quinta-feira, 10 de julho de 2025

José Feldman (Textos & Trovas) Máscaras da vida

Texto construído tendo por base a trova de Renato Alves (Rio de Janeiro/RJ)
Fiz da vida um Carnaval,
mas terminei num impasse:
A máscara do irreal
grudou-se na minha face!
Fiz da vida um Carnaval, onde cada dia era uma nova festa, uma celebração vibrante de cores e sons. Desde pequeno, sempre encontrei na música e na dança um refúgio, uma forma de esquecer as dores e as frustrações do cotidiano. As ruas da cidade se tornavam meu palco, e eu, um artista em busca de aplausos e sorrisos. As fantasias que usava não eram apenas trajes, mas armaduras que me protegiam da realidade. Cada máscara que eu colocava me permitia ser quem quisesse, longe das amarras do eu cotidiano.

Naquele Carnaval, tudo era permitido. Sorrir, dançar, amar sem medo. As pessoas se entregavam à euforia, e eu, em meio a essa alegria, me sentia invencível. As cores se misturavam, as risadas ecoavam e a música envolvia tudo como um abraço caloroso. Mas, à medida que os dias passavam, percebi que havia algo mais profundo escondido atrás da festa. A realidade, como um espectro, pairava à espreita, esperando o momento certo para se revelar.

O que começou como uma celebração transformou-se em um labirinto de ilusões. A cada desfile de Carnaval, percebia que as risadas se tornavam mais distantes, os olhares mais vazios. As pessoas, antes tão vibrantes, pareciam presas em suas próprias fantasias, vivendo uma vida que não era a sua. Eu também me vi preso nesse ciclo. A alegria que antes me preenchia começou a se transformar em uma máscara pesada, grudada em meu rosto como um lembrete constante de que a vida estava se tornando uma encenação.

Certa noite, enquanto as luzes do Carnaval brilhavam intensamente, eu me afastei da multidão. O som da música se tornava um ruído ensurdecedor, e a dança, uma repetição mecânica de movimentos. Sentei-me à beira de um lago, onde a água refletia as estrelas como pequenos diamantes no céu. Olhei para meu reflexo e percebi a verdade que eu havia ignorado. A máscara do irreal não era apenas um adorno; tornara-se parte de mim, uma segunda pele que ocultava quem eu realmente era.

A realidade começou a se infiltrar em meus pensamentos. O que eu havia construído em torno de mim era uma fantasia que me afastava de uma vida autêntica. A busca incessante por aprovação e aplausos me deixava em um impasse, preso entre a necessidade de ser visto e o desejo de ser verdadeiro. O Carnaval, que deveria ser um momento de libertação, transformou-se em uma prisão de ilusões.

Naquela noite à beira do lago, decidi que era hora de desmascarar a verdade. O primeiro passo foi enfrentar a dor que eu havia ignorado por tanto tempo. As memórias de perdas, de desilusões, de momentos em que a vida não foi uma festa. Enfrentei cada uma delas, uma a uma, permitindo que a tristeza e a vulnerabilidade emergissem. Com lágrimas nos olhos, percebi que era essa autenticidade que me tornava humano, que me conectava aos outros de forma genuína.

Na manhã seguinte, acordei com o sol filtrando-se pelas janelas. O Carnaval ainda pulsava lá fora, mas eu estava disposto a participar dele de uma maneira diferente. Não como um espectador, mas como alguém que escolhe dançar ao ritmo de sua própria música. Comecei a me despir das máscaras que havia usado por tanto tempo, uma a uma. Cada peça que caía ao chão era um peso a menos, uma libertação da expectativa que havia me aprisionado.

Ao longo dos dias que se seguiram, a vida continuou a ser um Carnaval, mas agora eu participava dele de forma autêntica. Aprendi a rir sem medo, a dançar sem vergonha e a amar sem reservas. A máscara do irreal, que antes grudara-se em meu rosto, agora era apenas uma lembrança de um tempo em que eu não sabia quem era. Eu me permiti ser vulnerável, e essa vulnerabilidade me trouxe uma força inesperada.

As pessoas ao meu redor começaram a notar a mudança. O brilho em meus olhos não era mais uma ilusão, mas a chama de alguém que havia encontrado seu verdadeiro eu. As conexões se tornaram mais profundas, as risadas mais sinceras. Eu não precisava mais da aprovação alheia; a alegria que eu buscava estava dentro de mim, e a vida se transformou em uma celebração genuína.

O Carnaval se tornou uma metáfora da vida. Aprendi que, mesmo nas festas mais vibrantes, é essencial estar em contato com a realidade, com a dor e com a alegria que a vida traz. A máscara do irreal, que um dia me aprisionou, agora estava guardada como um símbolo de uma jornada de autodescoberta. E assim, enquanto a vida continuava a ser um Carnaval, eu dançava livre, com o coração leve, pronto para enfrentar o que quer que viesse, sempre fiel à verdade do meu ser.
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JOSÉ FELDMAN nasceu na capital de São Paulo. Poeta, trovador, escritor e gestor cultural. Formado em patologia clínica trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais. Casado em 1994 com a escritora, poetisa, tradutora e professora da UEM, Alba Krishna, mudou-se em 1999 para o Paraná, morou em Curitiba e Ubiratã, e depois em Maringá/PR desde 2011. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras, como Academia Rotary de Letras, Academia Internacional da União Cultural, Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, Academia de Letras de Teófilo Otoni, etc, possui os blogs Singrando Horizontes desde 2007, e Pérgola de Textos, um blog com textos de sua autoria, Voo da Gralha Azul e Gralha Azul Trovadoresca. Assina seus escritos por Floresta/PR. Dezenas de premiações em poesias e trovas no Brasil e exterior.
Publicações de sua autoria “Labirintos da vida” (crônicas e contos); “Peripécias de um Jornalista de Fofocas & outros contos” (humor); “35 trovadores em Preto & Branco” (análises); e “Canteiro de trovas”.. No prelo: “Pérgola de textos” (crônicas e contos) e “Asas da poesia”

Fontes:
José Feldman. Pérgola de Textos. Floresta/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

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