teria precipitado nas areias molhadas.
Estaria de viagem, em demanda de outros céus mais frios!
Era um grande pássaro, que a morte asperamente dominara.
Era um grande e escuro pássaro, que o gelado e repentino vento sufocara.
Chovia na hora em que o contemplei.
Era alguma coisa de trágico,
Tão escuro, e tão misterioso, naquele ermo.
Era alguma coisa de trágico. As asas, que os azuis queimaram,
Pareciam uma cruz aberta no úmido areal.
O grande bico aberto guardava um grito perdido e terrível.
(Estrela Solitária, 1940)

A PARTIDA

Quero morrer de noite —
As janelas abertas,
Os olhos a fitar a noite infinda.

Quero morrer de noite —
Irei me separando aos poucos,
Me desligando devagar.
A luz das velas moldará meu rosto lívido.

Quero morrer de noite —
As janelas abertas,
Tuas mãos chegarão água aos meus lábios
E meus olhos beberão a luz triste dos teus olhos,
Os que virão, os que ainda não conheço,
Estarão em silêncio,
Os olhos postos em mim.
Quero morrer de noite —
As janelas abertas,
Os olhos a fitar noite infinda.
Aos poucos me verei pequenino de novo, muito pequenino.
O berço se embalará na sombra de uma sala
E na noite, medrosa, uma velha coserá um enorme boneco.
Uma luz vermelha iluminará o dormitório
E passos ressoarão quebrando o silêncio.
Depois na tarde fria um chapéu rolará numa estrada...

Quero morrer esta noite —
As janelas abertas.
Minha alma sairá para longe de tudo, para bem longe de tudo.

E quando todos souberem que já não estou mais
E que nunca mais voltarei,
Haverá um segundo, nos que estão
E nos que virão, de compreensão absoluta.
(De Navio Perdido)

A AUSENTE

Os que se vão, vão depressa,
Ontem, ainda, sorria na espreguiçadeira.
Ontem dizia adeus, ainda, da janela.
Ontem vestia, ainda, o vestido tão leve cor-de-rosa.

Os que se vão, vão depressa.
Seus olhos grandes e pretos há pouco brilhavam.
Sua voz doce e firme faz pouco ainda falava,
Suas mãos morenas tinham gestos de bênçãos.
No entanto hoje, na festa, ela não estava.
Nem um vestígio dela, sequer,
Decerto sua lembrança nem chegou, como os convidados —
Alguns, quase todos, indiferentes e desconhecidos.

Os que se vão, vão depressa.
Mais depressa que o s pássaros que passam no céu,
Mais depressa que o próprio tempo,
Mais depressa que a bondade dos homens,
Mais depressa que os trens correndo nas noites escuras,
Mais depressa que a estrela fugitiva
Que mal faz um traço no céu.
Os que se vão, vão depressa.
Só no coração do poeta, que é diferente dos outros corações,
Só no coração sempre ferido do poeta
É que não vão depressa os que se vão>

Ontem ainda sorria na espreguiçadeira,
E o seu coração era grande e infeliz.
Hoje, na festa ela não estava, nem a sua lembrança.
Vão depressa, tão depressa os que se vão...

(De Pássaro Cego)

LUCIANA

As raparigas que dançavam,
Luciana, a pálida, todas
Como frutos apodrecerão
Porque só há um destino
Com muitos caminhos, embora.

Depois outras raparigas é que dançarão.
Luciana passará com o seu sorriso triste,
Suas mãos brancas repousarão —
Porque só há um destino
Com muitos caminhos, embora.

Cada um conhece o seu destino:
Luciana, a pálida, e as outras também,
Todas as raparigas que dançavam —
Cada um traz seu destino no rosto,
No rosto de Luciana e das outras também.

Em breve, todas as figuras mudarão:
Serão outras, tudo terá passado —
Os homens e as mulheres, o salão,
Os móveis — nem lembrança sequer restará.
Luciana terá desaparecido como a poeira da estrada>
Como a poeira, o tempo dispersará a fisionomia de Luciana:
E — atentai bem — Luciana não se repetirá.
Ninguém se repete no tempo. Cada um é diferente.
Cada um existe uma vez só e não é substituído.
Contemplai bem, pois, Luciana, que não se repete.

(De Pássaro Cego)

SONETO AO ADORMECIDO

Como não te sorrir, ó adormecido,
E como não chorar sobre nós mesmos!
Como não se alegrar ao contemplar-te,
E não entristecer em nós pensando?

Como não perceber que a vida impura
Se conservou de ti distante e ausente
E em nós vingou seus ásperos desejos,
Seus caprichos terríveis e suas mágoas?

Como não te sorrir, morto e inocente
Cansado de brincar, se está liberto
Do destino de ter nosso destino?

Como não alegrar com a tua sorte,
Se nunca hás de chorar sobre ti mesmo,
Sobre a tua inocência e os teus brinquedos?

(De Mar Desconhecido)

Biografia: http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/01/augusto-frederico-schmidt-1906-1965.html
Artigo: http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/01/augusto-frederico-schmidt-um-poeta-com.html
Poesias: http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/01/augusto-frederico-schmidt-poesias.html
–––––––––––––––––––––

Fonte:
http://www.antoniomiranda.com.br/

O Sítio do Picapau Amarelo na Televisão


O Sítio do Picapau Amarelo é uma criação de Monteiro Lobato, escritor brasileiro.

A obra é das mais originais da literatura infanto-juvenil no Brasil e o primeiro livro da série foi publicado em Dezembro de 1920. A partir daí, Monteiro Lobato continuou escrevendo livros infantis de sucesso, com seu grupo de personagens que vivem histórias mágicas: Emília, Narizinho, Pedrinho, Marquês de Rabicó, Conselheiro, Quindim, Visconde de Sabugosa, Dona Benta, Tia Nastácia, Tio Barnabé, Cuca, Saci, etc. Os personagens principais moram ou passam boa parte do tempo no sítio pertencente à avó dos garotos, batizado com o nome de Picapau Amarelo, de onde vem o título da série. A canção-tema foi composta por Gilberto Gil.

Livros
1920 - A menina do narizinho arrebitado
1921 - Fábulas de Narizinho
1921 - O Saci
1921 - Narizinho arrebitado
1922 - O marquês de Rabicó
1922 - Fábulas
1924 - A caçada da onça
1927 - As aventuras de Hans Staden
1928 - O noivado de Narizinho
1928 - O Gato Félix
1928 - Aventuras do Príncipe
1928 - A cara de coruja
1929 - O irmão de Pinóquio
1929 - O circo de escavalinho
1930 - Peter Pan
1930 - A pena de papagaio
1931 - O pó de pirlimpimpim
1931 - Reinações de Narizinho
1932 - Viagem ao céu
1933 - História do mundo para as crianças
1933 - Caçadas de Pedrinho
1933 - Novas reinações de Narizinho
1934 - Emília no país da gramática
1935 - Aritmética da Emília
1935 - Geografia de Dona Benta
1935 - História das invenções
1936 - Dom Quixote das crianças
1936 - Memórias da Emília
1937 - O poço do Visconde
1937 - Serões de Dona Benta
1937 - Histórias de Tia Nastácia
1938 - O museu da Emília (peça de teatro)
1939 - O Picapau Amarelo
1939 - O Minotauro
1941 - A reforma da natureza
1942 - A chave do tamanho
1944 - Os doze trabalhos de Hércules
1947 - Histórias diversas

Em 2007, a Editora Globo relançou a obra de Monteiro Lobato.

Personagens
Emília - Boneca de pano falante, irreverente e divertida.
Visconde de Sabugosa - Sábio boneco de sabugo de milho.
Pedrinho e Narizinho - As crianças que protagonizam as histórias.
Dona Benta Encerrabodes de Oliveira - Avó de Pedrinho e Narizinho, dona do Sítio do Picapau amarelo.
Tia Nastácia - Cozinheira do Sítio.
Tio Barnabé - Um homem da roça.
Marquês de Rabicó - O porquinho guloso que só pensa em comida.
Conselheiro - O sábio burro falante que, como o próprio nome já diz, dá sempre bons conselhos.
Quindim - Um doce rinoceronte.
Cuca - Uma bruxa que vive infernizando os protagonistas do Sítio.
Saci - O famoso personagem do folclore brasileiro, que acaba se tornando amigo de Pedrinho.

Adaptações para a televisão

Tupi

A primeira adaptação para a televisão foi exibida de 3 de junho de 1952 a 1962, na TV Tupi, ao vivo, no programa Teatro Escola de São Paulo, criado por Júlio Gouveia e Tatiana Belinky. A história escolhida para inaugurar o programa foi A Pílula Falante, um dos capítulos do livro Reinações de Narizinho. O programa ficou no ar por dez anos e foi um grande sucesso da emissora, chamando a atenção de anunciantes e se transformando no primeiro programa da TV a utilizar a técnica do merchandising. A série não tinha intervalo comercial e os produtos como biotônicos e vitaminas eram inseridos durante a história.

Cada episódio tinha a duração de 45 minutos e começava mostrando Júlio Gouveia abrindo um livro para contar uma história e terminava com ele fechando o mesmo livro. A série terminou em 1962, com 360 episódios apresentados.

No elenco, Lúcia Lambertini vivia Emília, David José foi o Pedrinho, Edy Cerri deu vida a Narizinho, Rubens Molino era o Visconde de Sabugosa, Sydneia Rossi a Dona Benta e Benedita Rodrigues a Tia Nastácia.

Em setembro de 1957 a série estreou na TV Tupi do Rio de Janeiro, dirigida por Mauricio Sherman. Lúcia Lambertini vivia a Emilia lá também, e no elenco André José Adler era Pedrinho, Leny Vieira era Narizinho. Completando: Iná Malaguti (Dona Benta), Zeni Pereira (Tia Nastácia), Elísio de Albuquerque (Visconde) e Daniel Filho (Dr. Caramujo).

Cultura

Em 1964, a atriz e diretora Lúcia Lambertini trouxe a série para a TV Cultura de São Paulo. Ela foi produzida durante seis meses mas não repetiu o sucesso alcançado na TV Tupi. No elenco os mesmos atores da versão da TV Tupi viviam Emilia, Narizinho e Pedrinho. Já o Visconde era interpretado por Roberto Orosco, Dona Benta por Leonor Pacheco e Tia Nastácia por Isaura Bruno.

Bandeirantes

Em 12 de dezembro de 1967, Júlio Gouveia e Tatiana Belinky traziam o Sítio de volta à TV, agora pela TV Bandeirantes e com o patrocínio do Bolo Pullman. A série ganhava o cenário de um sítio de verdade e ganhava um tema de abertura assinado por Salatiel Coelho, além de usar o recurso do vídeo-tape. Cada episódio tinha 30 minutos e a série ficou no ar por dois anos, até 1969. Os atores começaram a ser substituídos por outros no decorrer do seriado e Zodja Pereira assumiu a Emília, Silvinha Lanes a Narizinho e Ewerton de Castro o Visconde de Sabugosa.

Globo

1977
A adaptação mais conhecida e exportada para o mundo todo foi a da Rede Globo, de 7 de março de 1977 a 31 de janeiro de 1986, sobretudo para países de língua portuguesa. Houve uma censura em Angola, por pensarem que a Tia Nastácia era uma escrava[carece de fontes?]. Os bonecos eram todos brasileiros criados por Rui de Oliveira e Marie Louise Neri. A trilha sonora foi dirigida por Dori Caymmi e era formada por temas essencialmente nacionais, ressaltando a mitologia e o folclore. Destaca-se a música tema da abertura composta por Gilberto Gil, "Sítio do Picapau Amarelo".

Barra de Guaratiba fora o local escolhido para a locação fixa da incrível e inesquecível série infanto-juvenil da TV GLOBO "Sítio do Pica-Pau Amarelo" de 1977 a 1986. Um sítio, com casa, curral e jardins de Burle Marx, foi construído especialmente para o programa na Estrada Burle Marx (antiga estrada de Barra de Guaratiba). Lá eram gravadas as cenas externas e também quase todas as internas (sala e cozinha da casa de Dona Benta) do seriado. As outras gravações (bibilhoteca, quartos, gruta da Cuca, Reino das Águas Claras etc.) eram gravadas nos estúdios da Cinédia. Hoje, infelizmente, o local encontra-se abandonado e em estado de quase total destruição. O telhado da casa principal está desabando, existe sinais de vandalismo por toda parte e tudo está envolto de muito mato.

Nesta versão, os personagens ficaram imortalizados pela interpretação dos atores. O elenco principal no primeiro ano do programa era composto por Zilka Salaberry (Dona Benta), Dirce Migliaccio (Emília), Jacyra Sampaio (Tia Nastácia), Rosana Garcia (Narizinho), Júlio César Vieira (Pedrinho), André Valli (Visconde de Sabugosa), Samuel Santos (Tio Barnabé), Dorinha Duval (Cuca), Romeu Evaristo (Saci), Ary Coslov (Jabuti), Germano Filho (Elias Turco), Jaime Barcellos (Coronel Teodorico), Tonico Pereira (Zé Carneiro), Canarinho (Malazarte ou Garnizé) entre outros.

No tempo em que esteve no ar o programa sofreu algumas modificações no elenco. Eis as principais:

A atriz Reny de Oliveira substituiu Dirce Migliaccio em janeiro de 1978 e ficou no seriado até dezembro de 1982. Ainda em 1978, a atriz Stela Freitas passou a interpretar a Cuca no lugar de Dorinha Duval e Franciso Nagen passou a viver o Elias Turco no lugar de Germano Filho. Em 1980 Rosana Garcia e Júlio César também deixaram o programa. Motivo: estavam crescidos demais para intepretarem Narizinho e Pedrinho. Para ocupar seus lugares foram escolhidos entre milhares de candidatos Daniele Rodrigues (que teve seu nome alterado para Daniela na abertura do programa) e Marcelo Patelli (cujo nome foi alterado para Marcelo José). O novo casal também seria trocado anos mais tarde. Uma outra mudança ocorrida na mesma época da primeira troca de crianças foi a da atriz que interpretava a Cuca. No lugar de Stela Freitas entrou a atriz Catarina Abdalla que foi a Cuca de 1981 até o final do programa.

2001
Em julho de 2000, a Rede Globo assinou um contrato de 10 anos com os herdeiros de Monteiro Lobato, para produzir uma nova adaptação para a televisão, das histórias do Sítio do Picapau Amarelo, e no dia 12 de outubro de 2001, passou a exibir-la. O programa começou sendo exibido dentro da TV Globinho, mas depois ganhou seu próprio horário na grade de programação da Globo. Inicialmente foram adaptados os livros, depois foram utilizados os mesmos personagens em novos argumentos e histórias.

Nesta versão, a boneca Emília, foi interpretada por uma criança, a atriz mirim Isabelle Drummond. Ao contrário do que muitos pensam, Isabelle não foi a primeira "atriz criança" a interpretar a boneca Emília em uma obra audiovisual; antes dela, a Emília já havia sido interpretada por uma pequena menina chamada Olga Maria, em um filme em preto e branco de 1951, intitulado O Saci (filme), dirigido por Rodolfo Nanni, e baseado no livro "O Saci" de Monteiro Lobato. Isabelle na verdade, foi a primeira criança a interpretar a Emília em uma série de televisão. Com exceção do filme "O Saci", e da versão dos anos 2000, a boneca Emília havia sido interpretada por atrizes adultas, nas outras quatro versões para a TV. Inclusive a versão de 2001, parece ter se inspirado um pouco no filme de 1951, a começar pelo fato da Emília ser interpretada por uma criança, e ser menor do que a Narizinho. Outro fato em comum entre os dois, são cenas da nova versão do Sítio que parecem ter sido idéias reaproveitadas do filme do Saci, por exemplo, a cena onde a pequena atriz Olga Maria fica pendurada no varal, secando após ter caído no riacho, no episódio "O Saci" de 2001 acontece o mesmo com Isabelle Drummond. Há também uma cena, onde o Saci Pererê, encontra um fio de cabelo preso no pente da sereia Iara, cena que era originalmente do filme de 1951, e foi reaproveitada e refilmada para a série de 2001 (pois na história original do livro, o Saci pulava na cabeça da Iara, e arrancava o fio de cabelo para levar para a Cuca). Uma coisa na série de 2001, diferente das outras versões de TV, é que a personagem Tia Nastácia agora era vivida por uma atriz mais magra, Dulcilene Moraes (conhecida como Dhu Moraes). Mas, algumas temporadas depois, a produção pediu que Dhu Moraes engordasse um pouco, e usasse um pouco de enchimento no vestido, pois a personagem "Nastácia" era mais conhecida popularmente sendo gorda, tanto em outras adaptações para TV, quanto nas ilustrações dos livros. O curioso é que a "Tia Nastácia" do livro era inspirada em uma mulher magra, chamada "Anastácia", que realmente existiu e trabalhava na casa de Monteiro Lobato, como cozinheira e babá dos filhos dele. Ela é descrita como uma negra alta, magra, de canelas e punhos finos. Quando vivo, Monteiro Lobato contou ao jornalista Silveira Peixoto em uma entrevista, que se inspirou nela para criar a personagem de seus livros.

Nos primeiros episódios, eram usados efeitos especiais de Chroma Key para que o Visconde de Sabugosa, parecesse ter mesmo o tamanho de um sabugo de milho. Mas no final de 2002, essa técnica foi deixada de lado, porque no programa, o Visconde tomou uma pitada de fermento, e ficou do tamanho de uma pessoa normal. Durante os anos de 2001 até 2004, o Visconde era interpretado pelo ator Cândido Damm, que nesta versão, deu um padrão de voz "bem grossa" ao personagem; padrão que seria seguido também pelos outros dois atores que interpretariam o Visconde nas temporadas seguintes, Aramis Trindade em 2005 e 2006, e Kiko Mascarenhas em 2007. A diferença entre a voz dos três era que, o Visconde do Cândido Damm tinha um leve sotaque carioca, enquanto o Visconde de Aramis Trindade falava com um forte sotaque paulista, o terceiro interprede, Kiko Mascarenhas, também tentou manter o sotaque paulista que Aramis Trindade fazia para o personagem.

A nova versão do Sítio, pôde trazer de volta o "Pó de Pirlimpimpim", que na versão anterior de 1977, havia sido transformado em um tipo de "palavra mágica" para evitar comparações com a cocaína; deste modo, os moradores do Sítio apenas gritavam: "Pirlim Pim Pim" para viajarem de um lugar para outro. Nos livros de Monteiro Lobato, o Pó de Pirlimpimpim era aspirado com o nariz pelos personagens; já na versão de 2001 ele passou a ser um pó jogado em cima das cabeças dos personagens, assim como o "Pó Mágico" da Sininho, do livro Peter Pan de J.M. Barrie. Outra coisa que havia sido censurada na versão dos anos 70, e foi trazida de volta na nova versão, é o costume que Emília tem de inventar suas próprias palavras. A censura da década de 70, não permitia que a Emília da TV alterasse ou falasse palavras da gramática a seu próprio modo, como: "Bissurdo", "Arimética", ou "Obóvio".

A primeira temporada, durou do final de 2001 até o ano de 2002, contando as histórias de Monteiro Lobato, depois naquele mesmo ano, após as histórias dos livros terem acabado, iniciou-se outra fase do programa, com novas histórias feitas para a televisão. Igual a primeira versão da Rede Globo em 1977, o Sítio de 2001 também teve histórias criadas somente para a TV, além das criadas por Monteiro Lobato. Mas, no caso da versão 2001, as tramas dos livros de Lobato acabaram mais depressa, pois, na primeira temporada as histórias eram contadas em um rítimo mais rápido, parecido com o de um desenho animado, e cada livro durava uma semana para ser contado (ou duas, como em Os Doze Trabalhos de Hércules). Já na versão dos anos 70, as histórias demoravam mais tempo sendo adaptadas para TV, com alguns textos tirados dos livros e outros criados para a televisão, e duravam normalmente um mês.

A fantasia da "Cuca", teve quatro fases desde 2001 até 2007, na primeira a personagem era bem magra e tinha o cabelo todo penteado, e usava um vestido vermelho com uma capa que lembravam a roupa da madastra da Branca de Neve; na segunda fantasia em 2003, a Cuca ficou mais gorda, com cabelos soltos e mais compridos, e uma nova roupagem amarela e verde. A terceira mudança ocorreu no ano de 2005, deixando-a mais feia e horripilante, e ganhando uma forma mais parecida com a Cuca do Sítio dos anos 70 (com exceção do fato de que a Cuca de 1977 possuia listras coloridas na barriga, e pequenos olhos vermelhos); a terceira Cuca é conciderada a melhor das quatro versões, era feita de um material de borracha, que a deixava mais realista e assustadora. A fantasia de 2005 se tornou mais elaborada do que as anteriores, a Cuca ganhou olhos amarelos com pupilas e veias vermelhas; e um focinho mais comprido, com muitos dentes pontudos; ganhou também um "barrigão" listrado, e pés com unhas afiadas, além de uma longa cabeleira loira. (Nota: A fantasia da Cuca de 2005 era tão parecida com a da versão de 1977, que em 2008, quando foram lançados DVDs do "Sítio dos anos 70", foi usada por engano, uma foto da Cuca de 2005 no menu do DVD junto com as fotos dos atores da antiga versão de 1977.) A quarta e última mudança da Cuca aconteceu em 2007, diferente de todas as adptações televisivas que já haviam sido feitas com a personagem, a Cuca dessa vez não era mais um boneco de jacaré com cabelo loiro, mas sim a atriz Solange Couto com maquiagem no rosto e dentes pontiagudos, usando um macacão verde. No ano de 2008 aconteceu algo um tanto curioso, algumas partes das fantasias da Cuca de 2001 e 2005 foram reaproveitadas na peça teatral "Sítio do Picapau Amarelo - O Musical", dirigida por Roberto Talma, que também havia sido o diretor da primeira temporada do Sítio em 2001. Na peça, a cabeça e o rosto da Cuca de 2005 foram usados junto com o corpo e vestido vermelho da Cuca de 2001, misturando as duas Cucas em uma só.

Sítio internacional

A obra de Monteiro Lobato foi exportada para outros países: Argentina, Itália, e Rússia, entre outros. Na Itália foi lançado em 1944 o livro Nasino mas, na Argentina, foram lançadas todas suas obras

Fontes:
http://pt.wikipedia.org/

Dia Nacional do Livro Infantil


Dia Nacional do Livro Infantil foi escolhido pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, em 2002, em homenagem ao escritor brasileiro José Bento Monteiro Lobato.

Um país se faz com homens e com livros”. Essa frase criada por ele demonstra a valorização que o mesmo dava à leitura e sua forte influência no mundo literário.

Monteiro Lobato foi um dos maiores autores da literatura infanto-juvenil, brasileira. Nascido em Taubaté, interior de São Paulo, em 18 de abril de 1882, iniciou sua carreira escrevendo contos para jornais estudantis. Em 1904 venceu o concurso literário do Centro Acadêmico XI de Agosto, época em que cursava a faculdade de direito.

Como viveu um período de sua vida em fazendas, seus maiores sucessos fizeram referências à vida num sítio, assim criou o Jeca Tatu, um caipira muito preguiçoso.

Depois criou a história “A Menina do Nariz Arrebitado”, que fez grande sucesso. Dando sequência a esses sucessos, montou a maior obra da literatura infanto-juvenil: O Sítio do Picapau Amarelo, que foi transformado em obra televisiva nos anos oitenta, sendo regravado no final dos anos noventa.

Dentre seus principais personagens estão D. Benta, a avó; Emília, a boneca falante; Tia Nastácia, cozinheira e seus famosos bolinhos de chuva, Pedrinho e Narizinho, netos de D. Benta; Visconde de Sabugosa, o boneco feito de sabugo de milho, Tio Barnabé, o caseiro do sítio que contava vários “causos” às crianças; Rabicó, o porquinho cor de rosa; dentre vários outros que foram surgindo através das diferentes histórias. Quem não se lembra do Anjinho da asa quebrada que caiu do céu e viveu grandes aventuras no sítio?

Dentre suas obras, Monteiro Lobato resgatou a imagem do homem da roça, apresentando personagens do folclore brasileiro, como o Saci Pererê, negrinho de uma perna só; a Cuca, uma jacaré muito malvada; e outros. Também enriqueceu suas obras com obras literárias da mitologia grega, bem como personagens do cinema (Walt Disney) e das histórias em quadrinhos.

Na verdade, através de sua inteligência, mostrou para as crianças como é possível aprender através da brincadeira. Com o lançamento do livro “Emília no País da Gramática”, em 1934, mostrou assuntos como adjetivos, substantivos, sílabas, pronomes, verbos e vários outros. Além desse, criou ainda Aritmética da Emília, em 1935, com as mesmas intenções, porém com as brincadeiras se passando num pomar.

Monteiro Lobato morreu em 4 de julho de 1948, aos 66 anos de idade, no ano de 2002 foi criada uma Lei (10.402/02) que registrou o seu nascimento como data oficial da literatura infanto-juvenil.
=============================
=============================
Fonte
– Jussara de Barros para a Revista Brasil Escola

Dia Nacional do Livro Infantil é comemorado na Biblioteca Municipal de Uberaba


A partir de hoje, a Biblioteca Pública Municipal "Bernardo Guimarães" realiza a Semana do Livro Infantil. Uma série de atividades será promovida à comunidade. Hoje, às 19h30, a Associação dos Professores de Arte de Uberaba (Apar) exibirá uma exposição temática com 10 artistas/educadores na Galeria de Arte da Biblioteca.

No dia 18 é comemorado o Dia Nacional do Livro Infantil, data instituída em homenagem ao grande escritor brasileiro Monteiro Lobato. Conforme a chefe da Seção de Referência, Atendimento ao Usuário e Documentação da Biblioteca, Viviane de Almeida Cataldi, a Semana do Livro tem o objetivo de despertar o interesse da comunidade para a leitura, incentivando, principalmente, os jovens. "Este ano, o homenageado será o grande escritor, contista e ensaísta brasileiro Monteiro Lobato, que também era tradutor. "A vida e as obras de Monteiro Lobato estarão retratadas em murais culturais, além de uma exposição de todos os livros do escritor, que fazem parte do acervo da biblioteca", ressalta Viviane.

"Suas personagens mais conhecidas são: Emília, uma boneca de pano com sentimento e ideias independentes; Pedrinho, personagem com que o autor se identifica quando criança; Visconde de Sabugosa, a sábia espiga de milho que tem atitudes de adulto; Cuca, vilã que aterroriza a todos do sítio; Saci Pererê e outras personagens que fazem parte da inesquecível obra ‘O Sítio do Pica-Pau Amarelo’, que até hoje encanta muitas crianças e adultos", recorda Cataldi.

De acordo com a coordenadora dos projetos do setor infanto-juvenil, Luciane Aita, além da semana do livro infantil, as atividades da Biblioteca Municipal são em comemoração de seu centenário. "Participarão das atividades 40 crianças de 6 a 11 anos. As atividades serão das 9h às 12h no Setor Infanto-Juvenil 'Rita Terezinha de Castro Lacerda'. As inscrições estão esgotadas", relata Luciane.

Aita destaca que haverá murais culturais, contendo informações sobre o Dia Nacional do Livro Infantil, vida e obras de Monteiro Lobato, exposição de algumas obras do escritor, hora do conto, bibliotur (conhecendo a biblioteca), oficina de criatividade, sorteio de livros e exposição de releituras de obras de Monteiro Lobato na Galeria de Artes, organizada por Elisa Carvalho.

Fontes:
Artigo de Sandro Neves para o Jornal de Uberaba.

Biblioteca Pública Municipal de Uberada completou 100 anos no dia 8 de abril

artigo de Marta Zednik de Casanova, para o Jornal Uberaba

A Biblioteca Pública Municipal Bernardo Guimarães completou “Um Século de História” em 8/4/2009. No evento comemorativo do mês de abril lançamento do livro “Biblioteca Pública Municipal Bernardo Guimarães – Evolução Histórica: 1909/2009 – Um Século de Cultura”, de autoria da historiadora Marta Zednik de Casanova. É um registro histórico inédito dessa importante “Casa de Leitura”, que ao longo dos cem anos de existência no cumprimento de suas funções sócio-culturais tem proporcionado Educação, Cultura e Lazer para a comunidade uberabense.

Atualmente, a Biblioteca Pública Municipal Bernardo Guimarães é um marco de desenvolvimento para Uberaba, compondo um espaço planejado e moderno, superando muitas bibliotecas públicas da região em idade, em qualidade e quantidade do acervo, em organização e em instalação predial.

A biblioteca é um centro local de informação que procura atender às necessidades de informação da comunidade, além de constituir-se em um espaço democrático, realmente público, um lugar do povo onde se possa conversar, instruir-se, ler livremente, discutir, saciar as curiosidades, recrear-se, criar e transformar-se.

Em 08/04/1909 o Agente Executivo Felipe Aché criou pela Lei Municipal nº 231, na cidade de Uberaba, uma biblioteca que oficialmente foi denominada Biblioteca Pública Municipal Bernardo Guimarães.

Inicialmente, a biblioteca funcionou na parte térrea do edifício do Paço Municipal, localizado na praça Rui Barbosa.

Pela Resolução Municipal de Uberaba nº 117 de 04/01/1912, consta a autorização de despesas com assinaturas de jornais para a biblioteca, revelando que naquela época já havia jornais em seu acervo.

Em 1916, a biblioteca já contava com mais de dois mil livros, quando o agente executivo Silvino Pacheco de Araújo (1916/1920) se desinteressou pela mesma, chegando o acervo a desaparecer quase inteiramente. Ainda em sua gestão, houve a reforma do prédio da prefeitura em 1918. Consequentemente, em 1919 a biblioteca mudou para a rua Vigário Silva e passou a funcionar no casarão de Antônio Augusto Pereira Magalhães, cidadão ilustre de Uberaba, cuja família de artistas propôs-se a zelar pelos livros. Além disso, atendia no casarão às pessoas interessadas em fazer suas pesquisas ou dedicar-se à leitura, geralmente no período noturno. Antônio Augusto foi um grande guardião do acervo literário da biblioteca.

Em 1921, o presidente da Câmara Municipal de Uberaba e agente executivo João Henrique Sampaio Vieira, com o prédio da Câmara já reformado, instalou a biblioteca no porão da mesma, à esquerda, mais como um depósito de livros, pois nada havia que pudesse considerar o local como biblioteca. O seu acervo era estimado em aproximadamente 600 livros.

Os próximos agentes executivos, como Leopoldino de Oliveira, Geraldino Rodrigues da Cunha, Dr. Olavo Rodrigues da Cunha, apenas zelaram do acervo literário da biblioteca e nada havia sido programado e executado em seu benefício e de que Uberaba pudesse se orgulhar.

Com a Revolução de 1930, que derrubou as oligarquias agrárias do poder e conduziu o gaúcho Getúlio Vargas à Presidência da República, houve um abalo das organizações jurídicas e das Leis da Primeira República (1889 a 1930). Foi necessário ter uma nova constituição que atendesse os novos interesses políticos. Com isso, a biblioteca sentiu a instabilidade e infelizmente o seu acervo de 1.500 livros foi desaparecendo misteriosamente.

No Estado Novo (1937 a 1945) acabaram-se as eleições democráticas no Brasil e consequentemente implantou-se a Ditadura Getulista. Os prefeitos de Uberaba eram nomeados em Belo Horizonte. Dessa forma, foi indicado como prefeito de Uberaba Carlos Martins Prates (1943-1946), que em sua administração acolheu a sugestão do médico e escritor uberabense, Dr. Paulo Rosa, que consistia em reorganizar a biblioteca, não por meio de dotações ou verbas do orçamento municipal, mas com a cooperação de particulares que doaram livros e dinheiro para esse fim. Uma nova Casa da Leitura foi reorganizada e instalada na parte superior, anexa ao gabinete do prefeito. O funcionário Francisco de Paula Bueno de Azevedo ficou encarregado da biblioteca e a manteve organizada, ainda que precariamente.

Em 1947, com a reconstitucionalização do Brasil, assumiu o cargo de prefeito de Uberaba Dr. Boulanger Pucci (1947-1951), que instalou a biblioteca na rua Coronel Manoel Borges, esquina com a rua Major Eustáquio, no casarão que pertencia a Pedro Naves. A funcionária nomeada para dirigir a biblioteca foi Iná de Souza. Funcionou nesse local até 1952, na gestão do prefeito Antônio Próspero, sendo a biblioteca despejada pela falta de pagamento do aluguel pela prefeitura. Diante disso, em 1953 o acervo de livros foi novamente depositado no porão da prefeitura, local onde já havia funcionado a primeira sede da biblioteca.

Em 1957, na gestão do prefeito Arthur de Mello Teixeira, foram alugados dois salões ao lado da prefeitura, na praça Rui Barbosa, nº 14, propriedade da família Castro Cunha. Nesse local foi instalada a biblioteca, cujo acesso se fazia através de uma escada externa ao lado da prefeitura.
Em 1960, com a exoneração a pedido da diretora Iná de Souza, houve uma estagnação na biblioteca. Depois de algum tempo, foi nomeada Angelina Morelli para dirigir a biblioteca. Posteriormente, o seu acervo literário foi desaparecendo, provavelmente pela inoperância administrativa em relação à cultura.

O prédio da biblioteca passou por uma reforma em 1985, gestão do prefeito Wagner do Nascimento (1983-1988), para ampliar o seu espaço, na parte térrea, onde foram instalados o setor infanto-juvenil e a Sala da Academia de Letras do Triângulo Mineiro. Na gestão do prefeito Hugo Rodrigues da Cunha (1989 a 1992), houve na biblioteca uma reforma em seu Salão Nobre.

Fonte:
Jornal de Uberaba. Caderno A Cidade.

Monteiro Lobato (Fábulas)



O Gato Vaidoso

Moravam na mesma casa dois gatos iguaizinhos no pêlo mas desiguais na sorte. Um, amimado pela dona, dormia em almofadões. Outro, no borralho. Um passava a leite e comia em colo. O outro, por feliz, se dava com as espinhas de peixe do lixo.

Certa vez, cruzaram-se no telhado e o bichano de luxo arrepiou-se todo, dizendo:

- Passa ao largo, vagabundo! Não vês que és pobre e eu sou rico? Que és gato de cozinha e eu sou gato de salão? Respeita-me, pois, e passa ao largo…

- Alto lá, senhor orgulhoso! Lembra-te de que somos irmãos, criados no mesmo ninho.

- Sou nobre. Sou mais que tu!

- Em quê? Não mias como eu?

- Mio.

- Não tens rabo como eu?

- Tenho.

- Não caças ratos como eu?

- Caço.

- Não comes rato como eu?

- Como.

- Logo, não passas dum simples gato igual a mim. Abaixa, pois a crista desse orgulho e lembra-te que mais nobreza do que eu não tens - o que tens é apenas um bocado mais de sorte…
––––––––––––––––

Os Animais e a Peste

Em certo ano terrível de peste entre os animais, o leão, mais apreensivo, consultou um macaco de barbas brancas.

- Esta peste é um castigo do céu - respondeu o macaco - e o remédio é aplacarmos a cólera divina sacrificando aos deuses um de nós.

- Qual? - perguntou o leão.

- O mais carregado de crimes.

O leão fechou os olhos, concentrou-se e, depois duma pausa, disse aos súditos reunidos em redor:

- Amigos! É fora de dúvida que quem deve sacrificar-se sou eu. Cometi grandes crimes, matei centenas de veados, devorei inúmeras ovelhas e até vários pastores. Ofereço-me, pois, para o acrifício necessário ao bem comum.

A raposa adiantou-se e disse:

- Acho conveniente ouvir a confissão das outras feras. Porque, para mim, nada do que Vossa Majestade alegou constitui crime. São coisas que até que honram o nosso virtuosíssimo rei Leão.

Grandes aplausos abafaram as últimas palavras da bajuladora e o leão foi posto de lado como impróprio para o sacrifício.

Apresentou-se em seguida o tigre e repete-se a cena. Acusa-se de mil crimes, mas a raposa mostra que também ele era um anjo de inocência.

E o mesmo aconteceu com todas as outras feras.

Nisto chega a vez do burro. Adianta-se o pobre animal e diz:

- A consciência só me acusa de haver comido uma folha de couve da horta do senhor vigário.

Os animais entreolharam-se. Era muito sério aquilo. A raposa toma a palavra:

- Eis amigos, o grande criminoso! Tão horrível o que ele nos conta, que é inútil prosseguirmos na investigação. A vítima a sacrificar-se aos deuses não pode ser outra porque não pode haver crime maior do que furtar a sacratíssima couve do senhor vigário.

Toda a bicharada concordou e o triste burro foi unanimamente eleito para o sacrifício.

Moral da Estória:
Aos poderosos, tudo se desculpa…
Aos miseráveis, nada se perdoa.
––––––––––––––––––-

As Duas Panelas

Duas panelas, uma de ferro, orgulhosa, outra de barro, humilde, moravam na mesma cozinha; e como estivessem vazias, a bocejarem de vadiação, disse a graúda:

- Bela tarde para um giro pela horta! A cozinheira não está e até que venha, teremos tempo de dizer adeus à alface e fazer uma visita aos repolhos. Queres ir?

- Com todo o prazer! - respondeu a panela de barro lisonjeadíssima de honrosa companhia.

- Dá-me o braço então, e vamo-nos depressa antes que “ela” venha.

Assim fizeram, e lá se foram as duas desajeitadonas gingando os corpos ventrudos, cheias de amabilidade para com as hortaliças.

- Bom dia, dona Couve! Comendador Repolho, como passas! Coentrinho, adeus!

No melhor da festa, porém, a panela de ferro falseou o pé e esbarrou na amiga.

- Ai que me trincas! exclamou esta.

- Não foi nada, não foi nada…

Uns passos a mais e novo choque.

- Ai que desbeiças, amiga!

- Em casa arruma-se, não é nada…

Minutos depois terceiro esbarrão, esse formidável.

- Ai! Ai! Ai! Ai! Fizeste-me em pedaços, ingrata!

E a mísera panela de barro caiu por terra a gemer, reduzida a cacos.

Fontes:
http://it.geocities.com/universodasfabulasmonteirolobato/frame_jose_bento_monteiro_lobato.html

Imagem = http://www.gifmania.com.pt/

Monteiro Lobato (A Facada Imortal)



Todos os tratados de xadrez descrevem a celebre partido jogada por Philidor no século XVIII, a mais romântica que ao anais enxadrísticos mencionam. Tão sábia foi, tão imprevista e audaciosa, que recebeu o nome de Partida Imortal. Embora depois dela se jogassem pelo mundo milhões de partidas de xadrez, nenhuma ofuscou a obra prima do famoso Philidor André Danican.

Também a “facada” do Indalício Ararigboia, um saudoso amigo morto, se vem perpetuando nos anais da alta malandragem como a La Gioconda do gênero ou como está admitido nas rodas técnicas - a Facada Imortal. Indalício foi positivamente o Philidor dos faquistas.

Lembro-me bem: era um rapaz lindo, de olhos azuis e voz suavíssima; as palavras vinham-lhe como pêssegos embrulhados em paina, e sabiamente camaralentadas, porque, dizia ele, o homem que fala depressa é um perdulário que deita fora o melhor ouro da sua herança. Ninguém dá tento ao que esse homem diz, porque quod abundat nocet. Se não valorizamos nós mesmos as nossas palavras, como pretendermos que os outros as prezem? Meu mestre nesse ponto foi o general Pinheiro Machado, num discurso que lhe ouvi certa vez. Que astuciosa e bem calculada lentidão! Entre uma palavra e outra o Pinheiro punha um intervalo de segundos, como se sua boca estivesse perdigotando pérolas. E a assistência o ouvia com religiosa unção absorvendo como pérolas era emitido. Substantivos, adjetivos, verbos, advérbios e conjunções caiam sobre os ouvintes como seixos lançados à lagoa; e antes que cada um chegasse bem lá no fundo, o general não soltava outro. Cacetíssimo, mas de alta eficiência.

- Foi ele então o teu mestre na arte de falar valorizadamente…

- Não. Nasci sonolento. O Pinheiro apenas me abriu os olhos quanto ao valor monetário do Dom que a natureza me dera. Depois de ouvir esse seu discurso é que passei a dedicar-me à nobre arte de fazer com os homens o que fazia Moisés nas rochas do deserto.

- Fazê-los “sangrar”…

- Exatamente. Vi que se somasse minha natural lentidão do falar com alguma psicologia vienense (Freud, Adler), o dinheiro dos homens me atenderia como as galinhas atendem ao quit, quit das donas de casa. Para cada bolso há uma chave Yale. Minha técnica se resume hoje em só abordar a vítima depois de descobrir a chave certa.

- E como consegue?

- Tenho minha álgebra. Considero os homens equações do terceiro grau - equações psicológicas, está claro. Estudo-os, deduzo, concluo - e esfaqueio com precisão praticamente absoluta. O mordedor comum é um ser indecoroso, digno do desprezo que lhe dá a sociedade. Pedincha, implora; apenas desenvolve, sem a menor preocupação estética, o surrado cantochão do mendigo: “Uma esmolinha pela amor de Deus!” Comigo, não! Assumi essa atitude (porque o pedir é uma atitude na vida), primeiro, por esporte; depois, com o fito de reabilitar uma das mais velhas profissões humanas.

- Realmente, a intenção é nobilíssima…

Indalício racionalizara a “mordedura” ao ponto da sublimação. Citava filósofos gregos. Mobilizava músicos de fama.

- Liszt, Mozart, Debussy, dizia ele, nobilitaram essa coisa comum chamada “som” à força de harmonizá-lo de certo modo. O escultor nobilitará até um paralelepípedo de rua, se lhe der forma estética. Por que não nobilitaria eu o deprimentíssimo ato de pedir? Quando lanço a minha facada, sempre depois de sérios estudos, a vítima não me dá o seu dinheiro, apenas paga a finíssima demonstração técnica com que o tonteio. Paga-me a facada do mesmo modo que o amador de pintura paga o arranjo de tintas que o pintor faz sobre uma estopa, um quadrado de papelão, uma relíssima tábua. O faquista comum, notem, nada dá em troca do miserável dinheirinho que tira. Eu dou emoções gratíssimas à sensibilidade das criaturas finas. Minha vítima tem que ser fina. O simples fato da minha escolha já é um honroso diploma, porque nunca me desonrei em esfaquear criaturas vulgares, de alma grosseira. Só procuro gente na altura de compreender as sutilezas das paisagens de Corot ou dos versos de Verlaine.

Como se requintava a formosura do Indalício nos momentos em que discorria assim! Envolvia-o a aura dos predestinados, dos apóstolos que se sacrificam para aumentar de alguma coisa a beleza do mundo. De sua barba loura, à Cristo, escapavam os suaves reflexos do cendre. As frases fluíam-lhe da boca de fino desenho como o óleo ou o mel escorre duma ânfora grega suavemente inclinada. Suas palavras traziam patins aos pés. Tudo no Indalício eram mancais de esferas. Talvez ajudasse a circunstância de ser surdinho. Isso de não ouvir bem põe veludos em certas pessoas, dá-lhes um macio de violoncelo. Como não se distraem com a vulgaridade dos sons que todos nós normalmente ouvimos, atentam mais em si próprios, “ouvem-se mais”, concentram-se.

Nosso costume naquele tempo era reunir-nos todas as noites no velho “Café Guarany” com y grego - a reforma ortográfica ainda dormia no calcanhar do Medeiros e Albuquerque; ficávamos ali horas trabalhando para a Antártica e comentando as proezas de cada um. Rodinha muito interessante e vária, cada um com a sua mania, a sua arte ou a sua tara. Ligava-nos apenas uma coisa: o pendor comum pelas finuras mentais em qualquer campo que fosse, literatura, perfídia, oposição ao governo, arte de viver, amor. Um deles era absolutamente ladrão - desses que a sociedade trancafia. Mas que ladrão engraçado! Estou hoje convencido de que roubava unicamente com um fim: deslumbrar a rodinha com a primorosa estilização das proezas. Outro era bêbedo profissional - e talvez pela mesma razão: informar à roda sobre o que é a vida do clã de adoradores do álcool que passam a vida nos “botecos”. Outro era o Indalício…

- E antes, Indalício? Que é que fazia?

- Ah, perdia o tempo numa escola do Rio como professor de meninos. Nada mais desinteressante. Fugi, farto e refarto. Odeio qualquer atividade vazia dessa “emoção da caça” que considero a coisa suprema da vida. Fomos caçadores durante milhões e milhões de anos, na nossa longuíssima fase de homens primitivos. A civilização agrícola é coisa de ontem, e por isso ainda espinoteiam com tanta vivacidade, dentro do nosso modernismo, os velhos instintos do caçador. Continuamos os caçadores que éramos, apenas mudados de caça. Como nestas cidades de hoje não existem aquele Ursus speleus que no período das cavernas nós caçávamos (ou nos caçavam), matamos a sede do instinto com as amáveis cacinhas da civilização. Uns caçam meninas bonitas, outros caçam negócios, outros caçam imagens e rimas. O Breno Ferraz caça boatos contra o governo…

- E eu que caço? Perguntei.

- Antíteses, respondeu de pronto o Indalício. Fazes contos, e que é o conto senão um antítese estilizada? Eu caço otários, com a espingarda da psicologia. E como isso me dá para viver folgadamente, não quero outra profissão. Tenho prosperado. Calculo que nestes últimos três anos consegui remover do bolso alheio para o meu cerca de duzentos contos de réis.

Aquela revelação fez que o nosso respeito pelo Indalício aumentasse de dez pontos.

- E sem abusar, continuou ele, sem forçar a nota, porque meu intento nunca foi acumular dinheiro. Em dando para o passadio à larga, está ótimo. O lucro maior que obtenho, entretanto, está na contenteza de alma, na paz da consciência - coisas que nunca tive nos anos em que, como professor de educação moral, eu transmitia às inocentes crianças noções que hoje considero absolutamente falsas. As nevralgias da minha consciência naquela época, quando provava nas aulas, com infames sofismas, que a linha reta é o caminho mais curto entre dois pontos!

Com o perpassar do tempo o Indalício desprezou completamente as facadas simples, ou do “primeiro grau”, como dizia ele, isto é, as que apenas produzem dinheiro. Passou a interessar-se unicamente pelas que representavam “soluções de problemas psicológicos” e lhe davam, além do íntimo prazer da façanha, a mais pura glória ali da rodinha. Uma noite desenvolveu-nos o teorema do máximo…

- Sim cada homem, em matéria de facada, tem o seu máximo; e o faquista que arranca 100 mil réis dum freguês cujo máximo é de um conto, lesa-se a si próprio - e ainda perturba a harmonia universal. Lesa-se em 900 mil réis e interfere na ordem preestabelecida do cosmos. Aqueles 900 mil réis estavam predestinados a mudarem-se de bolso naquele dia, naquela hora, por meio daqueles agentes; a inépcia do mau faquista perturba a predestinação, dess’arte criando uma ondulazinha de desarmonia que até ser reabsorvida contribui para o mal estar do Universo.

Essa filosofia ouvímo-la no dia do seu “grande deslize”, quando o Indalício nos apareceu no Guarany seriamente incomodado com a perturbação que essa sua “mancada” podia estar determinando na harmonia das esferas.

Errei, disse ele. Meu assalto foi contra o Macedo, que, vocês sabem, é a maior vítima dos mordedores de S. Paulo. Mas fui precipitado em minhas conclusões quanto ao seu máximo, e dei-lhe um golpe de dois contos apenas. A prontidão com que atendeu, reveladora de que estava ganhando três, demonstrou-me, da maneira mais evidente, que o máximo do Macedo é de cinco contos! Perdi. Pois, três contos… E o peor não está nisso, mas na desconfiança em que fiquei de mim mesmo. Estarei por acaso decaindo? Nada mais grotesco do que ferir em oitenta ao otário cujo máximo é de cem. O bom atirador não gosta de acertar perto Há de enfiar as balas, exatinho, no centro geométrico do alvo.

Nesse dia foram necessários dez chopes para abafar a inquietação do Indalício; e ao recolher-nos, lá apela meia noite, saí com ele a pretexto de consolá-lo, mas na realidade para impedi-lo de passar pelo Viaduto. Mas afinal descobri a aspirina adequada ao caso.

- Só vejo um meio de te restaurares na confiança perdida, meu caro Indalício: dares uma facada no Raul! Se o consegues, terás realizado a proeza suprema de tua vida. Que tal?

Os olhos de Indalício iluminaram-se, como os do caçador que depois de perder um coatí dá de frente com um precioso veado - e foi assim que teve início a construção d grande obra prima do nosso saudoso Indalício Ararigboia.

O Raul, velho companheiro de roda, tinha-se, e era tido, como absolutamente imune a facadas. Rapaz de modestas posses, vivia duns 400 mil réis mensalmente drenados do governo; mas tratava-se bem, vestia-se com singular apuro, usava lindas gravatas de seda, bons sapatos; para perpetuar semelhante proeza, entretanto, adquirira o hábito de não por fora dinheiro nenhum, e hermeticamente fechara o corpo à facadas, por mínimas que fossem. Recebido o ordenado no começo do mês, pagava as contas, as prestações, retinha os miúdos do bonde e pronto - ficava até o mês seguinte leve como um beija-flor. Em matéria de facadas sua teoria sempre fora de negação absoluta.

- “Morre” quem quer, dizia ele. Eu por exemplo não sangrarei nunca porque de há muito deliberei não sangrar! O mordedor pode atacar-me de qualquer lado, norte, sul, leste, oeste, a jusante ou a montante, e com uso de todas as armas inclusive as do arsenal do Indalício: inútil! Não sangro, pelo simples fato de haver deliberado não sangrar - além de que por sistema não ando com dinheiro no bolso.

Indalício não ignorava a inexpugnabilidade do Raul, mas como se tratasse dum companheiro de roda nunca pensou em tirar o ponto a limpo. Minha sugestão daquele dia, porém, fê-lo mudar de idéia. A inexpugnabilidade do Raul entrou a irritá-lo como intolerável desafio à sua genialidade.

- Sim, disse o Indalício, porque verdadeiramente imune à facadas não creio que haja ninguém no mundo. E se alguém, como o Raul, faz essa idéia de si, é que nunca foi abordado por um verdadeiro mestre - um Balzac como eu. Hei de destruir a inexpugnabilidade do Raul; e se meu golpe vier a falhar, talvez até me suicide com a pistola de Vatel. Viver desonrado aos meus próprios olhos, nunca!

E Indalício pôs-se a estudar o Raul afim de descobrir-lhe o máximo - sim, porque até no caso do Raul aquele gênio insistia em ferir no máximo! Duas semanas depois confessou-me com a habitual suavidade:

- O caso está resolvido. O Raul realmente jamais levou facadas e considera-se em absoluto imune - mas lá no fundo d alma, ou do inconsciente, está inscrito o seu máximo: cinco mil réis! Tenho orgulho em revelar a minha descoberta. Raul considera-se inesfaqueável, e jurou morrer sem a menor cicatriz no bolso; a sua consciência, portanto, não admite máximo nenhum. Mas o máximo do Raul é de cinco! Para chegar a essa conclusão tive de insinuar-me nos desvãos de sua alma com a gazua do Freud.

- Só cinco?

- Sim. Só cinco - o máximo absoluto! Se o Raul se psicanalisasse, descobriria, com assombro, que apesar das suas juras de imunidade a natureza o colocou na casa dos cinco.

- E vai o nosso Balzac sujar-se com uma facada de cinco mil réis! Em que ficou a tua fixação do mínimo em duzentos?

- De fato, hoje não dou facadas de menos de duzentos, e me julgaria desonrado se me abaixasse a uma de cento e oitenta. Mas o caso do Raul, especialíssimo, me força a abir uma exceção. Vou esfaqueá-lo em cinqüenta mil réis…

- Por que cinqüenta?

- Porque ontem, inopinadamente, a minha álgebra psicológica demonstrou que há possibilidade de um segundo máximo no Raul, não de cinco, como está inscrito no seu inconsciente, mas de dez vezes isso, como consegui ler na aura desse inconsciente!…

- No inconsciente do inconsciente!…

- Sim, na verdadeira estratosfera do inconsciente raulino. Mas só serei bem sucedido se não errar na escolha do momento mais favorável, e se conseguir deixá-lo em ponto de bala por meio da aplicação de diversas cocaínas psicológicas. Só quando Raul se sentir levitado, expandido, como a alma bem rarefeita, é que sangrará no máximo astral que eu descobri!…

Mais um mês gastou o Indalício em estudos do Raul. Certificou-se do dia em que lhe pagavam no Tesouro, do quanto lhe levavam as contas e prestações, e quanto costumava sobrar-lhe depois de satisfeitos todos os compromissos. E não há por aqui toda a série de preparos psicológicos, físicos, metapsíquicos, mecânicos e até gastronômicos a que o gênio do Indalício submeteu o Raul; encheria páginas e páginas. Resumirei dizendo que o ataque em vôo pique só seria realizado depois do completo “condicionamento” da vítima por meio da sábia aplicação de todos os “matadores” . O nosso pobre Indalício faleceu sem saber que estava lançando os fundamentos do moderno totalitarismo…

No dia 4 do mês seguinte avisou-se da iminência do golpe.

- Vai ser amanhã, às oito da noite, no Bar Baron, quando o Raul cair na leve crise sentimental que lhe provocam certas passagens do Petit Chose de Daudet, recordadas entre a Segunda e a terceira dose do meu vinho…

- Que vinho?

- Aha, um que descobri em estudos in anima nobile - nele mesmo: a única vinhaça que de mistura com o Daudet do Petit Chose deixa o Raul, durante meio minuto, sangrável no máximo astral! Vocês vão abrir a boca. Estou positivamente criando a minha obra prima! Aparece amanhã no Guarany às nove horas para ouvires o resto…

No dia seguinte fui ao Guarany às oito e já lá encontrei a roda. Pu-los ao par dos desenvolvimento da véspera e ficamos a comentar os prós e contras do que àquela hora estaria se passando no Bar Baron. Quase todos jogavam no Raul.

Às nove entrou o Indalício, suavemente. Sentou-se.

- Então? Perguntei.

Sua resposta foi tirar do bolso e sacudir no ar uma nota nova de cinqüenta mil réis.

- Fiz um trabalho preparatório perfeito demais para que me falhasse o golpe, disse ele. No momento decisivo bastou-me um quit, quit dos mais simples. Os cinqüenta fluíram do bolso do Raul para o meu - contentes, felizes, alegrinhos…

O assombro da roda chegou ao auge. Era realmente escachante aquele prodígio!

- Maravilhoso, Indalício! Mas põe isso em troca miúdo, pedimos. E ele contou:

- Nada mais simples. Depois do preparo do terreno, a técnica foi, entre a Segunda e a terceira dose da vinhaça e o Daudet, ferir fundo nos cinqüenta - e o que eu esperava ocorreu. Ultra-surpreso de haver no globo quem o avaliasse em cinqüenta mil réis, a ele, que na intimidade trevosa do subconsciente só admitia o miserável máximo de cinco, Raul deslumbrou-se… Raul perdeu o controle de si próprio … sentiu-se levitado, rarefeito por dentro, estratosférico - e com os olhos emparvecidos meteu a mão no bolso, sacou tudo quanto havia lá, exatamente esta nota, e entregou-ma, sonambúlico, num incoercível impulso de gratidão! Instantes depois voltava a si. Corou como a romã, formalizou-se e só não me agrediu porque a minha sábia fuga estratégica não lhe deu tempo…

Maravilhamo-nos sinceramente. Aquela Yale psicológica er talvez a única, dos milhões de chaves existentes no universo, capaz de abrir a carteira do Raul para um faquista; e o tê-la descoberto e manejado com tanta segurança era coisa que indiscutivelmente vinha fechar com chave de ouro a gloriosa carreira do Indalício - como de fato fechou: meses depois a gripe espanhola de 1918 nos levava esse precioso e amável amigo.

- Parabéns, Indalício! Exclamei. Só a má fé te negará o Dom da genialidade. A Partida Imortal do grande Philidor já não está sem pendant no mundo. Criaste a Facada Imortal>

Como ninguém da roda jogasse xadrez, todos me olharam perguntivamente. Mas não houve tempo para explicações. Vinha entrando o Raul. Sentou-se, calado, contido. Pediu uma caninha (sinal de rarefação no bolso). Ninguém disse nada.. Esperamos que ele se abrisse. Indalício estava profundamente absorvido nos “Pingos e Respingos” dum “Correio da Manhã” sacado do bolso.

Súbito, veio-me uma infinita vontade de rir, e foi rindo qu rompi o silêncio:

- Então, seu Raul, caiu, heim?…

Realmente desapontado, o querido Raul não achou a palavra chistosa, o “espírito” com que em qualquer outra circunstância comentaria um seu desaso qualquer. Limitou-se a sorrir amareladamente e a emitir um “Pois é!…” - o mais desenxabido “Pois é” ainda pronunciado no mundo. Tão desenxabido, que o Indalício engasgou-se de rir… com o “Pingo” que lia.

Fontes:
http://contosdocovil.wordpress.com/
Imagem = http://ta-ligadao.blogspot.com/

Monteiro Lobato (O Comprador de Fazendas)


Pior fazenda que a “Espiga”, nenhuma. Já arruinara três donos, o que fazia dizer aos praguentos: Espiga é o que aquilo é!

O detentor último, um David Moreira de Souza, arrematara-a em praça, convicto de negócio da China. Mas já lá andava, também ele, escalavrado de dívidas, coçando a cabeça, num desânimo.

Os cafezais em vara, batidos de pedra ou esturrados de geada ano sim ano não, nunca deram de si colheita de entupir tulha. Os pastos ensapezados, enguanxumados, ensamambaiados nos topes, eram acampamentos de cupins com entremeios de macegas mortiças, formigantes de carrapatos. Boi entrado ali punha-se logo de costelas à mostra, encaroçado de bernes, triste e dolorido de meter dó.

As capoeiras substitutas das matas nativas revelavam, pela indiscrição das tabocas, a mais safada das terras secas. Em tal solo a mandioca bracejava a medo varetinhas nodosas; a cana caiana assumia aspecto de caninha, e esta virava uma taquariça magrela, das que passam incólumes por entre os cilindros moedores.

Piolhavam os cavalos. Os porcos escapos à peste encruavam na magrém faraônica das vacas egípcias.
Por todos os cantos imperava soberano o ferrão das saúvas, dia e noite entregues à tosa dos capins, para que em outubro se toldasse o céu de nuvens de içás, em saracoteios amorosos com enamorados savitus.
Caminhos por fazer, cercas no chão, casas de agregados engoteiradas, combalidas de cumieira, prenunciando feias taperas. Até na moradia senhorial insinuava-se a breca, aluindo panos de reboco, carcomendo assoalhos. Vidraças sem vidro, mobília capengante, paredes lagarteadas… Intacto, que é que havia lá?

Dentro dessa esborcinada moldura, o fazendeiro, avelhuscado por força de sucessivas decepções e, a mais, roído pelo cancro dos juros, sem esperança e sem concerto, coçava cem vezes ao dia a coroa da cabeça grisalha.

Sua mulher, a pobre dona Isaura, perdido o viço do outono, agrumava no rosto quanta sarda e pé-de-galinha inventam os anos, de mãos dadas à trabalhosa vida.

Zico, o filho mais velho, saíra-se um pulha, amigo de erguer-se às dez, ensebar a gaforinha até às onze e consumir o resto do dia em namoricos mal-azarados.

Afora este malandro, tinham a Zilda, então nos dezessete, menina galante, porém sentimental mais do que manda a razão e pede o sossego dos pais. Era um ler Escrich, a rapariga, e um cismar amores de Espanha…
Em tal situação só havia uma aberta: vender a fazenda maldita para respirar a salvo de credores. Coisa difícil, entretanto, em quadra de café a cinco mil réis, pôr unhas num tolo das dimensões requeridas. Iludidos por núncios manhosos, alguns pretendentes já haviam abicado à Espiga, mas franziam o nariz, indo-se arrenegar da pernada, sem abrir oferta.

— De graça é caro! — cochichavam de si para consigo.

O redemoinho capilar do Moreira, ao cabo de coçadelas, sugeriu-lhe um engenhoso plano mistificatório: entreverar de caetés, cambarás, unhas-de-vaca e outros padrões de terra boa, transplantados das vizinhanças, a fímbria das capoeiras e uma ou outra entrada acessível aos visitantes. Fê-lo, o maluco, e mais: meteu em certa grota um pau d’alho trazido da terra roxa, e adubou os cafeeiros margeantes ao caminho, no suficiente para encobrir a mazela do resto. Onde um raio de sol denunciava com mais viveza um vício da terra, ali o alucinado velho botava a peneirinha…

Um dia recebeu carta de seu agente de negócios, anunciando novo pretendente: “Você tempere o homem — aconselhava o pirata — e saiba manobrar os padrões, que este cai. Chama-se Pedro Trancoso, é muito rico, muito moço, muito prosa, e quer fazenda de recreio. Depende tudo de você espigá-lo com arte de barganhista ladino”.

Preparou-se o Moreira para a empresa. Advertiu primeiro aos agregados para que estivessem a postos, afiadíssimos de língua. Industriados pelo patrão, estes homens respondiam com manha consumada às perguntas dos visitantes, de jeito a transmutar em maravilhas as ruindades locais. Como lhes é suspeita a informação dos proprietários, costumam os pretendentes interrogar à socapa os encontradiços. Ali, se isso acontecia — e acontecia sempre, porque era o Moreira em pessoa o maquinista do acaso — havia diálogos desta ordem:

— Tem geada por aqui?

— Coisinha, e isso mesmo só em ano brabo.

— O feijão dá bem?

— Nossa Senhora! Inda este ano plantei cinco quartas e malhei cinqüenta alqueires. E que feijão!

— Berneia o gado?

— Qual o quê! Lá um ou outro carocinho, de vez em quando. Para criar, não existe terra melhor. Nem erva nem feijão bravo. O patrão é porque não tem força. Tivesse ele os meios, e isto virava um fazendão. Avisados os espoletas, debateram-se à noite os preparativos da hospedagem, alegres todos com o reviçar das esperanças emurchecidas.

— Estou com palpite que desta feita a coisa vai! — disse o filho maroto. E declarou necessitar, à sua parte, de três contos de réis para estabelecer-se.

— Estabelecer-se em quê? — perguntou admirado o pai.

— Com armazém de secos e molhados na Volta Redonda.

— Na Volta Redonda?.. Já me estava espantando de uma idéia boa nessa cabeça de vento. Para vender fiado à gente da Tudinha, não é?

O rapaz, se não corou, calou-se. Tinha razões para isso. Já a mulher queria casa na cidade. De há muito trazia d’olho uma de porta e janela, em certa rua humilde, casa baratinha, de arranjados. Zilda queria um piano, mais caixões e caixões de Escrich.

Dormiram felizes essa noite, e no dia seguinte mandaram cedo à vila em busca de gulodices de hospedagem — manteiga, um queijo, biscoitos. Na manteiga houve debate:

— Não vale a pena — reguingou a mulher. — Sempre são seis mil réis. Antes se comprasse com esse dinheiro a peça de algodãozinho que tanta falta me faz.

— É preciso, filha! Às vezes uma coisa de nada engambela um homem e facilita um negócio. Manteiga é graxa, e a graxa engraxa!

Venceu a manteiga.

Enquanto não vinham os ingredientes, meteu dona Isaura unhas à casa, varrendo, espanando e arrumando o quarto dos hóspedes; matou o menos magro dos frangos e uma leitoa manquitola; temperou a massa do pastel de palmito; estava a folheá-la quando:

— Lá vem ele! — gritou Moreira da janela, onde se postara desde cedo, muito nervoso, a devassar a estrada por um velho binóculo; e sem deixar o posto de observação, foi transmitindo à ocupadíssima esposa os pormenores divisados. — É moço… Bem trajado… Chapéu panamá… Parece o Chico Canhambora…

Chegou afinal o homem. Apeou-se. Deu cartão: Pedro Trancoso de Carvalhais Fagundes. Bem apessoado. Ares de muito dinheiro. Mocetão e bem falante, mais que quantos até ali aparecidos. Contou logo mil coisas, com o desembaraço de quem no mundo está de pijama em sua casa — a viagem, os incidentes, um mico que vira pendurado num galho de embaúva.

Entrados que foram para a saleta de espera, Zico, incontinenti, grudou-se de ouvido ao buraco da fechadura, a cochichar para as mulheres ocupadas na arrumação da mesa o que ia pilhando à conversa. Súbito, esganiçou para a irmã, numa careta sugestiva:

— É solteiro, Zilda!

A menina largou disfarçadamente os talheres e sumiu-se. Meia hora depois voltava, trazendo o melhor vestido, e no rosto duas redondinhas rosas de carmim. Quem entrasse a essa hora no oratório da fazenda notaria, nas vermelhas rosas de papel de seda que enfeitavam o Santo Antonio, a ausência de várias pétalas, e aos pés da imagem uma velinha acesa, pois na roça o “rouge” e o casamento saem do mesmo oratório.

Trancoso dissertava sobre variados temas agrícolas:

— O canastrão? Pff! Raça tardia, meu caro senhor, muito agreste. Eu sou pelo Poland Chine. Também não é mau o Large Black. Mas o Poland! Que preciosidade! Que raça!

Moreira, chucro na matéria, só conhecedor das pelhanças famintas, sem nome nem raça, que lhe grunhiam nos pastos, abria insensivelmente a boca pasmada.

— Como em matéria de pecuária bovina — continuava Trancoso — tenho para mim que, de Barreto a Prado, andam todos erradíssimos. Pois não! E-rra-dí-ssi-mos! Nem seleção, nem cruzamento. Quero a adoção i-me-di-a-ta das mais finas raças, o Polled Angus, o Red Lincoln. Não temos pasto? Façamo-lo. Plantemos alfafa. Fenemos. Ensilemos. O Assis Brasil confessou-me uma vez…

O Assis Brasil! Aquele homem confessava os mais altos paredros da agricultura! Era íntimo de todos eles — o Antonio Prado, o Luís Pereira Barreto, o Eduardo Cotrim, homens de muita autoridade em assuntos de pecuária. E de ministros!

— Eu já aleguei isso ao José Bezerra…

Nunca se honrara a fazenda com a presença de cavalheiro mais distinto, assim bem relacionado e tão viajado. Falava da Argentina e de Chicago como quem veio ontem de lá. Maravilhoso!

A boca do Moreira abria, abria, e acusava o grau máximo da abertura permitida a ângulos maxilares, quando uma voz feminina anunciou o almoço.

Apresentações.

Mereceu Zilda louvores nunca sonhados, que a puseram de coração aos pinotes. Também os tiveram a galinha ensopada, o tutu com torresmos, o pastel e até a água do pote.

— Na cidade, senhor Moreira, uma água assim, pura, cristalina, absolutamente potável, vale o melhor dos vinhos. Felizes os que podem bebê-la!

A família entreolhou-se; nunca imaginaram possuir em casa semelhante preciosidade, e cada um insensivelmente sorveu o seu golezinho, como se naquele instante travassem conhecimento com o precioso néctar. Zico chegou a estalar a língua…

Quem não cabia em si de gozo era dona Isaura. Os elogios à culinária puseram-na rendida. Por metade daquilo já se daria por bem paga da trabalheira.

— Aprenda, Zico — cochichava ao filho — o que é educação fina!

Após o café brindado com um “delicioso!”, convidou Moreira o hóspede para um giro a cavalo.

— Impossível, meu caro, não monto em seguida às refeições; dá-me cefalalgia — Zilda corou. Zilda corava sempre que não entendia uma palavra. — À tarde sairemos, não tenho pressa. Prefiro agora um passeiozinho pedestre pelo pomar, a bem do quilo.

Enquanto os dois homens se dirigiram para lá em pausados passos, Zilda e Zico correram ao dicionário.

— Não é com S — disse o rapaz.

— Veja com C — alvitrou a menina.

Com algum trabalho encontraram a palavra.

— “Dor de cabeça!” Ora! Uma coisa tão simples…

À tarde, no giro a cavalo, Trancoso admirou e louvou tudo quanto ia vendo, com grande espanto do fazendeiro que, pela primeira vez, ouvia gabos às coisas suas. Os pretendentes em geral malsinam de tudo, com olhos abertos só para defeitos; diante de uma barroca, abrem-se em exclamações quanto ao perigo das terras frouxas; acham más e poucas as águas; se enxergam um boi, não despegam a vista dos bernes.
Trancoso, não: gabava! E quando Moreira, nos trechos mistificados, com dedo trêmulo assinalou os padrões, o moço abriu a boca:

— Caquera? Mas isto é fantástico!

Em face do pau d’alho, culminou-lhe o assombro.

— É maravilhoso o que vejo! Nunca supus encontrar nesta zona vestígios de semelhante árvore! — disse, metendo na carteira uma folha como lembrança.

Em casa, abriu-se com a velha:

— Pois, minha senhora, a qualidade destas terras excedeu de muito à minha expectativa. Até pau d’alho! Isto é positivamente famoso!…

Dona Isaura baixou os olhos.

A cena passava-se na varanda. Era noite. Noite trilada de grilos, coaxada de sapos, com muitas estrelas no céu e muita paz na terra. Refestelado numa cadeira preguiçosa, o hóspede transfez o sopor da digestão em quebreira poética.

— Este cricri de grilos, como é encantador! Eu adoro as noites estreladas, o bucólico viver campesino, tão sadio e feliz…

— Mas é muito triste!… — aventurou Zilda.

— Acha? Gosta mais do canto estridente da cigarra, modulando cavatinas em plena luz? — disse ele, amelaçando a voz. — É que no seu coraçãozinho há qualquer nuvem a sombreá-lo…
Vendo Moreira assim atiçado o sentimentalismo, e desta feita passível de conseqüências matrimoniais, houve por bem dar uma pancada na testa e berrar:

— Oh, diabo! Não é que eu ia me esquecendo do… — Não disse do quê, nem era preciso. Saiu precipitadamente, deixando-os sós.

Continuou o diálogo, mais mel e rosas.

— O senhor é um poeta! — exclamou Zilda a um regorjeio dos mais sucados.

— Quem o não é, debaixo das estrelas do céu, ao lado de uma estrela da terra?

— Pobre de mim! — suspirou a menina, palpitante.

Também do peito de Trancoso subiu um suspiro. Seus olhos alçaram-se a uma nuvem que fazia no céu as vezes da Via Láctea, e sua boca murmurou em solilóquio um rabo d’arraia, desses que derrubam meninas:

— O amor!… A Via Láctea da vida!… O aroma das rosas, a gaze da aurora! Amar, ouvir estrelas… Amai, pois só quem ama entende o que elas dizem.

Era zurrapa de contrabando; não obstante, ao paladar inexperto da menina, soube a fino moscatel. Zilda sentiu subir à cabeça um vapor. Quis retribuir. Deu busca aos ramalhetes retóricos da memória, em procura da flor mais bela. Só achou um bogari humílimo:

— Lindo pensamento para um cartão postal!

Ficaram no bogari. O café com bolinhos de frigideira veio interromper o idílio nascente.

Que noite aquela! Dir-se-ia que o anjo da bonança distendera suas asas de ouro por sobre a casa triste. Via Zilda realizar-se todo o Escrich deglutido. Dona Isaura gozava da possibilidade de casá-la rica. Moreira sonhava quitações de dívidas, com sobras fartas a tilintar-lhe no bolso. Imaginariamente transfeito em comerciante, Zico ficou a noite inteira em sonhos com a gente da Tudinha, que, cativa de tanta gentileza, lhe concedia afinal a ambicionada mão da pequena.

Só Trancoso dormiu o sono das pedras, sem sonhos nem pesadelos. Que bom é ser rico!

No dia imediato visitou o resto da fazenda, cafezais e pastos, examinou criação e benfeitorias. E como o gentil mancebo continuasse no enlevo, Moreira, deliberado na véspera a pedir quarenta contos pela Espiga, julgou de bom aviso elevar o preço. Após a cena do pau d’alho, suspendeu-o mentalmente para quarenta e cinco; findo o exame do gado, já estava em sessenta. E quando foi abordada a magna questão, o velho declarou corajosamente, na voz firme de um alea jacta est:

— Sessenta e cinco — e esperou de pé atrás a ventania.

Trancoso, porém, achou razoável o preço.

— Pois não é caro — disse. Está um preço bem mais razoável do que imaginei.

O velho mordeu os lábios e tentou emendar a mão:

— Sessenta e cinco, mas… o gado fora!

— É justo — respondeu Trancoso.

— E… e fora também os porcos!…

— Perfeitamente.

— …e a mobília!

— É natural.

O fazendeiro engasgou. Não tinha mais o que excluir, e confessou-se de si para consigo que era uma cavalgadura. Por que não pedira logo oitenta?
Informada do caso, a mulher chamou-o de “pax-vobis”.

— Mas, criatura, por quarenta já era um negocião! — justificou-se o velho.

— Por oitenta seria o dobro. Melhor. Não se defenda. Eu nunca vi Moreira que não fosse palerma e sarambé. É do sangue. Você não tem culpa.

Amuaram um bocado. Mas a ânsia de arquitetar castelos com a imprevista dinheirama varreu para longe a nuvem. Zico aproveitou a aura para insistir nos três contos do estabelecimento, e obteve-os. Dona Isaura desistiu da tal casinha. Lembrava agora outra maior, em rua de procissão — a casa do Eusébio Leite.

— Mas essa é de doze contos — advertiu o marido.

— Mas é outra coisa que não aquele casebre! Muito mais bem repartida. Só não gosto da alcova pegada à copa. Escura…

— Abre-se uma clarabóia.

— Também o quintal precisa de reforma em vez do cercado das galinhas…
Até noite alta, enquanto não vinha o sono, foram remendando a casa, pintando-a, transformando-a na mais deliciosa vivenda da cidade. Estava o casal nos últimos retoques, dorme-não-dorme, quando Zico bateu à porta.

— Três contos não bastam, papai. São precisos cinco. Há a armação, de que não me lembrei, e os direitos, e o aluguel da casa, e mais coisinhas…

Entre dois bocejos o pai concedeu-lhe generosamente seis.

E Zilda? Essa vogava em alto mar de um romance de fadas. Deixemo-la vogar.

Chegou enfim o momento da partida. Trancoso despediu-se. Sentia muito não poder prolongar a deliciosa visita, mas interesses de monta o chamavam. A vida do capitalista não é tão livre como parece… Quanto ao negócio, considerava-o quase feito; daria a palavra definitiva dentro de semana.

Partiu Trancoso, levando um pacote de ovos. Gostara muito da raça de galinhas criadas ali. Também um saco de carás, petisco de que era mui guloso. Levou ainda uma bonita lembrança, o Rosilho do Moreira, o melhor cavalo da fazenda. Tanto gabara o animal durante os passeios, que o fazendeiro se viu na obrigação de recusar uma barganha proposta, e dar-lho de presente.

— Vejam vocês! — disse Moreira, resumindo a opinião geral. — Moço, riquíssimo, direitão, instruído como um doutor, e no entanto amável, gentil, incapaz de torcer o focinho, como os pulhas que cá têm vindo. O que é ser gente!

À velha agradara sobretudo a sem-cerimônia do jovem capitalista. Levar ovos e carás! Que mimo! Todos concordaram, louvando-o cada um a seu modo. E assim, mesmo ausente, o gentil ricaço encheu a casa durante a semana inteira.

Mas a semana transcorreu sem que viesse a ambicionada resposta. E mais outra. E mais outra ainda.
Escreveu-lhe Moreira, já apreensivo, e nada. Lembrou-se de um parente morador na mesma cidade, e endereçou-lhe carta pedindo que obtivesse do capitalista a solução definitiva. Quanto ao preço, abatia alguma coisa. Dava a fazenda por cinqüenta, e até por quarenta, com criação e mobília.

O amigo respondeu sem demora. Ao rasgar o envelope, os quatro corações da Espiga pulsaram violentamente: aquele papel encerrava o destino dos quatro.

Dizia a carta: “Moreira, ou muito me engano ou estás iludido. Não há por aqui nenhum Trancoso Carvalhais, capitalista. Há o Trancosinho, filho da Nha Veva, vulgo Sacatrapo. É um espertalhão que vive de barganhas e sabe iludir aos que o não conhecem. Ultimamente tem corrido o Estado de Minas, de fazenda em fazenda, sob vários pretextos. Finge-se às vezes de comprador, passa uma semana em casa do fazendeiro, a caceteá-lo com passeios pelas roças e exames de divisas; come e bebe do bom, namora as criadas, ou a filha, ou o que encontra — é um vassoura de marca! — e no melhor da festa some-se. Tem feito isto um cento de vezes, mudando sempre de zona. Gosta de variar de tempero, o patife. Como aqui Trancoso só há este, deixo de apresentar ao pulha a tua proposta. Ora, o Sacatrapo a comprar fazenda! Tinha graça”.

O velho caiu numa cadeira, aparvalhado, com a missiva sobre os joelhos. Depois o sangue lhe avermelhou as faces e seus olhos chisparam.

— Cachorro!

As quatro esperanças da casa ruíram com fragor, entre lágrimas da menina, raiva da velha e cólera dos homens. Zico propôs-se a partir incontinenti na pegada do biltre, a fim de quebrar-lhe a cara.

— Deixa, menino! O mundo dá voltas. Um dia cruzo-me com o ladrão e ajusto contas.

Pobres castelos! Nada há mais triste que estes repentinos desmoronamentos de ilusões. Os formosos palácios d’Espanha, erigidos durante um mês à custa da mirífica dinheirama, fizeram-se taperas sombrias. Dona Isaura chorou até os bolinhos, a manteiga e os frangos.

Quanto a Zilda, o desastre operou como um pé-de-vento através da paineira florida. Caiu de cama, febricitante. Encovaram-se-lhe as faces. Todas as passagens trágicas dos romances lidos desfilaram-lhe na memória; reviu-se na vítima de todos eles. E dias a fio pensou no suicídio. Por fim, habituou-se a essa idéia e continuou a viver. Teve azo de verificar que isso de morrer de amores, só em Escrich.

Acaba-se aqui a história. Para a platéia, apenas. Para as torrinhas, segue ainda por meio palmo. As platéias costumam impor umas tantas finuras de bom gosto e tom, muito de rir; entram no teatro depois de começada a peça, e saem mal a ameaça o epílogo.

Já as galerias querem a coisa pelo comprido, a jeito de aproveitar o rico dinheirinho até ao derradeiro vintém. Nos romances e contos, pedem esmiuçamento completo do enredo; e se o autor, levado por fórmulas de escola, lhes arruma para cima, no melhor da festa, com a caudinha reticenciada a que chama “nota impressionista”, franzem o nariz. Querem saber — e fazem muito bem — se Fulano morreu, se a menina casou e foi feliz, se o homem afinal vendeu a fazenda, a quem e por quanto.
Sã, humana e respeitabilíssima curiosidade!

Vendeu a fazenda o pobre Moreira? Pesa-me confessá-lo: não! E não a vendeu por artes do mais inconcebível qüiproquó de quantos tem armado neste mundo o diabo. Sim, porque afora o diabo, quem é capaz de intrincar os fios da meada, com laços e nós cegos, justamente quando vai a feliz remate o crochê?
O acaso deu a Trancoso uma sorte de cinqüenta contos na loteria. Não se riam. Por que motivo não havia Trancoso de ser o escolhido, se a sorte é cega e ele tinha no bolso um bilhete? Ganhou os cinqüenta contos, dinheiro que para um pé-atrás daquela marca era significativo de grande riqueza.

De posse da maquia, após semanas de tonteira, deliberou afazendar-se. Queria tapar a boca ao mundo realizando uma coisa jamais passada pela sua cabeça: comprar fazenda. Correu em revista quantas visitara durante os anos de malandragem, propendendo, afinal, para a Espiga. Ia nisso, sobretudo, a lembrança da menina, dos bolinhos da velha e a idéia de meter na administração o sogro, de jeito a folgar-se uma vida vadia de regalos, embalada pelo amor da Zilda e os requintes culinários da sogra. Escreveu, pois, ao Moreira anunciando-lhe a volta, a fim de fechar-se o negócio.

Ai, ai, ai! Quando tal carta penetrou na Espiga, houve rugidos de cólera, entremeio a bufos de vingança.

— É agora! — berrou o velho. — O ladrão gostou da pândega, e quer repetir a dose. Mas desta feita curo-lhe a balda, ora se curo! — concluiu, esfregando as mãos no antegosto da vingança.

No murcho coração da pálida Zilda, entretanto, bateu um raio de esperança. A noite de su’alma alvorejou ao luar de um “quem sabe?”. Não se atreveu, todavia, a arrostar a cólera do pai e do irmão, concertados ambos num tremendo ajuste de contas. Confiou no milagre. Acendeu outra velinha a Santo Antonio…
O grande dia chegou. Trancoso rompeu à tarde pela fazenda, caracolando o Rosilho. Desceu Moreira a esperá-lo embaixo da escada, de mãos às costas.

Antes de sofrear as rédeas, já o amável patife abria-se em exclamações:

— Ora viva, caro Moreira! Chegou enfim o grande dia. Desta vez, compro-lhe a fazenda.

Moreira tremia. Esperou que o biltre apeasse, e mal Trancoso, lançando as rédeas, dirigiu-se-lhe de braços abertos, todo risos, o velho saca de sob o paletó um rabo de tatu e rompe-lhe para cima ímpeto de queixada.

— Queres fazenda, grandessíssimo tranca? Toma, toma fazenda, ladrão! — E lépt, lépt, finca-lhe rijas rabadas coléricas.

O pobre rapaz, tonteado pelo imprevisto da agressão, corre ao cavalo e monta às cegas, de passo que Zico lhe sacode no lombo nova série de lambadas de agravadíssimo ex-quase-cunhado.

Dona Isaura atiça-lhe cães:

— Pega, Brinquinho! Ferra, Joli!

O mal-azarado comprador de fazendas, acuado como raposa em terreiro, dá de esporas e foge a toda, sob uma chuva de insultos e pedras. Ao cruzar a porteira, inda teve ouvidos para distinguir na grita os desaforos esganiçados da velha:

— Comedor de bolinhos! Papa-manteiga! Toma! Em outra não hás de cair, ladrão de ovo e cará!

E Zilda?

Atrás da vidraça, com os olhos pisados do muito chorar, a triste menina viu desaparecer para sempre, envolto em nuvens de pó, o cavaleiro gentil dos seus dourados sonhos.
Moreira, o caipora, perdia assim naquele dia o único negócio bom que durante a vida inteira lhe deparara a fortuna: o duplo descarte — da filha e da Espiga…

Fontes:
- O. Pimentel (org.). Antologia de contos. RJ: Livraria Cultural, 1961.
- Imagem = http://www.classificadosvitoria.com.br

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Concurso Clube Da Simpatia 2009 - Portugal


Tema: NINHO

1º Prêmio
Não falte à criança um ninho,
não falte ao velhinho um lar;
e a ninguém falte carinho,
nem a alegria de amar!
António Augusto de Assis - Brasil

2º Prêmio
Há no futuro um caminho
por onde passa a esperança...
No passado existe um ninho
onde a saudade descansa!
Sebas Sundfeld – Brasil

3º Prêmio
O meu lar é o meu ninho,
bem recheado de afecto:
- O amor do meu filhinho
e a ternura do meu neto!
Maria de Lourdes Graça Cabrita – Portugal

MENÇÕES HONROSAS

No coração fiz um ninho
com fios de amor e bem,
pus-lhe dentro, com carinho,
as crianças de ninguém.
Glória Marreiros – Portugal

Em persistente trabalho,
um valente passarinho,
vence o medo do espantalho
e, nele, faz o seu ninho!...
Hermoclydes Siqueira Franco – Brasil

Quisera ser passarinho,
p’ra viver em liberdade
e poder voltar ao ninho,
quando sentisse… saudade!
Maria Madalena Ferreira – Brasil

Eu prezo tanto o meu lar
por ser aconchegadinho,
que chego mesmo a pensar
que é o céu, este meu ninho!
Fernando Máximo – Portugal
---------

Fonte:
Colaboração de A. A. de Assis

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Sarau na Escola Municipal Prof. Ary de Oliveira Seabra (Sorocaba)



A Escola Municipal Professor Ary de Oliveira Seabra estará inaugurando no dia 17/04 a sua Biblioteca denominada Monteiro Lobato, haverá comemoração nos períodos da manhã, tarde e noite.

O grupo Coesão Poética (Sorocaba) realizará sarau comemorativo ao evento a partir das 19h.

Local: Rua 6, s/n
Jardim Eliana - Bairro Novo Cajurú - Sorocaba/SP

Contatos: email: aryseabra@yahoo.com.br
Telefone: (15) 9103-7803 (Viana)

Fonte:
Douglas Lara

Carlos Drummond de Andrade (Poesias Além da Terra, Além do Céu)


O TEMPO PASSA? NÃO PASSA

O tempo passa? Não passa
no abismo do coração.
Lá dentro, perdura a graça
do amor, florindo em canção.

O tempo nos aproxima
cada vez mais, nos reduz
a um só verso e uma rima
de mãos e olhos, na luz.

Não há tempo consumido
nem tempo a economizar.
O tempo é todo vestido
de amor e tempo de amar.

O meu tempo e o teu, amada,
transcendem qualquer medida.
Além do amor, não há nada,
amar é o sumo da vida.

São mitos de calendário
tanto o ontem como o agora,
e o teu aniversário
é um nascer a toda hora.

E nosso amor, que brotou
do tempo, não tem idade,
pois só quem ama escutou
o apelo da eternidade.
––––––––––––––––––––––––

A BRUXA

Nesta cidade do Rio
De dois milhões de habitantes
Estou sozinho no quarto
Estou sozinho na América.

Estarei mesmo sozinho?
Ainda há pouco um ruído
Anunciou vida a meu lado.
Certo não é vida humana,
Mas é vida. E sinto a Bruxa
Presa na zona de luz.

De dois milhões de habitantes!
E nem precisava tanto...
Precisava de um amigo,
Desses calados, distantes,
Que lêem verso de Horácio
Mas secretamente influem
Na vida, no amor, na carne.
Estou só, não tenho amigo,
E a essa hora tardia
Como procurar amigo?

E nem precisava tanto.
Precisava de mulher
Que entrasse nesse minuto,
Recebesse esse carinho
Salvasse do aniquilamento
Um minuto e um carinho loucos
Que tenho para oferecer.

Em dois milhões de habitantes
Quantas mulheres prováveis
Interrogam-se no espelho
Medindo o tempo perdido
Até que venha a manhã
Trazer leite, jornal, calma.
Porém a essa hora vazia
Como descobrir mulher?

Esta cidade do Rio!
Tenho tanta palavra meiga,
Conheço vozes de bichos,
Sei os beijos mais violentos,
Viajei, briguei, aprendi
Estou cercado de olhos,
de mãos, afetos, procuras

Mas se tento comunicar-me,
O que há é apenas a noite
E uma espantosa solidão

Companheiros, escutai-me!
Essa presença agitada
Querendo romper a noite
Não é simplesmente a Bruxa.
É antes a confidência
Exalando-se de um homem.
–––––––––––––––––––––––-

A HORA DO CANSAÇO

As coisas que amamos,
as pessoas que amamos
são eternas até certo ponto.
Duram o infinito variável
no limite de nosso poder
de respirar a eternidade.

Pensá-las é pensar que não acabam nunca,
dar-lhes moldura de granito.
De outra matéria se tornam, absoluta,
numa outra (maior) realidade.

Começam a esmaecer quando nos cansamos,
e todos nós cansamos, por um outro itinerário,
de aspirar a resina do eterno.
Já não pretendemos que sejam imperecíveis.
Restituímos cada ser e coisa à condição precária,
rebaixamos o amor ao estado de utilidade.

Do sonho de eterno fica esse gosto ocre
na boca ou na mente, sei lá, talvez no ar.
–––––––––––––––––––––––––––-

ALÉM DA TERRA, ALÉM DO CÉU

Além da terra, além do céu
no trampolim do sem-fim das estrelas,
no rastros dos astros,
na magnólia das nebulosas.
Além, muito além do sistema solar
até onde alcançam o pensamento e o coração,
vamos!
vamos conjugar
o verbo fudamental essencial
o verbo transcendente, acima das gramáticas
e do medo e da moeda e da política,
o verbo sempreamar
o verbo pluriamar,
razão de ser e viver.
–––––––––––––––––––––––––-

AS SEM RAZÕES DO AMOR

Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no elipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.
=========================

CANTIGA DE VIÚVO

A noite caiu na minh'alma,
fiquei triste sem querer.
Uma sombra veio vindo,
veio vindo, me abraçou.
Era a sombra de meu bem
que morreu há tanto tempo.

Me abraçou com tanto amor
me apertou com tanto fogo
me beijou, me consolou.

Depois riu devagarinho,
me disse adeus com a cabeça
e saiu. Fechou a porta.
Ouvi seus passos na escada.
Depois mais nada...
acabou.
========================

CONFIDÊNCIA DO ITABIRANO

Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.

A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.

De Itabira trouxe prendas diversas que ora ofereço:
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa...
Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!
================================

MEMÓRIA

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.

Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.
===================

O AMOR BATE NA PORTA

Cantiga de amor sem eira
nem beira,
vira o mundo de cabeça
para baixo,
suspende a saia das mulheres,
tira os óculos dos homens,
o amor, seja como for,
é o amor.

Meu bem, não chores,
hoje tem filme de Carlito.

O amor bate na porta
o amor bate na aorta,
fui abrir e me constipei.
Cardíaco e melancólico,
o amor ronca na horta
entre pés de laranjeira
entre uvas meio verdes
e desejos já maduros.

Entre uvas meio verdes,
meu amor, não te atormentes.
Certos ácidos adoçam
a boca murcha dos velhos
e quando os dentes não mordem
e quando os braços não prendem
o amor faz uma cócega
o amor desenha uma curva
propõe uma geometria.

Amor é bicho instruído.

Olha: o amor pulou o muro
o amor subiu na árvore
em tempo de se estrepar.
Pronto, o amor se estrepou.
Daqui estou vendo o sangue
que escorre do corpo andrógino.
Essa ferida, meu bem,
às vezes não sara nunca
às vezes sara amanhã.

Daqui estou vendo o amor
irritado, desapontado,
mas também vejo outras coisas:
vejo corpos, vejo almas
vejo beijos que se beijam
ouço mãos que se conversam
e que viajam sem mapa.
Vejo muitas outras coisas
que não posso compreender...
===========================

POEMA PATÉTICO

Que barulho é esse na escada?
É o amor que está acabando,
é o homem que fechou a porta
e se enforcou na cortina.

Que barulho é esse na escada?
É Guiomar que tapou os olhos
e se assoou com estrondo.
É a lua imóvel sobre os pratos
e os metais que brilham na copa.

Que barulho é esse na escada?
É a torneira pingando água,
e o lamento imperceptível
de alguém que perdeu no jogo
enquanto a banda de música
vai baixando, baixando de tom.

Que barulho é esse na escada?
É a virgem com um trombone,
a criança com um tambor,
o bispo com uma campainha
e alguém abafando o rumor
que salta de meu coração.
----------