Marcadores

Mostrando postagens com marcador Asas da poesia. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Asas da poesia. Mostrar todas as postagens

domingo, 30 de novembro de 2025

Asas da Poesia * 137 *


Soneto de
MARTINS FONTES
Santos/SP 1884 – 1937

O que se escuta numa velha caixa de música

Nunca roubei um beijo. O beijo dá-se,
ou permuta-se, mas naturalmente.
Em seu sabor seria diferente
se, em vez de ser trocado, se furtasse.

Todo beijo de amor, longo ou fugace,
deve ser u prazer que a ambos contente.
Quando, encantado, o coração consente,
beija-se a boca, não se beija a face.

Não toquemos na flor maravilhosa,
seja qual for a sedução do ensejo,
vendo-a ofertar-se, fácil e formosa.

Como os árabes, loucos de desejo,
amemos a roseira, olhando a rosa,
roubemos a mulher e não o beijo.
= = = = = = = = =  

Aldravia de
DORÉE CAMARGO CORRÊA
Rio de Janeiro/RJ

mãe
natureza
espalha
ruídos
palavras
amor
= = = = = = = = =  

Soneto de
CID SILVEIRA
São Vicente/SP, 1910 – ????

A Rua da Vida
À Affonso Schmidt

Esta é rua da vida. E a vida se revela,
a rua sem pudor, completamente nua.
Mas, mostrando-se nua, a vida não é bela
e não é boa a vida através desta rua.

O convite que sai da entreaberta janela
tem a fascinação indizível da sua
promessa de pecado! E, atraída por ela,
a sombra do homem pelas portas se insinua ...

Marítimos gingando o corpo forte e suado,
malandros de chinelo, asiáticos franzinos,
toda esta malta vil que o homem detesta

vem deixar, nesta rua, um pouco do passado;
vem cumprir, nesta rua, os seus torvos destinos
para que possa haver a nossa rua honesta! 
= = = = = = = = =  

Poema de
ONÉSIMO DA SILVEIRA
Ilha de São Vicente/Cabo Verde

As águas

 A chuva regressou pela boca da noite
Da sua grande caminhada
Qual virgem prostituída
Lançou-se desesperada
Nos braços famintos
Das árvores ressequidas!

(Nos braços famintos das árvores
Que eram os braços famintos dos homens...)   

Derramou-se sobre as chagas da terra
E pingou das frestas
Do chapéu roto dos desalmados casebres das ilhas
E escorreu do dorso descarnado dos montes!   

 Desceu pela noite a serenar
A louca, a vagabunda, a pérfida estrela do céu
Até que ao olhar brando e calmo da manhã
Num aceno farto de promessas
Ressurgiu a terra sarada
Ressumando a fartura e a vida!  
Nos braços das árvores...
Nos braços dos homens...
= = = = = = = = =  

Quadra Popular

Eu amante e tu amante,
qual de nós será mais firme?
Eu como o sol a buscar-te,
tu como a sombra a fugir-me?
= = = = = = = = =  

Soneto de
REGINALDO ALBUQUERQUE
Campo Grande/MS

Soneto ao soneto

Na tua imortal forma, exata e nobre, 
onde a musa imprevista se aventura 
fino pelo de címbalos te encobre, 
desafiando o estro e a razão mais pura. 

Afirmam os incautos que és de cobre, 
arcaico para quem a tessitura 
de cantar o atual jamais se dobre 
ao rigor triunfal que em ti perdura. 

Varinha de condão da antiguidade 
soneto, tua síntese inquieta 
contém sonho, esperanças e saudade… 

Para sempre será o teu reinado, 
enquanto houver no mundo algum poeta 
ou o pulsar de um peito enamorado!
= = = = = = = = =  

Soneto de
JOSÉ FELDMAN
Floresta/PR

Dilema

Tenho vivido um dilema
que tem me tirado o sono,
na cama vejo o problema...
já não sei mais quem é o dono.

Deitado, quando eu me viro
vocês podem até rir,
sinto na nuca um respiro...
minha cadela a dormir.

Fico pensando, portanto,
afinal, eu mando ou não?
A safada estica tanto,
que acabo caindo no chão.

A vida é tão engraçada...
"Êta" cadela folgada!!!
= = = = = = = = =  

Sextilha de
NEMÉSIO PRATA
Fortaleza/CE

Teia de Trovas

Se teia tem as aranhas
para pegar seu sustento
não vejo nada de mal
este seu mais novo intento
de criar "Teias de Trovas"
para tecermos as novas
trovas em encadeamento!
= = = = = = = = =  

Escada de trovas de
FILEMON FRANCISCO MARTINS
São Paulo/SP

“A lua divina e bela,
num capricho assim desfeito,
invade a minha janela
e vem sonhar no meu leito.”
Hedda Carvalho 
Nova Friburgo/RJ

“E Vem Sonhar No Meu Leito”
nesta noite enluarada,
quero ver-te junto ao peito
esperando a madrugada.

“Invade A Minha Janela”
fique aqui, feliz e calma,
que o perigo da procela
não resiste a paz da alma.

“Num Capricho Assim Desfeito”
ainda há luz e beleza
que o clima fica perfeito
- o amor é paz e  certeza.

“ A Lua Divina E Bela”
reina perene no céu,   
lua que a todos,  revela
quem ama, não vive ao léu.
= = = = = = = = =  

Soneto de
ARTUR EDUARDO BENEVIDES
Pacatuba/CE, 1923 – 2014, Fortaleza/CE

Do Amor

O amor, este vasto querer bem,
Esse entregar-se quando se é tomado,
Essa estrada de luz, esse ar sagrado,
Esse sentir-se em vésperas, também.

Essa fonte que júbilos contém,
Esse rio em que nado, deslumbrado,
Esse momento retransfigurado, 
Esse fogoso e louco palafrém

– É a força infinita da esperança,
Tão poderoso, que se nos alcança,
Alvorada repõe em nossa vida.

E sendo a longa estrela dos caminhos,
É rosa a nos ferir com seus espinhos,
Do eterno, porém, sendo a medida.
= = = = = = = = =  

Poema de
MÁRIO QUINTANA
Alegrete, 1906 – 1994, Porto Alegre

Ao longo das janelas mortas

Ao longo das janelas mortas
Meu passo bate as calçadas.
Que estranho bate!...Será
Que a minha perna é de pau?
Ah, que esta vida é automática!
Estou exausto da gravitação dos astros!
Vou dar um tiro neste poema horrível!
Vou apitar chamando os guardas, os anjos, Nosso
Senhor, as prostitutas, os mortos!
Venham ver a minha degradação,
A minha sede insaciável de não sei o quê,
As minhas rugas.
Tombai, estrelas de conta,
Lua falsa de papelão,
Manto bordado do céu!
Tombai, cobri com a santa inutilidade vossa
Esta carcaça miserável de sonho…
= = = = = = = = =  

Spina de
CARLA BUENO OLIVEIRA
São Paulo/SP

Esqueço de tudo

Esqueço de tudo
Desde que conheci
Você, meu universo.

Você tornou-se a minha vida
A razão de tudo, enfim,
De existir cada novo verso
Foi tão bom isso acontecer
Não poderia ser o inverso!
= = = = = = = = =  

Glosa de
NEI GARCEZ 
Curitiba/PR

Curitiba, Mocidade! 

MOTE:
Curitiba, tanta graça,
só você não fica idosa ;
sempre que no tempo passa,
cada vez é mais formosa!

GLOSA:
Curitiba, tanta graça
que recebe de seu povo,
aqui mesmo desta praça,
ou turista, sempre novo.

De esmerado tratamento
só você não fica idosa,
pelo próprio sentimento
desta clã tão generosa.

Exubera tanta graça
ao turista mais viajado:
sempre que no tempo passa
seu visual é elogiado.

Curitiba, mocidade,
de beleza majestosa,
quanto mais aumenta  idade
cada vez é mais formosa!
= = = = = = = = =  

Soneto de
CHARLES BAUDELAIRE
Paris/França, 1821 – 1867

A Beleza

Eu sou bela, ó mortais! como um sonho de pedra,
E meu seio, onde todos vem buscar a dor,
É feito para ao poeta inspirar esse amor
Mudo e eterno que no ermo da matéria medra.

No azul, qual uma esfinge, eu reino indecifrada;
Conjugo o alvor do cisne a um coração de neve;
Odeio o movimento e a linha que o descreve,
E nunca choro nem jamais sorrio a nada.

Os poetas, diante do meu gesto de eloquência,
Aos das estátuas mais altivas semelhantes,
Terminarão seus dias sob o pó da ciência;

Pois que disponho, para tais dóceis amantes,
De um puro espelho que idealiza a realidade.
O olhar, meu largo olhar de eterna claridade!

(Tradução de Ivan Junqueira)
= = = = = = = = =  

quarta-feira, 26 de novembro de 2025

Asas da Poesia * 136 *


Soneto de
A. A. DE ASSIS 
Maringá/PR

Por um beijo

Por um beijo eu lhe dou o que sou e o que tenho:
os bons sonhos que sonho, as plantinhas que planto,
a pureza, a alegria, as cantigas que eu canto,
e o meu verso se acaso houver nele arte e engenho.

Por um beijo eu lhe dou, se preciso, o meu pranto,
as angústias da luta em que há tanto me empenho,
as saudades que trago do chão de onde venho,
as promessas que eu faço, piedoso, ao meu santo.

Por um beijo eu lhe dou meus anseios de paz,
minha fé na ternura e no bem que ela faz,
meu apego à esperança, que insisto em manter.

Por um beijo, um só beijo, um momento de amor,
eu lhe dou meu sorriso, eu lhe dou minha dor,
o meu todo eu lhe dou, dou-lhe inteiro o meu ser!
= = = = = = = = =  

Soneto de
RITA MOUTINHO
Rio de Janeiro/RJ

Soneto da clareação do breu

Anos a fio, busco os ancestrais
desta angústia que sinto — precisão
de entender os contornos de entes duais
que se amam no ar e não no esteio-chão.

Interno-me no breu. Não saturnais,
temos, porém, orgíaca união
quando nos encontramos nos beirais
das palavras melífluas da emoção.

Preciso saber se fui real amada,
se se aplicam os vernáculos "amante"
e "amor" na nossa história. A alma apurada

exige este radar na madrugada.
Depois de anos, — serena concludente —
posso dizer que somos mago e fada!
= = = = = = = = =  

Poema de
JOSÉ USAN TORRES BRANDÃO
Maringá/PR

O médico

Entre quatro paredes, seu mundo restrito
De grandes emoções, suas horas, dia-a-dia
Aliviar a dor, salvar vidas, está escrito
Sua missão, um sacerdócio sem hipocrisia.

Marcas do tempo, cedo batem à sua porta
Esclerose, enfarte, cansaço, depressão
Seu lar, que não é seu ninho, teme sua sorte
Médico, imagem tão mudada neste mundo cão.

Já não se fala dele como ser superior
Hoje, nome desgastado, luta pra viver
Como qualquer ser, anônimo, sem valor
Num mundo de mercado em que mais vale ter.

Médico, operário de Deus, salvando vidas
Também chora, também ama e também sonha
Na sua labuta com alma e corpo, suas feridas
Leva uma existência bem tristonha.

Não é sem luta que ele ganha fama
Nem é na flor que ele vê espinho
Num pedestal também joga-se lama
Médico, não ligues, segue o teu caminho.
= = = = = = = = =  

Quadra Popular de 
JOÃO BAPTISTA COELHO
S. Domingos de Rana/Portugal

Foi por não ter ido à escola
com a atenção que é devida,
que ando, hoje, a pedir esmola
na outra escola : a da Vida.
= = = = = = = = =  

Glosa de
NEMÉSIO PRATA
Fortaleza/CE

MOTE: 
As minhas mãos calejadas 
plantam sementes de amor,
que nascem e são cuidadas 
e se transformam em flor! 
Marilene Lima 

GLOSA:
As minhas mãos calejadas 
na semeadura do Amor 
serão sempre abençoadas 
pelo Sumo Lavrador! 

Todos que no seu canteiro 
plantam sementes de Amor 
colherão, o ano inteiro, 
os frutos do seu labor! 

Quando fizeres lavradas 
planta sementes de Amor, 
que nascem e são cuidadas 
pelas mãos do Criador! 

As sementes mais assentes 
são as sementes de Amor; 
formam rebentos latentes 
e se transformam em flor!
= = = = = = = = =  

Soneto de
OLAVO BILAC
(Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac)
Rio de Janeiro/RJ, 1865 – 1918

Música Brasileira

Tens, às vezes, o fogo soberano
Do amor: encerras na cadência, acesa
Em requebros e encantos de impureza,
Todo o feitiço do pecado humano.

Mas, sobre essa volúpia, erra a tristeza
Dos desertos, das matas e do oceano:
Bárbara poracé*, banzo africano,
E soluços de trova portuguesa.

És samba e jongo, xiba e fado, cujos
Acordes são desejos e orfandades
De selvagens, cativos e marujos:

E em nostalgias e paixões consistes,
Lasciva dor, beijo de três saudades,
Flor amorosa de três raças tristes.
= = = = = = = = = = = = = = = =
* Poracé = arrasta-pé, baile
= = = = = = = = =  

Poema de
ANTONIO MÁRIO MANICARDI
Maringá/PR

Tormento da Noite

Quantas noites
eu passo acordado
com os olhos fechados
e o sono não vem!…
Nesta horas
que a tristeza invade
eu sinto saudade
do meu querido bem.

Tormento da noite
me deixa nervoso
meu ser amoroso
me maltrata assim!…
Se acaso adormeço
o sono é um lampejo
eu sinto que A vejo
bem junto de mim.

Estribilho:
Vem, vem querida
nestas noites tristonhas que eu passo
vem em sonho trazer-me guarida
vem em sonho dormir nos meus braços.

Eu falo com ela
nos sonhos que faço
aperto-a em meus braços
com tanta emoção
se acordo de novo
com tristeza a chamo
a mulher que amo
não esqueço não.
= = = = = = = = =  

Rondel* de
DENISE SERVEGNINI
Novo Hamburgo/RS

Arrependimento

Chama intensa de amor que ainda arde
Num coração sem respostas finitas
Bate, descomposto, fazendo alarde
Nas tormentosas nuvens que habitas

Tu não sabes das alegrias benditas
Nem queres entender, esta verdade:
Chama intensa de amor que ainda arde
Num coração sem respostas finitas

Para teres tanta dor, fui covarde
Que te fiz? Foram ações malditas?
Abandonei-te! Querida, será tarde?
Teu jeito mulher, em mim, incitas
Chama intensa de amor que ainda arde.
= = = = = = = = =  

* O Rondel é um gênero de poesia francesa. Sua forma é sempre a mesma, não varia nunca. É formado por duas estrofes de quatro versos e uma de cinco versos, nesta mesma ordem. Pela maneira que é estruturado, o Rondel irá sempre ter apenas duas rimas. As rimas são: ABAB/BAAB/ABAB.

Tem uma peculiaridade que é o seguinte: os dois primeiros versos da primeira quadra vão ser os dois últimos versos da segunda quadra. Temos que cuidar ainda, que o primeiro verso da primeira quadra será o último verso do poema (da estrofe de cinco versos).

A preferência do versos é de sete ou oito sílabas poética (não é rígido).
(Fonte: Dicionário InFormal http://www.dicionarioinformal.com.br/rondel/)

segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Asas da Poesia * 135 *


Sextilha de
MILTON SEBASTIÃO SOUZA
Porto Alegre/RS, 1945 – 2018, Cachoeirinha/RS

Quando Deus apontar  novo começo,
colho o rumo, e sorrindo vou contente.
Só consigo provar merecimento
sendo bom, cordial com toda gente.
Faço isso, sentindo nos caminhos
que Deus sempre caminha em minha frente. 
= = = = = = = = =  

Soneto de 
MANUEL BANDEIRA
Recife/PE (1886 – 1968) Rio de Janeiro/RJ

A minha irmã

Depois que a dor, depois que a desventura
Caiu sobre o meu peito angustiado,
Sempre te vi, solícita, a meu lado,
Cheia de amor e cheia de ternura.

É que em teu coração inda perdura,
Entre doces lembranças conservado,
Aquele afeto simples e sagrado
De nossa infância, ó meiga criatura.

Por isso aqui minh' alma te abençoa:
Tu foste a voz compadecida e boa
Que no meu desalento me susteve.

Por isso eu te amo, e, na miséria minha,
Suplico aos céus que a mão de Deus te leve
E te faça feliz, minha irmãzinha…
= = = = = = = = =  

Poema de
GIL SALOMON
Jaraguá do Sul/SC

Refúgio

Meu grito morreu na garganta
sufocado por esta cidade,
mas ainda trago a esperança
de me livrar dessa velocidade.

Não tenho tempo para mais nada,
o celular me acha em qualquer lugar,
então me escondo, as mãos no teclado
procurando alguém pra me plugar.

Eu agora grito por socorro,
Preciso urgente me refugiar,
Se continuar aqui eu morro
Sem da vida poder desfrutar.

Quero um refúgio,
venha comigo.
Quero um amigo
que não seja virtual.
Alguém com quem possa falar,
alguém com quem possa compor
uma bela canção de amor,
do verde amor das florestas,
do cristalino amor dos rios,
dos amor azul do céu
e do negro e quente amor da noite.
= = = = = = = = =  

Trova Popular

Priva-me de que eu te veja
isso, meu bem, pode ser;
mas privar-me de que te ame,
só Deus tem esse poder.
= = = = = = = = =  

Poema de 
EMANUEL MEDEIROS VIEIRA 
Salvador/BA

Astrolábio

A bússola e o astrolábio
velas ao vento.
Existe outro Bojador 
nestes mapas interiores.

Os navegadores estão no exílio:
há faróis neste degredo?
Findou a aventura no mundo.

Singrando-me, cumpro-me.
Além de mim, além da vida:
do pó que serei.
= = = = = = = = =  

Poema de
ARACELY BRAZ
São Francisco do Sul/SC

Inspiração

Porque me foges, imperiosa amiga?
A procura me sufoca e tu, distante ainda.
Em qual recanto te escondeste assim?
Já são longos os caminhos percorridos
Nem o mar, nem sol ou sombra de um abrigo
Trazem esperança, a tua luz em mim.
Sei que és a clave, és os bemóis desta canção.
Peço da vida o que ela tem de bom;
Se lentamente chegares, qualquer dia,
Inundará de perfume meu jardim,
Renascerá o esplendor de um coração.
= = = = = = = = =  

Poema de
TERESINKA PEREIRA
Ohio/Estados Unidos

Explicações

Ninguém se arrepende
do que é.
O brincar com as ilusões 
de tempo e de sonhos
não conserta planos perdidos
nem explica a falta de garra
em um momentâneo céu.
Para isso existe a crueldade
E a covardia dos deuses
E daqueles que de joelhos
Morrem por um perdão.
= = = = = = = = =  

Poema de
HARRY WIESE
Ibirama/SC

Poema para alguém ausente

A noite transcende o sono
e me aprisiona no calabouço
de mim mesmo.

Na escuridão absoluta,
sinto a tua imagem transcendente,
funesta.

Éramos desbravadores sentimentais
em tempos de fartura
e descobrimos a vida
amando o mundo.

Agora, a noite sufoca o sono
e no teto da velha casa vejo os monstros
que te sugaram o plasma
no labirinto traiçoeiro.

As sombras espessas da noite
vagam lentas
e eu preciso lembrar-me de você
antes de cair sonâmbulo
na madrugada estia.

Depois nada mais houve;
as horas lentas me empurraram
para a vida mais só.

A noite transcende o sono
e se vai sem rumo...
= = = = = = = = =  

Soneto de
VANDA FAGUNDES QUEIROZ
Curitiba/PR

Cota suficiente

Bendita a pérola pequena e inculta
que fartas vezes vislumbrar logrei
na concha humilde, a única que herdei
do mar imenso que agiganta e avulta.

Bendito o mínimo botão que a estulta
gente distante, nos jardins que andei,
calcou aos pés. Pois dele me apossei,
deixando a todos, livre, a rosa culta.

E vendo o mundo em ouro se encantar,
busquei nas coisas simples me abrigar,
sem ter cobiça a ventura imponente.

Fortuna tenho, imensa, a ostentar:
pois no alto vendo o astro-rei brilhar,
eu desejei a sombra. Simplesmente…
= = = = = = = = =  

Poema de 
ERNA PIDNER 
Joinville/SC

Sou 

Sou
Uma estrela cadente
Brilho resplandecente
Caída do céu!
Sou 
A magia da noite
Esperando o açoite
De sensações ao léu!
Sou
Alquimia de almas
No aguardo de palmas;
Paixões ao luar...
Sou
O regaço de amantes
Frenesis ofegantes
Pedacinhos do amor...
Sou
Sempre fui e serei;
Ainda não terminei
Minha obra sem fim...
Sou
Solução de momento
Astro no firmamento
Fragmentos de mim…
= = = = = = = = =  

Pantum de
MIFORI
(Maria Inez Fontes Rico)
São José dos Campos/SP

Uma visão

MOTE:
Esta atual geração
mostra certa negligência.
Apinhada em atuação
desafiando a ciência.

PANTUM:
Mostra certa negligência
em toda a sua postura,
desafiando a ciência,
a juventude imatura.

Em toda a sua postura,
leva um emblema no peito;
a juventude imatura
se veste de qualquer jeito.

Leva um emblema no peito,
atira-se nua ao mar,
se veste de qualquer jeito,
põe-se logo a navegar.

Atira-se nua ao mar,
com muita satisfação.
Põe-se logo a navegar,
esta atual geração.
= = = = = = = = =  

Hino de 
Arraias/TO

Arraias minha altaneira,
Idílio de amor em teu luar!
Nobre, feliz alvissareira,
Hei de rever-te, te abraçar.
És do Tocantins a joia rara
Teu sol luzente no arrebol
Refulge em pedraria cara
O ouro fulvo do teu sol.

Arraias, és bela e sedutora,
Poema de gozo em solidão.
És simples, nobre, encantadora,
És grande de alma e coração!
Tua água, ó biquinha, benfazeja
Teu gosto é milagroso ao paladar.
Aquele que te prova só deseja
A Arraias, feliz, sempre voltar!

Arraias minha! Arraias bela!
Terra de afeto e dileção
Tu tens do jovem, da donzela,
Todo o encanto e sedução.
Sussurra a brisa bem fadada
Na mais doce vibração
Tu és uma terra encantada
De um povo hospitaleiro e irmão.

Arraias, ninguém te esquece
Tua graça, teu viço sem igual
Relembra a velha serra que parece
Um guardião a cuidar-te, paternal.
Tuas noites tão formosas celebradas
Em rodas, bacondês, ó, dias meus!
Nas noites arraianas encantadas
Nossa alma se recolhe e sobe a Deus.

Igrejinha do Rosário, ainda te vejo
Na lembrança, com saudade e ternura.
Pra mim há sempre o ensejo
De voltar à minha infância de candura.
Córrego Rico, em cujas águas tão lendárias
A lembrança do escravo se debruça,
Acalentando a velha rua solitária,
Onde a alma do passado ainda soluça.
= = = = = = = = =  

Poema de 
CISSA DE OLIVEIRA
Campinas/SP

A agenda

no meu dia-a-dia
cada folha 
é um poema de amor 

É outono, eu sei,
contudo as músicas das folhas
dizem: primavera!
= = = = = = = = =  

Fábula em Versos de
JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry/França, 1621 – 1695, Paris/França

Os dois ratos, o raposo e o ovo

Dois ratos, indo buscar vida, acharam
Um ovo, que jantar daria farto
A gente dessa laia,
Que de acertar com um boi não necessita.
De apetite e folgança mais que cheios,
Cada um já se dispunha
A ter no ovo quinhão. Mas, eis que avistam
Um fuão, que se diz Mister Raposo.
Aziaga aventura!
Salvar o ovo era o ponto, enfardelá-lo,
Ir, com os dianteiros pés levando-o a pino,
Rodá-lo, ou já arrastá-lo,
Sobre arriscado, era África impossível.
Necessidade é astuta, é inventiva.
Mede a distância à toca,
Mede a distância ao sôfrego raposo, —
Obra de mais de légua. Eis que um se abraça
Com o ovo, e se põe de costas,
Tombos sofre, sofre ásperos caminhos,
Enquanto o outro o reboca pelo rabo.

Meditem neste conto,
E não venham clamar que é nulo o juízo
Nos animais; quando eu, se em mim coubesse,
Lhe o dera igual à infância.
= = = = = = = = =