sábado, 19 de julho de 2008

Sorocaba em Destaque (4a. Semana do Escritor em Sorocaba)

(veja localização e mapas do evento e acesso à cidade ao pé do artigo - clique nos mapas para ampliar)

Organizada pelo escritor Douglas Lara, com o apoio do Gabinete de Leitura Sorocabano, da confraria Teia dos Amigos, e da Editora Ottoni, a Semana consiste numa oportunidade para que escritores, principalmente os iniciantes, divulguem seus trabalhos. Da mesma forma, a mostra garante maior visibilidade às produções literárias locais.

A semana literária reunirá dezenas de autores independentes, editoras e livrarias, com sessões de autógrafos, lançamentos e palestras. Como acontece em todos os anos, haverá, no dia 24, o lançamento da coletânea Roda Mundo 2008, junto com a primeira antologia infanto-juvenil, Rodamundinho 2008. Para participar, o interessado recolhe uma taxa de R$ 50 por título publicado; em caso de lançamento, o valor é de R$ 100. Coletâneas com dez ou mais participantes, contribuem com R$ 200.

A programação ainda não foi fechada, mas os organizadores, reservaram o dia 25, sexta-feira, para que profissionais da imprensa promovam seus trabalhos. Nesse dia, participa da noite de autógrafos, o jornalista do Cruzeiro do Sul, José Antônio Rosa, autor de O Livro de Salomão, projeto aprovado pela Linc, que conta as histórias do radialista, comunicador e proprietário do Sistema Vanguarda de Comunicação e da Tv Sorocaba, Salomão Pavlovsky.

Pretendemos abrir espaço para que os jornalistas que possuam obras publicadas, ou que estejam por ser lançadas, o façam durante a Semana. Essa interação é muito importante, comentou Douglas Lara. A representante da confraria Teia dos Amigos, Sonia Maria Grando Orsiolli, também destacou o potencial do evento que já faz parte do calendário cultural da cidade. Temos a certeza de que a semana não só repetirá, como deverá alcançar um sucesso ainda maior nesta edição.

Para participar, os interessados podem manter contato com escritor Douglas Lara, pelo telefone (15) 3227-2305, ou pelo e-mail douglara@uol.com.br

A Semana do Escritor de Sorocaba será realizada de terça-feira a sábado, das 14h às 22h, e no domingo, das 10h às 18h com entrada gratuita.


Dois livros de Marta Beraldi na semana do escritor
Os Quimikimox - Em defesa do meio ambiente:

Este livro tem como objetivo desenvolver na criança um espírito de amor à natureza e de preservação do meio ambiente, bem como o lado cientifico dos mesmos, pois ao tratar dos elementos químicos da Tabela Periódica de maneira lúdica e construtiva estamos despertando a curiosidade cientifica dos alunos.

Neste livro encontramos temas atuais como, por exemplo: a busca por energia renováveis e históricos como: a primeira bomba nuclear, narrados pelos “Os Quimikimox, que são os103 personagens, baseados nos elementos químicos da tabela periódica tendo como objetivo principal levar o maior número de informações possíveis sobre a poluição através dos elementos químicos.

Preço nas livrarias: R$19,50 Preço para evento: R$ 15,00

Leitura Viva – Uma experiência de sucesso.
Leitura Viva tem como objetivo dividir as experiências de uma jornada de pesquisas e trabalho sobre a pratica de contar histórias. Fazendo com que o professor reflita sobre a necessidade de fazer da leitura em sala de aula um ato planejado, eficaz e significativo. Buscando ampliar o incentivo à leitura nas escolas através de metodologias e recursos comprovados.
Preço nas livrarias: R$12,50 Preço para evento: R$10,00

Maria do Carmo Alves Chaves Torres (De coração para coração)
O livro destina-se como apoio à educação e resgate dos valores humanos. A autora recomenda aos leitores que o leiam em família, em reuniões de tertúlia, a fim de desenvolverem maior harmonia e conhecerem melhor os próprios filhos. Parte da renda deste livro será destinada ao Instituto Internacional e Responsabilidade Social da Família Manoel Alves Bezerra.

Magda Vilas-Boas faz palestra para crianças e jovens em Sorocaba
http://www.servidorpublico.net/noticias/2008/07/15/magda-vilas-boas-faz-palestra-para-criancas-e-jovens-em-sorocaba

Lançamento de Escritor Ordinários, de Carlos Roberto Mantovani
No dia 26, sábado das 20 às 22h, na Fundec (Rua Brigadeiro Tobias, 73), durante a Semana do
Escritor, amigos e admiradores promovem o lançamento do livro Escritos Ordinários, da autoria de Carlos Roberto Mantovani.

Rodamundo 2008
O lançamento com noite de autógrafos será na próxima quinta-feira (24) na Fundação de Desenvolvimento Cultural Fundec. Entre os autores, o colaborador do Cruzeiro do Sul, Celso Marvadão Ribeiro, que também assina o prefácio, e a jornalista Estela Casagrande. A capa é da artista plástica Mary Maia e a organização de Douglas Lara. O Rodamundo 2008 é da Ottoni Editora.

Roda Mundo é uma Antologia Internacional que tem um caráter globalizado por contar com a participação de autores dos cinco continentes, numa integração da comunidade lusófona e também espanhola. A obra reúne crônicas, contos, poemas, ensaios e textos em português, inglês, italiano e espanhol, montando assim um panorama dos diferentes estilos, tendências, culturas e maneiras de enxergar o mundo, por meio da palavra impressa.
Edival de Moraes Blagitz - Arroubos Poéticos
Renato de Oliveira Leme (A Baleia que Aprendeu a Voar)
O livro A baleia que aprendeu a voar, do escritor Renato de Oliveira Leme, nascido em Itapetininga, (e radicado em Sorocaba desde 1991) estará a venda na 4ª Semana do Escritor . A renda será revertida para o Gpaci (Grupo de Pesquisa e Assistência ao Câncer Infantil). A obra, uma história de ficção para adultos, tem como cenário o ambiente rural e promete fazer o leitor embarcar numa reflexão sobre as possibilidades de planejamento da vida, suas metas e sonhos. O autor estará autografando e conversando com os leitores dia 26/7, sábado a partir das 15 horas. O preço promocional de venda durante a semana do escritor será de 12 reais cada.

Ivone Carvalho (Poeminando)
“Poeminando” é o primeiro livro de poesias de Ivone Carvalho, reunindo 46 poemas que falam de amor, saudade, vida, natureza, criação, poesia da alma.
Número de páginas: 62. Preço promocional para a Semana do Escritor : R$ 10,00
"É o silêncio da madrugada, esse momento tão sublime que nos remete ao nosso interior, que inspira, à alma da poeta, o extravasar da sua essência, dos seus sentimentos e sonhos, da sua forma de pensar e sentir".

Livro: “Poiesis”: seis artistas em Londrina
Projeto aprovado pelo Programa Municipal de Incentivo a Cultura de Londrina em 2005. O livro, escrito e coordenado por Juliana Simonetti, tem o objetivo de refletir sobre a produção de seis artistas atuantes em Londrina: Cláudio Garcia, Danillo Villa, Fernando Augusto, Fernanda Magalhães, Letícia Márquez e Paulo Menten. A publicação traz análises de obra, entrevistas e imagens de trabalhos. Publicado em maio de 2006. A autora, editora do caderno Mais Cruzeiro do jornal Cruzeiro do Sul doou 10 exemplares para serem sorteados entre os presentes na 4ª Semana do Escritor, sábado dia 26/7, devidamente autografados.

Nilsa Florentina Vendramini,58, e Larissa da Silva Vendramini, 11, na Semana do Escritor
Avó e neta participam da 4ª Semana do Escritor de Sorocaba, que recebe inscrições até amanhã. A estudante Larissa da Silva Vendrami, 11 anos, pegou gosto pela poesia, motivada pela sua avó. A artesã Nilsa Florentina Vendrami, 58, lançou um livro de versos no ano passado e despertou a sensibilidade da neta pela literatura. As duas poetisas terão a oportunidade de mostrar os seus trabalhos durante a 4ª Semana do Escritor de Sorocaba

Laé de Souza no Evento
O escritor Laé de Souza estará presente na 4ª Semana do Escritor de Sorocaba no dia 24 de julho, quinta-feira, a partir das 19h30. Cada convidado receberá como cortesia um exemplar do livro Nos Bastidores do Cotidiano, e durante a realização do evento será distribuída a revista do Projetos de Leitura para o público conhecer melhor o seu importante trabalho de fomento à leitura, em execução há dez anos.
Laé de Souza é autor dos livros Espiando o Mundo pela Fechadura, Acredite se Quiser!, Acontece..., Coisas de Homem & Coisas de Mulher e Nos Bastidores do Cotidiano (impressão regular e em braile). Interessados em conversar com o escritor poderão aproveitar esta oportunidade.

Rodamundinho 2008
lançamento do primeiro livro Rodamundinho 2008 será no dia 24 de julho às 18h, com a apresentação do Grupo da Associação de Mágicos de Sorocaba e Região e durante o evento também haverá os autógrafos dos participantes nos 25 exemplares do livro a serem colocados a venda.

O Rodamundinho é uma coletânea infanto-juvenil que reúne 25 autores de até 15 anos de idade.

É uma antologia - seleção de textos - gerada com muito talento pelos seus participantes reunindo poesias, contos e crônicas, sobre amor, natureza, escola, família, viagens, entre outros. O projeto recebeu inscrições no início do mês de maio deste ano, foram selecionados 25 autores de Sorocaba e Região para participarem gratuitamente dessa antologia. Cada jovem participou com quatro páginas deste belíssimo livro de 115 páginas. Todo o projeto tem o objetivo de estimular a leitura e a escrita aos jovens. No dia do lançamento os participantes receberão, gratuitamente, quatro exemplares do Rodamundinho 2008 e um do Roda Mundo 2008.

O projeto foi idealizado pelo escritor sorocabano, Douglas Lara e pelo ex-presidente da Fundec Alexandre Latuf, com o patrocínio do editor Mylton Ottoni. A organização é da jornalista Cintian Moraes, apoio do suplemento infanto-juvenil Cruzeirinho do Jornal Cruzeiro do Sul, do Gabinete de Leitura Sorocabano e da Fundec.

Entrada gratuita. Quem quiser obter o livro poderá entrar em contato com o organizador Douglas Lara pelo telefone (15) 3227.2305.

Confira os nomes dos 25 participantes da antologia:
André Borges Dias, André Felipe Camargo Bruni, Beatriz Rodrigues Soares, Beatriz Silvério da Rocha, Bianca Marques Milanda, Carolina Arakaki de Camargo, Felipe Giacomin, Isabela Rodrigues Rigo, Jaqueline Andressa Oliveira Manão, José Estevão Pinto de Oliveira, Joyce Souza da Conceição, Júlia Mira dos Santos, Juliana Guimarães Terse, Katherine Martins de Oliveira, Laís Castro Franco de Almeida, Larissa da Silva Vendrami, Laura de Oliveira Marchetti, Laura Mattucci Tardelli, Lucas Geraldo de Milanda Miranda, Luiz Alberto Braga Stopa, Maria Giulia Jacção Alves, Matheus Dantas, Rafaela Moreno Lopes Benevides, Roberta Rodrigues Giudice e Verônica Rodrigues S. Lima."
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A Fundec tem sua sede no antigo Teatro São Rafael, construído em 1844, em pleno coração da cidade, já serviu de abrigo à Prefeitura Municipal de 1935 a 1980 e à Câmara Municipal de 1982 a 1999. Restaurado e modernizado, o prédio conta com auditório e espaço para as mais variadas mostras artísticas.
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A Fundec fica na Rua Brigadeiro Tobias, 73.
A R. Brigadeiro Tobias liga a R. Cel. José Prestes com a R. Monsenhor João Soares.Faz cruzamento com as ruas Santa Cruz, Cel. Cavalheiros e XV de Novembro.Tem como travessas as ruas Cel. José de Barros, Dr. Afonso Pena, Ubaldino do Amaral e Dom Pedro II.
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Fonte: Douglas Lara. In http://www.sorocaba.com.br/acontece
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Hélio Polvora (O Busto do Fantasma)

O fantasma que apareceu lá em casa, ao contrário ao fantasma de James Thurber, não cometeu estrepolias nem teve caráter transitório. Instalou-se para ficar e desde o primeiro dia manifestou, pela impassibilidade do rosto, que estava ali cumprindo penitência ou em busca de algo Difícil desalojá-lo. Realmente, muitas tentativas se fizeram, experimentaram-se todos os recursos; imaginação não nos faltava, inveterados leitores de romances em fascículos que um vendedor ambulante fornecia quinzenalmente. Mas o fantasma resistiu a tudo e a todos. De nada adiantou, por exemplo, substituir uma telha de vidro na cumeeira, por onde, segundo asseverava minha mãe, ele entrava à meia-noite; e as rezas de Nunila, minha tia, tão eficazes para sarar mordeduras de cobra e espantar mau-olhado, provaram sua absoluta e total ineficácia. O fantasma zombou, no seu modo sério, do mastruço, alecrim e outras ervas recolhidas no campo, ao entardecer, quando a campanha movida contra ele pela família inteira atingira o ponto culminante, o ponto do desespero.

Houve quem recuasse no tempo e pressentisse no pio estrídulo de uma ave agourenta — que não chegou a ser vista, sequer identificada — o anúncio da visita próxima e duradoura do fantasma. O que não é para admirar: naquela altura, com ele dentro de casa, invisível durante o dia, bustificado depois das doze badaladas, as explicações choviam, tentava-se tudo, numa escala que partia do lógico e enveredava pelo absurdo. Como o pio da ave agoureira precede sempre acontecimentos tristes, acabamos todos por admitir o mau presságio. No seu vôo súbito sobre a casa, norte para sul, aquela ave deixara sinal de desgraça.

A ave foi ouvida numa tarde em que meu pai e seu ex-tutor Chico de Luanda cochilavam no alpendre, abordando temas vagos e aparentemente desconexos, que, aliás, não tinham pressa de concluir. Já então os olhos dos morcegos, sensíveis ao desfalecimento da claridade, estremeciam, e dentro em pouco eles estariam chiando na copa do jenipapeiro, nos frutos maduros que tombariam ao alvorecer. A conversa entre os dois, meu pai e o visitante, pendia num silêncio prolongado de propósito para acentuar o peso da última observação proferida não se sabe por quem, e os ruídos da casa se haviam aquietado, num repentino poço de silêncio, quando alguma coisa penugenta cruzou o ar, sobre o alpendre, por cima da cumeeira — e soltou um pio medonho que por muito tempo fendeu a tarde, como uma quilha que deixa sulco.

"Ai", gemeu Chico de Luanda.

“Ai” , gemeu meu pai.

Chico de Luanda, que era supersticioso, levantou-se e não conseguiu encontrar as pernas. Suas articulações pareciam de geléia. Meu pai deixou-se ficar na espreguiçadeira, estatelado, de boca aberta.

"Você ouviu?", perguntou Chico de Luanda.

Uma pergunta inútil, mas inteiramente desculpável, porque o espírito dos dois não estava bem equilibrado.

“Ouvi, sim. Foi um pio infernal"

"Talvez um pombo do inferno", sugeriu Chico de Luanda. "Não conheço ave nenhuma que pie desse modo, assim tão alto e fino."

"Nem eu", confessou meu pai, que era caçador nas horas vagas, um caçador que tinha pena de caça e pretendia, no fundo, era matar o tempo, mas se gabava de conhecer aves, pássaros, galinholas e passarinhos, perdizes e arapongas, anuns e xexéus. A conversa ficou nisso - ou quase nisso. Interrogados discretamente a princípio, para não se espalharem temores vãos, os outros habitantes da casa confirmaram o pio, a que não deram importância maior. Naturalmente dentro de casa o pio lhes chegara amortecido. Lá fora, no alpendre que divisava o descampado, fora terrível, "um guincho de endoidecer", conforme dissera Chico de Luanda.

Se o objetivo do pio da ave agoureira era transmitir um alerta, falhou. Passado o primeiro estremecimento, meu pai voltou às suas ocupações rotineiras, e Chico de Luanda, apenas uma visita rápida, também se esqueceu do episódio, que de qualquer forma não lhe dizia respeito. Os dias correram, a vida prosseguiu no mesmo ritmo, marcada pelo relógio grande, de badalo, da sala de visitas. Quando algum de nós se esquecia de dar-lhe corda, o que era freqüente, podia-se acertá-lo mais ou menos certo pela passagem das marnetes. A vida era mansa, quase boa, na casa velha que tinha uma capoeira atrás e um pasto na frente, em declive.

A casa era grande; vista de longe, do fundo do pasto, embaixo, para quem chegava parecia quadrada, não fosse a despensa que avançava em forma de telheiro, numa aparência, ela só, de caixão de defunto. Subia-se ao alpendre por uma escada lateral, de poucos degraus de tábuas carunchosas que no verão estalavam e no inverno arrancavam sons ocos. O primeiro degrau era um enorme cepo de vinhático. Depois do alpendre, com duas janelas e uma porta, vinha a sala de visitas, vasta, de teto alto, adornada com uma escrivaninha de jacarandá que tinha tampos e fechos de prata, e ao lado o relógio de pêndulo que malhava, assustador, o silêncio das tardes e noites modorrentas. Uma porta abria-se à esquerda para um quarto onde eu dormia numa cama de couro de zebu e cuja janela dava para o já mencionado jenipapeiro. A janela era alta, porque a frente do casarão se apoiava em firmes e grossos esteios que iam diminuindo à medida que subia o declive, de forma que na frente da casa havia um porão ótimo para galinhas chocarem, pôr ovos e se revolverem na poeira. Guardavam-se ali velhas tábuas, ferramentas decrépitas, as vespas faziam casas e voejavam endoidecidas nos dias de verão intenso. A direita da sala começava um corredor não muito longo, mas escuro, e bem no meio dele desembocava um quarto comprido e úmido, que ia dar a uma janela minha vizinha e menos alta. Era o quarto do fantasma. O corredor findava numa ampla e já térrea sala de jantar, com outro quarto de dormir ao lado do quarto do fantasma, como ficou chamado. Comíamos numa mesa nua, orlada por dois bancos compridos, de madeira. Num dos cantos, junto à parede da cozinha, uma talha. A cozinha, à esquerda, possuía um fogão alto, sobre estacas; defronte, um pilão onde a negra Ana moía café torrado numa folha-de-flandres, de beiradas. A cozinha dava para a despensa, com armários, e abria para o terreiro. Uma pedra roliça servia de batente. Além do terreiro, um descampado que descia até o brejo. As árvores rareavam até se transformar em liquens, trepadeiras, samambaias ou o que quer que fosse, que eu nunca fui bom em botânica.

A casa do finado José, agora a casa do meu pai. Mas nela o que interessa mesmo é o quarto úmido c::de o fantasma boiava. O quarto começava por uma arca de cedro, pesadíssima, a um canto da parede, onde meu pai guardava instrumentos de carpintaria: serrote, serrotão, pua, trado, enxó, nível, escala, machada, fio de prumo, facões e coisas de vária serventia. Perto da janela ficava a cama, uma dessas camas antigas, de cabeceira alta. Em baixo da cama, o urinol. Em cima, uma telha de vidro por onde se divisava a madrugada, e que coava o sol quando o dia esquentava. Eu quase ia esquecendo, logo à entrada, um crucifixo de madeira, mostrando um Jesus agoniado, de rosto contraído pela dor, o Crucificado mais sombrio que já vi. Parecia real, o sangue quase escorria das feridas abertas nas mãos e nos joelhos pelos cravos. E a coroa de espinhos era metálica, penetrava fundo no couro cabeludo.

Meu pai, asmático, acordava muitas vezes durante a noite, sobretudo no inverno, para fumar cigarros de folhas de estramônio. Chiava, ofegante, recostado em travesseiros, enquanto minha mãe, já habituada, ferrava no sono, ao seu lado, ou, se desperta ante uma tosse mais renitente, murmurava queixas indistintas. Uns dez dias depois do prenúncio da ave agoureira meu pai acordou numa de suas crises, respirando como um fole; tateou a mesinha ao lado, à procura da caixa de fósforos, riscou um palito e acendeu a lamparina de querosene. À fraca luz da chama, depois de tirar a primeira baforada do estramônio e acomodar melhor as camadas dentro do peito, divisou então um vulto.

Não era bem um vulto — disse ele, no dia seguinte, calmo. Era um busto, apenas um busto a sobrenadar a escuridão do quarto. Sobrenadar, não. O busto pairava, entre o chão e o teto, como se fora uma neblina suspensa na manhã que mal se inicia. A metade de um homem, do tórax para cima. Claro que meu pai só chegou a formar imagem completa nos dias subseqüentes, porque naquela noite, percebida a névoa de contorno humano, apagou logo a lamparina, achegou-se à minha mãe e se esqueceu até de tossir. Dormiu mal, acordou de olhos remelentos e lacrimejantes, olhos encovados em bolsas flácidas.

A novidade não custou a se espalhar, primeiro entre os de casa. Iniciaram-se especulações de toda sorte, palpites partiam de um e de outro, todos intrigados, é claro.

"Será o finado José ainda penando no lugar em que morreu?"

Digo logo que esse finado José, meu avô, morrera não exatamente ali, mas a uns quinhentos metros, atrás da cancela. Voltava da feira, montado em cavalo esquipador, com uma barrica de aguardente no arção da sela, quando caiu do animal, que era árdego e lhe desferiu uma série de coices na cabeça, tronco e membros. Mas, de qualquer forma, que são quinhentos metros, meio quilômetro apenas, para uma alma que se pode deslocar sem o menor esforço, que entra e sai através de portas e janelas fechadas, que ultrapassa paredes? Esse o argumento de minha tia Nunila — e não foi contestado.

"Só pode ser o finado José."

"Talvez não seja. Justo é muito impressionado, pensou que viu alguma coisa", aparteou minha mãe, pessoa prática e teimosa para quem as coisas deste mundo já constituíam tormentos mais do que suficientes.

A dúvida permaneceu, só veio a ser desfeita quando meu pai, vencidos os temores iniciais, aventurou olhadelas para a coisa enevoada, primeiro furtivas, suspendendo rápido a ponta do cobertor, depois mais ousadas, e, por fim, cara a cara. O retrato do fantasma foi composto, ou recomposto, aos pedaços. O problema da barba, por exemplo: comprovou-se que ela era cerrada, mas não alta; uma barba que tomava ou fechava quase o rosto todo, confundindo-se com as costeletas, estas mais bastas e branqueadas; uma excelente e austera barba à antiga, dessas que impunham respeito, rendiam consideração, valiam mais que assinatura em letra promissória. A testa era estreita, o cabelo crescia logo em longos fios luxuriantes. Provavelmente o defunto era avesso ao barbeiro, só aparava as madeixas em última instância — e morrera bem necessitado de tesoura. Se era um fantasma vingativo, esta dúvida não tardou a ser aplacada. Porque o vulto, ou o busto, não se movia, não avançava pelo quarto, não franzia o sobrolho, não vincava a testa, não enrugava o canto da boca, não piscava os olhos, não fazia trejeitos zombeteiros. O rosto do fantasma não demonstrava amuo, queixa, recriminação, nem tentava qualquer aviso, qualquer comunicação com os terrenos que ali ressonavam na paz do quarto comprido e escuro como breu. Limitava-se a ficar suspenso, olhando. Meu pai logo• reconheceu o seu pai. Era, com efeito, o finado José. Por que voltara? Que desejava transmitir-lhe? Estaria pagando penitência? Nas madrugadas de crise asmática, fumando os cigarros de estramônio com filtro de algodão, meu pai vasculhava a memória, em busca de faltas. Nada encontrava digno de punição extraterrena. Ficara com a fazenda, é verdade, mas comprando a parte dos irmãos Romão Baptista e Justino. Não lhe arquejara o defunto, em vida, pouco antes de morrer, que confiava nele?
Travavam, o busto no meio do quarto e o busto na cama, um monólogo pouco esclarecedor. Nas noites em que minha mãe estava ausente, em visita a parentes ou amigos na cidade, meu pai achava até reconfortante a presença do vulto na casa enorme e vazia. O fantasma inspirava-lhe coragem contra possíveis assaltantes. Adquiriu até o hábito de, nos seus monólogos, dirigir-lhe a palavra, pedir conselhos, como fazia em vida ao finado José.

“Faço bem, meu pai?”

E tinha até a impressão de que o busto curvava de leve a cabeça, em vago aceno afirmativo.

Esse fantasma nem sombrio nem alegre, nem pacífico nem perseguidor, acabou sendo o pretexto há longo tempo buscado por minha mãe para mudar de vida, instalar-se na cidade, "viver como gente", como ela dizia em momentos de rabugice maior. Uma noite, meu pai dialogava com o vulto e, como se habituara a pensar em voz alta, despertou-a.

"Estou pensando em mandar João Gonçalves fazer nova estufa ...”

...
"O senhor acha que a safra deste ano vai ser boa?

"É isso mesmo, o cacau temporão promete. E o :.c-:=.po está propício, parece que teremos chuvas fra-
...,

"Se os birros vingarem todos, ou quase todos, vou colher aí umas duas mil arrobas. E precisarei de estufa.”

Minha mãe apurou os ouvidos, soergueu-se na cama e perguntou, zombeteira:

"Deu pra falar sozinho, homem? Já é caduquice?”

"Não", respondeu meu pai, distraído. "Estava conversando com o finado José."

“Com o finado ... o quê?”

Meu pai calou-se, tentou soprar a lamparina, mas antes disso os olhos de minha mãe deram com o quê não deviam dar: com o busto suspenso na escuridão esgarçada. O berro varou a noite, como um punhal de lâmina aguçada, e ela se meteu embaixo do cobertor, convulsa e conturbada. A casa acordou toda, batidas à porta não tardaram, ninguém dormiu mais. No dia seguinte começou de verdade a luta contra o fantasma. As primeiras providências couberam, como eu já disse no início, à minha tia Nunila, mas infeliz ou felizmente ela só sabia cuidar de seres deste mundo, que benzia com raminhos de alecrim e nos quais aplicava mastruço.

Os ramos de alecrim colocados no assoalho de tábuas de putumuju, no lugar do busto, murcharam com os dias — e o busto continuou a aparecer depois da meia-noite, com a mesma expressão severa mas resignada. Nunila tentou então as rezas. A mais forte, ensinada por uma curandeira que ela conhecera em Sergipe antes de emigrar para o sul, perguntava num dos seus mais expressivos quartetos:

Espírito das trevas
o que buscas?
Acaso pescas
em águas turvas?

O fantasma não deu resposta, nem em prosa nem em verso. Continuou a se mostrar todas as noites, teimoso, no mesmo lugar, com o mesmo olhar, a mesma barba, os mesmos olhos fixos como verrumas, mas que não doíam, não trespassavam ninguém. Exceto, é claro, minha mãe, que, depois da aventura daquela noite, se transferiu para o quarto ao lado, onde sepultava os terrores num sono de chumbo, ajudada por magnífico jantar. Claro que esta situação, camas separadas, quartos separados, não podia durar muito. "Não sou inglês", berrou meu pai, uma noite, sem mais preâmbulos, perdida a compostura. Queria dizer “não sou americano", mas detestava os ingleses, por que não sei. Minha mãe se recusou terminantemente a voltar à alcova, e ele, para não dar demonstração de fraqueza perante a família, também não quis renunciar à cama de dossel. Passaram dias emburrados, usando filhos e parentes como tabela para se dizerem apenas o essencial. Esses diálogos indiretos podiam ser assim resumidos:

"Pensando bem, é apenas um busto."

“Mas é um busto de pessoa morta."

"Tudo na vida depende do modo de ver", filosofou meu pai. "Por que não imagina que embaixo do busto há um pedestal?”

"Isso é faz-de-conta, é carochinha."

,”'Aliás, o quarto é grande e nu, um busto ali no meio até que enfeita ... "

As soluções começaram a germinar na cabeça de meu pai. Pensou, a princípio, em colocar um espelho em frente do busto; o finado José poderia espantar-se e desaparecer para sempre. Provavelmente os cabelos teriam crescido depois da morte. Não dizem os entendidos que, parado o coração, as unhas continuam a crescer no lodo da terra? Pensou em substituir a telha de vidro por uma telha comum, de barro. Pensou em ficar de atalaia, uma noite, no telhado, no sítio por onde se supunha que o fantasma entrasse — mas temia os resfriados, abominava correntes de ar.

Afinal, numa de suas viagens semanais à cidade, voltou com um busto de gesso, algo parecido com o do fantasma — e colocou-o no mesmo lugar onde o outro boiava.

"Pronto", anunciou ele à minha mãe. "Agora você pode dormir tranqüila.”

Minha mãe, desejosa de demonstrar boa-vontade, retornou à alcova, à cama de dossel. Inutilmente, porque não pregou olho. Era um remexer-se incessante, um coçar-se, um inquietar-se, um cuidado excessivo para que os pés não sobrassem do cobertor, ficassem expostos a puxões.

"Não posso", dizia ela, pedindo-lhe para acender a lamparina. "Sei que por cima do busto que você comprou está o outro. "

O busto era de gesso; objeto inútil, acabou dentro da arca de cedro. E minha mãe, cada vez mais assombrada, lançou o ultimato: a casa ou ela, o fantasma ou ela. Arrumou a mala e partiu, disposta a uma longa temporada na cidade. Meu pai coçou a cabeça, fingiu alheamento, mas, à noite, puxando fumaça do seu estramônio, estirou o beiço para o busto, como a perguntar:
“E agora?”

A idéia mais razoável para resolver a situação incômoda partiu de Joãozinho Feitosa, que só vestia terno preto, tinha fala macia e andava descalço. Calça e paletó pretos, sempre, e um chapéu de feltro de tira preta, que ele quebrava na frente; adquiria com isso um ar gaiato, de bravata e de audácia, que em absoluto se coadunava à sua pessoa triste. Vendo-o passar nas estradas e tirar o chapéu para o cumprimento, eu pensava: "Vai a algum velório." Esse Joãozinho Feitosa, dizia-se que um primo distanciado de minha mãe, servia de mote a brincadeiras de meu pai. Nos momentos em que Justo estava de bom humor, o que lhe acontecia raro, porque os negócios nem sempre corriam bem, ou a sua sovinice nunca se dava por satisfeita, parodiava a letra de Scrivimi:

Tu me deste uma rosa,
ó Joãozinho Feitosa ...

Minha mãe respondia às risadas com muxoxos vexados que, às vezes, de tão soturnos, estancavam o riso, detinham a relembrança do seu namoro antigo com o primo macambúzio. Se é que houvera mesmo namoro. Nas visitas do primo pobre tratava-o com cerimônia, punha-o a distância. Joãozinho aparecia sempre bem barbeado, com a pele azulada no queixo e até o meio das bochechas, mas entre os dedos dos pés percebia-se a lama seca dos caminhos.

Pois foi esse Joãozinho Feitosa quem sugeriu afinal a idéia que, se não solucionou o problema do fantasma, deu pelo menos um rumo mais decente à nossa vida, de acordo com o figurino da civilização defendido por minha mãe em momentos de zanga, angústia e desespero: a mudança para a cidade. Com os olhos compridos pousados no dedão do pé direito, que ele mexiam como a traçar sinais misteriosos nas tábuas do alpendre, Joãozinho avançou em voz tímida:

"Conheço um rezador de primeira ordem."

“'Quem, Joãozinho?”

“Tomé de Arapiraca.”

Não era bem um rezador; era, segundo eu já ouvira falar, um pai-de-santo que recebia o espírito de um caboclo adivinhador e versejador. Meu pai, que só acreditava na natureza como princípio e fim de todas as filosofias e crenças ("deixe que a natureza resolve" era sua frase favorita), enfraqueceu o entusiasmo recém-desperto, mas como perdera dois sacos de cacau seco tirados noite velha por baixo do zinco da barcaça, sem que o cachorro latisse contra o ladrão sutil, viu aí a esperança de reaver o que era seu, quem sabe? Quanto ao fantasma, ele pouco estava ligando, habituara-se ao busto enevoado — mas se o exorcismo de Tomé de Arapiraca o devolvesse às profundas do céu ou do purgatório, devolvendo a ele, Justo, a mulher e a :;paz,, tanto melhor.

"Quanto o homem cobra, Joãozinho?"

"Nada, não aceita um dez réis. Você tem de levar apenas uma garrafa de aguardente, que é o que ele sempre pede. E, às vezes, charutos ordinários, grossos, do tipo escora-carroça.”

Meu pai resolveu ir, por desfastio. Não tinha o que fazer, estava-se no paradeiro — tempo terrível, de verão,, entre a última safra e a vindoura, quando o dinheiro ea curto e as cismas mais longas. Joãozinho nos conduziu, certa manhã, ao terreiro. Filho mais velho, admitiram-me na comitiva, a princípio com relutância, depois com leve condescendência — a mesma relutância e a mesma condescendência com que às vezes falavam de mulheres, longe dos ouvidos de minha mãe e a distância razoável dos meus. E assim, eles na frente, eu um pouco atrás, a distância respeitosa, desembocamos no terreiro de Tomé de Arapiraca, que estava varrido e seco, e onde algumas pessoas fumavam, caídas de cócoras, numa posição que durou muito e me provocou angústia. Até que o rezador apareceu, de olhar estremunhado. Ou estivera dormindo ou em transe.

Não vou descrever tudo o que Tomé de Arapiraca fez e falou; a parte importante é a dos versos. Digo, porém, que invocado o espírito adivinhador e formado o círculo de assistentes, o homem entrou em convulsões, e nestas, braços, pernas e ventre tiveram muito trabalho. Temi que ele fosse se desconjuntar; sem dúvida aquilo exigia muito preparo físico, que eu jamais poderia associar à carne seca com farinha e rapadura, prato único no cardápio dos pobres. Recebido o espírito, que se ajustou no seu corpo com uns espasmos derradeiros e umas torções de quem tenta encaixar a carne em roupa apertada, Tomé de Arapiraca, sujeito ainda moço, denunciou quem desencaminhara certa moça ultimamente muito falada na Baixa Grande. E antes de responder à primeira consulta transmitida em voz baixa por Joãozinho Feitosa (o furto do cacau tinha prioridade), deu três voltas completas pelo círculo de assistentes, com a garrafa de aguardente destampada sobre a cabeça e a dançar. Não caiu uma só gota.

Depois que o sol se deita
o mal caminha do Leste.
A morte a mão lhe enfeita.
com o que tira, se veste.

"Um ladrão profissional, sem dúvida", cochichou meu pai no ouvido de Joãozinho Feitosa. "Com o que tira, se veste.”

“E mora onde nasce o sol", lembrou Joãozinho.” 'Isto mesmo, no Leste. “

Conclusões fáceis para quem, como meu pai, matava charadas novíssimas com o auxílio do dicionário pratico e ilustrado de Jayme de Séguier, distração predileta nos domingos, quando não havia visitas. Charadas bem mais difíceis do que os versos do caboclo adivinhador ele já matara, como, por exemplo uma que lhe fora proposta em mesa do bar de Carneiro, na cidade, enquanto disputavam pôquer de dados atirados chocalhados num copo de couro, para ver quem pagaria a rodada de cerveja. No meio da sociedade a honra cambaleia. Uma e duas. Ébrio. E aquela outra, um primor de composição: Rente ao túmulo de Jesus, chorava Madalena sem coragem e com temor. Uma e duas. Respeito. Chegara 2.té a matar, depois de semanas de duro labor, uma péssima charada que haviam dedicado a um sujeito chamado Edgar, vendeiro que usava um toco de lápis grosso atrás da orelha cabeluda e passara tardes debruçado no balcão, sobre folhas de papel almaço, tentando em vão decifrá-la. O homem tem garbo de ser homem. Uma e uma. Edgar. Ed, afinal de contas, não é nome de ninguém, e o recurso de tirar gar de garbo era burrice de charadista inepto.

Mas o Leste era vasto e razoavelmente habitado: coronéis e suas famílias, administradores, agregados, lobisomens. Quem seria o ladrão? Ladrão, ladravaz. O cérebro de meu pai trabalhava. Caminha, portanto não tem cavalo. Caminha do Leste. Gente pobre ou remediada. Furta para se vestir, está claro. Se tem terra, ela não dá colheita. Estéril. Sáfara. Árida. Ou talvez não desse colheita porque o homem não plantava. O homem seria um preguiçoso de nascença, conhecia muitos assim. Habituara-se sem dúvida a furtar e a roubar, as coisas lhe chegavam fáceis, o de-comer não faltava, então por que se esfalfar? A morte a mão lhe enfeita.

Verso obscuro. A morte enfeitando uma mão?

Só se fosse vela, a vela que enfiam na mão do defunto. Mas não, o homem estava bem vivo, furtara-lhe o cacau com arte, nem sequer despertara o cão. É bem verdade que Vesúvio estava velho, de ouvidos moucos. Eu tive um cão, chamava-se Veludo ... Lá estava meu pai outra vez a divagar. Gozado como uma palavra puxa outra; os pensamentos surgem atrelados, a reboque. A morte a mão ...

"Matei.”

Naquele justo instante Tomé de Arapiraca soltava um dos seus maiores pinotes, sempre com a garrafa de aguardente equilibrada no alto da cabeça, como se ali pregada com visgo de jaca. Joãozinho Feitosa, que tinha os olhos ferrados em Tomé, nas cabriolas de Tomé, estremeceu:

"O quê?"

"Matei, Joãozinho, matei. Quem é que mora no Leste, não trabalha, tem uma filharada para sustentar e vive por aí, caminhando ao léu, com uma espingarda na mão?”

'Petronílio.”

"Exato, Petronílio”

"Pois se foi ele, homem, e tudo indica que foi, perca a esperança. Ninguém nunca descobriu. Se desconfia, ele dá mesmo o que falar, mas provar é o diabo. Acabou-se”.

Tomé de Arapiraca deu outra volta no terreiro, a garrafa presa no cocuruto, sem derramar uma única gota: Os olhos rolaram, brancos, na direção de meu pai. Pareciam vidros foscos, ou contas espetadas em bruxas de pano pra acalentar meninas pobres.

“Agora", anunciou Tomé, "vou responder à sua segunda pergunta.”

Os lábios grossos abriram-se como feridas vermelhas e inchadas em volta do charuto grosso. Tomé de Arapiraca se concentrou, levantou os braços, invocou o espírito das musas caboclas.

No livro está a resposta
à penitência do vulto.
Ninguém volta porque gosta,
mas para achar o oculto.

Era o problema do fantasma. Ainda ébrio pela descoberta do ladrão — descoberta inútil, mas que intelectualmente daria os seus dividendos na família e na roda de amigos — meu pai teve o cuidado de anotar o enigma numa caderneta que sempre trazia no bolso traseiro da calça, para quando lhe tomavam dinheiro emprestado fora de casa, ou um trabalhador pedia um adiantamento no meio da semana, longe do livro-caixa que ele herdara do finado José. No caminho de volta, releu os versos, as mãos tremeram, os olhos cresceram.

"Isto está me cheirando a botijão de ouro, Joãozinho.”

Joãozinho Feitosa concordou: onde havia fantasma, havia botija de moedas antigas, enterradas bem fundo. Ou ocultas de outra forma, talvez em paredes, entre caibros e vigas, debaixo do assoalho. Não tocara nisso antes para não provocar inquietação e mal-estar na família. O finado José fora um sovina de marca maior; ao sentir as primeiras pontadas da velhice, talvez uma voz interior lhe houvesse soprado: "Esconde o que é teu para não teres de repartir com os filhos. Precisarás do que amealhaste quando perderes as forças. Sabes como são os filhos: crescem, se desapegam, o pai se transforma num estranho para eles. Tu mesmo conheces casos de pais corridos porta a fora ...”

Nesse ponto tive de correr atrás deles, porque meu pai, se não corria propriamente, trotava, e Joãozinho Feitosa teve de fechar o paletó negro de abas desfraldadas ao vento. Paramos apenas no alpendre o tempo necessário para recobrar o fôlego. Na respiração ofegante de meu pai não ouvi o chiado característico do asmático. As camadas estavam perfeitamente superpostas dentro do seu peito.

No livro está a resposta ...

E meu pai atirou-se à estante, que era modesta, como convém a um homem trabalhador; quem pega no pesado não tem tempo para esses luxos. Romance é coisa pra moças, mesmo assim as que se comprazem no ócio, indiferentes às rendas e bordados, honestas prendas que rareiam hoje em dia. Mas uma leiturazinha pra encher um domingo, um bom enredo à maneira de Pérez Escrich não fazem mal a ninguém. Atiçam a imaginação, um homem também precisa de uma pitada de sonho pra temperar esta vida.

Meu pai começou a busca por um livro que passara de mão em mão na família e todos acharam genial, mas muito triste, muito pesaroso: A Toutinegra do Moinho. Sacudiu-o, folheou-o e nada encontrou. Releu o título. Depois foi a vez de Eugêne Sue e Victor Hugo. O Diamante Maldito, enredo policial muito do seu agrado, nada lhe revelou também. Por fim, numa brochura já sem capa, intitulada Olhos Fascinadores, seu coração quase parou. Lá estava um pedaço de papel. Meu pai desdobrou-o com lentidão. O sangue lhe subira ao rosto. Lembrava-se de uma estória que lhe tinham contado, de um sujeito que sofria do coração e acertara na sorte grande. A família, para não matá-lo com o choque, começou com rodeios: "Imagine se você um dia comprasse um bilhete de loteria ..." E foi assim., num crescendo, até soltar a revelação final e o desgraçado soltar o último alento.

Mas o papel continha apenas um soneto parnasiano, da lavra de meu pai, pecado cometido na juventude, quando ele namorava uma moça gorda que veio a casar deois com um comerciante. Orgulhoso e para que não irassem dúvidas quanto à autoria, meu pai escrevera antes de sua assinatura, embaixo: "Do próprio punho. E datara. O soneto cantava os tormentos marítimos de Ulisses:

Da vasta noite a estrela peregrina
banha a galera de níveos lavores;
dos golpes de remo os leves rumores
ferem o silêncio ermo da piscina.

(Piscina era o Mediterrâneo: licença poética e necessidade de rima.)

Eis que, rompendo a paz d'hora divina
suavíssimo e doce canto se alteia.
Das glaucas ondas ergue-se u' a sereia
esplendorosa, nua, serpentina.
Treme Ulisses sentindo-se arrastado;
a tentadora, mui perto, ao costado,
quer atraí-lo c'o encanto e sedução.
Resiste o herói grego; e em grave apelo
convence a marinhagem a prendê-lo
ao pé do mastro, fugindo à tentação.

Não era hora de sonetos, mas meu pai, apesar de homem prático também um esteta, releu-o, empostando a voz, para deleite meu e de Joãozinho Feitosa. Que rimas, hem? Ricas, sonoras. E pode contar as sílabas nos dedos, tudo certinho, medido. Aqui não tem pé quebrado.

"Tem idéia, tem vigor. Até parece que estou vendo a cena", concordou Joãozinho Feitosa, com um princípio de baba num dos cantos da boca.

Passada a euforia dos dois quartetos e dois tercetos sem fecho de ouro, mas de lavor clássico, meu pai voltou à caça ao tesouro. Não havia criptograma a decifrar, como no caso dos dançarinos de Conan Doyle, nem fio a ser esticado por entre a órbita de uma caveira, como no escaravelho de Poe. Havia apenas um livro a procurar. E ele virou e mexeu, sacudiu e folheou fascículos, brochuras, almanaques, uma coleção inteira de Chácaras e Quintaes, sob o olhar expectante de Joãozinho Feitosa, que não perdia um movimento seu. Esgotada a biblioteca familiar, caiu em desânimo, procurou uma cadeira.

“Acho que Tomé de Arapiraca se enganou desta vez."

“Procurou bem?”

“Já olhei tudo."

Os olhos de meu pai erraram, pesarosos, pela sala, fixaram-se na pêndula que ia e vinha, deram com pitangas maduras além da janela aberta, retrocederam e pousaram com desgosto na escrivaninha de tampos e fechos de prata, bem precisada de uma limpeza. O pó se acumulava nas beiras, a negra Ana ia levar um carão. Se por fora era o que se via, imagine-se por dentro ... Provavelmente as traças se banqueteavam, comiam algarismos, contas amareleciam sob uma camada de bolor e poeira. O livro-caixa ...

“O livro-caixa," berrou, pondo-se de pé num salto de menino novo.

"Eu não dizia?" animou-se Joãozinho Feitosa.

Examinado às pressas, o livro-caixa revelou numa de suas mais antigas anotações, antes do meu pai começar a escriturá-lo, uma entrada de cinco contos de réis, na coluna do haver, mas que não fora registrada; a partir daí, não aparecia mais em nenhum balanço. Os cincos contos, fruto talvez de alguma venda, de uma herança ou de um jogo feliz, haviam desaparecido. Ora, moedas de ouro não se dissolvem no ar, o defunto era muito cuidadoso nas suas anotações.

"Escondeu", disse Joãozinho Feitosa, na sua fala mansa e irretorquível. "Pensava viver muito tempo ainda, mas quem esconde com fome o rato vem e come."

Na sua alegria doida meu pai deixou passar em branco a alusão, que, aliás, não fora proferida de propósito, para ferir. Interessava-lhe apenas a conclusão, clara, meridiana, ardente como a luz do sol: havia dinheiro naquela casa, um monte de moedas que valiam hoje uma fortuna. O ouro explicava a presença do busto fantasmal na escuridão do quarto. O danado do meu avô era mesmo apegado ao dinheiro, sim senhor. Mas onde? Descontados os objetos novos, os trastes introduzidos por meu pai depois do casamento, após a morte do finado José, restava a casa inteira, um casarão. Onde?

Essa pergunta ele ainda fazia depois de várias noites de sono difícil e de consultas inúteis ao fantasma. Pensou em sessão espírita, mas isso demandaria tempo e dinheiro, e depois o finado talvez não quisesse entrar em pormenores. Pensou em arrancar do quarto as tábuas de putumuju, derrubar as paredes — mas a casa era muito velha, podia vir abaixo. Minha mãe é que tinha razão: Virgílio cantara os prazeres do campo, a satisfação das lavouras, mas naquele tempo o mundo era outro. Meu pai procurou as palavras exatas. Bucólico. Contemplativo. Jograis e menestréis percorriam os caminhos, carruagens rolavam, espadachins disputavam o amor fervoroso de castas donzelas.

Não, isso foi depois. O meio sorriso de Mona Lisa podia ser enigmático, mas para ele era demonstração de safadeza da mulher. E a Maja Desnuda, que inocência em todo o corpo exposto... Lá estava ele outra vez a divagar. E deitado sobre ou sob um monte de ouro, fumando o seu estramônio. A valorização do ouro... Sol lucet omnibus, ensinava o dicionário de Jayme de Séguier, na parte das citações latinas. Amor omnia vincit. Quem veio em seu auxílio, afinal, foi o mano Justino, através de uma frase de sentido obscuro, quando recolhera numa festa, com as mãos, um frango que resvalara da travessa: "Levou-os que trouxe! "

"Danou-se, danado está", soprou-lhe o seu outro irmão, Romão Baptista, que sempre tivera queda para o• maldito. Meu. pai examinaria caibros, vigas, cumeeiras, esteios, adobes, o diabo. Os meninos precisavam de escola decente na cidade, aquilo não era vida. Chico de Luanda, seu antigo tutor, aprovaria a resolução: "Isto mesmo, homem, sua família merece o melhor. Acima de tudo, a família."

A casa era grande, desceu aos poucos à superficie da terra. João Gonçalves, o mesmo que a levantara, veio derrubá-la e começou pelos fundos, a parte mais baixa, onde seria possível pular-se do telhado sobre um barranco. As telhas, outrora gosmentas e cor de barro novo, estavam agora encardidas; empilhadas, arrimadas umas às outras, cobriram vasta extensão do terreno que descia suavemente para o brejo; os caibros e vigas, ainda rijos foram amontoados numa clareira do bosque, depois que meu pai os examinou de ponta a. ponta e neles bateu com um martelo em busca de sons ocos; as paredes desceram a golpes de marreta, os adobes sanearam uma parte do brejo, esfarinhados; as tábuas do assoalho, de um putumuju precioso, ainda amarelado apesar do tempo, ele guardou num galpão construído especialmente para esse fim; chegou, por fim, a vez dos esteios — e os de baixo, que sustentavam o alpendre, a sala de visitas, o quarto de cama de couro de zebu e o quarto do fantasma, revelaram, ao serem balançados e arrastados à força de cordas e de braços, apenas buracos. No lugar da casa restou um terreno seco, batido e quase branco, onde a chuva só entrava de enxurrada; visto de baixo, para quem chegava, parecia campo de pouso. A madeira que lá ficou deve estar hoje apodrecida, de mistura com a terra, as ervas daninhas que não tardaram a crescer e muitas chuvas.

Perdemos o tesouro, que esse não foi mesmo encontrado, mas em compensação mudamos para a cidade, adquirimos hábitos compatíveis com o grau de civilização a que aludia minha mãe; por muito tempo ela deixou de soltar muxoxos rezingueiros, mesmo quando falavam, de brincadeira, em Joãozinho Feitosa — mas os muxoxos voltariam, anos depois, quando se enamorou de uma casa na beira da praia. Meu pai tornou-se muito hábil no pôquer e se esqueceu das charadas. E eu entrei no tiro-de-guerra, bem defronte à casa de umas primas que me admiravam o buço nascente. E o fantasma? Mudou-se também. Ainda pairou enevoado, alguns dias, no mesmo lugar, mas depois se desapegou das suas moedas de ouro, ou então foi por elas atraído até a casa de um vizinho, o Petronílio. Não falta quem veja na sua prosperidade súbita e suspeita, traduzida num grande armazém de secos e molhados na cidade, :.a bosque, depois que meu pai os examinou de ponta :. ponta e neles bateu com um martelo em busca de Süns ocos; as paredes desceram a golpes de marreta, os a.::S.obes sanearam uma parte do brejo, esfarinhados; as "i2.buas do assoalho, de um putumuju precioso, ainda ~arelado apesar do tempo, ele guardou num galpão eonstruído especialmente para esse fim; chegou, por '<;m, a vez dos esteios - e os de baixo, que sustenta.am o alpendre, a sala de visitas, o quarto de cama de couro de zebu e o quarto do fantasma, revelaram, ao serem balançados e arrastados à força de cordas e de braços, apenas buracos. No lugar da casa restou um terreno seco, batido e quase branco, onde a chuva só entrava de enxurrada; visto de baixo, para quem chegava, parecia campo de pouso. A madeira que lá ficou deve estar hoje apodrecida, de mistura com a terra, as ervas daninhas que não tardaram a crescer e muitas chuvas. Perdemos o tesouro, que esse não foi mesmo encontrado, mas em compensação mudamos para a cidade, adquirimos hábitos compatíveis com o grau de civilização a que aludia minha mãe; por muito tempo ela deixou de soltar muxoxos rezingueiros, mesmo quando falavam brincando em Joãozinho Feitosa — mas os muxoxos voltariam, anos depois, quando se enamorou de uma casa na beira da praia. Meu pai tornou-se muito hábil no pôquer e se esqueceu das charadas. E eu entrei no tiro-de-guerra, bem defronte à casa de umas primas que me admiravam o buço nascente. E o fantasma? Mudou-se também. Ainda pairou enevoado, alguns dias, no mesmo lugar, mas depois se desapegou das suas moedas de ouro, ou então foi por elas atraído até a casa de um vizinho, o Petronílio. Não falta quem veja na sua prosperidade súbita e suspeita, traduzida num grande armazém de secos e molhados na cidade, e casa própria numa rua das melhores, a descoberta do botijão. Preocupado com paredes, caibros e assoalhos, meu pai esqueceu-se de escavar o porão. Quando um de nós o recrimina, fingindo seriedade, ele levanta os ombros até o queixo magro, como a dizer: "Danou-se, danado está" — filosofia que, com o peso da velhice, vai substituindo aquela outra, aquela que manda deixar porque a natureza é que resolve.
===========
Fonte: PÓLVORA, Hélio. Noites Vivas.

Lançamento do livro Escritos Ordinários, de Carlos R. Mantovani

No dia 26, sábado das 20 às 22h, na Fundec (Rua Brigadeiro Tobias, 73), durante a Semana do Escritor, amigos e admiradores promovem o lançamento do livro Escritos Ordinários, da autoria de Carlos Roberto Mantovani.

Com 174 páginas, 64 das quais em cores, em grande formato (270 x 210 mm), primorosamente impressas, é uma das obras mais requintadas entre aquelas produzidas com recursos da Linc (Lei nº 5736/1998, de Incentivo à Cultura da Prefeitura de Sorocaba). Durante a Semana do Escritor será vendida ao preço promocional de R$ 20,00 o exemplar.

Escritos Ordinários divide-se em dois momentos: os poemas, na primeira parte e, na segunda parte, fotos sobre as obras artísticas (pinturas, desenhos, criações variadas) e atividades culturais de Mantovani. Abrindo a obra, temos comentários, análises, dados biográficos e sobre a importância do autor, na visão dos seus amigos.

Durante o lançamento acontecerão algumas performances e serão mostradas imagens de Mantovani e sua obra em vídeo e fotos.

Nascido em Laranjal Paulista em 1950 e falecido em Sorocaba em 2003, ele foi dramaturgo, ator, diretor de teatro, artista plástico, dançarino, animador cultural e poeta. Seu nome, em homenagens póstumas, foi dado ao Espaço Cultural do Sindicato dos Metalúrgicos e ao Teatro de Arena, anexo ao Teatro Municipal de Sorocaba.

Informação de Geraldo Bonadio, presidente da Academia Sorocabana de Letras

Fonte:
Douglas Lara. In http://www.sorocaba.com.br/acontece

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Paul Verlaine (Canção do Outono)

CANÇÃO DO OUTONO

Tradução: Alphonsus de Guimaraens

Os soluços graves
Dos violinos suaves
Do outono
Ferem a minh'alma
Num langor de calma
E sono.

Sufocado, em ânsia,
Ai! quando à distância
Soa a hora,
Meu peito magoado
Relembra o passado
E chora.

Daqui, dali, pelo
Vento em atropelo
Seguido,
Vou de porta em porta,
Como a folha morta
Batido...

CANÇÃO DO OUTONO

Tradução: Onestaldo de Pennafort

Os longos sons
dos violões,
pelo outono,
me enchem de dor
e de um langor
de abandono.

E choro, quando
ouço, ofegando,
bater a hora,
lembrando os dias,
e as alegrias
e ais de outrora.

E vou-me ao vento
que, num tormento,
me transporta
de cá pra lá,
como faz à
folha morta.

CANÇÃO DE OUTONO

Tradução: Guilherme de Almeida

Estes lamentos
Dos violões lentos
Do outono
Enchem minha alma
De uma onda calma
De sono.

E soluçando,
Pálido, quando
Soa a hora,
Recordo todos
Os dias doidos
De outrora.

E vou à toa
No ar mau que voa.
Que importa?
Vou pela vida,
Folha caída
E morta.

CHANSON D'AUTOMNE

Paul Verlaine

Les sanglots longs
Des violons
De l'automne
Blessent mon coeur
D'une langueur
Monotone.

Tout suffocant
Et blême, quand
Sonne l'heure,
Je me souviens
Des jours anciens
Et je pleure.

Et je m'en vais
Au vent mauvais
Qui m'emporte
Deçà, delà,
Pareil à la
Feuille morte.
*************************

"De la musique avant toute chose" — a música antes de qualquer coisa. Com este verso definitivo, o francês Paul Verlaine (1844-1896), abre o poema "Art Poétique", de 1885, considerado um verdadeiro manifesto da poesia simbolista. De fato, Verlaine colocou a música acima de tudo. Ele queria um verso fluido, ritmado, solúvel no ar.

Exemplo disso é essa pequena jóia, a "Chanson d'Automne", publicada em seu livro Poèmes Saturniens (Poemas Saturninos), de 1866. A música está de tal forma entranhada nesse poema que traduzi-lo para o português parece tarefa impossível. Por isso mesmo, transcrevo aqui três versões dessa canção de outono, escritas por poetas brasileiros de diferentes gerações: Alphonsus de Guimaraens (1870-1921), Guilherme de Almeida (1890-1969) e Onestaldo de Pennafort (1902-1987).

Vamos à leitura. Ainda que você conheça o francês apenas de orelhada, dá para perceber as artimanhas sinfônicas empregadas por Verlaine. Basta escutar a primeira estrofe. Há ali como que um violão, inicialmente executado nas cordas mais graves: sanglots longs, violons, automne. De repente, a ação se transfere para as cordas médias (coeur, langueur) e retorna à nota inicial (monotone).

A música se desenvolve aparentemente mais suave na segunda estrofe e, na terceira, se rende ao sopro do "vento mau". Ali, as palavras oscilam como uma folha ao vento (deçà, delà, pareil a la) que afinal se acomoda no chão. Bem, não sou músico, mas isso é o que meu ouvido me diz.

Agora, como traduzir (verter, recriar, transcriar etc. etc.) esse poema em português? A seguir, algumas observações sobre as traduções ao lado.

Onestaldo de Pennafort conseguiu equilibrar bem texto e música na primeira estrofe. O trio sons-violões-outono dá conta do recado. No entanto, perde-se um pouco da mudança de tom: as palavras dor e langor não fazem o mesmo papel sonoro de coeur/langueur. Outro ponto forte da versão de Pennafort é a manutenção do bailado da folha seca ao vento: de cá pra lá,/ como faz à/ folha morta. Também vale destacar que, dos três, Pennafort foi o único a manter a métrica original, ou seja, estrofes com versos de 4-4-3-4-4-3 sílabas. Os outros trabalharam com 5-5-2-5-5-2 (Guimaraens) e 4-4-2-4-4-2 (Almeida).

Em sua tradução, Guilherme de Almeida introduziu, no início, a palavra "lamento", para corresponder ao original sanglots (soluços). Para dar o tom de corda grave, ele também optou por violões, e não violinos, como fez Guimaraens. Violino é o correspondente de violon, mas, no contexto, desafina a orquestra. Nesse item, Alphonsus de Guimaraens mostrou-se o mais fiel ao sentido das palavras (por exemplo, usou "soluços"). Em compensação, foi o que menos se aproximou da melodia verlainiana.

Guilherme de Almeida foi o único a manter o ar de desconsolo indicado pelo verso "Qui m'emporte", na última estrofe. Mas é um jogo terrível: ele ganha esse dar-de-ombros e perde a flutuação da folha ao vento.

Talvez eu esteja sendo chato com essas observações quase técnicas. No entanto, o objetivo é mostrar como é difícil chegar a uma tradução que, idealmente, traga para o idioma de destino tanto o significado direto das palavras como outros sentidos e impressões que elas podem carregar — a música, por exemplo.

Fontes:
Carlos Machado. Sinfonia em versos. in poesia.net. http://www.algumapoesia.com.br/ , 2003.

Paul Verlaine, "Chanson d'Automne" In Poèmes Saturniens (1866)
Traduções:
• Alphonsus de Guimaraens (1870-1921)
• Guilherme de Almeida (1890-1969)
• Onestaldo de Pennafort (1902-1987)

Projeto de Trovas para Uma Vida Melhor (1a. Parte)

2a. CIRANDA DE TROVAS

Tema: Entendimento

01.
Entendimento promove
a alegria em seu viver,
toda dúvida remove
na certeza de um prazer
Mifori
Mogi das Cruzes/SP
~ * ~
02.
O mundo será melhor
e atingirá rumos novos,
quando se fizer maior
o entendimento entre os povos...
Ercy Maria Marques de Faria
Bauru/SP/Brasil
~ * ~
03.
De posse do entendimento
das palavras de Jesus,
as trevas do pensamento
viram caminhos de luz.
Jair Maciel de Figueiredo
Candelária - Natal - RN
~ * ~
04.
Quando a discórdia assedia,
feliz daquele que faz
do entendimento a magia
para manter viva a paz.
Milton Souza
Porto Alegre/RS/- UBT Porto Alegre

~ * ~
05.
A inspiração é o momento,
que num poema imortal,
faz do verso entendimento
da linguagem universal.
Hélio Alexandre Silveira e Souza
Natal - RN
***
06.
Paz, amor, entendimento,
mandai, ó Deus, sobre a Terra,
e expurgai todo o tormento
das nações que estão em Guerra!
Joamir Medeiros
Natal/RN
~ * ~
07.
Quando na terra cessar
fome, guerra e sofrimento,
niguém mais vai duvidar
do valor do entendimento.
Helio Pedro Souza
Natal -RN
***
08.
Acho belo o entendimento
de olhares apaixonados,
é sempre um renascimento
de bons momentos passados!
Gislaine Canales
Balneário Camboriú-SC
~ * ~
09.
Com o dom do entendimento
o bem do mal eu separo,
evito causar tormento
e do irmão me torno amparo.
Leda Coletti
Piracicaba- SP
~ * ~
10.
O entendimento se faz
com amor no coração,
sem Guerras, com muita Paz
e abraçando nosso irmão...
Clério José Borges
Serra - Espírito Santo

***
11.
Entendimento em verdade
constitui a garantia
de que essa nossa amizade
se renova a cada dia
Marcos Medeiros
Lagoa Nova, Natal-RN
~ * ~
12.
Por mais que o conhecimento
do amor é Luz que fascina,
sem a LUZ do "entendimento"
parece mera doutrina.
Wandira Fagundes Queiroz
Curitiba - PR.
***
13.
Exercer o amor profundo,
é de Deus um mandamento.
Só há conflitos no mundo,
por falta de entendimento.
Geraldo Amancio Pereira.
Fortaleza-Ceará.
~ * ~
14.
Em nome do entendimento,
espalhe a alegria e o bem.
Deus nos deu por mandamento
servir sem olhar a quem!
Arlene Lima
Maringá- PR

***
15.
Deus do agora e do porvir
dá-me o dom do Entendimento
para eu saber discernir
o bom do mau pensamento.
Maria Ignez Pereira
M.Guaçu/SP/Brasil

~ * ~
16.
Quando o mundo pensar junto,
na paz e no entendimento,
a guerra será assunto
do livro do esquecimento.
Cícero GIego Amancio Alcãntara
Fortaleza-Ceará
.
~ * ~
17.
Somente um bom sentimento
equilibra uma questão
para que haja entendimento,
ouça a voz do coração.
Marly Scorzelli Serrano
São Gonçalo/RJ/Brasil

~ * ~
18.
Sem medo ou desconfiança,
com um bom entendimento,
quem procura sempre alcança
um melhor envolvimento.
Mifori
Mogi das Cruzes/SP/Brasil
~ * ~
19.
Dois burros muito briguentos,
resolveram dialogar...
Após seus entendimentos,
felizes foram almoçar!
Poeta Artur Barbosa
Curitiba/PR/Brasil
~ * ~
20.
Não há saber, nem cultura,
que cure os pecados teus,
mas o que está na Escritura:
o entendimento de Deus.
Raymundo de Salles Brasil
Salvador - Bahia
~ * ~
21.
Por falta de entendimento,
o nosso amor se acabou.
Não ficou no esquecimento,
pois a saudade ficou!
Neiva Fernandes
Campos dos Goytacazes/RJ

~ * ~
22.
Por falta de entendimento
muitos casais se separam,
motivando sofrimento
a dois seres que se amaram.
Flávio Ferreira da Silva
Nova Friburgo/RJ
~ * ~
23.
Ame com entendimento,
viva a vida com prazer
e tenha discernimento
em tudo que for fazer.
Zelia Maria Carvalho de Figueiredo
Natal/RN
~ * ~
24.
Entre o teu encantamento
e a minha estranha memória
fica o meu entendimento
sepultado nesta história.
Fahed Daher
Apucarana /PR

~ * ~
25.
A falta de entendimento
provoca a separação
acaba com o casamento
traz muita desilusão.
Alda Lopes de Oliveira Rezende
Taubaté - SP.
~ * ~
26.
"Aspiro ao entendimento,
dom ofertado por Deus,
para que meu sentimento
se ajuste aos desejos seus."
María Cristina Fervier
Salto Grande, Provincia de Santa Fé, Argentina
~ * ~
27.
Sofre sim, desilusão
quem não tem entendimento
pois pra falar com razão
tem um grande impedimento.
María Elena Espinosa Mata
México
~ * ~
28.
Todo bom entendimento,
nos vem de Deus com o amor
e nos dá discernimento,
para suprimir a dor!
Garibaldy Martínez
Santo Domingo, República Dominicana
.
~ * ~
29.
Grande entendimento amor
é o que existe entre nós dois,
como luz de uma só cor
iluminando o depois...
Nora Lanzieri
Buenos Aires, Argentina

~ * ~
30.
Que jamais nos esqueçamos
que entendimento é desgraça,
se nós não compartilhamos,
o que nos deram em graça!
Mirta Lílian Cordido
La Plata - Buenos Aires - Argentina

~ * ~
31.
Por falta de entendimento,
quanto mal a gente faz…
Dê-se à vida um novo alento
num horizonte de paz!
Fernando Máximo
Avis - Portugal

~ * ~
32.
Clareia meu pensamento,
é nobre a sua função,
chamam-no de entendimento,
é divina criação!
Jamil William Piscoya Ayala
Peru
~ * ~
33.
Se fosse eu um bom cantor,
em meu bom entendimento,
eu cantaria ao amor,
que é o primeiro mandamento.
Guillermo R. Magliarelli (Guirroma)
Buenos Aires.- Argentina
~ * ~
34.
Por muito que sopre o vento,
Por muito que a mão nos trema,
Há sempre um entendimento
Nos versos dum bom poema.
António José Barradas Barroso
Parede - Portugal
~ * ~
35.
Se entendimento é pensar
Que alguém concorda comigo,
Abro as portas do meu lar
Para acolher um amigo.
Olívia Alvarez Miguez Barroso
Parede - Portugal
~ * ~
36.
Só não há entendimento
quando não há união.
E todo bom casamento
só precisa de paixão.
Ingrid de Cássia Casa
E. E. “Dr. Cerqueira César”, Paraibuna/SP.
~ * ~
37.
Entendimento é Amor
compreensão e respeito.
Para ser um trovador
eu tenho que andar direito!
Luiz Victor de Moraes Cavalcante
Escola: “Helena Lubieska” , Recife - PE
~ * ~
38.
De que vale o entendimento
se não queres compreender?
O global aquecimento
prejudica o bom viver.
Francyelle de Melo Fontes Rico
E. E. “Dr. Cerqueira César”, Paraibuna/SP.
~ * ~
39.
Entendimento é tão bom,
todos nós devemos ter;
precisamos ter um dom
pra na vida melhor ser.
Isabelle Christine Gavioli Galvão
E. E. “Dr. Cerqueira César”, Paraibuna/SP.
~ * ~
40.
Pra ter um bom casamento
é tão necessário amar;
tendo muito entendimento,
pra ele não se acabar.
Liliane Aparecida de Oliveira
E. E. “Dr. Cerqueira César”, Paraibuna/SP.
~ * ~
41.
O melhor entendimento
é do Todo Poderoso,
que eu peço então, bem atento
com meu jeito talentoso.
Priscila Suellen da Cruz Diniz
E. E. “Dr. Cerqueira César”, Paraibuna/SP
.
~ * ~
42.
Poucos têm entendimento.
É raro e bem poucos têm.
Uns aprendem no momento,
outros o querem também.
Liana Moreira da Silva
E. E. “Dr. Cerqueira César”, Paraibuna/SP.

~ * ~
43.
O melhor entendimento
é igual ao que floresce:
nunca sai do pensamento
e você jamais esquece.
Ariadna Clarissa Durães
E. E. “Dr. Cerqueira César”, Paraibuna/SP.
~ * ~
44.
Se nós em algum momento
deixarmos sim, de estudar,
falhará o entendimento
e a vida vai piorar.
Isabela Contini Multini
E. E. “Dr. Cerqueira César”, Paraibuna/SP.

~ * ~
45.
Todo o meu entendimento,
só começa a aparecer
quando surge um contratempo,
que preciso resolver!
Patrícia Camilla
“Colégio Geração Ativa”, Recife – PE

~ * ~
46.
Sonhar não é muito bom
quando se sonha acordado,
precisamos dar um tom
entendimento esperado.
Aline de Fátima Silva
E. E. “Dr. Cerqueira César”, Paraibuna/SP.
~ * ~
47.
Entendimento é preciso
para podermos viver.
Pois viver no paraíso
é tal como renascer.
Rafaela Ap. de Souza Prado
E. E. “Dr. Cerqueira César”, Paraibuna/SP.

~ * ~
48.
Entendimento que eu quero
é o do amor verdadeiro.
E o amor todo eu espero,
seja para o mundo inteiro.
Silvana A. Rosa de Souza
E. E. “Dr. Cerqueira César”, Paraibuna/SP.
~ * ~
49.
Não possuo entendimento,
mas eu tenho honestidade;
e assim me mantenho atento
para qualquer amizade.
Cíntia Cristina da Silva Cabral
E. E. “Dr. Cerqueira César”, Paraibuna/SP.
~ * ~
50.
O melhor entendimento
é igual ao que floresce:
nunca sai do pensamento
e você jamais esquece.
Ariadna CClarisse Durães
E. E. “Dr. Cerqueira César”, Paraibuna/SP.
~ * ~
51.
Sonhar não é muito bom
quando se sonha acordado,
precisamos dar um tom
entendimento esperado.
Aline de Fátima Silva
E. E. “Dr. Cerqueira César”, Paraibuna/SP.
~ * ~
52.
Entender é necessário;
basta só saber e crer.
E não ter nada ao contrário
para aprender e viver.
Débora Tolosa da Silva
E. E. “Dr. Cerqueira César”, Paraibuna/SP.
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53.
É necessário entender
o planeta dos mais ricos,
pois passam sem perceber
os amigos pagam micos.
Valéria
E. E. “Dr. Cerqueira César”, Paraibuna/SP.
~ * ~
54.
Passe seu entendimento
para uma outra entender,
passo meu conhecimento
para o mundo compreender.
Thiago William Lima
E. E. “Dr. Cerqueira César”, Paraibuna/SP.
~ * ~
55.
Deixei minha mocidade
tive meu entendimento
aumentando minha idade
e buscando meu talento.
Jéssica de Jesus Ventura
EE "Dr. Cerqueira César", Paraibuna-SP
~ * ~
56.
Entendimento é pensar
entender é conhecer
basta querer avistar
e vamos compreender.
Margarete Aparecida dos Santos Cardoso
Bairro Bela Vista, Paraibuna-SP
~ * ~
57.
Não sei se terei talento
pra ser boa trovadora,
mas acho que entendimento
quero ter logo e agora!
Bruna Marina de Souza Moraes
Colégio Geração Ativa, Recife-PE
~ * ~
58.
Para um bom entendimento,
vocês terão de convir,
ponham-se a pintar o vento
de azul celeste, sem rir.
Miguel Russowsky
Joaçaba - SC
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59.
Entendimento é caminho
que se abre à compreensão.
Importa muito o carinho,
na busca da solução.
Geraldo Paz Vidal
Caraguatatuba - SP

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60.
Não houve o entendimento
esperado pelos dois,
pois o frágil sentimento
não resistiu ao depois!
Delcy Canalles
Porto Alegre - RS
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Fonte:
Colaboração de Mifori

Maratona Literária Sorocult












Fonte:
Colaboração do Grupo Sorocult. http://www.sorocult.com/

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Expressões Populares - De onde sai isso?

A CARNE É FRACA:
Trecho retirado da bíblia - "Vigiai e orai, para que não entreis em tentação; o espírito, na verdade, está pronto, mas a carne é fraca". (Mt. 26:41).

VOTO DE MINERVA:
Orestes, filho de Clitemnestra, foi acusado pelo assassinato da mãe. No julgamento, houve empate entre os acusados. Coube à deusa Minerva o voto decisivo, que foi em favor do réu. Voto de Minerva é, portanto, o voto decisivo.

CASA DA MÃE JOANA:
Na época do Brasil Império, mais especificamente durante a minoridade do Dom Pedro II, os homens que realmente mandavam no país costumavam se encontrar num prostíbulo do Rio de Janeiro, cuja proprietária se chamava Joana. Como esses homens mandavam e desmandavam no país, a frase "casa da mãe Joana" ficou conhecida como sinônimo de lugar em que ninguém manda.

VÁ SE QUEIXAR AO BISPO:
Durante o Brasil Colônia, a fertilidade de uma mulher era atributo fundamental para o casamento, afinal, a ordem era povoar as novas terras conquistadas. A Igreja permitia que, antes do casamento, os noivos mantivessem relações sexuais, única maneira de o rapaz descobrir se a moça era fértil. E adivinha o que acontecia na maioria das vezes? O noivo fugia depois da relação para não ter que se casar. A mocinha, desolada, ia se queixar ao bispo, que mandava homens para capturar o tal espertinho.

CONTO DO VIGÁRIO:
Duas igrejas de Ouro Preto receberam uma imagem de santa como presente. Para decidir qual das duas ficaria com a escultura, os vigários contariam com a ajuda de Deus, ou melhor, de um burro. O negócio era o seguinte: colocaram o burro entre as duas paróquias e o animalzinho teria que caminhar até uma delas. A escolhida pelo quadrúpede ficaria com a santa. E foi isso que aconteceu, só que, mais tarde, descobriram que um dos vigários havia treinado o burro. Desse modo, conto do vigário passou a ser sinônimo de falcatrua e malandragem.

FICAR A VER NAVIOS:
Dom Sebastião, rei de Portugal, havia morrido na batalha de Alcácer-Quibir, mas seu corpo nunca foi encontrado. Por esse motivo, o povo português se recusava a acreditar na morte do monarca. Era comum as pessoas visitarem o Alto de Santa Catarina, em Lisboa, para esperar pelo rei. Como ele não voltou, o povo ficava a ver navios.

NÃO ENTENDO PATAVINAS:
Os portugueses encontravam uma enorme dificuldade de entender o que falavam os frades italianos patavinos, originários de Pádua, ou Padova, sendo assim, não entender patavina significa não entender nada.

DOURAR A PÍLULA:
Antigamente as farmácias embrulhavam as pílulas em papel dourado, para melhorar o aspecto do remedinho amargo. A expressão dourar a pílula, significa melhorar a aparência de algo.

CHEGAR DE MÃOS ABANANDO:
Há muito tempo, aqui no Brasil, era comum exigir que os imigrantes que chegassem para trabalhar nas terras trouxessem suas próprias ferramentas.
Caso viessem de mãos vazias, era sinal de que não estavam dispostos ao trabalho. Portanto, chegar de mãos abanando é não carregar nada.

SEM EIRA NEM BEIRA:
Os telhados de antigamente possuíam eira e beira, detalhes que conferiam status ao dono do imóvel. Possuir eira e beira era sinal de riqueza e de cultura. Não ter eira nem beira significa que a pessoa é pobre, está sem grana.

ABRAÇO DE TAMANDUÁ:
Para capturar sua presa, o tamanduá se deita de barriga para cima e abraça seu inimigo. O desafeto é então esmagado pela força. Abraço de tamanduá é sinônimo de deslealdade, traição.

O CANTO DO CISNE:
Dizia-se que o cisne emitia um belíssimo canto pouco antes de morrer. A expressão canto do cisne representa as últimas realizações de alguém.

ESTÔMAGO DE AVESTRUZ:
Define aquele que come de tudo. O estômago da avestruz é dotado de um suco gástrico capaz de dissolver até metais.

LÁGRIMAS DE CROCODILO:
É uma expressão usada para se referir ao choro fingido. O crocodilo, quando ingere um alimento, faz forte pressão contra o céu da boca, comprimindo as glândulas lacrimais. Assim, ele chora enquanto devora a vítima.

MEMÓRIA DE ELEFANTE:
O elefante lembra de tudo aquilo que aprende, por isso é uma das principais atrações do circo. Diz-se que as pessoas que se recordam de tudo tem memória de elefante.

OLHOS DE LINCE:
Ter olhos de lince significa enxergar longe, uma vez que esses bichos têm a visão apuradíssima. Os antigos acreditavam que o lince podia ver através das paredes.

FEITO NAS COXAS:
As primeiras telhas dos telhados nas casas aqui no Brasil eram feitas de Argila, que eram moldadas nas coxas dos escravos que vieram da África. Como os escravos variavam de tamanho e porte físico, as telhas ficavam todas desiguais devido aos diferentes tipos de coxas. Daí a expressão: fazendo nas coxas, ou seja, de qualquer jeito.

MARIA VAI COM AS OUTRAS
A expressão teve origem em Portugal. Dona Maria I, mãe de D. João VI (avó de D. Pedro I e bisavó de D. Pedro II), enlouqueceu de um dia para o outro. Declarada incapaz de governar, foi afastada do trono. Passou a viver recolhida e só era vista quando saía para caminhar a pé, escoltada por numerosas damas de companhia. Quando o povo via sua rainha levada pelas damas nesse cortejo, costumava comentar; “Lá vai D. Maria com as outras”.

BAFO DE ONÇA:
A onça é animal carnívoro e se lambuza na hora de comer a caça, por isso fede muito e sua presença é detectada à distância na mata.

SAIR À FRANCESA
Na França, no século 18, quem, pretendendo abandonar uma sala repleta de gente, fosse despedir-se dos convivas cometia um ato importuno, ao incomodar pessoas embrenhadas em conversas, passatempos, jogos ou amores agradáveis. Daí que se “saísse à francesa”, isto é, sem cerimônia, sem aviso prévio, sem dar conhecimento a ninguém. O costume generalizou-se por toda à parte, até que, mais tarde, veio a adquirir um sentido oposto, ou seja, de descortesia e falta de educação “.

DOR-DE-COTOVELO:
- Essa tristeza toda só pode ser dor-de-cotovelo.
A expressão “dor-de-cotovelo”, usada para se referir a alguém que sofreu uma decepção amorosa, causando tristeza ou ciúmes, tem sua origem na figura de uma pessoa sentada em um bar, com os cotovelos em cima do balcão enquanto toma uma bebida e lamenta a má sorte no amor.De tanto o apaixonado ficar com os cotovelos apoiados no balcão, eles iriam doer. A partir daí que surgiu a expressão “dor-de-cotovelo”.

ENTRAR COM O PÉ DIREITO:
- Quero entrar no ano novo com pé direito!
A tradição de dar sorte ao entrar em algum lugar com o pé direito é de origem romana. Nas grandes celebrações romanas, os donos das festas acreditavam que entrando com o esse pé, evitariam agouros na ocasião da festa. A palavra “esquerda” significa do latim, sinistro, daí já fica óbvia a crença do lado obscuro dos inocentes pés esquerdos. A partir daí, a tradição se espalho pelo mundo inteiro.

FAZER VAQUINHA:
- Vamos fazer uma vaquinha pro churrasco!
A expressão “fazer vaquinha” surgiu na década de 20 e tem sua relação de origem com o jogo do bicho e o futebol. Nas décadas de 20 e 30, já que a maioria dos jogadores de futebol não tinha salário, a torcida do time se reunia e arrecadava entre si, um prêmio para ser dado aos jogadores. Esses prêmios eram relacionados popularmente com o jogo do bicho. Assim, quando iam arrecadar cinco mil réis, chamavam a bolada de “cachorro”, pois o número cinco representava o cachorro no jogo do bicho. Como o prêmio máximo do jogo do bicho era vinte e cinco mil réis, e isso representava a vaca, surgiu o termo popular “fazer uma vaquinha”, ou seja, tentar reunir o máximo de dinheiro possível para um fim específico.

JURAR DE PÉS JUNTOS:
- Mãe, eu juro de pés juntos que não fui eu.
A expressão surgiu através das torturas executadas pela Santa Inquisição, as quais o acusado de heresias tinha as mãos e os pés amarrados (juntos) e era torturado para dizer nada além da verdade. Até hoje o termo é usado para expressar a veracidade de algo que uma pessoa diz.

MOTORISTA BARBEIRO:
- Nossa, que cara mais barbeiro!
No século XIX, os barbeiros faziam não somente os serviços de corte de cabelo e barba, mas também, tiravam dentes, cortavam calos, etc, e por não serem profissionais, seus serviços mal feitos geravam marcas. A partir daí, desde o século XV, todo serviço mal feito era atribuído ao barbeiro, pela expressão “coisa de barbeiro”. Esse termo veio de Portugal, contudo a associação de “motorista barbeiro”, ou seja, um mau motorista, é tipicamente brasileira.

TIRAR O CAVALO DA CHUVA:
- Pode ir tirando seu cavalinho da chuva porque não vou deixar você sair hoje!
No século XIX, quando uma visita iria ser breve, ela deixava o cavalo ao relento em frente à casa do anfitrião e se fosse demorar, colocava o cavalo nos fundos da casa, em um lugar protegido da chuva e do sol. Contudo, o convidado só poderia por o animal protegido da chuva se o anfitrião percebesse que a visita estava boa e dissesse: “pode tirar o cavalo da chuva”. Depois disso, a expressão passou a significar a desistência de alguma coisa.

À BEÇA:
- O mesmo que abundantemente, com fartura, de maneira copiosa. A origem do dito é atribuída às qualidades de argumentador do jurista alagoano Gumercindo Bessa, advogado dos acreanos que não queriam que o Território do Acre fosse incorporado ao Estado do Amazonas.

DAR COM OS BURROS N’ÁGUA:
A expressão surgiu no período do Brasil colonial, onde tropeiros que escoavam a produção de ouro, cacau e café, precisavam ir da região Sul à Sudeste sobre burros e mulas. O fato era que muitas vezes esses burros, devido à falta de estradas adequadas, passavam por caminhos muito difíceis e regiões alagadas, onde os burros morriam afogados. Daí em diante o termo passou a ser usado para se referir a alguém que faz um grande esforço para conseguir algum feito e não consegue ter sucesso naquilo.

GUARDAR A SETE CHAVES:
No século XIII, os reis de Portugal adotavam um sistema de arquivamento de jóias e documentos importantes da corte através de um baú que possuía quatro fechaduras, sendo que cada chave era distribuída a um alto funcionário do reino.
Portanto eram apenas quatro chaves. O número sete passou a ser utilizado devido ao valor místico atribuído a ele, desde a época das religiões primitivas. A partir daí começou-se a utilizar o termo “guardar a sete chaves” para designar algo muito bem guardado

OK:
A expressão inglesa “OK” (okay), que é mundialmente conhecida para significar algo que está tudo bem, teve sua origem na Guerra da Secessão, no EUA. Durante a guerra, quando os soldados voltavam para as bases sem nenhuma morte entre a tropa, escreviam numa placa “0 Killed” (nenhum morto), expressando sua grande satisfação, daí surgiu o termo “OK”.

ONDE JUDAS PERDEU AS BOTAS:
Existe uma história não comprovada, de que após trair Jesus, Judas enforcou-se em uma árvore sem nada nos pés, já que havia posto o dinheiro que ganhou por entregar Jesus dentro de suas botas. Quando os soldados viram que Judas estava sem as botas, saíram em busca delas e do dinheiro da traição. Nunca ninguém ficou sabendo se acharam as botas de Judas. A partir daí surgiu à expressão, usada para designar um lugar distante, desconhecido e inacessível.

PENSANDO NA MORTE DA BEZERRA:
A história mais aceitável para explicar a origem do termo é proveniente das tradições hebraicas, onde os bezerros eram sacrificados para Deus como forma de redenção de pecados.
Um filho do rei Absalão tinha grande apego a uma bezerra que foi sacrificada. Assim, após o animal morrer, ele ficou se lamentando e pensando na morte da bezerra. Após alguns meses o garoto morreu.

PARA INGLÊS VER:
A expressão surgiu por volta de 1830, quando a Inglaterra exigiu que o Brasil aprovasse leis que impedissem o tráfico de escravos. No entanto, todos sabiam que essas leis não seriam cumpridas, assim, essas leis eram criadas apenas "para inglês ver". Daí surgiu o termo.

RASGAR SEDA:
A expressão que é utilizada quando alguém elogia grandemente outra pessoa, surgiu através da peça de teatro do teatrólogo Luís Carlos Martins Pena. Na peça, um vendedor de tecidos usa o pretexto de sua profissão para cortejar uma moça e começa a elogiar exageradamente sua beleza, até que a moça percebe a intenção do rapaz e diz: “Não rasgue a seda, que se esfiapa.”

O PIOR CEGO É O QUE NÃO QUER VER:
Em 1647, em Nimes, na França, na universidade local, o doutor Vicent de Paul D`Argenrt fez o primeiro transplante de córnea em um aldeão de nome Angel. Foi um sucesso da medicina da época, menos para Angel, que assim que passou a enxergar ficou horrorizado com o mundo que via. Disse que o mundo que ele imagina era muito melhor. Pediu ao cirurgião que arrancasse seus olhos. O caso foi acabar no tribunal de Paris e no Vaticano. Angel ganhou a causa e entrou para a história como o cego que não quis ver.

ANDA À TOA:
Toa é a corda com que uma embarcação reboca a outra. Um navio que está à toa é o que não tem leme nem rumo, indo para onde o navio que o reboca determinar.

DA PÁ VIRADA:
Mas a origem da palavra é em relação ao instrumento, a pá. Quando a pá está virada para baixo, voltada para o solo, está inútil, abandonada decorrentemente pelo homem vagabundo, irresponsável, parasita.

NHENHENHÉM:
Nheë, em tupi, quer dizer falar. Quando os portugueses chegaram ao Brasil, eles não entendiam aquela falação estranha e diziam que os portugueses ficavam a dizer ``nhen-nhen-nhen``.

VAI TOMAR BANHO:
Em "Casa Grande & Senzala", Gilberto Freyre analisa os hábitos de higiene dos índios versus os do colonizador português. Depois das Cruzadas, como corolário dos contatos comerciais, o europeu se contagiou de sífilis e de outras doenças transmissíveis e desenvolveu medo ao banho e horror à nudez, o que muito agradou à Igreja. Ora, o índio não conhecia a sífilis e se lavava da cabeça aos pés nos banhos de rio, além de usar folhas de árvore para limpar os bebês e lavar no rio as redes nas quais dormiam. Ora, o cheiro exalado pelo corpo dos portugueses, abafado em roupas que não eram trocadas com freqüência e raramente lavadas, aliado à falta de banho, causava repugnância aos índios. Então os índios, quando estavam fartos de receber ordens dos portugueses, mandavam que fossem "tomar banho".

ELES QUE SÃO BRANCOS QUE SE ENTENDAM:
Esta foi das primeiras punições impostas aos racistas, ainda no século XVIII. Um mulato, capitão de regimento, teve uma discussão com um de seus comandados e queixou-se a seu superior, um oficial português. O capitão reivindicava a punição do soldado que o desrespeitara. Como resposta, ouviu do português a seguinte frase: "Vocês que são pardos, que se entendam". O oficial ficou indignado e recorreu à instância superior, na pessoa de dom Luís de Vasconcelos (1742-1807), 12° vice-rei do Brasil. Ao tomar conhecimento dos fatos, dom Luís mandou prender o oficial português que estranhou a atitude do vice-rei. Mas, dom Luís se explicou: Nós somos brancos, cá nos entendemos.

A DAR COM O PAU:
O substantivo "pau" figura em várias expressões brasileiras. Esta expressão teve origem nos navios negreiros. Os negros capturados preferiam morrer durante a travessia e, para isso, deixavam de comer. Então, criou-se o "pau de comer" que era atravessado na boca dos escravos e os marinheiros jogavam sapa e angu para o estômago dos infelizes, a dar com o pau. O povo incorporou a expressão.

ÁGUA MOLE EM PEDRA DURA, TANTO BATE ATÉ QUE FURA:
Um de seus primeiros registros literário foi feito pelo escritor latino Ovídio (43 a.C.-18 d.C), autor de célebres livros como A arte de amar e Metamorfoses, que foi exilado sem que soubesse o motivo. Escreveu o poeta: "A água mole cava a pedra dura". É tradição das culturas dos países em que a escrita não é muito difundida formar rimas nesse tipo de frase para que sua memorização seja facilitada. Foi o que fizeram com o provérbio portugueses e brasileiros.

Fonte:
André Luciano Batista. Disponível em
http://www.portrasdasletras.com.br