sexta-feira, 22 de junho de 2018

José Feldman (Álbum de Trovas) 25


Jean-Pierre Barakat (Poemas Avulsos) I


ABERTO, NO CÉU...

Aberto, no céu,
O teu longínquo olhar...
De amores e abraços,
A vagar e vasculhar
Nos etéreos espaços.
Aberto, no céu,
O teu caminho na vida...
De desenlaces a fio,
Por essa terra prometida:
A alma assim no cio.
Aberto, no céu,
O teu inefável desaperto
Sorvendo esse universo...
E no coração um aperto
Urge o AMOR no verso.

CATIVOS

O Céu é cativo no teu olhar
Os filós de nuvens airosas
Seduzem os alísios ventos
No espaço do firmamento
O Mar é cativo no teu olhar
As ondas suspiram porosas
Sobre o mar os momentos
De um total contentamento
A Terra é cativa no teu olhar
A realeza em transe de rosas
Sangra atar nos pensamentos
O Tao-Amor é seu alimento
Um Pluriverso é cativo no teu olhar
Livre estou
No teu sonhar.

NOITE DO INFINITO

Estrelas e planetas
No silêncio do espaço
Acenam um ameno suspiro
E eu Amor já te respiro
Meu doce coração traço
Na elipse dos cometas
E vibro como os poetas
Outra dimensão abraço

Todos os mundos reviro
Teu nome gravo profiro
Pelas noites me refaço
Como os pios anacoretas.

NUVENS

Nuvens, nuvens por toda parte,
Explodindo sob a coroa solar.
O ruflar da ave vai encontrar-te,
E todo o meu ser vai te amar.
Nuvens, nuvens numa fileira,
Naus sem fado nesse vão.
Cores vibram na brincadeira
Quando aperto a tua mão.
Nuvens, nuvens fogem assim,
Sangrando rubras no poente.
Expiram, carregando em si

Um temporal inconsequente.

O RIO DA VIDA

É uma grande aventura
Porventura sempre será
Esse fluxo constante
De amor por toda parte
Na arte de ser rio
Mavioso abraçando o mar
Tornar-se quintessência
Dissolver-se na maré
Sonhar até em segredo
Ser a mesma Imensidão
Pois a vida no seu desenlace
Tece o nosso Despertar

CONTEMPLAÇÃO

E agora sei escutar o silêncio.
Disse-me ele que as palavras vãs fazem sentido,
Como a folha amarelada que cai no outono:
Algo morre, e é preciso sorrir, porque
Toda morte carrega uma vida em si.

Lembro do passado: lembro tudo.
Nada, porém, é mais deslumbrante que o Agora,
Esse, que vem, arrebata todas as razões e
Derruba as falsas seguranças que queremos:
Não é nosso esse privilégio de saber por certo.

Seja assim, então, que a Vida venha, plena
E imprevisível em mim, no efeito do Amor,
Seduzindo a minha alma com a sua promessa
De manhãs únicas, frágeis e inspiradoras:
E que o meu olhar possa sempre encontrar o teu.

Para abraçarmos a mesma visão no horizonte.

Fontes:

Stanislaw Ponte Preta (Prova Falsa)


Quem teve a ideia foi o padrinho da caçula - ele me conta. Trouxe o cachorro de presente e logo a família inteira se apaixonou pelo bicho. Ele até que não é contra isso de se ter um animalzinho em casa, desde que seja obediente e com um mínimo de educação.

— Mas o cachorro era um chato — desabafou.

Desses cachorrinhos de raça, cheio de nhém-nhém-nhém, que comem comidinha especial, precisam de muitos cuidados, enfim, um chato de galocha. E, como se isto não bastasse, implicava com o dono da casa.

— Vivia de rabo abanando para todo mundo, mas, quando eu entrava em casa, vinha logo com aquele latido fininho e antipático de cachorro de francesa.

Ainda por cima era puxa-saco. Lembrava certos políticos da oposição, que espinafram o ministro, mas quando estão com o ministro ficam mais por baixo que tapete de porão. Quando cruzavam num corredor ou qualquer outra dependência da casa, o desgraçado rosnava ameaçador, mas quando a patroa estava perto abanava o rabinho, fingindo-se seu amigo.

— Quando eu reclamava, dizendo que o cachorro era um cínico, minha mulher brigava comigo, dizendo que nunca houve cachorro fingido e eu é que implicava com o "pobrezinho".

Num rápido balanço poderia assinalar: o cachorro comeu oito meias suas, roeu a manga de um paletó de casimira inglesa, rasgara diversos livros, não podia ver um pé de sapato que arrastava para locais incríveis. A vida lá em sua casa estava se tornando insuportável. Estava vendo a hora em que se desquitava por causa daquele bicho cretino. Tentou mandá-lo embora umas vinte vezes e era uma choradeira das crianças e uma espinafração da mulher.

— Você é um desalmado — disse ela, uma vez.

Venceu a guerra fria com o cachorro graças à má educação do adversário. O cãozinho começou a fazer pipi onde não devia. Várias vezes exemplado, prosseguiu no feio vício. Fez diversas vezes no tapete da sala. Fez duas na boneca da filha maior. Quatro ou cinco vezes fez nos brinquedos da caçula. E tudo culminou com o pipi que fez em cima do vestido novo de sua mulher.

— Aí mandaram o cachorro embora? — perguntei.

— Mandaram. Mas eu fiz questão de dá-lo de presente a um amigo que adora cachorros. Ele está levando um vidão em sua nova residência.

— Ué... mas você não o detestava? Como é que arranjou essa sopa pra ele?

— Problema da consciência — explicou: — O pipi não era dele.

E suspirou cheio de remorso.

Fonte:
Stanislaw Ponte Preta. Garoto Linha Dura. 
RJ: Ed. do Autor, 1964.

quinta-feira, 21 de junho de 2018

José Feldman (Álbum de Trovas) 24


Petrarca Maranhão (Poemas Escolhidos)


O REI DOS RIOS
À Laura da Cunha Mello Maranhão, minha Mãe

 Vem de longe o Amazonas, o gigante
caudaloso, feliz, tentacular,
maior que o Mississipi e que o possante
rio Nilo, de glória milenar...

 Do Telhado do Mundo, ele, insinuante,
desliza da montanha, a ultrapassar
vales, terras, florestas, sempre avante,
rumando na distância, para o mar...

 Busca o estuário, em que deve, finalmente,
arremessar, violento, inquietas águas,
num lance magistral, largo e imponente...

A tudo vence, como um herói romântico :
rompe diques, barragens, pedras, fráguas,
projetando-se, olímpico, no Atlântico!...

 EM LOUVOR DO SONETO CLÁSSICO
A Adelmar Tavares

 Saudemos na Poesia, ao soneto perfeito,
clássico em seu fluir, correntio e fugaz,
sonoro em sua rima, alado em seu conceito,
proeza de que ele só e só ele é capaz...

 Saúde-se no Verso, a esse milagre audaz
da arte de traduzir, eloquente e escorreito,
tanto um suave sentir, de deleite e de paz,
quanto um clangor de guerra a rebentar do peito!

 Glória ao talento eterno... Ariel, ente imortal,
gênio do ar, a surgir no soneto ideal,
que por séculos já toda uma história abarca.

 Glória e bela criação, deveras empolgante,
que a alturas se livrou, de forma emocionante,
na apoteose triunfal de Laura e de Petrarca.

A LEI DA VIDA

 Todos nós temos sempre em cada dia,
Uma ínfima dose de ventura:
Para cada minuto de alegria,
Outros tantos instantes de amargura . . .

 Se, acaso, alguns momentos de euforia
Fazem da vida um sonho de ventura,
Logo uma sombra má nos angustia,
Nos vem turvar aquela paz tão pura . . .

 Afinal, não se sabe por que lei
E por que inexorável fatalismo
Hão de andar, lado a lado, riso e pranto!

Eu também – ai de mim! – de nada sei . . .
Sei que me curvo ao meu determinismo,
Vivendo entre a ilusão . . . e o desencanto!

A  ELA
À Capitu do “D. Casmurro” de Machado de Assis

“O’ flor do céu, ó flor cândida e pura”
Em quem meu pensamento se resume!
Flor bendita de mágico perfume,
Que embevece minh’alma de ventura!

 Da seta de Cupido o afiado gume
Em raios mil no teu olhar fulgura,
Representante ideal da formosura,
Mulher magnífica! Meu Celso nume!

 No mundo, quando a mim mais nada valha,
Serás meu guia e único fanal!
Da vida em meio à luta intensa e forte,

 Quando tu fores minha, à própria morte
Declararei, por fim, de vez, triunfal:
“Perde-se a vida, ganha-se a batalha”! . . .

SAUDADES DO AMAZONAS

Desde que te deixei, ó terra minha,
Jamais pairou em mim consolação,
Porque, se eu longe tinha o coração,
Perto de ti minh’alma se mantinha.

Em êxtase minh’alma se avizinha
De ti, todos os dias, com emoção,
Vivendo apenas dentro da ilusão
De voltar, tal qual vive quando vinha.

Assim, minh’alma vive amargurada
Sem que eu a veja em ti bem restaurada
Das comoções que teve em outras zonas,

Mas para torná-las em felicidade,
É preciso matar toda a saudade,
Fazendo-me voltar ao Amazonas!

ESCOLHA

 Neste dilema, o que é que tu preferes?
Sinceramente, amor, dize-me aqui:
Que eu ame em ti,  a todas as mulheres
Ou em todas as mulheres ame a ti? . . .

 CLARO ENIGMA

 Eu quis fazer um poema todo esdrúxulo,
Um poema estratosférico e algo exótico,
Que fosse ao mesmo tempo heroico e másculo,
Ainda que sem rima, ideia e métrica.
Quis escrever um poema todo excêntrico,
Um tanto claro, um tanto enigmático,
Um “claro enigma” apático e esotérico,
Futurístico, místico e vesânico,
Um tanto parecido com os patéticos
Poemetos futuristas cabalísticos,
Escritos pelos gênios marinéticos . . .
Mas, se caso, estes versos melancólicos,
Que não são protestantes nem católicos,
Não agradarem meus leitores líricos,
Não me chamem de tolo nem lunático,
Nem me taxem, tampouco, em tons satíricos,
de trêfego, de frívolo ou de pérfido . . .

Fontes:
– Petrarca Maranhão.  Sonetos petrarqueanos.  
Rio de Janeiro: Editora Pongetti, 1965.
– Petrarca Maranhão. Ronda de Estrelas: poesia.
Rio de Janeiro: Editora Vecchi, 1955

Petrarca Maranhão (Buquê de Trovas)


A glória é a ilusão de um bem...
nossa vida um simples ai...
o amor, um sonho que vem...
a morte, um sopro que vai...

As almas de certa gente
se parecem com um porão:
por fora, - que luz candente;
por dentro, - que escuridão!

A ventura é uma quimera
que estranhos caprichos tem,
pois vem quando não se espera,
quando se espera não vem...

Cômico é o mundo, não nego,
quando irônico insinua,
maldoso, que o amor é cego...
mordaz - que a verdade é nua...

Como vive tanta gente
de modo triste e inseguro
sem ver o bem do presente,
por só pensar no futuro! ...

Coração fonte da vida.
Coração fonte do amor.
E há tanta gente, querida,
que o torna fonte de dor.

Da vida que se renova
recolho a matéria prima
- com que faço minha trova...
- com que teço minha rima...

Eu pergunto, muito a medo,
quase a sentir-me um covarde:
- Nasceste por demais cedo,
ou fui eu que nasci tarde?

Felicidade... esperança
de um bem que custa a chegar:
e, afinal, quando se alcança,
se vê fugir... escapar...

Guarda escondido contigo
o amargor que te acabrunha:
não deixes teu inimigo
de teu mal ser testemunha.

Há muita gente infeliz,
por esta tolice imensa:
ou nunca pensa o que diz,
ou sempre diz o que pensa...

Minha trova canta o dia, 
canta a noite e canta o amor. 
Canta a tristeza e a alegria, 
- destino de trovador.

Muito boas as mulheres,
nos são sempre como amigas;
mas cuidado se as tiveres,
um dia, como inimigas...

Não dês a ninguém o gosto
de ver pela tua face,
na tristeza do teu rosto,
o que em tua alma se passe...

Não se deve valor dar
às grandes coisas apenas...
Saibamos valorizar
principalmente as "pequenas"...

Não te apresses. Que são danos
dentro da filosofia?
A vida, há milhares de anos,
recomeça todo dia...

Não te queixes desta vida.
Nunca sabes com razão,
se a de quem com a gente lida
resiste à comparação...

Ninguém é dono de nada.
E quem se conhece, quem?
Tudo é vaidade emproada
dos que se julgam alguém...

Nos recessos de minha alma
há dois seres bem diversos:
um que luta, sem ter calma,
outro, manso, que faz versos...

O amor é tal qual um rio
em caminho para o mar...
de repente faz desvio
para um rumo irregular...

O relógio bate as horas...
Na igreja, repica o sino...
E só tu, Amor, demoras
a surgir no meu Destino!...

Por entre mil embaraços,
luto contra anseios vãos:
quero cair em teus braços,
mas nunca nas tuas mãos...

Se ela, afinal, com delícia
te deu a boca a beijar,
com um pouco mais de malícia
tudo o mais hás de alcançar...

Se queres um bom conselho,
muito útil e bem pensado,
- nunca metas o bedelho
onde não fores chamado...

Sobre a montanha da vida ,
raro se pode saber
se ainda se está na subida,
ou já se vai a descer...

Um paradoxo qualquer,
sempre da vida nos vem:
- quando a gente tem, não quer...
- quando a gente quer, não tem...

Carlos Drummond de Andrade (Nascer)


Era manhã nova, quando ele telefonou, a voz enfestoada:

— Aída Isabel acabou de nascer!

No entressono, que sabia eu de Aída Isabel, como podia avaliar o ato de responsabilidade que ela cometera?

— Quem?

— Aída Isabel. Agora mesmo!

— E é forte, bonita?

— Não sei não senhor. Ainda não pude ver.

Estranhei que a um pai fosse defeso espiar sua filha. Explicou-me que o regulamento era dureza, mas ele daria um jeito. E de fato, mais tarde, comunicou-me que conhecera afinal Aída Isabel.

— Como é que você entrou?

— Por baixo. A dona da portaria estava de costas, lendo jornal, eu me agachei e passei juntinho dela, debaixo do balcão.

Sorria ao contá-lo, pois gosta dessas experiências marotas, e se pudesse ir ver a filha ao jeito comum, perderia o sabor.

— Era para ela chegar na semana passada, internei Lucinha no Hospital dos Servidores, à noite a criança cismou de atrasar, as dores pararam. Então o médico disse que carecia desocupar o leito, o funcionalismo está assim de menino fazendo fila para nascer. Voltamos para Olaria, desapontados. Na noite seguinte, acordamos com um estrondo, lá longe; os vidros da casa retiniram. Eu disse comigo: é agora. A explosão de Deodoro ajudou. Pedi a Lucinha que aguentasse firme até o dia clarear. Voltamos ao hospital, não havia vaga, mas eles foram camaradas, mandaram a gente para uma casa de saúde em Botafogo, negócio alinhado, valeu a pena. Só que não recebe visita. Pessoa da família nem nada.

— Então não posso conhecer Aída Isabel.

— Daqui a uma semana o senhor vai lá em casa e conhece. Damos uma reuniãozinha, bebe-se um chope.

Lembrei-me de que há dez meses, em Olaria, numa reuniãozinha ao ar livre, entre vasos de begônia, com uma cunhada portuguesa muito alegre, mas que não queria cantar fado, uma discussão sobre futebol, Ema d’Ávila e outras matérias, e um cachorro pacato dormindo ao sol, tínhamos bebido uma chopada comemorativa do casamento daqueles dois. Eu fora testemunha dele, no civil. 

Em dez meses, Aída Isabel se fizera e agora vinha ocupar um lugarzinho em Olaria, era um fato novo, no caminhar sorrateiro da vida.

O Brasil tinha 72 850 416 habitantes? Hoje tem 72 850 417. A situação se modificou, o casal tomara providências. Aída Isabel prepara-se para fazer alguma coisa, rara ou comum, ela ainda não sabe. Na dinâmica do país, uma força obscura se delineia, e como fui testemunha do desposório, dou testemunho do seu primeiro resultado, nesta fase inquieta da nacionalidade em busca de novos rumos políticos e sociais. Gostaria que todos tivessem acrescentado alguma pequenina riqueza ao país, neste período. O governo deu duro? Fizeram-se descobertas, escreveram-se livros, criou-se? Ou apenas trabalharam os casais novos?

Aída Isabel, não vou transmitir nenhuma palavra de ordem. Você será moça num Brasil tão diferente deste meu (já assisti a dois ou três brasis, em quarenta anos) que nem sei o que poderia servir-lhe de instrução para trabalhos e sonhos.

Tudo está sempre por acontecer de novo e pela primeira vez. Cresça, Aída Isabel, e floresça. Estamos muito precisados de flores, de moças e de vir a ser.

(conto escrito em 1958)

Fonte:
Carlos Drummond de Andrade. 70 Historinhas. 
São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

Martha Medeiros (A Dor que Dói Mais)


Em alguma outra vida, 
devemos ter feito algo de muito grave,
Para sentirmos tanta saudade...
Trancar o dedo numa porta dói.
Bater com o queixo no chão dói.
Torcer o tornozelo dói.
Um tapa, um soco, um pontapé , doem.
Dói bater a cabeça na quina da mesa,
Dói morder a língua, dói cólica, cárie e pedra no rim.
Mas o que mais dói é a saudade.
Saudade de um irmão que mora longe,
Saudade de uma cachoeira da infância,
Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais,
Saudade do pai que morreu, do amigo imaginário que nunca existiu,
Saudade de uma cidade,
Saudade da gente mesmo, que o tempo não perdoa.
Doem estas saudades todas.
Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama.
Saudade da pele, do cheiro, dos beijos. Saudade da presença, e até da ausência consentida.
Você podia ficar no quarto e ela na sala, sem se verem, mas sabiam-se lá.
Você podia ir para o dentista e ela pra faculdade, mas sabiam-se onde.
Você podia ficar o dia sem vê-la, ela sem vê-lo, mas sabiam-se amanhã.
Contudo, quando o amor de um acaba, ou torna-se menor, 
Ao outro sobra uma saudade que ninguém sabe como deter.
Saudade é basicamente não saber.
Não saber mais se ela continua fungando num ambiente frio.
Não saber se ele continua sem fazer a barba por causa daquela alergia.
Não saber se ela ainda usa aquela saia.
Não saber se ele foi à consulta com o dermatologista como prometeu.
Não saber se ela tem comido bem por causa daquela mania de estar sempre culpada,
Se ele tem assistido às aulas de inglês, se aprendeu a entrar na internet,
A encontrar a página do Diário Oficial, se ela aprendeu a estacionar entre dois carros,
Se ele continua preferindo Malzebier, se ela continua detestando McDonalds,
Se ele continua amando, se ela continua a chorar até nas comédias.
Saudade é não saber mesmo!
Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, 
Não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento,
Não saber como frear as lágrimas diante de uma música,
Não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.
É não saber se ela está feliz, e ao mesmo tempo perguntar a todos os amigos por isso...
É não querer saber se ele está mais magro, se ela está mais bela.
Saudade é nunca mais saber de quem se ama, e ainda assim doer.
Saudade é isso que eu estive sentido enquanto escrevia
E o que você provavelmente estará sentindo depois que acabar de ler.

quarta-feira, 20 de junho de 2018

Trova 310 - Talita Batista (Campos dos Goytacazes/RJ)


Castro Alves (Poemas Avulsos)


O "ADEUS" DE TERESA

A vez primeira que eu fitei Teresa,
Como as plantas que arrasta a correnteza,
A valsa nos levou nos giros seus
E amamos juntos E depois na sala
"Adeus" eu disse-lhe a tremer co'a fala
E ela, corando, murmurou-me: "adeus."

Uma noite entreabriu-se um reposteiro. . .
E da alcova saía um cavaleiro
Inda beijando uma mulher sem véus
Era eu Era a pálida Teresa!
"Adeus" lhe disse conservando-a presa
E ela entre beijos murmurou-me: "adeus!"

Passaram tempos sec'los de delírio
Prazeres divinais gozos do Empíreo
... Mas um dia volvi aos lares meus.
Partindo eu disse - "Voltarei! descansa!. . . "
Ela, chorando mais que uma criança,
Ela em soluços murmurou-me: "adeus!"

Quando voltei era o palácio em festa!
E a voz d'Ela e de um homem lá na orquesta
Preenchiam de amor o azul dos céus.
Entrei! Ela me olhou branca surpresa!
Foi a última vez que eu vi Teresa!
E ela arquejando murmurou-me: "adeus!”

O BAILE NA FLOR

Que belas as margens do rio possante, 
Que ao largo espumante campeia sem par! 
Ali das bromélias nas flores doiradas 
Há silfos e fadas, que fazem seu lar... 

E, em lindos cardumes, 
Sutis vaga-lumes 
Acendem os lumes 
P'ra o baile na flor. 

E então — nas arcadas 
Das pet’las doiradas, 
Os grilos em festa 
Começam na orquesta 
Febris a tocar... 
E as breves Falenas 
Vão leves, 
Serenas, 
Em bando 
Girando, 
Valsando,
Voando no ar! …

CREPÚSCULO SERTANEJO

A tarde morria! Nas águas barrentas
As sombras das margens deitavam-se longas;
Na esguia atalaia das árvores secas
Ouvia-se um triste chorar de arapongas.

A tarde morria! Dos ramos, das lascas,
Das pedras, do líquen, das heras, dos cardos,
As trevas rasteiras com o ventre por terra
Saíam, quais negros, cruéis leopardos.

A tarde morria! Mais funda nas águas
Lavava-se a galha do escuro ingazeiro... 
Ao fresco arrepio dos ventos cortantes
Em músico estalo rangia o coqueiro.

Sussurro profundo! Marulho gigante!
Tal vez um silêncio!... Tal vez uma orquestra... 
Da folha, do cálix, das asas, do inseto ...
Do átomo à estrela... do verme - à floresta!...

As garças metiam o bico vermelho
Por baixo das asas - da brisa ao açoite;
E a terra na vaga de azul do infinito
Cobria a cabeça co'as penas da noite!

Somente por vezes, dos jungles das bordas
Dos golfos enormes daquela paragem,
Erguia a cabeça surpreso, inquieto,
Coberto de limos - um touro selvagem.

Então as marrecas, em torno boiando,
O voo encurvavam medrosas, à toa...
E o tímido bando pedindo outras praias
Passava gritando por sobre a canoa!…

O FANTASMA E A CANÇÃO

— Quem bate? — "A noite é sombria!"
— Quem bate? — "É rijo o tufão! ...
Não ouvis? a ventania
Ladra à lua como um cão."
— Quem bate? — "0 nome qu'importa?
Chamo-me dor...  abre a porta!
Chamo-me frio... abre o lar!
Dá-me pão... chamo-me fome!
Necessidade é o meu nome!"
— Mendigo! podes passar!

"Mulher, se eu falar, prometes
A porta abrir-me?" — Talvez.
— "Olha... Nas cãs deste velho
Verás fanados lauréis.
Há no meu crânio enrugado
O fundo sulco traçado
Pela c'roa imperial.
Foragido, errante espectro,
Meu cajado — já foi cetro!
Meus trapos — manto real!"

— Senhor, minha casa é pobre...
Ide bater a um solar!
— "De lá venho... O Rei-fantasma
Baniram do próprio lar.
Nas largas escadarias,
Nas vetustas galerias,
Os pajens e as cortesãs
Cantavam! ... Reinava a orgia! ... 
Festa! Festa! E ninguém via 
O Rei coberto de cãs!"

— Fantasmas! Aos grandes, que tombam, 
É palácio o mausoléu! 
— "Silêncio! De longe eu venho... 
Também meu túmulo morreu.
O séc’lo — traça que medra
Nos livros feitos de pedra —
Rói o mármore, cruel.
O tempo — Átila terrível
Quebra co'a pata invisível
Sarcófago e capitel.

"Desgraça então para o espectro,
Quer seja Homero ou Sólon,
Se, medindo a treva imensa
Vai bater ao Panteon...
o motim — Nero profano —
No ventre da cova insano
Mergulha os dedos cruéis.
Da guerra nos paroxismos
Se abismam mesmo os abismos
E o Morto morre outra vez!

"Então, nas sombras infindas,
S'esbarram em confusão
Os fantasmas sem abrigo
Nem no espaço, nem no chão...
As almas angustiadas,
Como águias desaninhadas,
Gemendo voam no ar.
E enchem de vagos lamentos
As vagas negras dos ventos,
Os ventos do negro mar!

"Bati a todas as portas 
Nem uma só me acolheu!..." 
— "Entra!" — : Uma voz argentina 
Dentro do lar respondeu. 
— "Entra, pois!  Sombra exilada, 
Entra!  O verso — é uma pousada 
Aos reis que perdidos vão.  
A estrofe — é a púrpura extrema, 
Último trono — é o poema! 
Último asilo — a Canção!..."

Contos e Lendas do Mundo (América do Norte: Contos da Grande Lebre)

Segundo contos narrados pelas tribos algonquinas, o deus Michabo era filho do Vento do Oeste e portador da Luz. De palavra fácil e vigoroso, tomou a forma do primo do coelho, a lebre.

Michabo, a Grande Lebre, nadava no oceano. Com as suas poderosas patas traseiras, era um excelente nadador. Mergulhou até onde o oceano era de um azul muito escuro, as longas orelhas espetadas para trás.

Nunca mergulhara tão fundo, e resolveu ver se conseguia chegar ao fundo. Continuou, cada vez mais para baixo, até os pulmões darem a sensação de ir rebentar. Chegou então ao fundo do oceano.

Em triunfo, apanhou um grão de areia e voltou à superfície, empunhando o grão na pata. Colocou então o troféu do seu triunfante mergulho na superfície do oceano. Aí, o simples grão transformou-se num milhar de grãos, e de um milhar num milhão... até formar uma ilha, depois um continente, depois algo ainda maior.

Mas qual a extensão? Os Algonquinos contam que um dia um lobo pequeno deu consigo num extremo da terra e resolveu atravessá-la. Quando o lobo chegou à idade adulta, o outro extremo ainda não se vislumbrava... mas prosseguiu a sua caminhada, determinado a atingir o seu objetivo. Vagueou anos a fio, até que os seus anos se esgotaram atingira a velhice sem ter completado a sua viagem. Quando o animal se deitou para morrer após uma longa vida, o extremo da terra ainda não se vislumbrava. Era esta a extensão da terra.

Muitos povos - de muitas tribos e muitas raças - vieram viver nesta terra. Este pedaço de terra, criado a partir de um grão de areia, é aquilo que agora entendemos como Terra, e Michabo foi o seu criador.

Um dia, a Grande Lebre passava por um enorme rio que corria por entre as árvores como uma gigantesca cobra prateada. Um rapaz estava de pé nos baixios da água cristalina, imóvel como as pedras do leito pedregoso do rio. De repente, um peixe passou como um raio prateado junto à superfície. O rapaz lançou-lhe uma lança - a ponta afiada falhou por pouco o alvo. O rapaz apanhou a lança e ficou novamente imóvel, à espera que o peixe seguinte passasse por perto.

Michabo deitou-se, encostado a uma rocha, ao sol da tarde, e pensou naquilo que acabara de ver. Achava que o rapaz quando fosse homem seria provavelmente um bom caçador e pescaria muitos peixes para a sua mulher e filhos. Mas deveria haver certamente uma maneira mais fácil de arranjar comida.

Ainda a pensar neste problema, a Grande Lebre mergulhou no sono, ao sol da tarde. Quando acordou, sentiu algo a tinir no alto da cabeça. Imaginem a sua surpresa quando descobriu que, enquanto estivera a dormir, uma aranha tecera uma delicada teia entre as suas orelhas!

No entanto, Michabo não ficou zangado. Riu-se. Apanhou cuidadosamente a aranha entre as suas patas e pousou-a suavemente em cima de uma rocha, de onde ela desatou a fugir em busca de abrigo... não antes de ele ter estudado a delicada teia que ela tecera. Dera uma ideia ao deus.

A aranha usava a teia para apanhar moscas... moscas que ela comeria mais tarde. Costumava tecer a sua teia num ramo - ou até entre as orelhas de um deus - e esperava que as moscas voassem até lá e ficassem presas.

Porque não fazer uma teia semelhante de fio? Teria de ser muito maior e mais forte do que a teia da aranha, mas a ideia era a mesma. Em vez de lançarem uma teia para o ar para apanharem moscas, as pessoas poderiam atirar uma rede para dentro de água para apanharem os peixes. E foi assim que a rede de pesca foi inventada - graças à Grande Lebre e à aranha.

Noutra ocasião, Michabo, deixara a sua terra no Oriente - a terra da Luz e do Bem - e estava sentado na margem de um rio, a fazer desenhos na areia molhada com um galho. Um homem e uma mulher passaram por ele, cumprimentaram-no, depois foram apanhar ervas para a floresta.

Sem grandes cogitações, a Grande Lebre, preguiçosamente, desenhou os contornos deles na areia.

Ao regressarem, passaram uma vez mais por Michabo e a mulher olhou para as imagens que ele desenhara na areia. E perguntou-lhe o que é que ele estava a fazer.

- A fazer desenhos - disse-lhes ele.

O homem riu-se.

- Parecemos nós os dois a caminhar lado a lado - disse ele com alegria e apontou para as figuras na areia.

- E essas árvores parecem a floresta ali defronte - disse a mulher, entusiasmada. - E muito inteligente! Parece uma história, não em palavras mas em rabiscos na areia. Quem os vir, saberá que um homem e uma mulher foram à floresta.

- E voltaram com ervas - disse Michabo, fazendo outro desenho a seguir. Deu um pulo, maravilhado, e aspirou o vento com o focinho a fungar, como uma lebre vulgar faz quando tem uma grande ideia. 

- Se eu fiz vários desenhos, cada um dos quais com um significado diferente, então as pessoas poderiam deixar mensagens umas às outras - disse ele alegremente. - Nem sequer teriam de estar no mesmo lugar, ao mesmo tempo, para falarem umas com as outras. Que invenção mais útil!

E foi assim que, segundo os Algonquinos, a escrita pictórica foi inventada.

Michabo mostrava frequentemente ser um verdadeiro amigo do seu povo. Ensinava-lhe muitos truques de caça - como a altura para esperar e a altura para atacar, e a forma de seguir uma presa contra o vento para que ela não se apercebesse da sua presença - e dava-lhe muitos amuletos para o ajudar. Porém, antes da vinda de cada Inverno, deixava os seus amigos humanos e voltava para a sua terra, para o seu longo sono, pronto a voltar na Primavera seguinte.

Criador, inventor, impostor ou louco, havia sempre um lugar no coração de Michabo para o seu povo, e nos corações dos Algonquinos para ele.
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Algonquinos (ou Algonquianos)

Os algonquianos eram um grupo de tribos nativas americanas que tradicionalmente ...

Os algonquinos eram um grupo de tribos nativas americanas que tradicionalmente falavam idiomas semelhantes e tinham modos de vida parecidos. Crees, moicanos, delawares, ojibwas, shawnees e algonquinos são algumas das muitas tribos algonquianas.

No início, os algonquianos provavelmente viviam no sul do Canadá, em uma área ao norte do rio São Lourenço. Ao longo do tempo se espalharam e terminaram ocupando grande parte dos Estados Unidos e do Canadá atuais. Seu território incluía a Nova Inglaterra, a região chamada Costa Atlântica, a área dos Grandes Lagos e parte das Grandes Planícies.

A maior parte dos algonquianos construiu suas aldeias ao longo dos rios. Eles cultivavam milho, feijão e abóbora nas áreas próximas. Caçavam veados, coelhos e castores e, às vezes, animais maiores, como alces, uapitis e bisões. Confeccionavam boa parte de suas roupas com peles de animais.

A maioria dos povos algonquianos construía casas em forma de abóbada chamadas wigwams (cabanas). Algumas tribos erguiam casas compridas de madeira e de casca de árvore suficientemente grandes para abrigar várias famílias. Outras viviam em tendas em formato de cone.

Havia várias práticas religiosas entre os algonquianos. A maioria das tribos compartilhava a crença em um grande espírito chamado Manitu. Acreditava-se que ele estava presente em todas as coisas na Terra.

Os algonquianos que moravam ao longo do litoral do Atlântico estiveram entre os primeiros índios a estabelecer contato com os colonizadores europeus. Acolheram os primeiros imigrantes peregrinos dos Estados Unidos e os colonizadores da cidade de Jamestown, que chegaram no início do século XVII. Muitos morreram de doenças trazidas pelos colonos europeus. Os recém-chegados também obrigaram os índios a abdicar de suas terras. Em meados do século XIX, a maior parte dos algonquinos vivia em reservas que lhes foram destinadas. Milhares de pessoas de ascendência algonquiana ainda vivem nos Estados Unidos e Canadá.

Fontes: