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sábado, 29 de março de 2025

José Feldman (O Livro Mais Chato do Mundo)

Era uma vez um escritor chamado Joaquim que sonhava em publicar seu grande romance. Ele passava horas em seu pequeno escritório, cercado por pilhas de papéis e canecas de café esfriando. A ideia era brilhante: um livro repleto de histórias sobre a vida de formigas, suas rotinas diárias e os desafios de encontrar migalhas. Joaquim estava convencido de que seu livro seria um sucesso.

Após meses de trabalho árduo, Joaquim enviou seu manuscrito para várias editoras. No entanto, as respostas foram desanimadoras. Uma editora até escreveu: “Agradecemos, mas suas histórias sobre formigas são... bem... formigáveis.” 

Ele ficou chateado, mas não desanimou. Ele acreditava que um dia alguém veria a genialidade de seu trabalho.

Finalmente, um dia, Joaquim recebeu uma notícia que o deixou radiante. Ele correu para o bar onde seus amigos costumavam se reunir e, com um sorriso de orelha a orelha, anunciou:

— Pessoal! Tenho uma novidade incrível! Recebi um pagamento por meu livro! 

Os amigos pararam de conversar e olharam para ele com curiosidade.

— Uau! Que legal, Joaquim! — disse Pedro, um dos amigos. — Finalmente, alguém reconheceu seu talento!

— Qual editora finalmente decidiu publicar seu trabalho? — perguntou Maria, entusiasmada.

— A Editora Formiguinha! Eles disseram que meu livro está prestes a ser lançado! — exclamou Joaquim, batendo palmas de alegria.

Os amigos começaram a aplaudir e a brindar em sua homenagem.

— Às formigas! — gritaram, rindo.

No entanto, Joaquim, ainda em seu estado de euforia, não percebeu que havia uma pequena sombra de dúvida pairando sobre a mesa.

— Isso é ótimo, mas como você conseguiu um pagamento antes mesmo do lançamento? — perguntou Carlos, franzindo a testa.

Joaquim, um pouco desconcertado, explicou que havia enviado o manuscrito há meses e que, por algum motivo, a editora decidiu pagar adiantado. Ele estava tão feliz que não via a necessidade de esclarecer mais.

Os amigos, animados, começaram a fazer planos para uma grande festa de lançamento. Joaquim estava nas nuvens, sonhando com o sucesso e as vendas. 

No entanto, quando a empolgação começou a se acalmar, uma dúvida surgiu na mente de Joaquim.

— Espera um pouco... — ele pensou. — Como seria possível receber um pagamento sem ter um contrato assinado?

Com isso, decidiu entrar em contato com a editora. Após várias tentativas, finalmente conseguiu falar com alguém.

— Olá, aqui é Joaquim, o autor de “As Aventuras das Formigas”. Eu recebi um pagamento, mas não estou certo sobre o motivo... — começou ele.

Do outro lado da linha, uma voz muito profissional respondeu:

— Ah, sim, Joaquim! O pagamento foi referente ao reembolso... 

— Reembolso? — perguntou Joaquim, perplexo.

— Sim, seu manuscrito foi extraviado pelos correios e, por isso, decidimos reembolsá-lo. Pedimos desculpas pela confusão.

Joaquim ficou em silêncio, tentando processar a informação. Ele havia confundido um reembolso por extravio com um pagamento por publicação. Com o coração na mão, ele desligou o telefone.

Desesperado e um pouco envergonhado, decidiu voltar ao bar, onde seus amigos ainda estavam celebrando. Ao entrar, a música parou e todos olharam para ele.

— E então, Joaquim? — gritou Maria, toda empolgada. — Vai ser uma grande festa, não é?

Joaquim respirou fundo e, com um sorriso amarelo, confessou:

— Na verdade, pessoal, eu não recebi um pagamento... O que aconteceu foi que os correios perderam meu livro e eles me reembolsaram!

O silêncio tomou conta da mesa, seguido por uma explosão de risadas.

— Então, você está dizendo que seu livro é tão chato que até os correios não conseguiram se interessar? — brincou Pedro, quase se engasgando.

Joaquim respondeu:

— É, parece que minha obra-prima não estava destinada a ser lida... nem pelos correios!

E assim, entre risadas e piadas sobre formigas, Joaquim decidiu que, talvez, fosse hora de reavaliar suas histórias e, quem sabe, escrever sobre algo mais emocionante. Afinal, ele já tinha experiência com histórias que ninguém queria.
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JOSÉ FELDMAN, poeta, escritor e gestor cultural nasceu em São Paulo, mas se radicou no Paraná desde 1999. Trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas em São Paulo. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos. Diretor cultural. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras, Assina seus escritos pela cidade de Floresta/PR. Publicou mais de 500 e-books. Premiações em poesias no Brasil e exterior.

Fontes:
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

quarta-feira, 26 de março de 2025

José Feldman (Dilema da Sopa no Quartel)

Era uma manhã ensolarada no quartel do Exército da Vila Militar. O soldado Carlos, um jovem sempre alegre, mas que às vezes exagerava, estava se recuperando de uma leve gripe. Ele havia contatado sua mãe, Dona Edna, e comentou que não estava se sentindo bem. Preocupada, ela decidiu preparar seu famoso prato de sopa de galinha e foi direto para o quartel.

— Vou levar a sopa do meu menino! — disse Dona Edna, com um sorriso no rosto e o prato bem embrulhado em suas mãos.

Ao chegar na entrada do quartel, ela foi recebida por um soldado de plantão.

— Bom dia, senhora! O que deseja? — perguntou ele, firme.

— Bom dia! Eu sou a mãe do soldado Carlos e trouxe uma sopa para ele! — respondeu Dona Edna, com entusiasmo.

— Desculpe, senhora, mas não posso deixar você entrar! — disse o soldado, com um ar sério.

— Mas é só uma sopa! Ele não está se sentindo bem! — insistiu Dona Edna, já começando a se preocupar.

— Senhora, não posso fazer exceções. É contra as regras. — respondeu o soldado, sem mudar a expressão.

Nesse momento, o sargento Almeida passou e ouviu a conversa.

— O que está acontecendo aqui? — perguntou, franzindo a testa.

— Sargento, essa senhora quer entrar com uma sopa para o soldado Carlos — explicou o soldado, apontando para Dona Edna.

— A senhora não pode entrar — disse o sargento, tentando ser firme. 

— Mas eu sou a mãe dele e estou preocupada! — Dona Edna começou a gesticular. — Ele precisa de carinho, de uma sopa quentinha!

— Senhora, eu entendo, mas regras são regras — insistiu o sargento.

Dona Edna, já irritada, decidiu que não ia se deixar abater.

— Olha aqui, meu filho está doente! Eu não vou embora sem ver o Carlos! — disse ela, cruzando os braços.

Nesse momento, o capitão Ferreira apareceu, ouvindo o barulho.

— O que está acontecendo aqui? — perguntou ele, com um ar de autoridade.

— Capitão! Esta senhora quer entrar com uma sopa! — disse o sargento, gesticulando para Dona Edna.

— Sopa? Isso é sério? — perguntou o capitão, olhando para Dona Edna. — Senhora, não podemos permitir isso. Se cada mãe trouxer sopa, vai ser uma bagunça.

— Mas é só uma sopa! — gritou Dona Edna, já começando a perder a paciência.

— Isso é uma questão de disciplina! — interveio o major Souza, que agora se juntara ao grupo.

— Disciplina? Olha, eu só quero ver meu filho e dar a ele essa sopa! — Dona Edna estava quase em lágrimas.

— Senhora, se a senhora entrar, não vai ser só a sopa. Vai ter que trazer um banquete! — disse o major, tentando manter a situação sob controle.

Dona Edna estava prestes a explodir quando Carlos decidiu intervir.

— Mãe! Eu estou aqui! Posso vê-la? — gritou ele, saindo da sala.

— Carlos! — exclamou Dona Edna, aliviada ao ver o filho.

— O que está acontecendo? — perguntou Carlos, percebendo a confusão.

— Eu só queria trazer a sua sopa! — disse Dona Edna, com a voz embargada.

— É só isso? — Carlos olhou para os oficiais, que estavam todos com expressões de cansaço da situação embaraçosa.

— Sim, e todos esses senhores não me deixam entrar! — disse Dona Edna, apontando para o sargento, o capitão e o major.

— Olha, mãe, eu aprecio sua preocupação, mas... — começou Carlos, mas foi interrompido.

— Você não pode ficar doente! — disse Dona Edna, já entrando na conversa. — Você precisa de sopa, carinho e descanso!

— E você precisa aprender a seguir as regras! — disse o major, tentando manter a ordem.

Nesse momento, Dona Edna virou-se para o major.

— E quem disse que a sopa não é uma regra? É uma regra da boa alimentação! — ela retrucou, com uma expressão determinada.

Os oficiais estavam tão cansados da discussão que começaram a olhar uns para os outros, sem saber o que fazer.

— Olhem, vamos resolver isso de uma vez por todas! — disse o capitão, já exasperado. — Carlos, você pode sair com sua mãe e levar a sopa para casa. Assim, a senhora pode cuidar de você.

— É isso mesmo! — exclamou Dona Edna, com um sorriso triunfante. — Vamos, meu filho!

— Mas, e quanto à disciplina? — perguntou o sargento, confuso.

— A disciplina pode esperar! — disse o major, já perdendo a paciência. — Todo mundo aqui já teve mãe! Deixe o soldado ir!

Carlos, aliviado, pegou a sopa de sua mãe e saiu do quartel, seguido por ela, que estava radiante.

— Obrigada, senhores! — ela gritou, enquanto se afastava. — E lembrem-se: sopa é amor!

Os oficiais, exaustos, começaram a rir da situação.

— Nunca mais vou subestimar o poder de uma mãe — disse o capitão, balançando a cabeça.

E assim, o soldado Carlos e sua mãe foram para casa, deixando para trás um quartel que nunca mais esqueceria aquela "sopa".

Fontes:
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

segunda-feira, 17 de março de 2025

José Feldman (A Colisão da Balbúrdia)

Era um dia com muitas nuvens na cidade, e dois idosos José e Marlene estavam a caminho do mercado. José dirigia seu velho fusquinha, enquanto Marlene estava atrás do volante de seu karmann guia, um carro pequeno e brilhante. Ambos estavam ansiosos para comprar os ingredientes do almoço.

Enquanto se aproximavam de um cruzamento, José, distraído, tentava se lembrar de uma velha receita.

— Ah, eu preciso de batatas! — gritou ele para si mesmo, sem perceber que o semáforo estava vermelho.

Marlene, que estava prestes a virar à direita, viu José avançar. Ela tentou buzinar, mas o som do seu carro era mais como um "bipe" tímido.

— Olha o sinal! — gritou Marlene, mas era tarde demais.

BAM!

Os carros colidiram com um estrondo, e os dois motoristas ficaram paralisados por um momento, olhando um para o outro.

— José! O que foi que você fez? — exclamou Marlene, saindo do carro.

— Eu? Você que não olhou para os lados! — respondeu José, já saindo do fusquinha.

— Eu olhei, seu apressado! Você é que avançou o sinal! — Marlene bateu o pé, enquanto ajeitava o cabelo.

Os dois idosos começaram a discutir, levantando os braços e gesticulando como se estivessem no meio de uma apresentação teatral.

— Você deveria usar menos os ouvidos e mais o cérebro! — gritou José, apontando para Marlene.

— E você deveria usar mais os olhos e menos a boca! — retrucou ela, cruzando os braços.

As pessoas que passavam, começaram a parar para assistir à cena, algumas rindo, outras torcendo para que a discussão não terminasse em algo mais sério.

— Olha, gente! Um show de comédia grátis! — gritou um jovem, fazendo todos rirem.

— Calma, pessoal! Isso não é uma competição de quem grita mais alto! — comentou uma mulher idosa que passava.

Nesse momento, o guarda de trânsito Antunes, apareceu, com um ar de autoridade.

— O que está acontecendo aqui? — perguntou, olhando para os dois motoristas.

— Esse senhor avançou o sinal! — disse Marlene, apontando para José.

— Eu não avancei nada! A senhora é que estava distraída! — José respondeu, indignado.

O guarda olhou de um para o outro, tentando entender a situação. 

— Então, vamos lá, quem estava certo aqui? — indagou o guarda Antunes, tentando apaziguar a situação com um sorriso.

— Eu estava certa! — gritou Marlene.

— E eu também! — José respondeu, cruzando os braços.

A confusão só aumentava. Os transeuntes começaram a opinar.

— Eu vi tudo! A Dona Marlene estava certa! — disse um homem que estava vendendo frutas.

— Não, não! O José é um bom motorista! — defendeu uma mulher.

— Eu estava lá! A Dona Marlene estava tão distraída com a maquiagem que nem viu o sinal! — gritou um adolescente.

— A maquiagem é essencial para a segurança no trânsito! — Marlene protestou, dando uma piscadela para o guarda.

— Isso é verdade! Um bom batom pode salvar vidas! — disse uma idosa que estava assistindo a cena.

— Espera aí! — disse o guarda, levantando as mãos. — Vamos esclarecer isso. Quem se machucou?

— Ninguém! — disseram os dois em uníssono.

— Então, por que tanta confusão? — perguntou o guarda.

— Porque ele não sabe dirigir! — apontou Marlene novamente.

— E porque ela não sabe parar de falar! — José retrucou.

A situação estava tão engraçada que as pessoas começaram a aplaudir, como se estivessem assistindo a uma peça de teatro.

— Olha, gente! A disputa dos campeões de trânsito! — gritou o vendedor de frutas, fazendo todo mundo rir mais.

O guarda, percebendo que a situação havia tomado um rumo cômico, decidiu intervir para encerrar a confusão.

— Vamos lá, pessoal. Que tal um acordo? — sugeriu. — Vocês dois vão para o mercado, compram suas comidas e depois se encontram para um café. Assim, resolvem tudo de forma civilizada.

Marlene e José se olharam, ainda um pouco irritados, mas a ideia começou a fazer sentido.

— O que você acha, José? — perguntou Marlene, suavizando o tom.

— Eu acho que um café não seria tão ruim assim... desde que você não fique falando do meu jeito de dirigir! — disse José, já se rendendo.

— E eu prometo não olhar para o lado enquanto você toma café! — riu Marlene.

Assim, os dois motoristas se dirigiram para seus carros, deixando o guarda e os espectadores aliviados e felizes com a resolução da confusão.

— Até a próxima trombada, amigos! — gritou um jovem, enquanto todos riam novamente.

E assim, José e Dona partiram, prometendo que a próxima vez que se encontrassem, seria em um lugar onde não houvesse semáforos, apenas café e boas risadas.
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JOSÉ FELDMAN nasceu na capital de São Paulo. Formado em técnico de patologia clínica trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais; membro da Casa do Poeta “Lampião de Gás”. Foi amigo pessoal de literatos de renome (falecidos), como Artur da Távola, André Carneiro, Eunice Arruda, Izo Goldman, Ademar Macedo, e outros. Casado com a escritora, poetisa, tradutora e atualmente professora pós-doutorada da UEM, mudou-se em 1999 para o Paraná, morou em Curitiba e Ubiratã, morando atualmente em Maringá/PR em 2011. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras, como Academia Rotary de Letras, Academia Internacional da União Cultural, Academia de Letras de Teófilo Otoni, Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, Academia Virtual Brasileira de Trovadores, etc, possui o blog Singrando Horizontes desde 2007, e Pérgola de Textos, um blog com textos de sua autoria. Assina seus escritos por Floresta/PR. Publicou mais de 500 e-books. Premiações em poesias no Brasil e exterior.

Fontes:
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

sábado, 15 de março de 2025

José Feldman (Fábulas) Ingratidão

Havia um pequeno pássaro chamado Pipi, que tinha um canto lindo e único. Ele sonhava em ser ouvido por todo o mundo, mas não sabia como fazer isso.

Um dia, uma grande águia chamada Áquila, que era conhecida por sua sabedoria e generosidade, ouviu o canto de Pipi. 

Ela ficou impressionada com a beleza da sua voz e decidiu ajudá-lo a alcançar seu sonho.

Áquila levou Pipi para voar sobre as montanhas e vales, e apresentou-o a todos os animais que encontravam pelo caminho. Ela usou sua influência para que Pipi fosse convidado para cantar em todos os eventos importantes da região.

Pipi ficou famoso em pouco tempo, e todos os animais o admiravam. No entanto, à medida que sua fama crescia, Pipi começou a se esquecer de Áquila e de tudo o que ela havia feito por ele.

Ele começou a acreditar que seu sucesso era apenas mérito seu, e que Áquila não havia feito nada para ajudá-lo. Ele até começou a se comportar de forma arrogante e ingrata em relação à águia.

Um dia, Áquila se aproximou de Pipi e disse: "Pipi, você esqueceu de mim? Você esqueceu de tudo o que eu fiz por você? Eu estendi minha asa para você, e agora você me trata como se eu fosse nada?"

Pipi ficou envergonhado e percebeu seu erro. Ele pediu desculpas a Áquila e prometeu nunca mais esquecer dela e de tudo o que ela havia feito por ele.

Moral da fábula: 
A ingratidão é um veneno que pode destruir as relações e a própria alma. Devemos sempre lembrar e agradecer aqueles que nos ajudam e nos apoiam, pois sem eles, não estaríamos onde estamos hoje.
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Fontes:
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

terça-feira, 11 de março de 2025

José Feldman (Um dia… um tanto quanto bagunçado na praia)


Era uma manhã com um sol vibrante no céu, quando Aparecido e Lindolfo decidiram ir à praia na Vila das Velhas. Enquanto Aparecido carregava uma expressão de desânimo, Lindolfo pulava de entusiasmo, quase derrubando a bolsa de praia.

— Olha, Aparecido! Hoje vai ser um dia incrível! — disse Lindolfo, animado.

— Incrível até você fazer alguma besteira, como sempre — resmungou Aparecido.

Chegando à praia, o primeiro desafio foi montar o guarda-sol. Lindolfo, com seu jeito atrapalhado, logo começou a lutar com a estrutura.

— Deixe que eu ajudo, Lindolfo! — Aparecido disse, tentando consertar o guarda-sol.

— Não precisa, eu sou um mestre em guarda-sóis! — respondeu Lindolfo, confiante.

Assim que Aparecido segurou o guarda-sol, um vento forte soprou e, com violência, o guarda-sol voou das mãos deles.

— Ah, não! — gritou Aparecido. 

Mas era tarde demais. O guarda-sol saiu deslizando e colidiu com uma tenda onde várias pessoas faziam ioga.

— O que foi isso?! — gritou uma instrutora, enquanto algumas pessoas caíam de costas, outras rolavam e batiam em uma barraca de bebidas.

— Ai, meu Deus! — exclamou Lindolfo, tentando ajudar, mas acabou tropeçando em um tapete de ioga. Ele caiu, e junto com ele, um grupo inteiro de praticantes de ioga desmoronou.

— Olha o que você fez! — Aparecido gritou.

As bebidas ficaram espalhadas pela areia, encharcando várias pessoas que estavam em suas esteiras.

— Essa é a melhor aula de ioga que já fiz! — alguém comentou, rindo, enquanto tentava se levantar.

Lindolfo, ainda tentando se recuperar da queda, disse:

— Vamos para o mar! O banho vai nos refrescar!

Os dois correram em direção à água, mas, ao chegarem à beira, perceberam que a areia estava escaldante.

— Ai, ai! Como está quente! — reclamou Aparecido, pulando de um pé para o outro.

— Pula como um saci, Aparecido! — brincou Lindolfo, que estava pulando de forma desengonçada.

Ao fazer um salto, Lindolfo, em sua típica falta de coordenação, acabou tropeçando em um cachorro que passava.

— Cuidado! — Aparecido gritou, mas já era tarde. Lindolfo caiu na areia, derrubando Aparecido junto, que foi parar de cara na água.

— Eu sabia que você ia fazer alguma besteira! — resmungou Aparecido, com a cara encharcada e enlameada.

— Foi só um pequeno acidente! — defendeu-se Lindolfo, rindo enquanto tentava se levantar.

No entanto, ao se levantar, Lindolfo escorregou na areia molhada e caiu novamente, agora em cima de Aparecido.

— Você está me afundando! — gritou Aparecido, tentando empurrá-lo.

— Desculpa! É tudo culpa do cachorro! — disse Lindolfo, se agitando descontroladamente.

Depois de muitas trapalhadas, finalmente conseguiram se limpar e foram para a água. O mar estava delicioso, e Aparecido até começou a relaxar um pouco.

— Olha, Aparecido! Estamos nos divertindo, não estamos? — disse Lindolfo, mergulhando.

— Se você não parar de fazer besteira, talvez sim! — Aparecido respondeu, tentando manter a calma.

Depois de um tempo, eles decidiram voltar para a areia. Mas, ao chegarem, perceberam que a confusão ainda não havia acabado. A tenda de ioga estava cheia de pessoas tentando se secar e algumas ainda confusas com a situação.

— Eles parecem estar se divertindo com o "aula de ioga aquática" — Aparecido comentou, tentando não rir.

— Olha, quem sabe isso não vira uma nova tendência? — sugeriu Lindolfo, piscando o olho.

— Tendência ou não, eu só quero um pouco de tranquilidade! — Aparecido resmungou.

Quando finalmente se prepararam para ir embora, Aparecido estava ainda mais irritado com as trapalhadas de Lindolfo.

— Você sempre arruma confusão, não é? — Aparecido reclamou.

— Mas pelo menos é divertido! — respondeu Lindolfo, rindo.

— Divertido para você! Eu acabei de passar por uma "experiência de areia" — Aparecido disse, enquanto se sacudia.

— Vamos fazer disso uma tradição! — sugeriu Lindolfo, enquanto caminhavam para o carro.

— Tradicionalmente, eu prefiro um dia tranquilo em casa — Aparecido resmungou, mas não pôde evitar um sorriso ao olhar para o amigo.

E assim, entre risadas e trapalhadas, os dois amigos foram embora da praia, mesmo que Aparecido ainda achasse que a próxima saída deveria ser para um lugar bem longe de qualquer guarda-sol.

Depois de um dia cheio de trapalhadas na praia, Aparecido chegou em casa ainda resmungando sobre as aventuras de Lindolfo. Enquanto se aprontava para tomar um banho, Lindolfo, entusiasmado, começou a mexer no celular.

— Olha, Aparecido! As fotos da praia estão incríveis! — disse Lindolfo, piscando para o amigo.

Aparecido saiu do banheiro, com a toalha na cabeça, e olhou para o telefone.

— Fotos? De que fotos você está falando? — perguntou, já prevendo mais confusões.

— Das nossas aventuras! — respondeu Lindolfo, passando rapidamente pelas imagens. — Olha essa aqui: você caindo de cara na areia!

Aparecido se aproximou, e a imagem era realmente hilária. Ele estava com um olhar de espanto, coberto de areia, e Lindolfo, ao lado, rindo descontroladamente.

— Isso é ridículo! — Aparecido exclamou. — Eu pareço um polvo!

— E essa aqui? — continuou Lindolfo, mostrando outra foto. — Olha a cara de quem estava "mergulhando" na água, com areia na cara!

Aparecido olhou para a foto e teve que admitir que, embora fosse constrangedor, era engraçado.

— Tudo bem, essa é engraçada. Mas e a parte em que você derrubou todo mundo na tenda de ioga?

Lindolfo começou a rolar as imagens e, em seguida, apareceu uma foto com várias pessoas deitadas na areia tentando se levantar.

— Olha, — disse Lindolfo. — você não pode negar que foi uma grande aventura!

— Grande aventura? Você quer dizer "grande desastre"! — Aparecido rebateu, mas com um sorriso involuntário.

Lindolfo finalmente encontrou uma foto que o fez rir ainda mais. Era uma selfie deles, com Aparecido de cara emburrada e Lindolfo com um sorriso enorme, coberto de areia.

— Essa é a melhor! — disse Lindolfo. — "Aparecido, o campeão da praia e eu, seu fiel escudeiro!"

— Fiel escudeiro? Você quer dizer "criador de problemas"! — Aparecido respondeu, mas já não continha as risadas.

— Vamos postar no grupo! — sugeriu Lindolfo, já pronto para compartilhar.

— Não! — Aparecido gritou. — Não quero que todos vejam isso!

— Ah, vai! Todos vão adorar! É um momento especial! — insistiu Lindolfo.

— "Especial"? Se você acha que eu quero ser conhecido como o cara que caiu na areia e foi atingido por um guarda-sol, você está muito enganado! — Aparecido retrucou.

— Mas é isso que faz a vida divertida! — disse Lindolfo, finalmente convencendo Aparecido a deixar ele postar as fotos.

Assim que Lindolfo publicou as imagens, rapidamente começaram a chegar comentários dos amigos.

— "Aparecido, você é um artista da areia!" — comentou um amigo.

— "O que aconteceu com o guarda-sol?!" — outro perguntou, rindo.

Aparecido olhou para Lindolfo, que estava quase se engasgando de tanto rir.

— Ok, você ganhou essa! — disse Aparecido, rendendo-se à situação. — Mas não quero mais aventuras como essa!

— Prometo que na próxima vamos apenas relaxar! — disse Lindolfo, com um sorriso travesso.

Fontes:
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

segunda-feira, 10 de março de 2025

José Feldman (A Pimenta da discórdia)

Era uma tarde chuvosa na pequena casa de Dona Elza. Ela estava na cozinha, concentrada em preparar seu famoso ensopado. Com um avental florido e uma colher de pau na mão, ela mexia os ingredientes quando seu marido, Seu Manoel, entrou com um olhar curioso.
 
— O que você está fazendo, minha querida? — perguntou Manoel, coçando a cabeça.
 
— Estou fazendo ensopado, Mané. Você sabe, o seu favorito! — respondeu Elza, sorrindo.
 
— Ah, sim! E eu posso ajudar? — ele disse, já se aproximando da mesa de temperos.
 
— Claro, amor! Só não mexa nos potes, por favor — advertiu ela, lembrando-se de algumas tentativas anteriores.
 
Manoel começou a olhar e mexer nos potes, mas logo se deparou com um dilema.
 
— E a pimenta? Onde está? Você já colocou?
 
— Coloquei sim! — disse Elza, sem muita certeza.
 
— Tem certeza? O que você acha que é essa cor aqui? — apontou ele para o ensopado.
 
— Mané, isso é o colorau! — ela riu, balançando a cabeça. — Você ainda lembra o que é pimenta?
 
— Ah, estou certo de que não colocou... — ele murmurou.
 
— Então, vamos colocar mais um pouco, só para garantir! — decidiu Elza, pegando o frasco de pimenta.
 
— Espera! — Manoel gritou. — E se já tiver? E se ficarmos com a boca em chamas?
 
— Mané, você está exagerando! A comida não vai explodir! — ela riu, já despejando uma boa quantidade.
 
— Ok, ok! Mas se eu não conseguir sentir o gosto depois, a culpa é sua! — ele retrucou, cruzando os braços.
 
Após o tempero, Dona Elza serviu o ensopado fumegante em dois pratos. Ambos se sentaram à mesa, ansiosos para experimentar a refeição.
 
— Vamos lá! — disse ela, pegando a colher. — Um brinde ao nosso jantar!
 
— Ao nosso jantar! — replicou Manoel, levantando o garfo.
 
Os dois deram a primeira colherada ao mesmo tempo. O silêncio pairou por um momento, até que Manoel começou a chorar.
 
— O que foi, Mané? Está tudo bem? — perguntou, preocupada.
 
— Eu... estou... — ele tentou falar, mas as lágrimas escorriam. — Está muito forte! Parece que coloquei fogo na boca!
 
— O que você esperava? — disse ela, tentando conter o riso. — Você mesmo insistiu que não sabia se a pimenta já estava lá!
 
— Agora eu sei! — ele respondeu, fazendo caretas. — Eu não vou conseguir comer isso!
 
— Que bom que você decidiu ajudar! — Elza brincou, servindo-se de um copo de água. — Deixa que eu cuido do jantar da próxima vez.
 
Manoel, ainda ofegante, sorriu e levantou o copo.
 
— Então, um brinde à pimenta esquecida e ao nosso amor!
 
— E que nunca mais esqueçamos onde a pimenta está! — Elza completou, rindo.

 
Fontes:
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

domingo, 9 de março de 2025

José Feldman (Desabafo)

PRÓLOGO

A madrugada é um abrigo. Resumir uma vida inteira em poucas linhas é como tentar capturar o infinito em um frasco. Cada experiência, emoção e aprendizado é uma camada complexa que não pode ser reduzida à simplicidade das palavras. As nuances das relações, os desafios enfrentados e os sonhos cultivados se entrelaçam de maneiras únicas. Uma vida é um mosaico de momentos que, juntos, formam uma história rica e intricada. Assim, qualquer resumo sempre deixará de lado a profundidade da verdadeira experiência humana.

O sol se põe no pequeno quintal onde um homem de cerca de 70 anos, se encontra. O céu, tingido de laranja e roxo, parece refletir as cores de sua vida: um espectro de emoções, alegrias e tristezas, que se entrelaçam como as nuvens que passam lentamente. Ele respira fundo, sentindo a brisa suave que traz consigo o cheiro dos jasmins que florescem no jardim. Com sua cadela, Raio de Sol, deitada aos seus pés, decide que era hora de desabafar.
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DESABAFO

Desde a infância, fora moldado por pais que, embora judeus, não eram religiosos. Eles lhe ensinaram a importância dos valores, mas sempre o fizeram sob a rígida ótica dos mandamentos bíblicos. Cresceu ouvindo que deveria ser um homem de bem, mas em algum ponto, perdeu de vista o que realmente significava ser ele mesmo. A vida lhe deu rasteiras, e ele aprendeu a se levantar, mas a cada queda, um pedaço de sua essência se despedaçava.

Na juventude, enquanto trabalhava num laboratório, se apaixonou por Yasmin, uma mulher árabe, cujo sorriso iluminava até os dias mais sombrios. Juntos, enfrentaram o preconceito e a guerra que cercava suas vidas numa época de intolerância entre árabes e judeus, criando uma filha que, por um breve momento, trouxe luz ao seu mundo. Mas o destino, sempre cruel, não lhes deu tempo para sonhar. A menina foi tragicamente assassinada por assaltantes, e Yasmin, em um ato de desespero, tirou a sua própria vida, deixando ele em um abismo de dor e solidão.

Ele se lembra da noite em que tentou tirar a própria vida, atormentado pela crença de que Deus o condenara por amar alguém fora de suas crenças. A culpa e o luto se tornaram sombras que o acompanharam, enquanto buscava ajuda em terapias que nunca tocavam a raiz de sua dor. E assim, a vida passou, sem que ele conseguisse concluir nenhum projeto, sem que a sociedade e sua família entendesse a profundidade de suas cicatrizes.

Sozinho, se fechou em uma redoma e se lançou na literatura e na música, buscando preencher o vazio que parecia se alargar a cada dia. Mas, por mais que estudasse e se dedicasse, um sentimento de vazio o acompanhava. O olhar desaprovador dos outros, que viam sua falta de formação acadêmica como um fracasso, só alimentava sua frustração.

A literatura, a música e outras paixões foram as âncoras que o mantiveram à tona durante suas tempestades emocionais. Quando a dor da perda de Yasmin e da filha Samara, se tornava insuportável, ele encontrava refúgio nas páginas de livros que o transportavam para mundos distantes. Autores o ajudaram a explorar as profundezas da condição humana, refletindo sobre a dor, a culpa e a busca por sentido. Cada página virada era um passo a mais em seu processo de luto, permitindo-lhe externalizar sentimentos que, de outra forma, teriam permanecido aprisionados em seu coração.

A literatura ofereceu não apenas uma fuga, mas também a capacidade de dar voz ao seu sofrimento. Ele começou a escrever, não como um autor, mas como um catarse*. Poemas e contos curtos se tornaram diários de sua dor, em que registrava suas lembranças, seus medos e suas esperanças. As palavras se tornaram um espaço seguro onde ele podia chorar, gritar e, eventualmente, aceitar a realidade de sua perda.

A escrita se transformou em um refúgio e um processo terapêutico essencial em sua jornada de luto. Desde o momento em que a dor da perda se instalou em seu coração, ele percebeu que precisava de uma forma de liberar suas emoções e dar voz ao que sentia. A caneta se tornou sua aliada, e o papel, seu confidente. Cada palavra escrita era uma liberação. Começou a escrever como uma forma de catarse; suas emoções, antes sufocadas pelos traumas, encontravam espaço para serem expressas. Ao registrar suas lembranças, lágrimas e angústias, ele não apenas falava sobre a dor, mas também a confrontava. A escrita ofereceu um meio de transformar o sofrimento em algo tangível, permitindo que ele olhasse para sua dor de uma nova perspectiva.

Ao escrever, se viu mergulhado em um processo de reflexão. As páginas tornaram-se um espelho onde ele podia observar suas lutas internas. Ele começou a questionar suas crenças, suas decisões e as influências que moldaram sua vida. Começou a construir narrativas que lhe permitiram ressignificar suas experiências. Ele escrevia para Yasmin e Samara, não apenas como figuras trágicas, mas como partes essenciais de sua história. Ao recontar suas memórias, ele pôde celebrar os momentos felizes que viveram juntos, transformando a dor da perda em uma homenagem ao amor que compartilhavam. Ao escrever sobre essa experiência, ele conseguiu explorar sua dor e sua luta interna. Através das palavras, ele começou a libertar-se do fardo da culpa, compreendendo que o amor não era um pecado, mas uma força poderosa que transcendia barreiras.

Em suas reflexões, começou a escrever cartas que nunca seriam enviadas, endereçadas a Yasmin e à sua filha. Essas cartas, embora não destinadas a serem lidas, tornaram-se uma forma de diálogo com aquelas que ele perdera. Essa prática o ajudou a sentir uma conexão contínua com elas, como se pudesse compartilhar seus pensamentos e sentimentos, mesmo na ausência física.

A música, por sua vez, era como um bálsamo para a alma. Encontrou consolo nas melodias de compositores clássicos, cujas sinfonias pareciam compreender sua tristeza. As notas de Chopin e Beethoven ecoavam em sua casa, preenchendo o ar de uma beleza que contrastava com sua dor. Ele aprendeu a tocar saxofone, cada som se tornando uma extensão de seu coração partido. Quando a melancolia o envolvia, ele se entregava à música, permitindo que as emoções fluíssem através de suas mãos.

A música também o conectava a memórias de Yasmin. Havia uma canção que ela costumava cantar para a filha, Acalanto, de Caymmi; ao tocá-la, sentia como se estivesse revivendo aqueles momentos e as lágrimas vertiam por sua face como cachoeiras. Essa conexão o ajudou a navegar pela dor, transformando-a em algo mais palatável. Em vez de ser um mero espectador de sua tragédia, ele se tornou o protagonista de uma sinfonia de luto e amor.

Através da literatura e da música, ele encontrou um propósito renovado, um modo de honrar a memória de Yasmin e de Samara. Ele entendeu que a vida continuava, e que, apesar das cicatrizes, ainda havia espaço para o amor àqueles que lhe foram caros na vida.

A solidão tornou-se sua única companheira, até que encontrou um amor inesperado nos animais.

Seus cães e gatos tornaram-se irmãos, preenchendo o vazio que a vida lhe deixara. Raio de Sol, uma cadela resgatada das ruas, entrou em sua vida como um sopro de esperança. Com ela, redescobriu a capacidade de amar. Ela é a razão de seu sorriso, o motivo de suas caminhadas e as tardes de sol. Com ela ao seu lado, ele se sente menos sozinho, mesmo que a dor da perda ainda o assombre, mesmo após 50 anos.

Agora, sentado no quintal, olha para Raio de Sol, que o observa com aqueles olhos cheios de amor incondicional. Ele sente que, apesar de tudo, ela é a sua salvação. Com diversos problemas de saúde e o tempo se esvaindo entre os dedos, ele reza diariamente. Não por um Deus que o abandonou, mas por uma vida mais longa para Raio de Sol. Que sua cadela tenha o tempo que ele não pôde dar à sua filha, que possa sentir o amor que ele não pôde oferecer à Yasmin.

“Se eu tiver que partir”, pensa, “quero que seja ao lado dela. Que minha alma a acompanhe, onde quer que vá.” A paz verdadeira parece distante, mas ele sente que, ao menos, não estará sozinho na partida.

O amor que ele dá e recebe de Raio de Sol, que, mesmo em meio à dor, lhe proporciona momentos de pura felicidade. E assim, ele sorri, no silêncio, sabendo que, apesar de tudo, tinha vivido um amor que transcendeu todas as barreiras e preconceitos.

Ele fecha os olhos, desejando que o amor que sente por sua cadela seja o último legado que deixará ao mundo.
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EPÍLOGO

A madrugada é a mais fiel companheira, é ela que abraça e envolve em seu cobertor.

Madrugada, suave manto,
que me envolve em teu calor,
teu silêncio é um canto,
que acalma minha profunda dor.

Em teus braços a solidão se esconde,
e as estrelas, testemunhas do meu sofrer,
a lua, amiga que responde,
a cada lágrima que insiste em verter.

Teus sussurros são bálsamo e abrigo,
enxugando as dores que venho a sentir,
teu cobertor um carinho antigo,
que me ensina a esperar e a resistir.

A noite tece sonhos em meio ao pranto,
e na escuridão encontro a luz.
Madrugada… teu amor é um canto,
que me abraça, que me conduz.

Em cada pensamento que flutua,
teu silêncio se torna um lar.
Madrugada… doce e nua,
é em ti que aprendo a amar.

E quando a aurora, tímida, chega,
leva com ela o peso da dor,
mas em ti, ó madrugada, o mundo se aconchega, 
pois é em ti que vive o amor.
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* Catarse = em psicologia, liberação de emoções ou tensões reprimidas.
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JOSÉ FELDMAN nasceu na capital de São Paulo. Formado em técnico de patologia clínica trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais; membro da Casa do Poeta “Lampião de Gás”. Foi amigo pessoal de literatos de renome (falecidos), como Artur da Távola, André Carneiro, Eunice Arruda, Izo Goldman, Ademar Macedo, e outros. Casado com a escritora, poetisa, tradutora e atualmente professora pós-doutorada da UEM, mudou-se em 1999 para o Paraná, morou em Curitiba e Ubiratã, morando atualmente em Maringá/PR em 2011. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras, como Academia Rotary de Letras, Academia Internacional da União Cultural, Academia de Letras de Teófilo Otoni, Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, Academia Virtual Brasileira de Trovadores, etc, possui o blog Singrando Horizontes desde 2007, e Pérgola de Textos, um blog com textos de sua autoria. Assina seus escritos por Floresta/PR. Publicou mais de 500 e-books. Premiações em poesias no Brasil e exterior.

Fontes:
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

domingo, 2 de março de 2025

José Feldman (Contos em versos diversos) Apenas uma mão


Era um senhor de roupas gastas,  
com o andar lento e olhar cansado.
Na calçada, suas memórias vastas  
contavam histórias de um tempo amado.  

Um dia, tropeçou, a queda foi dura,  
e junto ao muro lá ficou a gemer.  
Clamava por ajuda em sua amargura,  
mas ninguém o ouvia, mesmo vendo-o sofrer.  

Os passantes, apressados, viam um mendigo,  
e o ignoravam, sem parar para olhar.  
Pensavam que era só queria um abrigo,  
um bêbado perdido, sem lar para ficar.  

Mas eis que um jovem com olhar atento,  
se aproximou, perguntando com bondade:  
“Senhor, precisa de algum auxílio ou alento?”  
A voz sincera trouxe-lhe felicidade.  

“Só preciso de ajuda para me levantar,”  
disse o velho, com um sorriso tímido.
O rapaz com força, o pôs a caminhar,  
e juntos seguiram num passo decidido.  

Chegaram a um palacete, imponente e belo,  
o jovem, espantado, não podia crer.  
“Este é meu lar, um lugar singelo,  
venha, entre, e vamos nos conhecer!”  

O jovem, surpreso, aceitou o convite,  
e um laço de amizade começou a florescer,  
contaram histórias, entre risos sem limite…  
Um encontro de almas, um novo amanhecer.  

Mas a moral que ecoa em nossos corações,  
é que a compaixão é um bem que se retrai,  
pois muitos, em meio às suas aflições,  
ignoram o próximo, uma vida que se esvai.  

Que possamos, como o jovem, olhar além,  
e estender a mão aos necessitados,  
pois cada ser humano tem um valor também,  
e a bondade é a luz dos seres abençoados.

Fontes:
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com IA Microsoft Bing