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terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Renato Benvindo Frata (Piá* de Homem)


- O menino tá ficando homem - disse meu pai - irá comigo... - ao que ela sorriu, puxou-me para o quarto dando-me para vestir uma calça comprida, camisa e a cinta que ele ajustara para minha cintura. E logo me apresentei.

- Ahl bom... vestido igual a mim... como homem. Vamos, que o seu Chiquinho nos espera.

Era alto, espadaúdo, magriça e de pele tão branca que o avermelhado do sangue, em relação aos cabelos claros, fazia-o mais branco.

Deu-me o dedo indicador que agarrei com força, e foi nesse toque que senti o quão forte era a sua mão. A junção de calor me deu segurança; afinal, era a primeira vez que eu iria a uma barbearia, e a se comparar as ferramentas do barbeiro com a tesoura de costura de minha mãe, picotando-me as mechas, o aparato dele com tesoura, pente, escova, navalha, talco, toalhas e Gumex a gosto, era a novidade a quase me deixar nervoso. Que logo se desfez, quando seu Chiquinho, ao me cumprimentar, estendeu–me um pirulito que foi logo desembrulhado e colocado na boca.

- Como quer o corte? - perguntou - à la Humphrey Bogart ou a Yul Brynner?

Dei de ombros, sem entender, até que meu pai interveio:

- Bodinho, no capricho!

E riu da piada sobre os artistas, um de cabelo alinhado, garboso e belo a atrair olhares femininos, e o outro completamente careca, cara de rude, cenho fechado, que vim conhecer e admirar só depois, nos filmes em Cinemascope. O Hamphrey era namorador, o Yul, matador de bandidos. Humphrey Bogart provocava suspiros às moças casadoiras nos filmes de romance, enquanto Yul Brynner se destacava nos de ação a arrancar aplausos da molecada, coisas que a memória armazena para não esquecer.

Terminado o trabalho, segurei de novo seu indicador e o contato das mãos grandes, como na vinda, me deu sensação de segurança, ao tempo que me levou a ver no pai não o mandão que era, mas um homem forte e decidido. 

Deu-se ali a ligação de firmeza, de certeza, altivez que só eu desfrutava perante as outras pessoas das calçadas, porque aquele homem alto de pele avermelhada que unia sua mão à minha, era o meu pai e ele estava ao meu lado a provocar em nós sentimento da cumplicidade de amigos caminhando lado a lado, devotando amizade, companheirismo, confiança, crédito e, por consequência, felicidade e demais adjetivos que se queira dar à relação que se fazia diferente das até então.

Eu estava a sair pelas ruas sem a presença da mãe que geralmente me guiava como criança, e poderia ter ido ao banco com ele, ao bar, ao jogo de bocha, às discussões políticas, mas não: fora ao barbeiro, como faziam os homens a cada mês, incursão primeira que marcou indelével o relacionamento.

Mão com mão vale mais que um abraço apertado, quando há no toque a reciprocidade.
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* Piá = termo utilizado no Paraná que significa criança do sexo masculino.
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Renato Benvindo Frata nasceu em Bauru/SP, radicou-se em Paranavaí/PR. Formado em Ciências Contábeis e Direito. Professor da rede pública, aposentado do magistério. Atua ainda, na área de Direito. Fundador da Academia de Letras e Artes de Paranavaí, em 2007, tendo sido seu primeiro presidente. Seus trabalhos literários são editados pelo Diário do Noroeste, de Paranavaí e pelos blogs: Taturana e Cafécomkibe, além de compartilhá-los pela rede social. Possui diversos livros publicados, a maioria direcionada ao público infantil..

Fontes:
Renato Benvindo Frata. Crepúsculos outonais: contos e crônicas.  Editora EGPACK Embalagens, 2024. Enviado pelo autor.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

Aparecido Raimundo de Souza (Só ficou, de fato, a escuridão)


AS MINHAS MENINAS se foram. De repente, partiram, bateram asas como pássaros assustados numa manhã solitária. Minhas princesas voaram para longe. Alçaram um voo sem volta para um planeta desconhecido que não sei dizer com precisão onde fica situado. Acredito, inclusive, que viajaram para um lugar onde meus passos não alcançam. Ficou por aqui morando comigo o silêncio. De roldão, além do silêncio, se engrandeceu o eco das risadas que antes preenchiam a casa. Se solidificou o choro convulso quando eu ralhava por alguma discordância, ou por uma arte não prevista. Ficou mais, se fez presente um vazio denso que se alastrou com a ausência infame que pesa mais do que qualquer lembrança. Igualmente restou o vácuo dos carinhos que me endereçavam; uma com os olhinhos perdidos num ponto distante; a outra, chupando o dedinho como se pensasse num amanhã que ainda nem havia chegado para nós. 

Hoje, preso e acorrentado nesta solidão, procuro caminhos, sendas, trilhas e veredas. Invento mapas, crio expectativas, ensaio palavras, faço músicas, escrevo crônicas, mas o destino delas, o paradeiro, eu sei, (não, eu não sei), se esconde atrás de janelas e portas invisíveis. E eu, aqui, aos setenta e dois anos, sigo perguntando ao vento: como chegar até onde elas estão? O vento não responde. Não sei! As minhas meninas desapareceram como quem fecha uma porta sem fazer barulho. Não houve aviso, não houve bilhetes na mesa. Apenas o vazio pesado e denso, esse hóspede antigo que sabe se instalar sem pedir licença. De repente, elas, as minhas meninas, se tornaram sombras em outro quintal — risos em outras casas, segredos em mãos que não conheço o calor do toque. E eu, meu Deus, eu fiquei aqui, permaneci estancado, tentando decifrar o mapa de um território que não existe, 

E ainda agora, aqui estou, procurando incansável e atônito, atalhos em ruas e vielas, alamedas e desvãos que não levam a lugar algum, a não ser para dentro da minha própria solidão. Venho aprendendo, dia após dia, que o tal do desconhecido é uma espécie de labirinto de Dédalo. Sei que há vida lá dentro, ouço barulhos, distingo vozes, risos — por vezes choros, mas não consigo enxergar, ver claramente o âmago da realidade. É como se o tempo tivesse engolido as minhas meninas e cuspido apenas lembranças frágeis como migalhas de um vidro enorme quebrado em mil pedaços. No silêncio da noite, tarde da noite, a coisa fica mais insuportável. Escuto, mergulhado nos meus medos, passos que não vêm. Invento diálogos, imagino retornos, contudo, do nada, o tudo, o tudo se dissolve como fumaça em meio à forte ventania. 

Talvez seja isto: eu preciso urgentemente aprender mais, ou seja — careço de conviver com o que não se alcança, com aquilo que se perde sem explicação. Enquanto não distingo, sigo assim, me abalando entre o peso da ausência e a leveza da esperança. Vou à frente, mas à esmo, ao Deus dará, como um autônomo — tipo uma espécie de robô que escreve cartas ao vento, na expectativa de que um dia ele descubra o caminho de volta. E nele, traga as minhas meninas. Pois é, meu Deus! As minhas meninas se foram. Não houve despedida, não houve promessas de retorno. Apenas um silêncio pesado, denso, volumoso, insípido, que se instalou como poeira sobre móveis antigos, cobrindo cada canto da casa. De repente, elas se tornaram invisíveis, como se tivessem atravessado uma fronteira secreta — um portal que só elas conheciam. 

Eu, eu fiquei aqui, permaneci do lado de cá, tentando decifrar sinais, rastros, pegadas, qualquer vestígio que me indicasse o caminho para chegar até elas. O desconhecido é um senhor sem rosto, sem voz, sem saída, e cada tentativa de alcançá-lo me devolve ao mesmo ponto, qual seja, a ausência. Sei que é inusitado pensar que o tempo continua, segue adiante, mesmo quando a vida parece suspensa. As horas passam, ou melhor, voam, os dias se acumulam, se atropelam e eu sigo colecionando perguntas sem respostas. Onde, onde estão? Quem as guarda? Que vozes as chamam agora? Às vezes imagino que se tornaram personagens de um livro-romance que nunca li, vivendo capítulos que não me pertencem. Outras vezes, penso que são como estrelas: astros distantes, mas ainda brilhando em algum lugar lá em cima, no imenso céu, mesmo que eu não consiga vê-las.

O desconhecido é mais que um senhor sem rosto, é uma sombra tenebrosa que não se revela.  Mesmo tapa, uma porta fechada, sem chave, um nome que não se pronuncia. E eu, aqui, eu aqui, sigo escrevendo cartas que nunca serão entregues, tentando dar forma ao vazio, como se pedisse socorro a alguém que nunca virá para me dizer “ei, ser vivente, elas apesar dos pesares, voltarão, se acalme, estão chegando”. Talvez seja isto que restou: eu no meu oco tentando aprender a toque de caixas, a porradas de uma vida vazia e cruel a conviver com o invisível, com o que me escapa das mãos. Aceitar que há histórias que não se contam, destinos que não se alcançam — tendo consciência de que a perquisição de toda esta infelicidade atroz segue sendo uma só: até quando? Só Deus tem as respostas. Enquanto estas indagações não são respondidas, eu sigo.

Me embrenho, me descabelo, entre o peso esmorecido e consternado da ausência e a leveza gélida, perversa e lancinante da imaginação. Me infiltro às apalpadelas, entre o silêncio mordaz e pétreo que dói e as palavras impiedosas que tentam preencher o meu “eu interior”. Sigo como quem caminha em direção ao nada. Me enlaço acreditando que o nada também pode guardar segredos. Talvez seja isso: eu, aqui, sem saída, sem horizonte, aprendendo de alguma forma, ainda que meio destrambelhado e feérico, que nem tudo precisa ser efetivamente revelado. Tenho urgência em tomar ciência, ou consciência, de que há histórias as mais diversificadas que se escrevem no invisível. Mesmo modo, destinos que se cumprem longe dos nossos olhos. E que, mesmo sem saber como chegar, colocar na cabeça, de uma vez para sempre, que ainda é possível, ainda é possível ESPERAR.
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Aparecido Raimundo de Souza, natural de Andirá/PR, 1953. Em Osasco, foi responsável, de 1973 a 1981, pela coluna Social no jornal “Municípios em Marcha” (hoje “Diário de Osasco”). Neste jornal, além de sua coluna social, escrevia também crônicas, embora seu foco fosse viver e trazer à público as efervescências apenas em prol da sociedade local. Aos vinte anos, ingressou na Faculdade de Direito de Itu, formando-se bacharel em direito. Após este curso, matriculou-se na Faculdade da Fundação Cásper Líbero, diplomando-se em jornalismo. Colaborou como cronista, para diversos jornais do Rio de Janeiro e Minas Gerais, como A Gazeta do Rio de Janeiro, A Tribuna de Vitória e Jornal A Gazeta, entre outras.  Hoje, é free lancer da Revista ”QUEM” (da Rede Globo de Televisão), onde se dedica a publicar diariamente fofocas.  Escreve crônicas sobre os mais diversos temas as quintas-feiras para o jornal “O Dia, no Rio de Janeiro.” Reside atualmente em Vila Velha/ES.
Fontes:
Texto enviado pelo autor. 
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quarta-feira, 26 de novembro de 2025

Silmar Bohrer (Croniquinha) 149


Protagonista da existência, aprendi que o bom viver é vivenciado pela gama de situações vividas, essa mistura em variedade onde se aproveita um pouco de tudo - legítimo caldão dos dias.

O que é o caldão?

Dezenas de contextos que podemos viver no dia a dia, ao longo do tempo, capazes de insuflar a vida de qualquer um quando vê com os olhos de esperança, bons pensares, alegrias, bom humor sempre. Conjunturas como estas fazer parte do cardápio de pequenas doses de porções diárias como estas a seguir.

Acordar sorrindo, ouvir os pássaros, contar histórias, gargalhadas diárias, apreciar as auréolas do amanhecer, cultivar o otimismo, vibrar com as coisas bonitas, leituras, viver o presente, tomar bastante água.

Deixar a vida fluir, cantarolar com o riacho, ouvir a voz do silêncio, conversar com os animaizinhos, gritar para o infinito, vida vibrante, cantar sempre, ouvir estórias, assobiar cantigas com o vento.

Viver! 
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Silmar Bohrer nasceu em Canela/RS em 1950, com sete anos foi para em Porto União-SC, com vinte anos, fixou-se em Caçador/SC. Aposentado da Caixa Econômica Federal há quinze anos, segue a missão do seu escrever, incentivando a leitura e a escrita em escolas, como também palestras em locais com envolvimento cultural. Criou o MAC - Movimento de Ação Cultural no oeste catarinense, movimentando autores de várias cidades como palestrantes e outras atividades culturais. Fundou a ACLA-Academia Caçadorense de Letras e Artes. Membro da Confraria dos Escritores de Joinville e Confraria Brasileira de Letras. Editou os livros: Vitrais Interiores  (1999); Gamela de Versos (2004); Lampejos (2004); Mais Lampejos (2011); Sonetos (2006) e Trovas (2007).
Fontes:
Texto enviado pelo autor.
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Eduardo Martínez (Vitinho, o craque que gostava de roubar)

O policial e aquele ladrão já se conheciam de longa data, tanto é que, apesar de estarem de lados opostos, havia certa empatia entre os dois. Tanto é que eles se tratavam sem muita cerimônia: Marcelo e Vitinho. Ambos se respeitavam, não existia trairagem entre eles. No entanto, sabiam que, enquanto um faria o possível para prender, o outro não pouparia esforços para escapar.

Marcelo conhecia tanto da vida daquele criminoso, que não entendia o porquê dele não ter permanecido num grande time de futebol de São Paulo, para onde havia sido levado, ainda menino, por um olheiro. Sabia que Vitinho logo se destacara entre os jogadores e, por isso, cedo ganhou a camisa 10. Era titular absoluto! 

Um futuro brilhante pela frente o aguardava. Todavia, sem avisar quem quer que fosse, fugiu da concentração, onde morava com outros também meninos. Sumiu!!! Vitinho, além de ser craque com a bola, era também muito bom de lábia. Pegou algumas caronas e, três dias depois, surgiu na casa dos pais, naquela pequena cidade do interior.

– Por que você fez isso, Vitinho? 

  – Sabe, Marcelo, eu não suportava ficar preso naquela concentração! A gente não podia sair, aqueles caras eram muito controladores. Isso me deixava doido! Eu não gostava daquilo!

– E do que você gosta?

– Quer saber mesmo? Cara, eu adoro roubar! Eu até trafico de vez em quando, mas o que eu gosto mesmo é da adrenalina de estar com um berro na mão e não ter a certeza de que vai dar certo. 

O policial, olhando para aquele quase amigo, se questionou sobre o que leva alguém a fazer certas coisas na vida. Ele não julgou os atos daquele criminoso, mesmo porque ele próprio, assim como a maioria de nós, nem sempre havia trilhado o caminho dos puros. Contudo, pensou na ironia do destino, pois o Vitinho, que não gostou de ficar preso naquele famoso time da capital paulista, iria passar um bom tempo trancafiado no presídio.
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Eduardo Martínez possui formação em Jornalismo, Medicina Veterinária e Engenharia Agronômica. Editor de Cultura e colunista do Notibras, autor dos livros "57 Contos e crônicas por um autor muito velho", "Despido de ilusões", "Meu melhor amigo e eu" e "Raquel", além de dezenas de participações em coletânea. Reside em Porto Alegre/RS.

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sábado, 22 de novembro de 2025

Sebastião de Magalhães Lima (Um dia de noivado)

(A F. Simões Margiochi Junior)

Ahi! null'altro che pianto al mondo dura! 
Francesco Petrarca (Itália, 1304 – 1374)

Ai! Neste mundo só as lágrimas não têm termo!

Cantai, ternos passarinhos; voai, mariposas gentis!

É dia de noivado!

Rejubile a natureza; reviva, resplandeça a festa!...

Folgam auras indiscretas nos choupais e nos silvedos! Tudo acode, sem delonga, ao banquete dos bem-aventurados! A aldeia exulta de vivaz festejo! É vivo o reboliço: grinaldas de flores, perolas e diamantes, tudo, à porfia, deslumbra os convivas!

Que doce aroma! Que suave fragrância!

Visão alada, mensageiro fiel do homem — o amor —, conforta o desgraçado e sorri á opulência. Expelem-se os cuidados, apavoram-se os temores, rejuvenesce a humanidade!

Dia de solene bem-aventurança! — eu quero colorir teu quadro ingente, juncar de variadas cores teu solo matizado!...

A nove quilômetros de Aveiro existe a pitoresca vila de Eixo. É uma deliciosa povoação! O Volga espraia ali mansamente suas límpidas águas, formando como que um vasto lençol, por entre os formosos salgueirais, que lhe servem de margem e curiosa graciosidade!

Há um não sei quê de vago e simpático nos seus ignotos caminhos, tão cheios de divina poesia e mágica formosura, que nos seduz instintivamente. Em todos os países há destas pequenas povoações, mais ou menos diletas do povo, e que parecem ter sido apontadas adrede para a representação dos grandes dramas da humanidade. E esta foi realmente uma delas, como abaixo veremos!

Há de haver dez anos, Eixo trajava de galas. A solidão transformara-se subitamente em meigo teatro de harmonia e saudade. Os habitantes como que ressuscitavam do seu antigo marasmo. Desvaneciam-se as trevas do sepulcro, perante o vivo esplendor de uma aurora deslumbrante!

Era um dia de festa, enfim, dia de noivado, santo alvoroço, cândida alegria!

Fernando, o moço querido da terra, desposara Luíza, a jovem e simpática aldeã. E foi deveras uma abnegação suprema aquele enlace divino! Fernando possuía a riqueza do espírito e a riqueza do dinheiro.

Era uma joia!

Luíza, essa, coitadinha! limitava seus parcos cabedais à rara e quase esquecida opulência dos grandes sentimentos e vivas impressões. Amava com ardente intensidade.

Era uma pérola!

Fernando era tão amado, tão louvado! Ai! Senhor! Que tesouro aquele!...

Na sua frequente passagem pelas ruas da vila, os lavradores descobriam-se respeitosamente. Depois lá se ficavam longos momentos a cismar, até que por fim, diziam eles de si para si: — Pombinha sem fel! — e seguiam o seu rumo.

Luíza granjeara a piedosa dedicação das suas patrícias. Era em extremo filantrópica, e de muitas conseguira ela até a sincera veneração de santinha, que realmente era.

Quando, por acaso, se falava em Luíza, aquela pobre gente d'aldeia, esta retorquia logo com vivo interesse: — Ai! a Luizinha! A noiva do sr. Fernandinho! isso é mesmo um anjo, meu senhor! E ele, que bondade, que ternura! É mesmo ouro sobre azul!...

Imagine-se pois, que mágico fulgor não irradiariam aquelas duas ternas criaturinhas, ao estreitarem seus amorosos corações pelos vínculos indissolúveis do matrimônio!...

Que santa aliança aquela, meu Deus! Que inocente festa não ia pela vila!...

Tudo folgava, tudo amava, tudo vivia!...

Apenas o mancebo saíra da igreja, levando sua angélica esposa pelo braço, imediatamente, daquele enorme conjunto de povo, apinhado em massa pelas ruas da vila, para assistir ao brilhante cortejo, rompeu a mais solene aclamação, o mais entusiástico viva.

Fernando respondia com lágrimas, que simbolizavam o entusiasmo e a gratidão. Luíza, por sua parte, julgara-se guindada a um paraíso de fadas, onde a vida se assemelha ao grato arroio escoando-se de mansinho por entre as mil verduras e fragrâncias da natureza.

Porém surgira a noite, e suas sombras temerosas, até ali ocultas pelo brilho das luzes, invadiram a mesma área que, horas antes, fora povoada pelos raios diamantinos de encantamento mágico e verdadeiro prazer!

No dia imediato ao de seu noivado, Fernando despertara triste e pesaroso; isolara-se voluntariamente de sua esposa, e aparecera envolvido em profundo meditar. Os restos da sua primitiva alegria haviam-se-lhe convertido medonhamente num oceano de torturas. Os sons melodiosos da orquestra nupcial eram agora para ele um motivo de pungente agonia e de atroz suplício. Silvavam-lhe no cérebro as negras víboras da loucura. Era forçoso afastar de si o vil e gélido fantasma que o perseguia sem cessar.

Assim se passaram muitos e longos dias. Todos indagavam solicitamente a causa de tão inesperada catástrofe, de tão cruel agitação e, todavia, ninguém ousava responder, ninguém proferia sequer uma palavra.

Fernando corria todas as tardes os sítios recônditos da vila. Com os cabelos eriçados, a lividez nas faces, o olhar cintilante, as mãos nervosas, os punhos sempre cerrados, lá ia o pobre doido, o desgraçado moço — para quem a fortuna fora um sonho falaz de alguns momentos apenas — a conversar com as árvores, que tanta vez lhe ouviram seus queixumes de amor, — a ralhar com o plácido regato, que o atormentava ferozmente, — a rir-se, enfim, de si mesmo, da descompostura do seu traje, das suas palavras!...

E era tremenda e pavorosa a sua gargalhada!...

Luíza conquistara a par da ciência do amor, a ciência da resignação, por isso vivia, e suportava o agudo espinho que lhe trespassava o coração.

Um dia, em que intentara aproximar-se de seu marido, este repelira energicamente sua mão, e sem dó nem piedade fugira para longe de suas caricias e afagos!

Estavam as coisas neste ponto, quando Fernando foi acometido de um delírio mais violento e doloroso. A sua constante monomania, o seu desejo incessante, era assassinar todas as mulheres que, por acaso, encontrava. Tornou-se mister o auxilio de toda aquela gente para o encerrar cautelosamente num quarto subterrâneo, onde lhe era ministrada a comida que mal provava.

No auge da loucura, conheceu-se então, a causa do seu infortúnio, por alguns poucos monólogos, que ele soltava de quando a quando, tais como este:

— Ser eu feliz, alegre, bom, dócil, amar uma mulher ternamente, com a intensidade de um serafim, e ver-me tristemente iludido por esse demônio maldito!... Oh!... por Deus! nem pensar nisso!...

E aquela víbora, aquela Lui... i... — Ai! Senhor! Senhor! Seja o seu nome para sempre esquecido! — A ostentar tamanho pudor, tamanha virgindade e honestidade, e tudo com o hipócrita fim de me amortalhar covardemente!...

E toda a gente a acreditava piamente; sim! Todo o mundo, até eu!...

Eterna maldição sobre o desgraçado, que foi procurar na mulher, que escolhera para esposa, a desonra da sua própria família!...

Ha! Ha! Ha!...

E nisto o desventurado moço soltava uma cínica gargalhada!

Frequentemente repetia ele o nome de sua esposa, uma e muitas vezes, e logo após, num ato de medonho desespero, chorando desabridamente, arrancava de si um punhado de cabelos ensanguentados, e arrojava-se no lajeado do cárcere.

E eram bem tristes as suas lágrimas, bem acerbo o seu pranto!

Pobre Fernando! Quem não teria pena de ti?!...

Um ano decorrido exatamente desde o dia em que se havia festejado o noivado de Fernando e Luíza — pelas ruas da pequena e triste povoação seguia compassadamente um fúnebre préstito.

O doido havia cessado de existir naquela madrugada!...

Mal julgara aquela gente, que tivera ido brindar tão esplêndido noivado — que tão cedo havia de acompanhar o cadáver do simpático Fernando à sua derradeira morada!

É assim o infortúnio deste mundo!...

A coroa de grinaldas, essa desfizera-a o vento desapiedadamente! Hoje só restam coroas de perpetuas, e alguns goivos tristemente derramados sobre a ignota lousa do desditoso mancebo!

Luíza vive resignada, e lá vai lavrando cotidianamente o epitáfio, que há de guarnecer a laje sepulcral de seu marido, com as sinceras e ardentes lágrimas da saudade e do arrependimento! Aguarda pacientemente a hora da sua partida para ir fruir no céu aquilo que lhe foi vedado na terra!

Deus é compassivo, e de certo não olvidará a sua redenção celeste!…
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Sebastião de Magalhães Lima nasceu em Santos/SP em 1850 e faleceu em Lisboa/Portugal em 1928. Foi advogado, jornalista, político, escritor, fundador da Liga Portuguesa dos Direitos do Homem e dos jornais "O Século" e "Comércio de Portugal". Republicano, maçon e pioneiro do socialismo português, fez parte da Geração de 70 e dirigiu os periódicos republicanos "A Folha do Povo" e "A Vanguarda". Em 1909 foi indicado para o Prémio Nobel da Paz e em 1919 foi Grã-Cruz da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito. Foi grão-mestre do Grande Oriente Lusitano Unido, com o mais longo mandato na história maçónica portuguesa, de 1907 até 1928. Magalhães Lima estreou-se como escritor publicando, durante os seus anos iniciais de estudo em Coimbra, um conjunto de obras de pendor romântico, com títulos como Miniaturas românticas, Martírio de um anjo, Amour et Champagne ou Um drama íntimo. Tais obras, inseridas na corrente tardia do romantismo português, não faziam adivinhar o apologista do republicanismo revolucionário em que o seu jovem autor se transformaria.

Fontes:
Sebastião de Magalhães Lima. Miniaturas românticas. Publicado originalmente em 1871. Disponível em Domínio Público.  

sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Renato Benvindo Frata (Nosso labirinto particular)


Relendo a História de Minotauro antes de Teseu e analisando seu sofrimento por ter nascido diferente dos humanos - metade homem e touro, que vivia num labirinto a aprisionar e a matar para se alimentar, vem a pergunta: por que as pessoas se arriscavam nos estreitos corredores do labirinto, sabendo-o perigoso? Por curiosidade. Acreditavam que as paredes contavam o futuro de cada um em histórias fantásticas, daí a motivação. Creta, então, vivia o dilema: possuía uma riqueza especial com paredes falantes e, também um monstro horroroso.

Minotauro, na porção humana, era triste, pensativo e, sabendo da imperfeição em relação a outros, se tornou soturno, tomado pela necessidade de compreensão, de amor, de conexão que o fizesse se não igual, ao menos aceitável. E ali, no labirinto, com somente ele sabendo da entrada e da saída, fizera seu abrigo. Em contraste, também sua prisão em meio às pedras especiais. Estava destinado a viver só, com o amargor de pensamentos, desejos e sensações.

Sua história é linda e em muito se assemelha à de cada um de nós respeitada a individualidade. Ele sonhava em poder sair, vencer seus muros, apreciar o sol, lua, estrelas, sentir o perfume da relva em manhã de orvalho. Ter alguém com quem dividir a alegria, a tristeza que tece a vida como a um quebra-cabeças, e que faz do ser humano o único capaz de resolver tão intrincadas coisas que constroem. O ser humano era aguerrido, insatisfeito com o que fazia, por isso inventava. Ele gostaria de fazer o mesmo que o lenhador, o oleiro, construir com tijolos sua proteção, afiar uma faca para melhor cortar, arredondar o quadrado para melhor conduzir. Mas sua imperfeição corporal não o permitia. Por isso a imorredoura tristeza, a revolta e a agressão contra aqueles que lhe invadiam seu único espaço.

Trazendo o mito desse “monstro” solitário que vive em nós, e analisando as noites insones que nos pegam por horas encontrar, na penumbra, a solução ao que tira nosso sono, podemos dizer que cada um, nessa condição, constrói seu próprio labirinto, onde conviverá com seus defeitos ou deficiências em auto piedade enquanto se inunda de tristeza e faz da situação, a eterna prisão, ou agir com sabedoria como Ariadne, que entregou ao amado Teseu um rolo de barbante orientando-o a que amarrasse uma ponta na entrada do labirinto e a esticasse aonde fosse, para encontrar o caminho de volta.

O labirinto de Minotauro era tão misterioso como é nossa mente; intimamente ele buscava a saída não somente da prisão/abrigo, das paredes invisíveis que construíra dentro de si, assim como nós ao supervalorizar os problemas diários, as perdas, as lutas inglórias, os chororôs do insucesso, as pendências financeiras ao ponto de trocar horas de nosso sagrado repouso, ao ruminá-los sem sucesso.

Diz com sabedoria ‘MC Von Zuben’, no trabalho “O Nó(s) que Nunca Desata: o Fio de Ariadne e o Labirinto do Autoconhecimento” – que merece ser lido. - Contempla em resumo que: todos e cada um estamos conectados em um nó que nunca desata. Nossas relações, por mais complexas, não podem ser apagadas: há um fio invisível a nos unir e um labirinto para cada um. Esse fio sempre nos leva até nós mesmos; e só podemos lutar contra nosso Minotauro com a força animalesca que temos, guiados pelo fio para sair do ‘labirinto’. Desprovido dele, continuaremos a vagar pelo escuro como temos feito indefinidamente, razão de nossa amarga insônia.
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RENATO BENVINDO FRATA (79) nasceu em Bauru/SP, radicou-se em Paranavaí/PR. Formado em Ciências Contábeis e Direito. Professor da rede pública, aposentado do magistério. Atua ainda, na área de Direito. Fundador da Academia de Letras e Artes de Paranavaí, em 2007, tendo sido seu primeiro presidente. Acadêmico da Confraria Brasileira de Letras. Seus trabalhos literários são editados pelo Diário do Noroeste, de Paranavaí e pelos blogs:  Taturana e Cafécomkibe, além de compartilhá-los pela rede social. Possui diversos livros publicados, a maioria direcionada ao público infantil.
Fontes:
Texto enviado pelo autor. 
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quinta-feira, 20 de novembro de 2025

Monsenhor Orivaldo Robles (Dois beijos)


Presenteou-me a vida não com muitos, mas com bons amigos. Alguns, melhores do que mereço. Amigos cuja companhia o passar dos anos não submerge na rotina, mas renova como viço de planta nova.

Lá nos distantes idos dos anos sessenta conheci um. Ocupava o microfone da mais importante emissora local de rádio. Era exemplar no cumprimento de suas tarefas, que desempenhava com dignidade e nobreza iguais às de um porta-voz da BBC de Londres.

Eram outros os tempos, em nada parecidos com os de hoje. Já lá se vão quarenta e três anos, espaço de uma vida. Encontrávamo-nos com a assiduidade que permitiam compromissos da agenda rala e os espaços amplos de uma cidade rústica em que, para a gente se topar, bastava sair à rua.

Separou-nos a vida, senhora de imprevistos e dissabores. Por completo descuido ou propósito insondável, ela conseguiu embaraçar a urdidura do fio das Parcas, guiando-nos por rumos ditosos ou adversos, não traçados por nosso alvitre.

Não feneceu, contudo, em nenhum momento, a amizade; que esta nem os anos vividos nem as provações superadas lograriam mesmo alterar. Se mudança houve, foi para amadurecer entre nós uma estima que o tempo só aduba e fortalece.

As ruas desta cidade querida, em que Deus nos permitiu viver, teimam em fazer-nos ocupar amiúde a mesma calçada. Seu sorriso, de longe, apenas nos avistamos, irradia um facho de brilho, que doura de luz um fugidio encontro de minutos.

Num desses gratos momentos, na espontaneidade que nada ensaia, brindou-me com afirmação repentina, capaz de me fazer surpreso e edificado. Quando me afastava, recomendei: “Dê um beijo na Cida”. Ele, no estalo, o rosto inteiro iluminado: “Dou dois: um seu e um meu”.

Quando nos atinge o inesperado, quedamo-nos absortos num vácuo de surpresa, que nos colhe sem aviso. Prossegui meu caminho, garimpando agora reflexões antigas, que, de repente, se faziam novas: “Que coisa! Depois de anos a fio ouvindo e aconselhando casais à beira de um rompimento sem volta, me aparece assim na rua, sem aviso nem preparo, clara como manhã de sol, uma mostra do que devia ser a coisa mais natural do mundo. Como o amor de marido e mulher que une esses dois”.

Estão juntos há mais de cinquenta anos. Já casaram os três filhos. Desfrutam hoje daquele tempo que Deus concede a avós para contar aos netos uma infância e adolescência, há muito, vencidas. Dos primeiros tempos de casados o romantismo e a paixão cristalizaram um amor maduro e generoso. Feito de entrega e desprendimento, sem desilusão nem volta. Que se revela autêntico em cada momento, por desprezível que pareça.

Pegou-me desprevenido a declaração simples e pura, sem rebuço nem alarde, de uma grandeza que não tem vergonha de se mostrar. De algo puro, vivido no dia a dia. Que dispensa roteiros de propaganda, porque a verdade não carece de script para consumo externo. Isso, aliás, sempre me deixaram ver, embora nunca se preocupassem de mostrar. O que é transparente não precisa de vitrine. Está à vista de quem observa com atenção. Basta ter olhos e abri-los.
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Monsenhor Orivaldo Robles nasceu em Polôni (SP) em 1941. Estudou em Jales e Poloni e ingressou no Seminário Nossa Senhora da Paz, em São José do Rio Preto, em 1953. Cursou Filosofia em Curitiba (PR), graduando-se na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, de Mogi das Cruzes SP, com diploma reconhecido pela USP, São Paulo. Graduou-se em Teologia no Studium Theologicum de Curitiba, afiliado à Pontifícia Universidade Lateranense, de Roma. Lecionou no Colégio Estadual Dr. Gastão Vidigal, e no Instituto de Educação, em Maringá (PR) (1967-1969). No Colégio Estadual e na Escola Normal de Paranacity (PR) (1970-1972). Por quase onze anos trabalhou como pároco de Marialva, de onde saiu no início de 1983 para assumir, por seis anos, o cargo de reitor do Seminário Arquidiocesano Nossa Senhora da Glória – Instituto de Filosofia de Maringá. Em 1989 assumiu a Paróquia Santa Maria Goretti, em Maringá, onde trabalhou por mais de 20 anos. Desde 2009, trabalhou na Catedral Metropolitana de Maringá, exercendo a função de vigário paroquial. Foi palestrante convidado a discorrer, em colégios ou outros núcleos humanos, sobre temas ligados à cidadania, formação pessoal e sobre ética pessoal ou pública. Em 2012 teve publicado o livro “Celeiro Desprovido”, com 270 páginas, contendo 118 crônicas e artigos escritos desde 1995. Em 2017, foi publicado o livro dos 60 anos da Diocese de Maringá. Foi articulista mensal ou semanal, por mais de quinze anos, de jornais editados em Maringá, além de ter matérias reproduzidas em revistas ou blogs da região. Faleceu de enfisema pulmonar, em 2019, em Maringá/PR.

Fontes:
Recanto das Letras do autor. 27.01.2012.
https://www.recantodasletras.com.br/cronicas/3464877
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Newton Sampaio (Sonho verde)


Ao penetrar na mata opulenta, a estrada se transformava sem matizes em simples filete de solo, onde a vegetação não se desenvolvia pelo pisar e repisar contínuo dos colonos que, no trote inalterável dos cavalos, iam ou à vila fazer compras, ou à casa de Oscar de Oliveira — cuja fazenda os caboclos, por pilhéria ou por espírito de simplificação, denominavam “a fazenda do Nhô Ó”.

Também, era só no trilho que faltavam os rebentos do solo exuberante. De um lado e doutro surgiam caules dos mais variados aspectos — transformando-se para cima naquela disposição confusa de ramos robustos, de galhos menos viçosos, de esgalhos tenros (que por vezes silhuetavam sobre o caminho estreito uma abóbada rendada, por onde o sol conseguia filtrar-se nas tardes ardentes), e resolvendo-se abaixo da superfície em um emaranhado de raízes profundas, abundantes em seiva.

O porte das plantas comumente não atingia grandes proporções. O que, porém, elas perdiam em tamanho recuperavam em abundância, dispondo-se tão próximas que, sem exagero, o passante poderia supor a existência de um só tronco a perfurar avidamente a terra para nutrir toda aquela aglomeração de organismos famintos.

O riacho, muito tacitamente, esgueirava-se por aqui, por ali, até atingir a estrada, continuando a arrastar-se depois sobre o leito humilde e sinuoso.

Do solo, a umidade parecia elevar-se em emanações sensíveis.

Também, onde só penetrava uma amostra de sol (como diziam os caboclos), e assim mesmo só depois do meio-dia, não se poderia esperar outra coisa. Não era como nos lugares descampados, onde os raios ardentes se casavam com o bafo tépido da terra ressequida.

De repente, ainda desta vez sem matizes preliminares, a estradinha abria-se em um claro espaçoso, desnorteante, indesejável, para não mais retornar à semi-escuridão de outra mata silenciosa e fértil.

E ali, próxima à boca do caminho, uma habitação rústica erguia-se, insulada pela cerca baixa, de ripas paralelas.

Àquela hora parecia estar deserta, apesar das duas janelas, abertas com discrição, montarem guarda, uma de cada lado, à porta escancarada.

No terreiro, onde emergia atrás da casa o vulto esguio e nu da palmeira, só uma galinha, que não quisera procurar alimento mais para longe, ciscava o chão.

Por fim, violando aquela paz admirável, ecoa tênue uma vozinha de mulher. E sem muita demora, sai da mata uma figura delicada de cabocla que, ao surgir dentre as árvores, sente dilatar-se na clareira do terreno a cançoneta bucólica que trauteava com indolência.

— Arre! (exclama quando vê a casinhola modesta) que a minha cabeça não é de ferro.

E passa a carregar a vasilha na mão. Entra na cozinha desassoalhada. Despeja meia caneca d’água na panela de feijão. Olha ligeiramente os outros cozimentos. Depois volta. Mas sem cantarolar mais. Enxuga as mãos no vestido, feito de chita salpicada de bolinhas verdes. Atira os cabelos fartos e desalinhados para trás. E vai recostar-se no mourão da cerca, destinado à articulação do portão.

Descalça, os braços completamente nus, o colo, muito alvo, negligentemente descoberto em parte, e um cinto sem luxo ressaltando as formas jovens, Tinoca, na posição em que ficara, era bem um enfeite à paisagem que a rodeava.

O vento, soprando às vezes com um pouco de energia, fazia flutuar-lhe os cabelos longos para, desordenadamente, os atirar depois, como em desmaio, no dorso macio, e imprimia-lhe dobras graciosas nas vestes. Ela, então, sorrindo, uma vez ou outra, apertava com as mãos abertas, por pudicícia pueril, a saia rebelde que queria enrolar-se-lhe nas pernas.

— O Luís eu sei que só pode voltar de noite. Mas o pai... Há que tempo já aprontei a janta!

A cabocla, ensimesmando-se naquela atitude singela, estende os olhos negros pela verdura simétrica do cafezal imenso, sem parecer avistar os pés de milho, muito flavos, que, plantados no entremeio, lhe ressaltam o paralelismo caprichoso.

Lá em cima as baitacas, em colmeiação instantânea, verdejam por um momento o firmamento e, quais matracas aladas, enchem o ar com a desagradabilíssima voz.

E Tinoca pensa.

Pensa naquela sua vida solitária, passada entre dois homens, o pai e o irmão, que quase só apareciam em casa para comer e dormir.

Liberta depois o anseio incaracterístico, o prurido ingênuo de qualquer coisa vaga, que ela não sabia explicar ainda e que fosse como um raio de sol a brincar, muito ardente, na mata querida, sobre verde folhinha.

Por fim, ruborizada de leve a face morena, deixa talhar-se no coração palpitante a figura máscula e simpática do Jovino.

— O Jovino... Há quatro meses que está lá na cidade, servindo no exército... Mas o Jovino voltará logo. Ele me disse, antes de partir, na festa de São Sebastião. Quando ele voltar... Ninguém desconfiou ainda. E se o pessoal soubesse o que nós conversamos naquela noite...

Feliz, continua Tinoca o devaneio. Imagina uma porção de coisas. Depois lhe parece luciluzir no meio da visão caleidoscópica, emergindo do amontoado de ideias, o sorriso do Jovino, já de volta da Capital, oferecendo o coração generoso e apontando para ambos uma pletora de venturas. Figura na mente enxameada de sonhos o espanto do povo quando ele viesse pedir a permissão do pai para ampará-la nos braços robustos durante a existência toda.

— E papai, ao nos ver celebrar o noivado mais ditoso deste mundo, abençoará com um sorriso de bondade a felicidade de sua querida Tinoca. Quando, bem de tardinha, depois de mourejar valentemente o dia inteirinho para poder sustentar com vantagem a situação próxima, o Jovino me vier dar o presente de seus olhares, nós sairemos por aí, sorvendo o perfume destes pagos, gozando as belezas das tardes do meu sertão, acariciados pela frescura da mata irmã, onde nos abraçaremos pelos olhos, no mutismo bom de dois amores inestioláveis. Quando, nos domingos bonitos com que a imensa bondade de Deus premia os esforços do homem do sítio, nós formos à vila assistir à missa, ouviremos o pregão de casamentos. Depois, todos manifestarão no “bom-dia” rude o desejo de ver realizada nossa grande felicidade. E quando, ao outro janeiro, o São Sebastião, todo cheio de frechas, os braços arroxeados, as pálpebras semi-cerradas pela dor, for colocado com seus farrapos no andor florido...

...E continua Tinoca a sonhar...

O fazendeiro Oscar de Oliveira não era homem de tolerar ninharias. Se, em horas de serviço, atingia excessos de exigência, quando chegavam os momentos de diversão, queria que os colonos se divertissem à farta. Nem que fosse preciso sacrificar uma boa parte de seus teres e haveres.

Por isso eles ansiavam por qualquer festa protegida pelo patrão, porque tinham por certo que a coisa deixaria saudades.

Não permitindo seus recursos uma festa digna do casamento da filha, o velho Malaquias decidir-se-ia a expor a situação a seu Oscar. E numa tarde de sábado vai surpreender o patrão despreocupadamente recostado na rede do terraço, a afagar a negrura esquerda do bigode.

— Tá descansando da lida, patrão?

— É verdade. Estive percorrendo o cafezal para arranjar outros planos.

— Ahn!

O velho, após uma pausa, parece tirar a timidez com o pigarro:

— Patrão. Eu vim aqui tratar de um negociozinho com o senhor...

— Desembucha, homem. Este fazendeiro velho não quer segredos entre si e os colonos.

— É que... O Jovino, aquele seu afilhado, sabe?... O filho do compadre Henrique... Pois ele foi lá em casa pedir pra casar com a minha menina...

— Chê! Malaquias. E você não tem tristeza em ficar sozinho no rancho? O Luís daqui a pouco zarpa também. Já está passando da idade de arranjar mulher!

— Sim. Eu bem que pensei nisso. Mas o pobre do caboclo nessas coisas tem coração de galinha. Eu vi que ele queria, que ela também queria...

— E pra quando marcaram a festa?

— A Tinoca me disse que fez uma promessa de se casar no dia de São Sebastião.

— Eh! Está bem perto!

E enrolando o comprido cigarro de palha, silencia por um momento. Depois:

— Nós precisamos dar um jeito nisso. É falta de caridade separar-se você da menina, para viver na solidão, sem mulher em casa. Se a pobre de sua patroa ainda vivesse...

O caboclo roda o chapéu de palha nos dedos. Treme levemente.

— Ainda hoje eu estive pensando em derrubar um pedaço daquela moita perto de sua casa, para aumentar o terreno vazio do lado, e encher tudo isso de café. Não quero mais terras pra bonito. Preciso plantar, plantar...

E com expressão de simpatia:

— Malaquias. Que tal se o Jovino tomasse essa empreitada? Ele está mesmo livre agora... E assim ficariam todos morando juntos.

Num ofego de gratidão e de indisfarçada alegria, Malaquias sorri, suspirando depois baixinho:

— Que alma de pomba esta do patrão...

Na noite de São Sebastião, noite quente de janeiro, a casa grande da fazenda apresentaria festivo aspecto. Nenhum caboclo, desde a última safra, se “enforcara” no casamento para proporcionar uma festança daquelas, e desta vez o patrão se empenharia em fazer um colosso. Solenizando a festa do padroeiro, protege o afilhado em segundo paraninfado. Até a Nirinha, sua filha, não sei por que cargas d’água, desta vez tira da cabeça original ideia. Traz da cidade próxima, em jovial alarido, um magote de rapazes fanfarrões e moças alegres. E organiza dois salões de danças. Um para as pessoas da cidade e outro para a caboclada do sítio.

Lá pelas seis horas, mais ou menos, serve-se o jantar.

Jantar farto, sem pratos finos, mas tudo com grande abundância. Carnes pletoradas de gordura são desagregadas no grande tacho ajeitado no terreiro. As caboclas encarregadas do serviço desdobram-se em solicitude. A mulatinha da casa, sem tréguas, atende à mesa para avisar as cozinheiras logo que, retirada da mesa cada leva de pessoas, seja necessário trocar os pratos usados, reencher as travessas, servir novamente a broa ou o pão à nova turma de convidados.

E depois, debaixo do plenilúnio branquejando lá em cima num sorriso de bênção e de alegria também, os dois bailes prosseguem animados.

Na sala do pessoalzinho da cidade uma vitrola das grandes comicha com seus sambas pererecas as pernas daquela mocidade despreocupada.

E, no salão improvisado e vasto dos sertanejos, a sanfona e o cavaquinho fazem girar no assoalho desparelho, donde surde irrepressível o pó, aquela turba de corpos suarentos, rudes, meio abrutalhados, sensuais, que afogueadamente aconchegam espáduas, embatem dorsos, entrechocam ancas.

De tempos em tempos percorre a sala o garrafão da “fervida”, da qual todos participam, o que aumenta ainda mais o ardor da dança pesada, lenta, deselegante, mas plena de alegria cabocla, de arfares sorridentes, de desejos esbatidos.

Assim a música da cidade e a música da roça se consubstanciam nos ares da pacífica fazenda do “Nhô Ó”, segregando, por assim dizer, ao ouvido do observador silencioso, que o amor existe tanto numa como noutra e, ao mesmo passo que no burburinho dos centros, gera a alegria no recesso do sertão.

Noite alta. Os pares do salão dos sertanejos acham-se diminuídos. A sala dos da cidade resta abandonada e escura.

No interior da casa grande a Nirinha corre de um lado e doutro para promover a acomodação de seus convidados.

Tinoca, muito bonita nos enfeites de noiva e mais corada ainda pelas sensações novas do dia, sente-se cansada. Ardem-lhe os olhos. Procura um canto solitário. E medita.

Ela... Como era feliz! Merecer esta festa do patrão... E o despeito das outras caboclas, então. Como se sentia orgulhosa de ser invejada!

Bem que vira o jeito da antiga namorada do Jovino. Bem que vira. Mas se limitara apenas a sorrir sobranceira, no gozo intenso de sua dita mais intensa ainda.

E a ideia da Nirinha? Quando é que outra cabocla tinha fruído, no dia do casamento, a presença de pessoas da cidade? Nunca! Só ela. Mais ninguém!

Além disso, como não se sentir orgulhosa com o discurso do tal de Humberto, um dos moços da cidade? Ele, num momento dado, durante o jantar, levantara-se. E, entre dois copos de cerveja, dissera meia dúzia de palavras que aos outros poderia provocar risadas. Mas que a ela encheria de uma infinita alegria.

Imaginem só! Um discurso feito por um rapaz da cidade!...

Para Tinoca, todas essas pequeninas coisas, esses acidentes insignificantes, teriam importância enorme. E ela acalentaria no cérebro, monopolizado pelas ideias de sua felicidade, este pensamento sutil:

— Ah! O meu casamento será lembrado aqui durante muitos anos.

A casa do fazendeiro Oscar de Oliveira não seria suficiente para abrigar todos os convidados da Nirinha. E (que fazer?), entre as mil e uma desculpas desta, uns seis rapazes resolvem passar o exíguo restante da noite no automóvel. Vão. Mas apenas silenciam, desacomoda-se o Humberto, o títere da turma, e diz num sorriso:

— Que tal? Vamos “sapear” o baile dos caboclos? Quem sabe encontramos lá qualquer morena alinhada, e então...

Visível agrado acolhe a ideia.

— Também, de que adianta dois segundos de olho fechado? A lua ainda não quis fechar o seu...

Saem os rapazes. Passam por detrás da casa, onde alguns tições ardem debaixo dos tachos. Atravessam o pátio iluminado pelo luar muito claro. Entram no salão de baile. Poucos pares. O homem da sanfona, abrindo e fechando o fole, de vez em quando ginga o corpo de sono. E os dançadores conservam ainda o gesto afogueado de juntar sensualmente os corpos. Continuam no mesmo bamboleio pesado, lento, deselegante do começo.

Logo ao entrar, Humberto avista uma caboclinha dengosa, de fita em diadema e farta de seios.

Reúne-se o grupinho a um canto, como que acossado. E o folgazão do orador segreda:

— Na outra marca eu vou pegar aquela morena de olhos tentadores.

Os outros riem da audácia.

— Cuidado, que qualquer galã daí te vira no avesso.

Humberto sacode os ombros. Sorve um trago da “fervida”, pigarreando.

E ao sanfoneiro:

— Maestro. Uma valsinha, agora.

O gaiteiro inicia uma peça batidíssima.

Aproxima-se o moço da morena. E balbucia numa reverência irônica:

— Senhorita...

A cabocla, aturdida, enleada, cora imediatamente, dizendo num gaguejo:

— Mas... eu...

Nesse momento o seu par de há pouco, um “cabra” espadaúdo, de fisionomia carregada, e que lhe dera as costas logo após o final da música anterior, vira-se bruscamente:

— Como é? O que é que o senhor está dizendo?

Sem esperar resposta, vermelho de cólera, e já no começo da embriaguez, fita o audacioso de alto a baixo. Encosta-lhe o peito, com desplante inaudito.

E como um trovão:

— O quê? Então minha noiva é mulher para dançar com almofadinha de meia-tigela?

Humberto, no auge do espanto, dá um passo para trás, estarrecido.

Onde o assoalho para pisar? Onde os companheiros para conter aquele brutamontes raivoso?

Os sertanejos olham mudos a cena, que se tornara angustiante para os jovens intrusos.

E só a entrada casual do fazendeiro no salão impede que a coisa adquira mais amplas proporções.

Depois que, corridos de vergonha, desaparecem por detrás da casa os rapazes da cidade, Tinoca pensa com seus botões:

— E mais esta briga, ainda, para fazer com que o meu casamento seja lembrado por muitos anos...

O sol já deixara de coar-se na abóbada do caminho estreito. As baitacas não mais traçavam um rastilho verde no céu do sertão. Os cafezais não eram agora senão retas escutas que punham relevo nas primeiras projeções da lua cheia.

Recostada no mourão da cerca que completava o insulamento daquela casinhola modesta, construída no claro desnorteante, a cabocla em silêncio prossegue na cisma.

Cabrioleiam-lhe os cabelos no colo meio descoberto. Saltitam-lhe depois nas espáduas macias enquanto alguns fios mais longos acariciam os braços nus, em tentação de amplexos amorosos. A saia, vira-mexendo sem cessar pelo sopro do vento, teima em lhe cingir as pernas, ondulando-se, como em desmaio, no regaço apenas esboçado.

E Tinoca, sob o branquejar do plenilúnio tão lindo quanto desejara na feliz noite de São Sebastião, continua a ninar aquele sonho rendilhado de esperança, verde como as baitacas vesperais que antes passavam em bandos, verde como a simetria caprichosa do cafezal em frente, como as bolinhas verdes do seu vestido de chita...
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Newton Sampaio natural de Tomazina/PR, 1913 e falecido na Lapa, em 1938,  foi um médico, ensaísta, escritor e jornalista brasileiro. Newton é considerado um dos mais importantes contistas paranaenses sendo o precursor do conto urbano moderno. Em 1925, saindo da pequena Tomazina foi estudar no Ginásio Paranaense, em Curitiba, e precocemente, passou a lecionar nesta instituição, além de colaborar para alguns jornais da capital paranaense, principalmente o "O Dia". Ao ser admitido na Faculdade Fluminense de Medicina, transferiu-se para a cidade de Niterói. Após formado em Medicina, permanece na capital do país, porém, com a saúde bastante abalada, retornou a Curitiba e em seguida internou-se em um sanatório na cidade da Lapa onde faleceu no dia 12 de julho de 1938. Duas semanas após o seu falecimento, recebeu o Prêmio Contos e Fantasias concedido pela Academia Brasileira de Letras, pelo livro Irmandade. Newton Sampaio pertenceu ao Círculo de Estudos Bandeirantes de Curitiba e como homenagem ao jovem modernista, um dos principais prêmios de contos do Brasil leva o seu nome: Concurso Nacional de Contos Newton Sampaio. Algumas obras:  Romance “Trapo”: trechos publicados em jornais e revistas; Novela “Remorso”, 1935; “Cria de alugado”, 1935; Contos: “Irmandade”, 1938, “Contos do Sertão Paranaense”, 1939; “Reportagem de Ideias”: contos incompletos, etc.

Fontes:
Newton Sampaio. Ficções. Secretaria de Estado da Cultura: Biblioteca Pública do Paraná, 2014. Disponível em Domínio Público.
Publicado originalmente em O Dia. Curitiba, 01/07/1933.
Biografia: https://pt.wikipedia.org/wiki/Newton_Sampaio
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quarta-feira, 19 de novembro de 2025

A. A. de Assis (Despejorativação dos animais)


Há várias maneiras de avaliar o grau de civilização de um povo; uma delas é observar a maneira como esse povo trata os animais não humanos. No Brasil já alcançamos algum progresso nesse quesito, porém falta um pouco mais de conscientização.

A lei tem conseguido alguns bons resultados na defesa dos animais silvestres, contudo parece ainda carente de aperfeiçoamento quanto aos animais domésticos. Há dúvidas, por exemplo, com relação aos pássaros que vivem em cativeiro. Dá dó vê-los em gaiolas, porém fica no ar a pergunta: e se eles forem soltos na natureza, será que sobreviverão? O ideal seria então parar de criá-los presos.  

Há também quem pense na situação de outros animais de estimação, como os cães e os gatos. Mas para onde iriam se fossem “libertados”? Eles não saberiam viver nos bosques ou nas matas. 

Tem sido, igualmente, motivo de preocupação o uso de veículos com tração animal. Embora já exista legislação proibindo ou restringindo essa prática, ainda se veem, em muitos lugares, carros de bois e carroças puxadas por burros ou cavalos. Quem dera os nossos netos e bisnetos não vejam mais isso.

E há outra forma de desrespeito, que todavia ainda não foi pensada com a necessária atenção: a pejorativação dos animais. A todo instante ouvimos alguém xingando alguém de burro, anta, baleia, cachorro, cavalo, égua, galinha, jararaca, jegue, jumento, perua, piranha, porco, raposa, vaca...

É um mau hábito arraigado na cultura, um mau costume. No mínimo uma indelicadeza, e em duplo sentido – quando alguém chama alguém de “burro” está ofendendo não somente a pessoa xingada, mas também o próprio burro. 

Claro que há também nomes de animais que valem como elogios: chamar a namorada de “gatinha”, chamar um cantor ou poeta de “rouxinol” ou “sabiá”, dizer que o filho é “cobra” em matemática ou que a filha é “fera” em biologia. Mas aí tudo bem.

Daria sim para aos poucos reeducar a linguagem, higienizar o vocabulário, evitando magoar outras pessoas ou desqualificar os animais não humanos. É só uma questão de autodisciplina. 

Espera-se que as próximas gerações aprendam a ver todos os seres como parceiros e amá-los com máximo respeito e carinho.
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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá - 31-7-2025)
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A. A. DE ASSIS (Antonio Augusto de Assis) (92), poeta, trovador, haicaísta, cronista, premiadíssimo em centenas de concursos nasceu em São Fidélis/RJ. Radicou-se em Maringá/PR com 22 anos. Lecionou no Departamento de Letras da Universidade Estadual de Maringá, aposentado. Foi jornalista, diretor dos jornais Tribuna de Maringá, Folha do Norte do Paraná e das revistas Novo Paraná (NP) e Aqui. Algumas publicações: Robson (poemas); Itinerário (poemas); Coleção Cadernos de A. A. de Assis - 10 vol. (crônicas, ensaios e poemas); Poêmica (poemas); Caderno de trovas; Tábua de trovas; A. A. de Assis - vida, verso e prosa (autobiografia e textos diversos). Em e-books: Triversos travessos (poesia); Novos triversos (poesia); Microcrônicas (textos curtos); A província do Guaíra (história), etc.
Fontes:
Texto obtido no facebook do autor.
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