sexta-feira, 6 de junho de 2025

Asas da Poesia * 34 *

 

Poema de 
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

Árvore

Verde bandeira desfraldada ao vento,
árvore amiga, o olhar que te procura
busca repouso e vai achar alento
na sombra que lhe estendes lá da altura!

A sede abrasa! E o fruto sumarento
entregas, com requintes de ternura,
a quem poda a raiz, que é teu sustento
e do solo te traz a seiva pura!

Ramos erguidos, a abraçar o espaço,
tua ânsia de dar não tem cansaço!
Tua bênção de amor não tem medida!

E embora tanto dês e nada colhas,
com o verde pincel de tuas folhas,
vais colorindo de esperança a vida!
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Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

A ciência hoje é um colosso,
com tudo fora de centro:
– faz laranja sem caroço,
gravidez sem filho dentro…
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Soneto de
EDY SOARES
Vila Velha/ES

Rotina

Desperto, abro meus olhos, e a cortina
não deixa mais o quarto escurecido,
aos pés da cama ainda o seu vestido
e algumas peças mais, de seda fina.

Seu corpo, mal coberto e distraído,
qual dunas de um deserto, me fascina.
São curvas que desenham na retina
detalhes de um vulcão adormecido.

Silente, encontro as chaves, me agasalho,
entrego-me à rotina do trabalho
torcendo que o relógio ande depressa.

Ao fim do dia esqueço o meu cansaço,
ela se envolve inteira em meu abraço
e em nosso quarto a vida recomeça.
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Quadra Popular de
AUTOR ANÔNIMO

O meu coração é mudo,
não fala nem aparece;
se o meu coração falasse
contava por quem padece.
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Poema de
CASTRO ALVES
Freguesia de Muritiba (hoje, Castro Alves)/BA (1847 – 1871) Salvador/BA

Anjo

"Ai! Que vale a vingança, pobre amigo,
Se na vingança a honra não se lava?...
O sangue é rubro, a virgindade é branca —
O sangue aumenta da vergonha a bava.

"Se nós fomos somente desgraçados,
Para que miseráveis nos fazermos?
Deportados da terra assim perdemos
De além da campa as regiões sem termos...

"Ai! não manches no crime a tua vida,
Meu irmão, meu amigo, meu esposo!...
Seria negro o amor de uma perdida
Nos braços a sorrir de um criminoso!...”
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Trova de
ANTONIO JURACI SIQUEIRA
Belém/PA

Viver fiado em quimera
é coisa que não convém
porque de onde não se espera...
de lá mesmo é que não vem!
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Poema de
CRIS ANVAGO
Setúbal/ Portugal

A lua e o sol

Esta noite a lua não está cheia
Nem é lua nova
Pode ser meia-lua ou quarto minguante
Não sei distinguir

A lua só aparece quando quer
Por vezes esconde-se por detrás das nuvens

A lua é inconstante
Assim como o sol

São irreverentes
Têm vontade própria
E brilham à sua maneira
Mas podem ser amigos a vida inteira

Encontram-se poucas vezes…

Quando o sol caminha para outro lugar
A lua aparece já sem tempo para o abraçar

Mas, quando se querem abraçar
ou encontrar-se mais perto
Existe a eclipse lunar
e, a terra não os deixa abraçar

A lua e o sol comandam as marés…

A lua não pode ter o sol a seus pés
O sol é movido pelo sentimento das marés

São distintos, fortes e frágeis
Belos elementos da natureza
Furacão, sentimento e beleza

O sol e a lua são seres potentes
Enigmáticos
Seres únicos na natureza!
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Haicai do
PROFESSOR GARCIA
Caicó/RN

Aos raios, o orvalho,
é o pranto cristalizado
no olhar do espantalho!
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Poema de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

E eu fui talvez feliz sem o saber
(Maria Amélia de Carvalho e Almeida in "Ao Sabor das Marés", p. 193)

Eu fui talvez feliz sem o saber
Quando a felicidade eu procurava
E, cego, via em tudo o que encontrava
A negação do bem e do prazer.

Nessa busca ansiosa pelo ter
A minha energia dissipava
E impotente e incapaz não enxergava
Que o principal da vida é sempre o ser.

O Tempo deu-me a doce regalia
De ver agora claro o que eu não via
Que é quase sempre em vão o que sofremos.

Depois de uma procura tão a sós
Sei que a felicidade mora em nós
Se amarmos o que somos e o que temos.
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Trova de
EDY SOARES
Vila Velha/ES

Quando penso que o cenário
da fome é o pior na Terra,
a morte mostra o contrário
nos tristes campos de guerra!
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Soneto de
AMAURY NICOLINI
Rio de Janeiro/RJ

Teoria e prática

Há ideias que ficam girando na cabeça,
mesmo que até tenham sido superadas,
mas não permitem que se as esqueça
ainda que se tente dar uma apagada.

Eu por muito tempo imaginei até um dia
como seria um grande encontro de amor
para apresentá-lo em forma de poesia,
como fruto da criação de um sonhador.

Mas depois do que aconteceu comigo,
do que vivemos, descobrindo os dois
um amor que sempre ficava pra depois,

é que estou sentindo todo esse perigo,
pois a ideia ainda insiste, de verdade,
apesar de ser pior do que a realidade.
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Trova de
GÉRSON CÉSAR SOUZA
São Leopoldo/RS

Não permito, a quem me agride,
que os meus ideais distorça:
– a força da Paz reside
em jamais usar a força!
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Soneto de
FILEMON MARTINS
São Paulo/ SP

Olavo Bilac

Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac,
estrela de primeira, um verso alexandrino.
Perfeito no soneto, o vate foi destaque
e primou pela forma, ourives diamantino.

Como parnasiano revelou-se um craque
com seu verbo fluente e forte foi divino.
Palestrou, escreveu, amou e sem sotaque
"ora (direis) ouvir estrelas," seu destino.

Orador, literato e um grande sonetista,
foi também pensador, ardente jornalista,
gigante na palavra, um poeta de escol.

"Ultima Flor do Lácio" o vate da Esperança,
amante do Saber, da Pátria e da Criança,
por isso és fulgurante como a luz do Sol!
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Poeminha de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Tem começo,
não the end,
o filme da vida.
Que responsabilidade. 
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Poema de
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/SP

Cidade Natal

Ao procurar as raízes,
tem o meu sonho tal ânsia,
que ao buscar dias felizes
volto à fazenda da infância.

Seu pai era jardineiro
e ele era um menino arteiro,
que só queria brincar.
Mas, quando a mãe o chamava,
as flores, logo abraçava
e o pai ele ia ajudar.

Cresceu... deixou a cidade.
Longe de tudo, a saudade,
quase que o fez regressar.
Mas, sabendo o que queria,
formou-se em agronomia
depois de muito estudar.

Já casado e com família,
passou anos em vigília
e por trabalhar assim,
formou dois filhos doutores
mas, nunca mais plantou flores
e nem cuidou de um jardim!

Ao perder a companheira,
sua ilusão derradeira,
já tendo bastante idade,
procurou suas raízes
lembrando os tempos felizes
lá, na pequena cidade.

Voltou à morada antiga,
ouviu a velha cantiga,
foi à igreja e ao botequim.
E, na praça da cidade,
onde dói mais a saudade,
plantou flores no jardim!
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Trova de
JERSON LIMA DE BRITO
Porto Velho/RO

Sobre opiniões e crenças,
a sensatez nos diria
que o respeito às diferenças
tece teias de harmonia.
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Poema de
JÉRSON BRITO
Porto Velho/ RO

Flores secas

Fugiu dos olhos meus toda a viveza
No dia em que deixaste nossa cama.
Chorei, ao ver minguando aquela chama
Que nos iluminava outrora, tesa.

Sem norte, o coração vive qual presa
Das lôbregas voragens desse drama.
Dolente, insiste aos brados e reclama
Lamúrias sobrevivem na incerteza.

Tem sido a solidão demais severa,
Escutes o clamor de quem venera
De teus formosos lábios os licores.

No quarto, nosso mágico retiro
Perfumes divinais não mais respiro,
Somente restam ressequidas flores.
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Trova de
MARIA LÚCIA DALOCE
Bandeirantes/PR

Somando as horas de espera,
à falta dos teus agrados,
meus dias de primavera
são invernos.., prolongados!
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Soneto de
MILTON S. SOUZA
Porto Alegre/RS, 1945 – 2018, Cachoeirinha/RS

Amor e dor

Se o amor termina, restam corações partidos
pois não existe só meia felicidade.
Os desacertos deixam mortos ou feridos
planos nascidos para toda a eternidade.

Uma neblina cobre o sol da realidade,
todos caminhos levam aos momentos vividos,
todos sabores ganham gosto de saudade,
todos os sonhos vagam sem rumo, perdidos.

Nenhum remédio pode acalmar essa dor
que invade as almas quando morre um grande amor,
pois grande amor não deveria perecer.

Somente o tempo, com calma e sabedoria,
consegue, aos poucos, fazer voltar a alegria
e abrir espaços para um novo amor nascer.
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Trova de
OLÍMPIO DA CRUZ S. COUTINHO
Belo Horizonte/MG

Por muito amar-te perdi
metade de minha vida;
e agora perco, esperando,
a outra metade, querida...
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Soneto de
LUIZ POETA
(Luiz Gilberto de Barros)
Rio de Janeiro/RJ

Na borda do penhasco

A cada dia, Deus me dá um novo rumo, 
Põe-me no prumo, ajeita  minha caminhada, 
Nunca me torna, da verdade, um  suprassumo,
Porque - em resumo - se sou tudo... não  sou nada.

Na escalada, se não torno firme a corda, 
Olho, da borda do penhasco e... me arrisco,
Retiro o cisco, enxergo a intenção da horda,
Que borda a queda... mas me torno um voo... arisco.

Viver implica conviver com a maldade, 
Mas a bondade sobrepõe-se à aleivosa
E até  raivosa ideia de atrocidade,

Porque,  a vida abençoada que recebo
E que concebo humana, frágil ou...  poderosa, 
É adocicada pelas bênçãos de que  bebo.
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Trova de
WANDA DE PAULA MOURTHÉ
Belo Horizonte/MG

Não me agrada o teu costume,
que revela insegurança:
chamar de amor teu ciúme
e o meu, de desconfiança.
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Poema de 
ÓGUI LOURENÇO MAURI
Catanduva/SP

Amar-te em poesia!

Face a detalhes adversos
E a entraves do dia a dia,
Preciso apelar pros versos
E assim te amar em poesia!

Meus versos são lenitivos
À falta de teu calor,
Mantêm instintos ativos
Por conta de nosso amor.

Amar-te em poesia, sim;
Abrir para ti meu peito!
Trazer tua imagem pra mim
E envolvê-la do meu jeito!
 
Musa és de meus poemas
Instados pela distância.
De ti, vêm todos os temas
E paixão em abundância.
 
Os doces versos saindo,
Dão-me vida afortunada.
Amar-te em poesia é lindo,
Antes isso do que nada!
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Trova de 
LUIZ ANTONIO CARDOSO
Taubaté/SP

Coração desconsolado,
não podeis esmorecer.
Se viver é complicado,
muito mais é não viver!
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Poema de
CECÍLIA MEIRELES
Rio de Janeiro RJ, 1901-1964

Excursão

Estou vendo aquele caminho
cheiroso da madrugada:
pelos muros, escorriam
flores moles da orvalhada;
na cor do céu, muito fina,
via-se a noite acabada.

Estou sentindo aqueles passos
rente dos meus e do muro.
As palavras que escutava
eram pássaros no escuro...
Pássaros de voz tão clara,
voz de desenho tão puro!

Estou pensando na folhagem
que a chuva deixou polida:
nas pedras, ainda marcadas
de uma sombra umedecida.
Estou pensando o que pensava
nesse tempo a minha vida.

Estou diante daquela porta
que não sei mais se ainda existe...
Estou longe e fora das horas,
sem saber em que consiste
nem o que vai nem o que volta...
sem estar alegre nem triste,

sem desejar mais palavras
nem mais sonhos, nem mais vultos,
olhando dentro das almas,
os longos rumos ocultos,
os largos itinerários
de fantasmas insepultos...

— itinerários antigos,
que nem Deus nunca mais leva.
Silêncio grande e sozinho,
todo amassado com treva,
onde os nossos giram
quando o ar da morte se eleva.
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Antonio Juraci Siqueira (O cavador de infâncias)


Conto inspirado em "Achadouros da Infância" de Manoel de Barros
***

Certo dia, um menino que ouvia estrelas e queria ser canoeiro, leu uns escritos de um outro menino que queria ser passarinho, onde ele dizia:

“Hoje sou um caçador de achadouros da infância. E vou, meio dementado e enxadas às costas, cavar no meu quintal vestígios dos meninos que fomos.”

A princípio achou um despropósito cavar lembranças no quintal. Mas quando? Já. Coisas de poeta, pensou. O caso é que aquelas palavras ficaram ali, martelando, brincando de pira na sua imaginação. Não custava nada experimentar. Então tomou emprestada a enxada imaginária do outro, fechou os olhos, viajou no tempo e no espaço e foi garimpar no quintal de sua infância, junto à casinha de pau e palha debruçada às margens de um grande rio entre tantos outros que banham um país mágico chamado Marajó.

Começou a cavar próximo à cozinha, devagar, cauteloso como um arqueólogo à caça de um tesouro histórico, receoso de a qualquer momento, a enxada ferir de morte lembranças tão frágeis e caras de um tempo em que dividira aquele quintal com outros meninos e meninas.

Olhos fechados para o mundo exterior mas bem abertos para dentro de si mesmo, foi cavando, cavando, cavando até que de repente começou a ouvir longe, muito longe, como num sonho, uma voz de mulher. Atrelada à voz, cada vez mais nítida, surgiu a imagem da avó cabocla acocorada à ilharga do fogão à lenha, saia entre as pernas, cachimbo de barro e taquari pendurado no canto da boca, contando histórias pra ele e seus irmãos e irmãs no justo momento em que João, já rapaz, metido em apuros por arte da irmã Maria, chamava por seus cães fiéis:

– Ouve-longe!... – Quebra-ferro!... – Rompe-mato!...

Com a alma remoçada pela emoção, passou a cavar na direção da varanda da casa. Desta vez nem precisou cavar muito para trazer à tona a imagem e a voz do avô nordestino se embalando na rede e cantando histórias de cangaceiros do sertão, perdidos na teia do tempo foi:

– “Rio negro foi cativo
escravo de sujeição.
Só ganhou a liberdade
quando deu pra valentão
em troca do bacamarte,
da cartucheira e o facão.
(...)”

Ao passo em que a enxada imaginária revolvia os entulhos da memória, mais lembranças afloravam. Junto da sala surgiram sons de algo caindo e rolando pelo soalho de madeiras para em seguida surgir imagens misturadas às vozes de seus primos e irmãos numa acirrada partida de bole-bole:

– Boliu!

– Não boli!

– Boliu sim, eu vi!

Cada vez mais emocionado pelo reencontro consigo mesmo,  passou a cavar ao pé do trapiche, local de tantas idas e vindas...

Assim que a enxada adentrou no tijuco do tempo, começou a escutar barulho de água, de canoa, de remo...

Ouvidos e olhos atentos vislumbrou, no meio do rio, um menino tangendo seu barquinho de mututi com vela de papel como se fosse um capitão combatendo piratas de olhos de vidro e pernas de pau... E de repente, não mais que de repente, eis que surge no trapiche a mãe do menino, gritando em bom caboclês:

– Piqueno, passa pra riba dé casa! Sai dixe sor! 

E o menino, tuíra de sor – assim mesmo, com “R” que é  muito mais quente que o sol com “L”, – fazia ouvidos de mercador até o momento da mãe reaparecer munida do temido galho de cuieira, último e definitivo argumento que o menino acatou sem apelação. Viu, ainda, pelo rabo do olho da memória, o menino subindo a escada com o barquinho na mão, choramingando e o flap!, flap!, flap! do galho de cuia, só  nas pernas pra não estragar o corpo.

E foi assim que ao abrir os olhos para o exterior ele pode vislumbrar um mundo mais bonito, mais rico e mais humano. E você, o que descobriu no quintal da sua infância?
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
ANTÔNIO JURACI ALMEIDA SIQUEIRA, nasceu em Afuá, no Pará, em 1948. Escreveu diversas obras literárias, entre elas merecem destaque, O Chapéu do Boto (2003), Paca, Tatu; Cutia não! (2008), e Aumentei, Mas Não Menti (2016). Seus poemas, contos e trovas são principalmente inspirados no folclore, nas crenças e saberes populares e pela natureza amazônica. Popularmente ele é conhecido como "o boto" ou o poeta "filho do boto". Em 1978, e foi morar em Belém. cursou Licenciatura em Filosofia pela Universidade Federal do Pará, atua como instrutor de oficinas literárias, artista performista, contador de histórias, e leciona filosofia na rede pública de educação paraense. É considerado um dos poetas mais prolíferos da região Norte do Brasil. Seus trabalhos variam entre publicações de livros de literatura infantojuvenil, literatura de cordel, livros de poesias, contos, crônicas e textos humorísticos. Todo esse trabalho rendeu-lhe cerca de 200 premiações em concursos literários de diversos gêneros, tanto no âmbito nacional, quanto no estadual.

Fontes:
Antonio Juraci Siqueira. Facebook do autor. 17.05.2025
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

Simões Lopes Neto (Casos do Romualdo) Essência de cachorro


Arrotam os europeus grandes fumaças de sabedores em coisas de caçadas; mas como de presunção e água benta..,  deixá-los lá.

O que têm eles, de bichos caçáveis - graúdos ou miúdos mais ou melhor que nós outros?

O javali? Ora qual! O javali é como o nosso porco-do-mato. O urso? Deixa! O urso de lá é como o... tamanduá-bandeira,  nosso.

Têm eles a onça, o jacaré, a sucuri, o bugio? Nem sombra  disso.

A perdiz? Sim, têm a perdiz, mas é preciso notar que a  perdiz, lá, é quase criada como as nossas galinhas, em cercados. E não têm o perdigão, o perdigão soberbo, que  salta no voo, encastela no ar... paira um momento, e logo  desfere numa flechada comprida, para o pajonal...

A marreca? Vá lá, têm marreca... porém marreca de tanque,  nascida e criada atrás das casas, quase a comer milho na mão! ... Mas não têm, nem tiveram, nem terão nunca as nossas bandadas de marreca assobiadeira, de marrecão do banhado, nem o maçarico-carão, que voa em fileira, como  soldados em forma. Afora o alho!

E é engraçado: não têm caça ... mas cachorros, matilhas, têm em quantidade e regularesinhos.  Foi sempre o que  achei esquisito: cachorrada imensa, para caça vasqueira. Pode lá ser também um luxo daqueles duques e barões e outros topetudos de dinheiro.

Eu, por mim, nunca me embaracei para caçar - de pêlo ou de pena - por causa de cachorro. E já agora, que vivo arredado desses prazeres, por motivo de muitos encargos de  outra espécie, resolvi revelar e ensinar aos meus confrades  em venatória o processo que usei e que pareceu  maravilhoso a muitos sujeitos mestres, caçadores provados,  porém aos quais, sempre - desbanquei com facilidade.

Eles ralavam-se, mas qual! ... ficavam sempre na culatra! Esse segredo eu o aprendi com um índio velho, em Goiás, quando por lá andei em busca do... Não digo agora a busca de quem, porque é também outro segredo, que não posso  por enquanto revelar.

 Pois o velho caboclo tomou-se de particular simpatia por mim, porque ensinei-lhe três coisas, novíssimas, e para ele,  de alto mérito.

Ensinei-o a fumar charuto, e como logo mostrou-se um apaixonado pelo "tarbuco", ensinei-o também a fazê-lo, com aquele magnífico fumo goiano, muito superior ao havano, que tem mais fama que valia. Os nossos charutos não saíam lá grande coisa quanto ao feitio, mas de qualidade eram especiais. Punhamos-lhes anéis de folhas várias, coloridas com diferentes sumos e colávamos as capas com resina de benjoim, que é perfumosa. Eram deliciosos os nossos charutos, principalmente depois de um regalado almoço de mocotó de onça, sucuri  moqueada, picadinho de tromba de anta e rins de jacaré assados no espeto! E disso caçávamos todos os dias. Ainda hoje, crio água na boca ao recordar aqueles petiscos ...

Segundo: ensinei ao caboclo a fazer "omeletes". Cortava-me a alma o ver aquela gente perder ovos preciosos, chupando-os crus, como os lagartos, ou comendo-os assados no borralho. Ensinei então a fazer "omeletes". Batia as claras e logo as gemas em uma casca de tartaruga;  em outra casca derretia banha de paca (que é finíssima) e dava o ponto, virando com duas espinhas de tucunaré, que é um peixe deste tamanho! ... Tostava com uma pedra em brasa e adoçava com mel. O caboclo pelava-se pelo prato... digo, pelo casco de "omelete"; e as caboclas - modéstia à parte - traziam-me nas palminhas...

 Terceiro: ao referido caboclo também ensinei a pregar botões na roupa. Em troca desses serviços foi que o cacique, por sua vez, ensinou-me o precioso segredo que ao depois assegurou-me sempre a vitória em toda e qualquer caçada em que tomei parte e cuja conta perdi.

 Disse o pajé:

— Branco, tu és o Romualdo! Tu tens o que chamas espingarda e facão tu tens, e tu, coragem tens! Mas, tens também cachorros, muitos; e Tupã só se alegra de fornecer caça aos guerreiros, mas não às alimárias do guerreiro! 

"O mosquito também pode matar a anta, porque o mosquito é muitíssimo e a anta, uma só, e o muitíssimo mosquito, que é pequeno, vence a anta, que é forte, porém sozinha! E a piranha, que é pequenina, também come o mais valente  guerreiro, porque é muitíssima."

"Portanto, branco, é covardia ter muitos cachorros para caçar um bicho só, seja qual for. Ouve, Romualdo! Atenta nas palavras da minha boca. Tupã te fala de dentro da minha cabeça. Atenta, branco!"

 "Todo bicho tem sua catinga, que é o seu cheiro, como as flores têm o seu perfume. A catinga de cada bicho é sua só, e nenhum outro tem-na igual. Ouve, branco: e os bichos conhecem os seus iguais e os seus inimigos só pela catinga, o bicho levanta o focinho pra catinga do outro bicho, e já conhece o perigo ou a paz."

“Mas bicho sempre é bicho e o homem vence-o sempre, porque tem o hálito de Tupã dentro da sua cabeça. Ouve, branco ...”

 E na sua linguagem difusa, cheia de imagens, o caboclo falou horas esquecidas, dando a explicação da matéria. É complicadíssimo o processo, mas isso explica-se pela dificuldade que o indígena tem de preparar os meios de que carece. Posto, porém, em pratos limpos, para nós, civilizados, é facílimo.

Por exemplo: o caçador vai para o mato com dez cachorros; de repente estes farejam... onça. Portanto - catinga de onça. A onça, por sua vez, também fareja os cães: portanto  catinga de cachorro.

Temos, pois, catinga contra catinga... Porém a onça, sendo uma, a sua catinga é menor que a dos cachorros, que são dez. Ora, aqui está a chave da receita.

 Partindo desta regra, que é infalível, compreende-se desde logo o mistério. Basta o caçador dispor de algum recurso pecuniário para preparar as essências.

As essências, isto é: O caçador onceiro tem de comprar uns duzentos cachorros onceiros..., escolhe e separa o melhor de todos eles para figura - mata todos os outros e jeitosamente extrai a cada um a respectiva catinga. Então, quando for ao mato oncear, leva apenas o cachorro figura - para farejar e levantar o inimigo; no que o cão acuar, o caçador derrama-lhe no cogote sete gotas da essência da catinga dos duzentos cachorros... A onça, que de começo farejou um só cão inimigo, já sente agora a catinga dos duzentos... e desanima, acovarda-se, fica como uma ovelha; o caçador então pode chegar-se e sangrá-la, ou mesmo, se for destro, amarrá-la das quatro patas ... O bicho fica entregue... Está sob a impressão do terror de um cerco de duzentos cachorros... talvez até sinta as dores de já estar despedaçado aos golpes de tantos mil dentes... e, adeus! ...  resistência! Era uma vez - uma onça...

 O mesmo processo, ainda aperfeiçoado por mim, empreguei para a caça do veado, da avestruz, da perdiz, do tatu, etc. O veado, perseguido pelo - figura veadeiro - (este, já se sabe, molhado com a essência de catinga de veadeiros) o veado, digo, não dispara quase, ilude-se pelo faro, julga-se acossado por dezenas de veadeiros... desanima, julga-se estraçalhado, morto, e então o - figura - aproveita e subjuga-o facilmente.

A avestruz também não corre; embalde ela vê que o cachorro que a persegue - o figura - é apenas um... mas a estúpida fareja muitos - na catinga do avestruzeiro -e... faz as mesmas coisas que o veado, e deixa-se prender.

A perdiz, da mesma forma: como que se sente rodeada de perdigueiros; que o campo está coalhado de perdigueiros... e que, tendo voo curto, não poderia transpor a zona dos  inimigos...

 E... enfim, nem preciso por mais, na carta. Como se vê, por este processo, praticam-se prodígios, e como não sou egoísta aí deixo a receita do famoso - sistema Romualdo que tantas invejas e calúnias acarretou ao humilde  descobridor.
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João Simões Lopes Neto nasceu e morreu em Pelotas/RS, 1865 — 1916. Foi um escritor e empresário sul-rio-grandense e brasileiro. Segundo estudiosos e críticos de literatura, foi o maior autor regionalista do Rio Grande do Sul, pois procurou em sua produção literária valorizar a história do gaúcho e suas tradições. Era membro de uma tradicional família pelotense, e possuía ancestrais portugueses, de origem tanto açoriana como continental, tendo ambos os seus antepassados emigrado para o Brasil em busca de melhores condições de vida. Começa a escrever em 1888. No jornal “A Pátria”, depois no “Diário Popular” (no qual escreveu Balas de Estalo, comentários satíricos sobre a sociedade pelotense em forma de versos) e, posteriormente, no Correio Mercantil. Sob o nome de "Serafim Bemol" se lança como dramaturgo: O Boato (1893/1894), Os Bacharéis (1894), Mixórdia (1894/1895), O Bicho (1896), A Viúva Pitorra (versões de 1896 e 1898) e A Fifina (1899). Devido a uma úlcera duodenal morre em 1916, aos 51 anos. Considera-se que publicou apenas quatro livros em vida: Cancioneiro Guasca (1910); Contos Gauchescos (1912); Lendas do Sul (1913) e Casos do Romualdo (1914).

Fontes:
Simões Lopes Neto. Casos do Romualdo. Publicado originalmente em 1914. Disponível em Domínio Público.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

José Feldman (Mini contos Encruzilhadas da vida) 06 – 10


6. Carreira
Renato estava preso em um emprego que não o satisfazia. Todos os dias era uma repetição da encruzilhada em que se encontrava. Um dia, teve coragem de seguir sua paixão pela fotografia. Ao dar esse passo, começou a encontrar novos caminhos, descobrindo um mundo vibrante que antes parecia distante. A teia da carreira se transformou em uma galeria de possibilidades.

7. Medo
Sofia sempre deixou o medo controlar sua vida. Ele era como um quarto escuro, onde cada canto escondia uma nova insegurança. Um dia, decidiu enfrentar um de seus maiores medos: falar em público. Ao subir ao palco, percebeu que o quarto não era tão ameaçador quanto parecia. Com cada palavra, os muros do medo começaram a desmoronar.

8. Solidão
Fernanda sentia-se só em meio à multidão. O medo da solidão a cercava, e a busca por conexão parecia interminável. Um dia, decidiu participar de um grupo de leitura. Ali, encontrou almas semelhantes, pessoas que também buscavam companhia. Juntos, começaram a construir um novo caminho, onde a solidão dava lugar à amizade e ao apoio mútuo.

9. Expectativas
Leila vivia cercada por expectativas: familiares, sociais, pessoais. Cada uma era um corredor estreito em uma agonia sufocante. Um dia, decidiu desafiar essas expectativas e ouvir sua própria voz. Ao se libertar, encontrou novos caminhos, onde podia ser verdadeira consigo mesma. O vaso das expectativas se transformou em um jardim de possibilidades.

10. Esperança
Em tempos de crise, Janjão se sentia perdido. A desesperança o envolvia, e as saídas pareciam distantes. Um dia, ao ouvir uma história de superação, algo mudou. Ele percebeu que a esperança era uma luz no fim do túnel. Começou a agir em pequenos passos, e, ao longo do caminho, encontrou outros que também buscavam uma saída. Juntos, criaram um novo túnel, onde a esperança florescia.
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JOSÉ FELDMAN nasceu na capital de São Paulo. Poeta, trovador, escritor e gestor cultural. Formado em patologia clínica trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais. Casado com a escritora, poetisa, tradutora e professora da UEM, Alba Krishna, mudou-se em 1999 para o Paraná, morou em Curitiba e Ubiratã, e depois em Maringá/PR desde 2011. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras, como Academia Rotary de Letras, Academia Internacional da União Cultural, Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, Academia de Letras de Teófilo Otoni, etc, possui os blogs Singrando Horizontes desde 2007, e Pérgola de Textos, um blog com textos de sua autoria, Voo da Gralha Azul e Gralha Azul Trovadoresca. Assina seus escritos por Floresta/PR. Publicou de sua autoria 4 ebooks.. Dezenas de premiações em poesias e trovas no Brasil e exterior.

Fontes:
José Feldman. Pérgola de Textos. Floresta/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul. 
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