domingo, 20 de julho de 2025

Aparecido Raimundo de Souza (Cena urbana)


NA RECEPÇÃO do hospital infantil da cidade, o atendente chama o próximo da fila para fazer a ficha.  

— Bom dia, minha senhora. Como chama a sua filha?

— Essa que vai consultar, aquela ali, de blusa vermelha, sentadinha. Eu chamo como todo mundo, senhor.  Pelo nome. 

— Que seja. E como a senhora chama?

— Meu nome é Mocanhimbara, sem aquela cobrinha pendurada no “c”, seu moço. 

— Senhora, o que eu quero saber é como a senhora a chama?

— Ah, eu a chamo de Ca.
 
— E o nome da sua outra filha. Só pra constar aqui. Qual é o patronímico dela?

— Como é o quê? Traduza...

— O patronímico de batismo...

— O que é patro... pato... patro o quê?

— Patronímico, senhora. O mesmo que nome, apelido, alcunha essas coisas...

— Ah, agora entendi. “Paitromínico”

O atendente, visivelmente se fecha numa cara irritada. Fala:

— Graças à Deus. Já era tempo. Repassando, pela última vez: Uma é a Ca... 

— Isso. Só Ca? A Ca é aquela sentadinha ali, de blusa vermelha...

— Só Ca... muito bem... ainda estou perdido feito cego em tiroteio, minha prezada. Não são duas para passar pelo clínico geral?

— Sim, são duas... uma é uma e a outra é a outra... as duas “forma” uma só. Aliás, a outra está lá fora com o pai. Minha princesinha está de blusa preta. 

— Meu Deus, dai me paciência. E como é o nome dessa outra?

— Dessa outra, lá fora, com o meu esposo, a de blusa preta, o nome que eu já lhe falei...

— Pode repetir, por favor?

— Sim.  

— Ca e Sandra 

— Cassandra? 

— Meu senhor. Voltando a fita: Temos duas filhas.

— Isso estou cansado de saber, senhora. Temos duas filhas... 

— Não, seu moço. Todas são de meu marido, o Nicanor. Nunca me deitei com ninguém, menos ainda com o senhor... o senhor quer que eu...

— Senhora dona Moça... Mo... pelo amor de Cristo. Eu não quis dizer isso.

— Não é moça, senhor, é Mocanhimbara, sem a cobrinha no “C”. Uma se chama Ca, e essa é a mais nova... aquela ali, de blusa vermelha, sentadinha. 

— OK, senhora. E a outra? 

— A que está lá fora? 

— Sim, minha senhora...

— A outra, a que está lá fora, a mais velha é a Sandra. Juntando as duas, dá a impressão de que é uma só: Ca Sandra. Mas como eu expliquei, meu senhor, e volto a repetir, são duas. Ca e Sandra. Lá em casa, meu marido e eu, quando chamamos as gurias, economizamos. A gente grita: Vem Ca, Sandra. O almoço está pronto. Vem Cá, Sandra, hora de fazer pipi pra dormir...

— Entendi. Fique calma. Elas são gêmeas?

— Como o senhor adivinhou. Elas “geme” muito...  nessas horas, “ninguém dormi”.
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Aparecido Raimundo de Souza, natural de Andirá/PR, 1953. Em Osasco, foi responsável, de 1973 a 1981, pela coluna Social no jornal “Municípios em Marcha” (hoje “Diário de Osasco”). Neste jornal, além de sua coluna social, escrevia também crônicas, embora seu foco fosse viver e trazer à público as efervescências apenas em prol da sociedade local. Aos vinte anos, ingressou na Faculdade de Direito de Itu, formando-se bacharel em direito. Após este curso, matriculou-se na Faculdade da Fundação Cásper Líbero, diplomando-se em jornalismo. Colaborou como cronista, para diversos jornais do Rio de Janeiro e Minas Gerais, como A Gazeta do Rio de Janeiro, A Tribuna de Vitória e Jornal A Gazeta, entre outras.  Hoje, é free lancer da Revista ”QUEM” (da Rede Globo de Televisão), onde se dedica a publicar diariamente fofocas.  Escreve crônicas sobre os mais diversos temas as quintas-feiras para o jornal “O Dia, no Rio de Janeiro.” Acadêmico da Confraria Brasileira de Letras. Reside atualmente em Vila Velha/ES.

Fontes:
Texto enviado pelo autor. 
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

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