Publicado originalmente na Gazeta de Notícias de 2 de julho de 1882, com a assinatura Machado de Assis. Narrado como um diálogo entre transeuntes. O personagem foi inspirado no então recém-falecido Artur de Oliveira, o “saco de espantos”, que, conquanto uma figura intelectualmente exuberante (“uma cachoeira de ideias e imagens”), que em sua estadia em Paris tornou-se amigo de grandes artistas como Victor Hugo e Gustave Doré, acabou caindo em decadência financeira e física e falecendo prematuramente de “tísica” (tuberculose), sem deixar uma obra escrita significativa (“era impaciente, não sofria a gestação indispensável à obra escrita”). O título faz referência a uma história, contada por Plínio, o Velho, sobre o tirano Polícrates de Samos, que, tendo lançado um anel valioso ao mar como sacrifício à deusa Fortuna, teve a sorte inaudita de recuperá-lo, depois que “o anel foi engolido por um peixe, o peixe pescado e mandado para a cozinha do rei”.
O personagem Xavier, após ter a ideia original de comparar a vida a um cavalo xucro, resolve testar sua sorte (ou seu azar – "caiporismo" na terminologia da época) usando o método do anel de Polícrates, ou seja, espalhando a ideia e vendo se um dia retornaria, no sentido de que as pessoas, ao contá-la, atribuiriam a ele a autoria.
TRECHO: Era um endiabrado, um derramado, planeava todas as coisas possíveis, e até contrárias, um livro, um discurso, um medicamento, um jornal, um poema, um romance, uma história, um libelo político, uma viagem à Europa, outra ao sertão de Minas, outra à lua, em certo balão que inventara, uma candidatura política, e arqueologia, e filosofia, e teatro, etc., etc., etc. Era um saco de espantos. Quem conversava com ele sentia vertigens.
8) O empréstimo
Publicado originalmente na Gazeta de Notícias de 30 de julho de 1882, com a assinatura Machado de Assis e o subtítulo: Anedota filosófica, “anedota” não no sentido atual de “piada”, mas de “relato sucinto de um fato jocoso ou curioso” (dicionário Aurélio). Custódio, protótipo do caipora (azarado), procura um tabelião que conheceu numa ceia de Natal para pedir um vultoso empréstimo a fim de entrar de sócio num negócio.
TRECHO: Esse Custódio nascera com a vocação da riqueza, sem a vocação do trabalho. Tinha o instinto das elegâncias, o amor do supérfluo [...] Mas não tinha dinheiro; nem dinheiro, nem aptidão ou pachorra de o ganhar; por outro lado, precisava viver.
9) A sereníssima república (subtítulo: Conferência do cônego Vargas)
Publicado originalmente na Gazeta de Notícias de 20 de agosto de 1882, com a assinatura Machado de Assis. Uma conferência científica em estilo nonsense sobre a vida social das abelhas serve de pretexto para uma sátira “aos vários sistemas de votação propostos para o estabelecimento de um governo representativo”. O conferencista narra a descoberta de uma espécie de abelhas que desenvolveu uma linguagem tão complexa quanto a humana. Ele as dota de uma organização social que toma por modelo a antiga Sereníssima República de Veneza.
TRECHO: Nada, porém, se pode comparar ao pasmo que me causou a descoberta do idioma araneida, uma língua, senhores, nada menos que uma língua rica e variada, com a sua estrutura sintáxica, os seus verbos, conjugações, declinações, casos latinos e formas onomatopaicas, uma língua que estou gramaticando para uso das academias, como o fiz sumariamente para meu próprio uso.
10) O espelho (subtítulo: Esboço de uma nova teoria da alma humana)
Publicado originalmente na Gazeta de Notícias de 8 de setembro de 1882, com a assinatura Machado de Assis. Uma “história dentro da história” insólita, que explora os meandros misteriosos da alma humana. “Jacobina, o narrador, abandonado sozinho no sítio da sua tia, encara o seu vazio interior, na cena talvez mais famosa do livro inteiro, e tem que vestir seu uniforme de alferes da guarda nacional para se convencer da sua própria existência.”
TRECHO: Lembrou-me vestir a farda de alferes. Vesti-a, aprontei-me de todo; e, como estava defronte do espelho, levantei os olhos, e... não lhes digo nada; o vidro reproduziu então a figura integral; nenhuma linha de menos, nenhum contorno diverso; era eu mesmo, o alferes, que achava, enfim, a alma exterior.
11) Uma visita de Alcibíades (subtítulo: Carta do desembargador X... ao chefe de polícia da Corte)
A versão original desse conto foi publicada no Jornal das Famílias de outubro de 1876 sob o pseudônimo Victor de Paula, a versão incluída nos Papéis Avulsos tendo sido bastante modificada. Essa versão preliminar foi incluída por R. Magalhães Júnior em sua coletânea Contos Esparsos de textos inéditos de Machado de Assis. Narrado como uma carta ao chefe de polícia, em que um desembargador, adepto do espiritismo, doutrina que chegou no Brasil na década de 1870, descreve como o general grego Alcibíades apareceu em sua casa. O choque cultural é hilário, por exemplo, a cena em que o narrador vai pôr a gravata e Alcebíades se assusta, achando que vai se enforcar.
TRECHO: Como eu passasse a gravata à volta do pescoço e tratasse de dar o laço, Alcibíades supôs que ia enforcar-me, segundo confessou depois. E, na verdade, estava pálido, trêmulo, em suores frios. Agora quem se riu fui eu. Ri-me, e expliquei-lhe o uso da gravata e notei que era branca, não preta, posto usássemos também gravatas pretas. Só depois de tudo isso explicado é que ele consentiu em restituir-ma. Atei-a enfim, depois vesti o colete.
12) Verba testamentária
Publicado originalmente na Gazeta de Notícias de 8 de outubro de 1882, com a assinatura Machado de Assis, e o subtítulo “Caso patológico dedicado à Escola de Medicina”, eliminado na versão em livro. A história de um homem, Nicolau, que só conseguia conviver com quem lhe fosse inferior, com “naturezas subalternas”. Pessoas superiores, mais bonitas, mais bem vestidas, mais ricas, provocavam nele “perturbações fisiológicas”, supostamente causadas por um “verme do baço”. Tendo nascido no final do século XVIII, vemos desfilar pelo conto os acontecimentos políticos – grito do Ipiranga, Constituinte, abdicação de D. Pedro I, Regência, Maioridade de D. Pedro II – da primeira metade do século XIX. O título refere-se a uma verba deixada em testamento para a futura confecção do caixão do personagem por um agente funerário específico por ele nomeado.
TRECHO: Nicolau amava em geral as naturezas subalternas, como os doentes amam a droga que lhes restitui a saúde;
Fontes:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Papéis_Avulsos
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing
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