sábado, 16 de abril de 2022

Dorothy Jansson Moretti (Album de Trovas) - 2

 

Leandro Bertoldo Silva [(Des)encontro]

Costuma-se dizer que ouvir conversa alheia é falta de educação. Concordo. Mas e quando a conversa vem até você? Vinícius de Moraes já dizia que “a vida é a arte do encontro, embora haja tantos desencontros pela vida”. Vinícius era poeta ou profeta? Seguramente os dois. Não sei em quais circunstâncias os escritores, músicos, compositores criam suas obras… Humm, está certo! Não posso dar-me como o poeta de Pessoa a fingir dores ou mesmo dissabores! É porque durante certo período acreditava que esses magos da palavra entravam em estado de nirvana, banhavam-se em algum rio ou subiam alguma espécie de montanha imaginária, talvez até real, e acessavam o ápice da criação. Deuses da palavra ou escultores da controvérsia: eis a questão para, como Shakespeare, ficar entre o ser e o não ser. Todas essas possibilidades, porém, caíram por terra frente o acaso do meu copo de cerveja pousado ao lado do meu bloco de notas em um bar de quinta, onde tentava, até então em vão, escrever seja lá o que fosse a fim de tornar-me o novo best seller, como se isso representasse alguma coisa…

“Certa vez, a rosa se enfeitara de flores para ser percebida. Nem assim conseguia.”

Foi o que ouvi dito por uma mulher, muito bonita por sinal, a um homem supostamente seu marido ao se aproximarem da mesa em que eu estava. Não digo isso pelas alianças em seus dedos, mas pela experiência mística — porque não há outra forma de definir aquilo — revelada bem ao alcance dos meus olhos e ouvidos. Eles ainda nem tinham se sentado à mesa ao lado quando, ao fazerem, presenciei um curtíssimo diálogo ou, pelo menos, uma tentativa iniciada por aquela pérola de declaração muito, muito verdadeira:

— Certa vez, a rosa se enfeitara de flores para ser percebida. Nem assim conseguia.

— Como?!

— Certa vez, a rosa se enfeitara de flores para…

— O que? Só um minuto, por favor, o celular… […] Sim, agora pode falar.

— Certa vez, a rosa se enfeitara…

— Nossa, lembrei que tinha que ter postado aquela foto ontem! Desculpe, meu bem… Então…

— Certa vez, a rosa se…

— Preciso trocar esse telefone… Ah, desculpe. O que estava mesmo dizendo?

— Certa vez…

— Será que pedimos batata frita ou macarrão na chapa? Bem, parece que você estava dizendo alguma coisa…

— Certa… mente.

— O que?

— Nada. Quero ir embora.

— Você é sempre assim! Depois diz que não te dou atenção…

Saíram tão rápido quanto chegaram. Terminei meu copo de cerveja, guardei meu bloco de notas, paguei a conta e fui-me embora com essa — meu estado de nirvana — cantarolando o “Samba da bênção” enquanto outros best sellers da vida provavelmente estariam a serem escritos por aí, ou, quem sabe, cantados.

Porque o samba nasceu lá na Bahia
E se hoje ele é branco na poesia
Se hoje ele é branco na poesia
Ele é negro demais no coração…

A bênção, Vinícius.

“É melhor ser alegre que ser triste, alegria é a melhor coisa que existe…”

Moreira Cardoso (Caderno de Trovas)


Contemplando as suas águas
a saudade vem-me então,
Capibaribe de mágoas
dentro do meu coração.
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De tanto amar-te, Maria,
já não comporto este amor.
Tão grande é minha alegria
que eu invejo os que têm dor!...
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De verme tu me chamaste
por eu ter-te contemplado.
Tu mesma me desculpaste,
inda te fico obrigado...

E ante o insulto fico inerte,
pois se olhei-te, assim de rastros,
é que o verme pra ser verme
precisa olhar para os astros.
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Do amor a fera agonia
obriga a quem tem amor,
a ver na dor - alegria -
e a ver n'alegria dor.
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Do que amantes hão contado
não se duvides porque
olhares de namorado
veem coisas que ninguém vê.
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Lua, pandeiro de prata,
gemendo às mãos do infinito,
seja, ao fim da serenata,
pra ti meu último grito.
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Maria, foge aos luares,
que em noites de lua cheia,
desata a lua os pesares
quando no espaço passeia.
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Não sei, tão grande parece
a tristeza que padeço,
se a tristeza me entristece
ou se à tristeza entristeço! ...
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Não tendo sal, a comida
não presta a qualquer pessoa;
precisa ter sal a vida,
pra que a vida seja boa.
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No coração, disse um santo,
origens a mágoa tem.
Se vem da mágoa o teu pranto,
tua mágoa donde vem?
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O céu é fita azulada;
e a lua, que em cismas fito,
é medalha pendurada
no pescoço do infinito.
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O pesar tem tal voragem
que o prazer não tem valor,
não sendo mais que a passagem
de uma dor para outra dor.
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O rio Capibaribe,
que é rio do meu país,
quando aos luares se exibe
sempre me faz infeliz.
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Os corações namorados
devem a lua evitar:
são tanto mais desgraçados
quando mais lindo o luar!
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Por mais que tentes, senhora,
tirar-me sempre a esperança,
mais a paixão me devora
e mais tormentos me lança.

Pois este amor que me inspira
é cova, mal comparando,
que tanto mais se lhe tira
tanto maior vai ficando.
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Pra minha tristeza crua,
busco amparo em que me açoite,
tomando banhos de lua
dentro do tanque da noite.
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Quando tu choras, me espanto
e os meus olhos se enchem d'água!
Vem a magoa de teu pranto,
não vem teu pranto da mágoa.
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Que calor em teus olhares!...
Em teus lábios, que vulcão!...
Porém, para meus pesares,
que gelo em teu coração!...
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Quem espera não é santo,
pois eu tanto te esperei
que assim, de esperar-te tanto,
desesperado fiquei.
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Que no amor tudo se negue
pois se uma alma amorosa
pode ver a dor, alegre,
e a ventura, dolorosa.
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Se o nosso pranto é salgado,
nosso pranto não faz mal,
quem nunca tiver chorado
não presta, pois não tem sal.
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Tenho sofrido bastante...
Porém, quando penso em ti,
da dor me vejo distante.
Nem me lembro que sofri.

Fonte:
Adelmar Tavares et al. Descantes. Recife/PE: Tipografia da Imprensa Oficial. 1a. edição publicada em 1907.

Aparecido Raimundo de Souza (Coriscando) 23: Conversa de beira de piscina

Ananias (muito sério e com a fala compenetrada):

— Bertolto, meu amigo, deixa eu te contar, antes que me esqueça. Achei hilária a cena, até certo ponto. Depois cheguei a conclusão que a pessoa era completamente fora do juízo normal...

Bertolto (abrindo a caixa da abelhudice):

— Estou me mordendo de curiosidade. Vamos, canta a parada.

— No sábado fui almoçar na casa de um amigo meu, o Buferato, que não via há uns seis meses. Chegando lá, na hora dos comes e bebes, me deparei com um rapaz de modos estranhos. Fiquei passado como ele comia...

Bertolto (mostrando um espanto meio zombeteiro):

— Como assim passado, Ananias? Acaso o sujeito enfiava a comida pelos buracos do  nariz?

Ananias (furioso, com a observação maldosa):

— Fala sério, Bertolto. Tudo você leva na brincadeira... que saco!

Bertolto (apaziguando o amigo):

— Pra descontrair, meu prezado. Ok. Tá legal. Me perdoa. Por que ficou passado?

— Acredita que a criatura devorou, de uma só vez, na minha frente e diante de meus olhos esbugalhados e, claro, de outros figurões à mesa posta, dois bifes à milanesa sem fazer uso do garfo e da faca?

Bertolto (coçando o lóbulo da orelha direita e querendo rir):

— De que maneira? Com as mãos?  

Ananias (mais sério que lagartixa na parede):

— Com os cotovelos... e o mais espetaculoso. Com uma destreza jamais vista. Confesso à você, nunca me deparei com uma coisa igual. O sujeito é um gênio. Pelo menos eu o vi assim e o elegi herói. Não fosse estar envergonhado, e espantado, eu me levantaria do meu assento e daria os parabéns à ele.

Bertolto (novamente pretendendo cair na gargalhada e ponderando as palavras a serem ditas):

— Admiro você, meu caro Ananias, um homem viajado, chamar a isso, ou achar tal cena de comer fazendo uso dos cotovelos de modo estranho. Não vejo nada demais ou de anormal. Cada louco com a sua mania. Grosso modo, cada mania com seu louco. Eu mesmo adoro encher a barriga sem usar os apetrechos  normais. Você sabe disso. É feio? Sim!  É chato? Também! Pareço um neurastênico recém saído de algum manicômio. Entretanto, você que me conhece não é de hoje, tem pleno conhecimento de minha tara, e, inclusive, já cansou de me ver fazendo as refeições com os pés. Eu adoro comer com os pés...

— Concordo plenamente com você, Bertolto. Cada louco com a sua mania. Penso como você, ou seja, também sou adepto de comer dessa forma bem primitiva. Com os pés. Lembra meus pais e avós. Que Deus os tenha...

— Eles também comiam com os pés?

Ananias (rindo de maneira ponderada com a observação feita pelo amigo):

— Se liga, Bertolto. Eles nunca deixaram os pés em algum lugar escondido da casa, para se sentarem à mesa.

Bertolto (muito sério demonstrando não ter gostado nem um pouquinho da insinuação):

— Deixa de ser palhaço, Ananias. Não se faça de idiota. Você está mudando o rumo da prosa. Não respondeu ao que perguntei. E pior: por que todo esse espanto e alvoroço desnecessários com o pobre do indivíduo matando a sua fome com os cotovelos?

Ananias (voltando à seriedade e se fechando em copas):

— É que depois desse fato, o infeliz fez algo que considerei inusitado. Pasme, Bertolto. A figura mandou para dentro da barriga o garfo e a faca misturados com feijão  tropeiro, arroz, farinha de mandioca acompanhado de um copo de refrigerante.

Bertolto (desta feita, o olhar interrogativamente cético):

— Credo! Ai, realmente tenho que concordar com você. A coisa passou dos limites. Se você não estiver me sacaneando com suas pegadinhas... que situação incrível! Apenas uma pulguinha atrás da orelha me intriga. Peço que me esclareça esse pormenor. O abestalhado, em nenhum momento passou mal, ou, sequer se atrapalhou com essas peças?

— A certa altura, sim.

— Entendo!  E como foi?

— Imagine!

— Estou tentando desenhar um quadro da cena no interior de minha mente. Contudo,  realmente, não faço a mínima.

— Pense, Bertolto... cabeça não foi feita só pra usar chapéu... e juntar caspas...

— Sem chance. Fala de uma vez. Como o desajuizado se saiu dessa? Engasgou, se entalou, sei lá...?

— Na verdade, Bertolto, ele se sufocou. Igual quando uma espinha de peixe empaca no gogó. Começou a virar os olhos, ficou branco... passou a não respirar. Meu chapa, pensei com meus botões: esse doido varrido vai empacotar. Precisaram chamar o SAMU...

Bertolto (coçando a cabeça e tentando digerir aquele papo furado):

— Não enrola. Parta para os finalmentes, Ananias. Em consequência de todo esse vexame, como a confusão acabou...?

— Os socorristas conseguiram pinçar o garfo e a faca.

Bertolto (Soltando um suspiro de alívio):

— Graças à Deus! Dos males, o pior.

— Engano seu. Em questão de segundos tudo mudou da água para o vinho...

— Desenhe. Estou voando... acho que você está tirando uma com a minha cara...

— Jamais faria isso, Bertolto. O que estou lhe falando é a mais pura verdade.

— Ok. Então fale com mais clareza.

— Vou tentar...

— Estou esperando...

— No segundo à frente, Bertolto,  após um breve descuido dos socorristas, o maldito do rapaz engoliu o estetoscópio... e, de lambuja, o aparelho de medir pressão…

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Estante de Livros (Helena, de Machado de Assis)


Livro publicado em 1876. Ele se enquadra no gênero romance urbano. A história se desenvolve em redor de um amor proibido e da profanação de um dogma religioso.

Conselheiro Vale era um homem rico, com um caso amoroso com uma mulher que havia migrado do Rio Grande do Sul, possuindo uma filha, Helena, a qual ele adota. Morre, e em seu testamento declara que Helena era sua filha e que ela devia ter seu lugar na família. Todos acreditam nisso, mas Helena sabe que não é na realidade sua filha, mas querendo ascender socialmente aceita isso. À princípio, D. Úrsula reage com um certo preconceito à chegada de Helena, mas no decorrer do tempo vai ganhando o amor de D. Úrsula. Estácio era um bom filho, e faz a vontade do pai sem questionar.

Dr. Camargo acha aquilo um absurdo, pois ele queria casar sua filha, Eugênia, com Estácio para que eles se tornassem ricos às custas do dinheiro de Estácio, e mais um familiar só iria diminuir a parte da herança de Estácio. Padre Melchior, outro velho amigo da família e orientador espiritual, era conivente com o médico em seus propósitos. Também apoiava a ideia da união conjugal das duas famílias e tentou de tudo para dissuadir Estácio de sua rejeição à proposta do Doutor.

Helena toma seu lugar na família como uma mulher de fibra, uma verdadeira dona de casa, cuida muito bem de sua nova família, dirige a casa melhor do que D. Úrsula o fazia, e impressiona não só a família como toda a sociedade em geral, porque além de ser uma mulher equilibrada como poucas que existiam, era linda, sensível e rica. Em uma ocasião, o destino conspira a favor de Helena. Dona Úrsula adoece e a jovem cuida dela como se fosse sua própria mãe. A garota não se afastava um momento de seu lado, sempre entregue ao bem-estar da doente. Após se restabelecer, a tia passa a vê-la de outra forma e começa a cuidar dela como se Helena fosse sua própria filha. A partir dessa data Úrsula providenciou todo conforto para a jovem.

Ao longo da narrativa, Helena vai impressionando mais e mais Estácio, que acaba se apaixonando por ela, assim como ela por ele. Aí vem o X da questão, de um lado Estácio, se martirizando por estar apaixonado por sua suposta irmã, o que é um pecado, e do outro, Helena, apaixonada por Estácio. Esta sabia da verdade, mas não podia abandonar tudo e ficar com ele, já que tinha recebido uma fortuna de herança. Amigo de longa data de Estácio, Luís Mendonça, retornara do continente europeu e chega ao Brasil. Mendonça se apaixona por Helena, sempre incentivado pelo Padre Melchior. Ele já pensava em se casar com a jovem.

A família de Helena possuía uma chácara com um casarão, onde Helena costumava visitar sempre. Estácio saiu à caça de algum animal e acabou se ferindo. Então foi até o casarão pedir socorro. Ali um homem muito afável o recebeu, limpou os ferimentos de Estácio e contou que vivia na pobreza e por isso não tinha como ajudá-lo. O jovem vê seu anfitrião e seus temores crescem. Helena estará traindo a confiança de todos e se relacionando com esse indivíduo? Ou seu amante será o escravo?  Ele parte com essas dúvidas na mente e decide ir até o Padre, que ouve o rapaz e o acusa de estar alimentando um sentimento incestuoso. Ele afirma que o melhor caminho para eles é Helena se unir a Mendonça, pois assim os sentimentos de Estácio se tranquilizariam.

Estácio vai até o casarão. O homem se apresenta como Salvador e conta toda a história. Surpreende Estácio ao lhe revelar que Helena era sua filha, não de Conselheiro Vale, e toda a história da vida de Helena até ali. O homem morava com a mãe de Helena, Ângela, e ambos viviam na miséria. Eles sobreviveram graças a alguns bicos e às vezes passavam fome. Helena era sua filha verdadeira, não de Vale. Ela era a alegria de sua vida. Ele foi obrigado a fazer uma viagem que se prolongou por muito tempo. Assim que voltou, descobriu que sua mulher estava casada com o Conselheiro Vale. Ele ficou perdido e foi à procura de Ângela, exigindo que a filha ficasse com ele. A mãe dela respondeu aflita, alegando que em sua companhia a garota poderia estudar e ter mais futuro.  Ele então aceitou seu destino e partiu, mas sempre a observava à distância. Por sua vez, Vale acreditava que Salvador estava morto e, dessa forma, resolveu educar a menina como se fosse sua filha. Antes da morte de Ângela, ele procurou sua filha, então com 12 anos, e contou a verdade. Porém não queria se contrapor aos projetos de sua ex-esposa e sumiu mais uma vez. Vale tinha morrido e ele tinha certeza de que Helena ganharia parte da herança. Salvador sabia que teria de ficar longe dela. Ele fez tudo isso para que a filha não sofresse na vida, como ele e Ângela. A condição para Salvador era de nunca mais procurar Helena.

Todos optam por deixar tudo como está, até o casamento de Helena e Mendonça, mas ele rejeita a moça. Helena só deseja ficar longe de todo mundo. Mergulhada na solidão e na tristeza, ela após uma chuva forte fica debilitada, à beira da morte. Estácio, tomado por seu forte amor vai cuidar de Helena e lhe faz essa declaração. Helena morre. Estácio não se conforma. Úrsula também sofre com a partida da garota. Ela morre deixando dor e saudades nos corações de todos.

sexta-feira, 15 de abril de 2022

Edy Soares (Manuscritos (Di)versos) 05

 
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Milton S. Souza (Uma cadeira vazia)

Simbolizando a ausência do filho que o destino levou para longe, há mais de 10 anos, uma cadeira vazia dava um toque de tristeza nas refeições daquela humilde família do Passo da Caveira, em Gravataí. A decisão tinha sido da mãe: o lugar preferido do garoto não seria ocupado até que ele voltasse para casa. Mas o tempo ia passando, passando, e nem notícias do seu eterno “menino”.

O marido e os outros três filhos menores não concordavam, mas aceitavam a saudade da mãe. Saudade que virava pranto nas madrugadas, quando acordava sonhando com o filho e ficava de joelhos, rosário entre as mãos, mandando orações aos céus para garantir saúde e proteção para o seu “menino”.

Nestas horas, relembrava a história do garoto: aos 16 anos, se envolveu com drogas e com amigos bastante suspeitos. Foi parar na delegacia. A vergonha de encontrar o filho enjaulado foi substituída pelo medo, quando ela ouviu as duras palavras do delegado: “Se a senhora não quer ver o seu filho no cemitério, leve ele para bem longe da nossa cidade, pois não vai sobrar ninguém desta quadrilha de traficantes”.

O delegado estava certo. Os “amigos” do filho começaram a aparecer mortos nos becos da vila. “Desacerto entre traficantes causa mais uma morte”, repetia a manchete do Correio de Gravataí. E a pobre mãe ficava cada vez mais apavorada: o filho poderia ser o próximo. A decisão de mandar o rapaz para morar com uma irmã dela, em Cuiabá, no Mato Grosso, foi conjunta com o pai e aceita pelo o filho, que já estava consciente dos perigos que corria.

O embarque aconteceu na noite de Natal, na rodoviária de Porto Alegre. Quando o ônibus iniciou aquela viagem de mais de 40 horas, o coração da mãe disparou. Ela sabia que tão cedo não veria mais o seu “menino”. Nos primeiros meses ainda conseguiu falar por telefone com o rapaz, hospedado na casa da irmã. Um dia, porém, ficou sabendo que ele havia sumido. A história se repetia: o rapaz voltou a usar drogas e trilhar o mau caminho. Quando se sentiu ameaçado, fugiu sem deixar rastros. E ninguém mais soube dele...

Na noite do último Natal, não tinha festa na casinha do Passo da Caveira: o pai, desempregado, não conseguira comprar presentes para os filhos. O que a mãe ganhava com as faxinas dava somente para a comida. Apesar disso, tinham saúde.

Jantavam, pelas 11 horas da noite, quando um carro, dirigido por uma mulher, parou no portão da casa. Um Papai Noel, gordo e desajeitado, desceu e foi pedindo licença para entrar. A moça explicou que estavam entregando presentes para famílias carentes.

O Papai Noel entrou na casa humilde e sentou exatamente naquela cadeira que ficava eternamente vazia. Ela até ia protestar, mas foi impedida pelo marido. Antes de entregar os presentes para cada uma das crianças, o Papai Noel perguntava o nome, idade e outros detalhes. Por alguns segundos, os olhos que estavam por trás da máscara se cruzaram com os olhos daquela mãe sofrida. E ela sentiu um calafrio. Foi exatamente naquele momento que o Papai Noel, pegando nas mãos um pacote colorido, chamou pelo seu nome. Quando ela se aproximou, sem nem notar que o “velhinho” sabia o seu nome, o Papai Noel não aguentou mais: retirou a máscara e abraçou, em prantos, a mãe que não via há mais de 10 anos.

Choraram juntos, pai, mãe e filho, neste reencontro inesperado. Parecia um milagre de Natal. Em poucos minutos, tudo foi esclarecido: a moça que dirigia o carro era a esposa do filho, considerada por ele a responsável pelo seu afastamento do mau caminho. Moravam em São Paulo, estavam bem de vida, e resolveram voltar a Sul exatamente na noite de Natal, para terminar com aquela longa saudade. Nem foi preciso botar mais água no feijão: o filho trouxera um estoque de comidas prontas para garantir a ceia de Natal.

Ainda estavam abraçados, chorando, quando os primeiros rojões subiram aos céus avisando que o Deus Menino estava nascendo nos lares de Gravataí. E que um “menino”, que sempre foi deus no coração daquela mãe, já ocupava o seu lugar na mesa, onde não havia mais nenhuma cadeira vazia...

Manuel du Bocage (Sonetos) VII

De cima dessas pedras escabrosas
Que pouco a pouco as ondas têm minado,
Da lua co’ reflexo prateado
Distingo de Marília as mãos formosas:

Ah! Que lindas que são, que melindrosas!
Sinto-me louco, sinto-me encantado;
Ah! Quando elas vos colhem lá no prado,
Nem vós, lírios, brilhais, nem vós, oh rosas!

Deuses! Céus, tudo o mais que tendes feito
Vendo tão belas mãos, me dá desgosto;
Nada, onde elas estão, nada é perfeito.

Oh! Quem pudera uni-las ao meu rosto!
Quem pudera aperta-las no meu peito!
Dar-lhe mil beijos, e expirar de gosto!
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Já o Inverno, espremendo as cãs nervosas,
Geme, de horrendas nuvens carregado;
Luz o aéreo fuzil, e o mar inchado
Investe ao Polo em serras escumosas;

Oh, benignas manhãs! Tardes saudosas,
Em que folga o pastor, medrando o gado,
Em que brincam no ervoso e fértil prado
Ninfas e Amores, Zéfiros e Rosas!

Voltai, retrocedei, formosos dias,
Ou antes vem, vem tu, doce beleza
Que noutros campos mil prazeres crias;

E ao ver-te sentirá minh'alma acesa
Os perfumes, o encanto, as alegrias
Da estação, que remoça a Natureza.
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Mimosa, linda Anarda, atende, atende
Às doces mágoas do rendido Elmano;
C’um meigo riso, c’um suave engano
Consola o triste amor, que não te ofende.

De teus cabelos ondeados pende
Meu coração, fiel para seu dano,
Co’a luz dos olhos teus Cupido ufano
Sustenta o puro fogo, em que me acende.

Causa gentil das lágrimas que choro,
A tudo te antepõe minha ternura,
E quanto adoro o céu, teu rosto adoro:

O golpe, que me deste, anima e cura...
Mas ai! Que em vão suspiro, em vão te imploro:
Não pertence a piedade à formosura.
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O Céu não te dotou de formosura,
De atrativo exterior, e a Natureza
Teu peito infeccionou co’a vil torpeza
De ingrata condição, falaz e impura.

Influiu-me os extremos da ternura
A Constância, o fervor, e a singeleza,
Esses dons mais gentis que a gentileza,
Dons, que o tempo fugaz não desfigura.

Apesar da traição , do fingimento
Que te inflama, e desluz, se envela e para
Em ti, alma infiel, meu pensamento;

Nas paixões a razão nos desampara,
Se a razão presidisse ao sentimento,
Tu morrerás por mim, eu não te amara.
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O ledo passarinho, que gorjeia
D'alma exprimindo a cândida ternura,
O rio transparente, que murmura,
E por entre pedrinhas serpenteia.

O Sol, que o céu diáfano passeia,
A Lua, que lhe deve a formosura,
O sorriso da aurora alegre e pura,
A rosa, que entre os zéfiros ondeia.

A serena, amorosa Primavera,
O doce autor das glórias que consigo,
A deusa das paixões, e de Citera:

Quanto digo, meu bem, quanto não digo,
Tudo em tua presença degenera,
Nada se pode comparar contigo.
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Fonte:
BOCAGE, Manuel Maria Barbosa Du. Soneto e outros poemas. SP: FTD, 1994. Disponível na Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro

Sílvio Romero (Cova da Linda Flor)

Folclore do Rio de Janeiro.

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HOUVE NOUTRO TEMPO um rei que tinha o hábito de jogar, e todos com quem jogava perdiam. Uma vez convidou a um outro rei para jogar, e, no dia marcado, este se apresentou; mas perdeu todas as mãos do jogo, até que se desenganou e despediu-se para se ir embora. O dono da casa, que o desejava matar, marcou-lhe um outro dia para ir a palácio, o que era seu costume fazer com todos com quem jogava.

O outro foi avisado disto, e dirigiu-se a um ermitão para lhe aconselhar o que havia de fazer para evitar a morte. Este, não sabendo o conselho que lhe havia de dar, mandou que fosse ter com outro segundo seu irmão, que ainda o enviou para terceiro. Este último aconselhou ao rei que se pusesse debaixo de uma árvore, que lhe indicou, e que tivesse cuidado nos pássaros que nela se assentassem, afim de apanhar um escrito que um deles levaria no bico e largaria no chão, e que ele seguisse o que o tal escrito ensinasse.

Assim fez. Encaminhou-se à árvore indicada, sentou-se debaixo, e daí a uma hora vieram chegando os pássaros, até que também chegou um que tinha o peito amarelo que trazia o escrito, e o largou. O rei apanhou o papel, e leu as seguintes palavras: “O rei com quem jogaste tem três filhas encantadas, que hão de ir se lavar no rio, virando-se em três patas. Põe-te escondido na beira do rio até que elas cheguem; depois que elas tirarem a roupa para se banharem, deves apanhar a roupa da última que se despir e esconder-te com ela. Depois do banho as princesas hão de procurar a sua roupa, e a mais moça, não encontrando a sua, há de ficar muito aflita e prometer livrar de todo o mal a quem lha restituir.”

Assim fez. Seguindo para a beira do rio, se escondeu até que chegaram as três princesas irmãs; tiraram todas três as suas roupas, puseram-se nuas, viraram-se em três patas e atiraram-se ao rio. Depois que se fartaram de banhar-se saíram da água para se vestirem e tornarem para o palácio.

As duas que tinham roupa vestiram-se; a mais moça, como faltasse a sua para fazer o mesmo, ficou desesperada por não poder seguir suas irmãs. Como desconfiasse que lhe tinham escondido a roupa, e não enxergando pessoa alguma, pediu a quem lhe a tivesse tirado que lhe entregasse; porém o rei se fez surdo e não apareceu. Pediu a princesa pela segunda vez e nada; pediu pela terceira, prometendo a quem lha entregasse de livrar do mal que tivesse de lhe acontecer.

Então saiu o rei do esconderijo onde estava e dirigiu-se para a princesa, dizendo: “Aqui está a vossa roupa que eu tinha escondido afim de me livrar, por vossos conselhos, da morte que vosso pai me quer dar.”

A moça respondeu: “Tenho por costume cumprir o que prometo, e disto não me afasto; meu nome é Cova da Linda Flor; hoje é o dia que tendes de ir à casa do rei meu pai; chegando lá batei na porta, ela vos será aberta; assobiareis até chegardes à porta da sala, a qual achareis também fechada; batei, por dentro vos abrirão, ao abrir encostai-vos na parede para vos esconder a dita porta; não vos assusteis com um foguetão que há de sair da sala, que é para dar fim à vossa vida; passando o foguetão, entrai na sala e falai com o rei, meu pai”.

Assim fez. Quando o rei julgava que o foguetão tinha dado cabo do outro, foi que este se apresentou em sua frente. Ficou o pai das princesas muito chateado por ser aquele o primeiro que tinha escapado daquele trama. Ordenou-lhe então que fizesse amanhecer o seu palácio no meio do mar, sob pena de perder a vida. O rei jurado recolheu-se ao seu aposento no palácio muito triste e pensativo, temendo perder a vida no dia seguinte.

Dirigindo-se então a princesa para onde estava ele, perguntou-lhe a causa da sua tristeza. Respondeu que tinha de perder a vida no dia seguinte, se não fizesse aparecer o palácio no meio do mar, conforme seu pai lhe tinha ordenado.

Ela  lhe prometeu que dessa vez ainda não morreria; que dormisse descansado, que quando amanhecesse estaria no meio do mar. O que tudo aconteceu com admiração de todos.

Como o pai da Cova da Linda Flor não pudesse desta segunda vez matar o rei, seu companheiro, ordenou-lhe que desse conta dum anel que sua mulher tinha perdido no mar, com pena de perder a vida no dia seguinte.

Retirou-se o hóspede ao seu aposento outra vez triste e pensativo; o que sabendo a princesa, para lá se dirigiu e perguntou-lhe o motivo. “Tenho de morrer amanhã se não der conta de um anel que a rainha vossa mãe perdeu no mar.” A moça prometeu-lhe que estivesse descansado, que tinha de achar o anel. Deu então ao rei uma varinha, indicando-lhe uma laje que havia no mar, que, quando amanhecesse, se dirigisse à dita laje e batesse com a varinha, que havia de começar a sair os peixes que estavam no fundo da laje, que havia de ver um de papo amarelo, que o agarrasse e o abrisse que dentro encontraria o anel.

Assim foi. Tudo se passou como a princesa ensinou; arranjado o anel o rei foi levá-lo ao outro que logo o reconheceu e percebeu que isto eram artes da Cova da Linda Flor, e resolveu acabar também com ela. Porém a moça adivinhando isto foi ter ao aposento do seu protegido e lhe disse que fosse à estrebaria de seu pai, que lá encontraria três cavalos, um muito gordo e grande que andava como a água, outro mais abaixo na figura que andava como o vento, e outro ainda mais abaixo que andava como o pensamento, que ele pegasse neste e viesse para fugirem ambos.

Indo o rei à estrebaria, não encontrou o que lhe disse a moça e pegou no cavalo do meio, que andava como o vento, o que desagradou bastante a princesa. Como já fosse perto do dia, montaram-se ambos no cavalo, e fugiram.

Amanhecendo, o rei achou falta de sua filha e indo ao quarto do outro rei, também o não encontrou, indo também à estrebaria não encontrou o cavalo que andava como o vento. Mandou aparelhar o cavalo que andava como o pensamento, e seguiu atrás dos fugitivos. Quando os estava para alcançar, a princesa fez virar o cavalo em que fugia num estaleiro, a sela num toro de pau, o freio numa serra, o rei em cima do estaleiro e ela embaixo, ambos com a serra na mão a serrar.

Chegando o rei,  perguntou se tinham visto passar um homem com uma moça na garupa. A resposta que teve foi: “Serra, serra, serrador. Eu também sei serrar.”

Cansado de perguntar e sem ter uma resposta, o rei voltou desapontado. Chegando contou à rainha o que tinha encontrado, ao que ela disse: “És muito inocente; o estaleiro é o cavalo, o toro a sela, o freio a serra, e os dois eram o rei e a nossa filha.”

O rei volta para ver se os pegava; no caminho já não encontrou mais os serradores. Seguiu, e quando já estava a pegar os fugitivos, estes se viraram numa ermida, dentro dela um altar, no altar uma imagem, ao pé do altar um ermitão rezando em um rosário. Perguntando-lhe o rei se tinha visto passar um homem com uma moça na garupa, a resposta do frade era: “Padre Nosso, Ave Maria.”

Cansado o rei de perguntar, voltou de rédea, e foi-se embora. Chegando à casa contou à rainha o acontecido, ao que esta respondeu: “És muito tolo; a ermida era o cavalo, o altar a sela, a imagem a princesa, o ermitão o rei, que voltes quanto antes.” O rei partiu, e pelo caminho não encontrou mais ermida, nem ermitão.

Depois de muito andar encontrou num cercado uma roseira com uma rosa, e uma mamangaba beijando a rosa; perguntou à mamangaba se tinha visto passar por ali um homem a cavalo com uma moça na garupa. A mamangaba voou em torno da rosa; assim uma segunda vez. Na terceira pergunta ela voou em cima do rei e deu-lhe uma ferroada.

O rei voltou desapontado, contou à rainha o que se tinha passado, e ela lhe respondeu: “És ainda muito tolo; a roseira era a sela, a rosa nossa filha, o cercado o cavalo, a mamangaba o rei, portanto volta quanto antes.”

O rei não quis voltar, e a rainha de zangada pediu a Deus que o rei fugitivo fosse ingrato com sua filha e a desprezasse.

Assim aconteceu. Depois que estiveram residindo numa cidade por algum tempo se separaram, e o rei esqueceu de todo a Cova da Linda Flor. Então ele contratou casamento com outra princesa, e quinze dias antes do casamento mandou fazer anúncios para se apresentarem as pessoas que melhores doces soubessem fazer. Entre as que se apresentaram apareceu uma moça que se encarregou de fazer um casal de pombas que falassem, com a condição de serem postas em cima de uma mesa diante de todo o povo na véspera do casamento.

O rei concordou e no dia marcado mandou chamar todo o povo da cidade para presenciar aquela fonção*. Estando todos presentes, disse a pomba para o pombo: “Pombo, não te lembras quando o rei, meu pai, te convidou para jogar, para procurar um meio de te matar, e tu para te livrares escondeste a minha roupa, quando fui me banhar no rio, e eu te prometi livrar de todo o perigo se me desses a roupa? Pombo, não te lembras quando meu pai te chamou ao seu palácio para te tirar a vida, e te salvaste por meus conselhos? Não te lembras quando ele te ordenou que fizesses amanhecer seu palácio no meio do mar, e depois que lhe desses conta de um anel que minha mãe tinha perdido também no mar, sob pena de perderes a vida, o que tudo conseguiste por meus conselhos? Não te lembras quando fugimos, para escapar da morte, no cavalo que corria tanto como o vento, e, sendo perseguido por meu pai, nos salvamos por meus encantos? Não te lembras que isto aconteceu por três vezes, que na última nos viramos numa roseira com uma rosa, e uma mamangaba, que tudo fiz para te salvar a vida, e tu ingrato me esqueceste e vais te casar com outra?”

O pombo ia levantando a cabeça à proporção que o rei se ia lembrando do que se tinha passado com ele, e o rei desfez o trato do casamento e recebeu por mulher aquela que o tinha livrado da morte.
= = = = = = = = = = = = =
* Função, no sentido de festa, brincadeira, pagode. [N. do A.]

Fonte:
Sílvio Romero. Contos populares do Brasil. Coleção Acervo Brasileiro vol. 3. Jundiaí/SP: Cadernos do Mundo Inteiro, 2018. Publicado originalmente em 1954.

quinta-feira, 14 de abril de 2022

A. A. de Assis (Jardim de Trovas) 1

 

Dorothy Jansson Moretti (Amigo até debaixo d’água)

Mil novecentos e trinta e dois, em plena Revolução.

Minha família foi uma das poucas que permaneceram na cidade. O pânico geral fazia com que todo mundo a abandonasse.

Apesar dos protestos de Seu Victorino que também não queria sair, a insistência de seu sogro fez com que ele finalmente se decidisse, levando Dona Davina e Odette a refugiar-se no sítio do sogro.

Estava, contrariado. Não conseguia dormir à noite, devido ao ronco dos porcos, e não conseguia suportar o odor que vinha do chiqueirão. Mas em atenção a Seu Emídio, ali estava, firme.

A saúde de Seu Victorino era delicada. Passava às vezes a noite inteira puxando o fôlego em penosas crises de bronquite asmática. E por esse motivo era extremamente cauteloso, não tomava sol, não tomava chuva, nem vento, garoa, sereno...

No terceiro ou quarto dia de sítio, alguém levou-lhe uma notícia: seu amigo Claro Jansson estava doente. Não quis saber de mais nada. Partiu imediatamente em socorro do amigo.

O tempo era de chuvas intermináveis e as estradas eram péssimas. Ele encapotou-se como pôde para empreender a longa caminhada a pé. Ao chegar ao ribeirão, viu que a pinguela que o atravessava havia rodado com a enchente.

Sem hesitar um minuto, Seu Victorino — que não tomava sol, não tomava chuva, nem vento, garoa, sereno — tirou os sapatos, arregaçou as calças e corajosamente enfrentou a correnteza, passando o ribeirão e continuando a penosa jornada até o fim.

Chegando à nossa casa, viu com satisfação que meu pai já estava melhor. Dr. Onofre Di Giacomo, médico veterinário que havia ficado na cidade com a família, e que residia ao lado da farmácia de Seu Victorino, já o havia medicado. Ele arrombara uma das portas da farmácia e de lá tirara os remédios necessários. Meu pai estava fora de perigo, e até brincou com Seu Victorino, fazendo piada por ter sido tratado por um veterinário...

Eram assim as amizades daquele tempo.

Era assim o nosso querido Seu Victorino. Amigo - literalmente — até debaixo d'água!

(Tribuna de Itararé- 25/12/84)

Fonte:
Dorothy Jansson Moretti. Instantâneos. São Paulo: Dialeto, 2012.
Livro enviado pela escritora.

Luiz Carlos Abritta (Álbum de Trovas)


A natureza se vinga
de toda agressão sofrida
e essa revolta respinga
no centro de nossa vida!
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Aos jovens dou um conselho,
nesta vida tão incerta:
não se olhem tanto no espelho
pois Narciso é morte certa!
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Ao teu prazer eu me entrego
- seja lá o que quiseres –
pois te escolhi, eu não nego,
entre todas as mulheres.
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As tuas mãos - que brancura
 - que bonito de se ver,
 pois elas têm a ternura
 dos lírios do amanhecer.
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Busco de novo a verdade
na aspereza dos caminhos,
e só encontro a saudade,
a solidão dos sozinhos!
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Casaste... triste eu sofria,
pois vestiste, bem contente,
a camisola macia
que eu te dera de presente!
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Depois de fazer a ronda,
o galo ficou danado:
a galinha, tão redonda,
quis botar ovo quadrado!
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Desde que tu foste embora,
 tua saudade é açoite
 que já começa na aurora
 e dói mais durante a noite!
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Dessa forma Cristo pensa:
"maior será o perdão
quanto maior for a ofensa".
- Que bela e sábia lição!!
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De todo "não" que me deste,
 o que mais triste me fez
 foi aquele que disseste
 disfarçado num "talvez".
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Do meu verso é sempre a fonte
 essa cidade lendária
 chamada Belo Horizonte,
 a Capital centenária!
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Do simples pó eu procedo,
sei que a ele hei de voltar;
a vida não tem segredo:
é um eterno retornar.
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Em cada nota eu receio,
na pauta que a vida escreve,
que transformem nosso enleio
numa simples semibreve.
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É muito estranho, meu bem,
 o relógio do destino:
 vai de manso, vai e vem,
 depois bate em desatino!
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E se em tupi é “kiri”
e lá na Itália “bambino”,
no sul só falam “guri”:
diabruras de “menino’!
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Essa vitória alcançada
 nos obriga a meditar:
 sem o povo não há nada,
 que verdade singular!
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Eu bem sei que tu me esperas
 e, se te vejo, ao sol-posto,
 projeto um céu de quimeras
 na moldura do teu rosto!
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Eu confesso abertamente,
e disso não me envergonho,
que tu foste, simplesmente,
o amplo portal do meu sonho.
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Eu sei que o belo e a verdade
 caminham juntos na vida
 e atinjo a felicidade
 se a ternura é dividida.
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Eu te agrado, tu me agradas,
e, no doce cativeiro,
sem algemas, sem ciladas,
tu me prendes por inteiro!
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Eu te amo tanto, mas tanto
que já pus num pedestal
toda a glória desse encanto,
que se tornou imortal.
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Eu te digo, com alegria,
e a realidade comprova
que o melhor da poesia
é a beleza de uma trova.
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Eu tenho perseverança
e à tristeza me anteponho:
garimpeiro da esperança,
sempre vivi do meu sonho.
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Foi no tempo da janela
e do namoro à distância
que a vida, muito mais bela,
tinha tão grande importância!
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Jamais eu temo o fracasso
 pois me deste o teu amor
 e a simples força do abraço
 me transforma em vencedor!
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Na magia desse sonho,
 nessa noite calma e pura,
 a sonata que componho
 tem as notas da ternura.
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Não foi perto, nem distante:
o nosso amor, ideal,
nasceu da luz de um instante
e se tornou imortal!
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Não me queres... pouco importa...
Só penso no alvorecer,
pois ele sempre abre a porta
à sedução de viver!
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Nas horas mortas da noite,
sem luar e bem-querer,
tua ausência é puro açoite
que duplica o meu sofrer.
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Na tessitura do sonho,
vou cortar, sem mais tardança,
esse nó górdio que imponho
a um amor sem esperança.
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Navegador solitário,
singrando as águas do mar,
jamais pensa em numerário,
mas conjuga o verbo amar!
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Nem o sofista profundo
esta verdade falseia:
quem se julga rei do mundo
é um pequeno grão de areia!
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Nenhum amor se constrói
só com flores e ternura,
pois aquele que mais dói
certamente é o que mais dura.
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Nessa vereda que é a vida,
vou de tropeço em tropeço,
pois cada nova subida
é sempre um novo começo.
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Nesse exílio que me imponho,
não senti que era miragem
e dos pedaços de sonho
eu recompus tua imagem.
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Nosso amor já teve história
e, por isso, eu te proponho
seja posto na memória
do relicário do sonho.
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Novo estatuto vigora
nas leis do amor hoje em dia:
sei que vale mais o agora
do que a mais bela utopia!
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Numa alquimia de nume,
 à tristeza me anteponho,
 transformando teu perfume
 no perfume do meu sonho!
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O açougueiro viu passando
 a mulher que é só pele e osso
 e disse, a faca afiando:
 "Isso é carne de pescoço".
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Olhando o tempo passar,
no relógio da memória,
eu senti coisa invulgar,
pois revivi nossa história!
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O que conta nessa vida
não é tempo nem idade,
mas a procura renhida
da deusa felicidade.
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O tempo passa depressa
e tão rápido ele flui
que nunca mais recomeça:
– sou a sombra do que fui.
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Quando o cãozinho e o menino
se abraçam por um segundo,
solto o canto peregrino:
- Há salvação para o mundo!
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Quis esquecer-te... não pude:
 a saudade é traiçoeira
 e ela sempre nos ilude,
 pois nos prende a vida inteira!
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Quis retratar um romance
 que fosse mesmo um primor,
 e fiz, com tinta e nuance,
 uma aquarela de amor.
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Sempre foste minha amada
e, no doce cativeiro,
sem algema e sem mais nada,
tu me prendes por inteiro.
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Se não me dás teu carinho,
se não me queres amar,
sou barco triste e sozinho,
que já não quer navegar.
= = = = = = = = = = = = =

Se navegar é preciso
e viver nem tanto assim,
vou partir com teu sorriso,
em busca do mar sem fim!
= = = = = = = = = = = = =

Se todos temos defeitos,
se o mistério vem de Deus,
se nem os bons são perfeitos,
o que dizer dos ateus?
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Somos poeira que a vida
 sempre leva de roldão;
 em sua sanha atrevida,
 ela não vê coração.
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Só se louva a juventude,
porém jamais alguém disse
que só se atinge a virtude
quando se alcança a velhice.
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Tira o véu da hipocrisia,
joga longe esse teu manto,
e verás que a noite fria
se transforma em puro encanto.
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Todos querem sufocar,
 com disfarces atrevidos,
 e sordidez invulgar,
 o grito dos excluídos .
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Tudo ele faz com amor
e traz o céu na bagagem;
na verdade, o trovador
de Deus na Terra é a imagem.
= = = = = = = = = = = = =

Tu partiste... e essa magia
 que deixaste no meu peito
 vai fazer que certo dia
 tu voltes de qualquer jeito.
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Vejo o mar em ondas mansas
- foto de rara beleza -
e, reforçando as lembranças,
um céu chamado Veneza!
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"Veredas, grandes sertões"...
a nossa vida é uma estrada
toda cheia de senões,
do início ao fim da jornada.
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Vou definir a saudade
e não sei se estarei certo:
saudade é aquela vontade
de que o longe fique perto.
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quarta-feira, 13 de abril de 2022

Adega de Versos 77: Carolina Ramos

 

Carlos Leite Ribeiro (Um Banco de Jardim)

O "Tio Paulo", como em todos os dias que o tempo lhe permitia, encontrava-se sentado no seu habitual banco de jardim, a ler o jornal...

- Ó homenzinho, chegue-se um pouco para lá, para eu me poder sentar.

O "Tio Paulo", muito surpreendido, olhou para uma jovem que estava na sua frente e pretendia partilhar consigo aquele banco de jardim.

– É para já, menina ... menina quê ...?.

– O meu nome é Antonieta - respondeu-lhe a jovem desembaraçadamente, e continuou: olhe lá homenzinho, você por acaso não sabe de ninguém que precise de uma empregada?

O "Tio Paulo" voltou a encarar aquela jovem de modos e de expressões descontraídas.

Já meio divertido, respondeu-lhe: – Olhe lá menina, ou não sou nenhum homenzinho - ouviu?

– Ah, não?!... pois olhe que eu estava convencida que era!

Pelos vistos, a resposta fácil estava sempre na ponta da língua da jovem.

– O meu nome é Paulo, mas também me chamam "tio".

E ele a dar-lhe!

– Olhe, se você é "tio" eu não sou sua sobrinha - ouviu?!

Pela máscara facial, Antonieta notou que o velhote não tinha ficado nada agradado por aquilo que ela lhe tinha dito. Para suavizar a situação, a jovem perguntou ao "tio Paulo":

– Senhor Paulo, quer comer da minha merenda? ... é chouriço e queijo que me mandaram lá da minha terra, no Minho.

– Muito obrigado, menina Antonieta. Que lhe faça bom proveito !

E já mais bem disposto, o "Tio Paulo" continuou: – A propósito, a Antonieta não tem emprego?

A jovem encarou o bondoso velhote e, com tristeza respondeu-lhe:

– Presentemente não. Vim do Minho para trabalhar numa casa, mas o patrão era muito abusador. Mais parecia um polvo do que um homem. Chateei-me e dei-lhe uma "toutiçada" na cabeça e com uma mocada, deitei-lhe uma asa abaixo. Resultado, fui despedida.

O "Tio Paulo" começou também a viver o drama da jovem.

– Olhe lá, Antonieta, então você não tem casa onde ficar enquanto não conseguir arranjar outro emprego?

– Pois não tenho. Esta noite terei que ficar a dormir neste banco. - disse-lhe a jovem.

O ancião olhou para ela horrorizado, e avisou-a:  – Tenha juízo, menina, pois é muito perigoso ficar aqui sozinha de noite!

– Eu não tenho medo e além disso, sei defender-me! - atalhou logo a jovem.

Mas o "Tio Paulo" não se deu por vencido e continuou: – Antonieta, eu moro sozinho, sou viúvo e os meus filhos estão casados e não moram cá. Se quiser podia ir para minha casa.

Não pôde terminar a frase, pois logo a jovem retorquiu-lhe:

– Mas você pensa que eu queria ir para sua casa?!... Você deve estar a pensar que eu sou....

Ao ouvir isto, o bom velhote "atirou-se" ao ar...

– Olhe, que eu não estou a pensar em ser um "polvo" como você diz que era o seu antigo patrão. Ofereço-lhe a minha casa, em troca de... de, por exemplo, de você arrumar a minha casa e de passar-me a roupa a ferro - valeu?!

A jovem hesitou, mas por fim acedeu ao amável convite do bom velhote.

– Está bem, aceito. Mas o "Tio Paulo" terá de tomar banho todos os dias, pois esses pés... (que cheiro!) e tem de deixar andar agarrado a essa bengala.

E lá foram os dois. Curiosamente, o "Tio Paulo" já não se apoiou na bengala para poder andar.

Angela Togeiro (Poemas Escolhidos)

DO SER POETA...


Ser poeta
É caminhar nos extremos,
do riso à lágrima, do amor ao ódio
galgando a plenitude efêmera da palavra.
É ter o verbo que alimenta o outro
sem sequer se alimentar primeiro,
é consolar e nunca se sentir consolado.
É dormir sobre espinhos e ver brilhar as estrelas
num céu onde lidera o sol. Inverter a natureza.
É invejar-se por ser tão insatisfeito
sentir-se total neste desconforto,
matéria do seu pulsar.
É orgulhar-se de se sentir mediador
ao cantar do mundo
os seus mandos e desmandos.
É ter gula de absorver dores não sentidas
os sonhos não sonhados. As perdas não havidas.
É ter preguiça de olhar para fora de si
e sofrer o não sofrido.
A luxúria dos amores não vividos
e gozar o não sabido.
É viver a ira, socar o vento
quando impotente de tocar o falso
e torná-lo verdadeiro.
É ter a avareza de poder tomar da palavra
fazê-la sua num verso único
perdido das letras, fugido dos dicionários,
vergonha às vezes das gramáticas.
Ser poeta é viver de eterna penitência
transitar nos vales sombrios dos pecados capitais,
nos sabidos e nos ocultos
nas prisões da alma, e
tantas vezes morrer-se em pecado e graça
e renascer na esperança,
somente porque se sente um ser...
ser poeta... o que vive o além e o aquém da Paz
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ESSA...

Essa que me cuida sempre à noitinha,
Toma e relaxa meu corpo cansado,
Faz tranquilo o meu sono de soldado,
O que chega ao ninho feito andorinha.

Essa que vai comigo e que me aninha
Se de guerra falam em qualquer lado,
Cura a dor do meu peito desolado,
Põe nele a esperança que a tudo alinha.

Essa por todos é capaz de tudo.
É a que põe luz nas trevas; sobretudo,
Brilha no sonho que mais nos apraz.

Essa vive de amor, toda ternura,
Essa que se augura, que se procura,
É essa que se oferece ao mundo: a Paz.
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MULHER

Sou mulher,
sou todas as mulheres:
sou Afrodite, Amélia, Angela, Eva, Diana, Joana,
Madalena, Maria, Raquel, Rita, Sara,
Salomé, Tereza, Vênus, Zênite...
Tenho na genética
a herança dos tempos,
que me dá todos os nomes,
que me tira todos os nomes,
quando me desdobro em outra mulher.
Nasci em todas as raças,
tenho todas as cores puras e miscigenadas.
Pratico todos os credos.
Nasci em todos os cantos deste planeta.
Vivi em todas as eras.
Registrei meus gritos em todos os rincões,
mesmo se expulsos da alma
no mais profundo silêncio.
Vim de todos os lugares,
nasci em berço de ouro, em choupana,
na rua, nas matas, hospitais, templos...
Fui vestida, fui enrolada,
despida, jogada.
Gerada num útero que me amou,
ou num que me recusou.
Pouco importa, se rica ou pobre,
se esculpida no Belo ou no Feio,
preciso cumprir meu destino,
meu destino de Mulher.
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NASCER DE UM POEMA

Olho a folha branca,
vazia,
querendo um poema.
Olho a caneta,
com tinta
azul? vermelha? preta?
Olho a lapiseira. A borracha.
Uma inquietação me domina,
quero, preciso de um poema meu
nascendo sobre este papel branco...
feito de árvores mortas...
Escuto o meu silêncio...
Dentro de mim há um livro,
um livro de poemas
como este,
que espera o momento sideral
de conjunturas numerais,
espirituais, cabalísticas
de que não entendo nada,
para vir a lume.

Sorvem de mim
a alma,
e no papel
parecem libertados.
Tento em vão fechar meu livro
prender meu poema.

É tarde,
outro poema já está a caminho.
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POESIA DE VIVER

O viver é uma inédita poesia
Que cada ser escreverá ao nascer.
O parto, o verso puro então seria,
À dor, o prazer faz desaparecer.

Na infância do José ou na da Maria
Há alegrias, dores. Crer e querer
Ser sol, ser lua, ser amor, e o poder
Dá à juventude uma aura de magia.

Nos tropeços e acertos haveria
Combinar os sentimentos, perceber
Que o ódio é noite escura e o amor é dia

Que tudo rima e gira em torno do Ser.
E o poeta imitando a vida se inspira,
Escreve poemas que sente viver!

Silmar Böhrer (Croniquinha) 51

Domingo, tarde amena, sol radioso, saio a caminhar. Aos costumes de duas décadas, a arrecova leva os ingredientes do andar nosso de cada dia - papel, caneta e celular para fotos.

O trecho e o imaginário têm nuances, tonalidades, cores há tempo conhecidas na constância dos andares por estas veredas. Mas de vez em quando o constante muda alguma coisa, como acontece no mês de março.

Mudança de estação. O calorão passou, flores murcharam, o ambiente colorido do verão dá margem a novos matizes, folhas caem, outros frutos surgem.

Assim é que no caminho da bica d'água fui surpreendido e presenteado com os primeiros pinhões deste ano. E vieram bem cedo. E já maduros. E pus-me a juntar a boa-nova, os quarenta e oito pinhões que despencaram dá pinha lá no alto. Escurinhos. No ponto.

Noitinha já quando sementes da araucária foram para a chapa quente, satisfazendo os primeiros desejos de uma sapecada, aquela que traz de novo a culinária tradicional do sul para as casas, os ranchos do interior, as sapecadas com grimpas junto aos pinheiros.

Nem precisamos comentar que é sempre delicioso um pinhão com sabores e odores de cinza, fumaça e carvãozinho no local da colheita.

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Sammis Reachers (A pouca valentia de Anésio)

O hoje motorista Carlos Pompeu era então cobrador, trabalhava na linha 62, na parte da tarde, tendo por parceiro o motorista Anésio. Anésio, por sua vez, era um grande zoador.

Certa feita, tarde da noite, eis que dá sinal para o ônibus uma moça aparentemente muito bonita. Mas, ao encostar o veículo para o embarque, Anésio percebe que aquela moça não tinha selo de originalidade...

A roleta era na parte de trás, Anésio, que nunca perdia a chance de sacanear o cobrador, não perdoou e lá da frente foi logo zoando o Carlos, rapaz tranquilo e pacato:

- Aêê, hein, Carlos, ganhou pra hoje!!! Já não vai perder de zero!!!
 
Carlos ficou muito sem graça. Mas a menina, na verdade um enorme travesti, percebeu que a zoação envolvia a sua distinta pessoa.

- O que ele está dizendo lá? - perguntou.

-Acho que ele tá dizendo que eu vou ficar com você...

- Ah, é, né, ele então é o espertão...

Dito isto, a 'menina' foi lá para a frente, sentou-se próxima ao    motorista e se espreguiçou no banco, fingindo dormir.

Anésio olhou pelo retrovisor, e viu a figura aparentemente dormindo. Era a chance de ele continuar a zoar.

- Como é que é Carlos, levanta daí. Sente-se ao lado da moça, rapaz. Seja macho! Vem dar um beijinho nela, cê tá solteiro mesmo...

De repente, a 'moça' se endireitou no banco, e olhou fixamente para o espelho central do carro, olhos nos olhos de Anésio. Só então que o sacana do piloto reparou que a menina era bem grande, e tinha ombros largos e braços grossos.

O ponto da moçona descer se aproximava, e ela levantou-se. Chegou ao lado de Anésio e falou com uma até ali insuspeita voz grossa e rouca:

- Seu velho babaca, o que você estava falando de mim aí?

- Eu? Eu nada... Só disse que o cobrador precisava de uma namorada...

- E porque você não namora ele, seu babaca?!!

- Ei, olha como você fala comigo, hein! Tá me faltando com o respeito!!!

- Respeito é o caramba! Onde estava seu respeito quando eu subi no ônibus? Levanta daí desse banco que eu vou te mostrar meu respeito!

- O quê, o quê???!!! Tá me chamando pra porrada? Se eu levantar eu arrebento contigo!!!

- Então levanta, seu babaca!!!

Nesse ponto, o pacato (e perdoador) Pompeu já havia se levantado e ido até a frente, para apartar as duas 'meninas'. O ônibus parou, e por fim o travesti maior desceu no seu ponto.

Num momento de rara sinceridade, Anésio olhou para seu parceiro e falou:

- Sabe Carlinhos, que bom que você não deixou eu brigar com aquele traveco. Eu estava reparando o tamanho dele daqui, e se eu entrasse numa acho que ia é entrar na porrada! Com aquele tamanho e aquele bração, ela ia bater em mim e em você!!!

- Eêê, para! Em mim não, cara-pálida, o espertão aqui é você. Agora, veja que coisa! O zoador deu mole, o valentão do volante amarelou para um traveco, imagine o que a galera vai dizer...

- Qué isso, Pompeu, faz isso não, cara, sabe que somos amigos e tudo aqui é na brincadeira...

- Pois se você me fizer passar vergonha só mais uma vez, eu vou explanar a sua amarelada pr'aquela boneca...

E, enquanto durou aquela simpática dupla, nunca mais o valente e zoador Anésio sacaneou o pacato Carlos…

Fonte:
Ron Letta (Sammis Reachers). Rodorisos: histórias hilariantes do dia-a-dia dos Rodoviários.
São Gonçalo: Ed. do Autor, 2021.
Livro enviado pelo autor.

terça-feira, 12 de abril de 2022

Versejando 108

 

Carlos Drummond de Andrade (Trem de Contos) Vagões 56 , 57 e 58


A MUDANÇA


O homem voltou à terra natal e achou tudo mudado. Até a igreja mudara de lugar. Os moradores pareciam ter trocado de nacionalidade, falavam língua incompreensível. O clima também era diferente.

A custo, depois de percorrer avenidas estranhas, que se perdiam no horizonte, topou com um cachorro que também vagava, inquieto, em busca de alguma coisa. Era um velhíssimo animal sem trato, que parou à sua frente.

Os dois se reconheceram: o cão Piloto e seu dono. Ao deixar a cidade, o homem abandonara Piloto, dizendo que voltaria em breve, e nunca mais voltou. O animal inconformado procurava-o por toda parte. E conservava uma identidade que talvez só os cães consigam manter, na Terra mutante.

Piloto farejou longamente o homem, sem abanar o rabo. O homem não se animou a acariciá-lo. Depois, o cão virou as costas e saiu sem destino. O homem pensou em chamá-lo, mas desistiu. Afinal, reconheceu que ele próprio tinha mudado, ou que talvez só ele mudara, e a cidade era a mesma, vista por olhos que tinham esquecido a arte de Ver.
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ANDORINHAS DE ATENAS

As andorinhas de Atenas são descendentes em linha direta daquelas que viviam no tempo de Anacreonte e que pousavam no ombro do poeta quando ele libava nas tavernas.

Esta informação, ministrada ao turista pelo guia, não mereceu crédito. Anacreonte (ponderou o visitante) não era de frequentar tavernas. Sentava-se à mesa dos poderosos e gozava de alta cotação social.

O guia não se impressionou com os conhecimentos biográficos:

— Pois olhe. Essas andorinhas foram trazidas de Samos pelo próprio Anacreonte, que por sinal selecionava as mais gordinhas para almoço. Era doido por andorinha no espeto.

— Como pode saber disto? — objetou o turista.

— Bem se vê que o senhor não conhece a Antologia palatina.

— Conheço-a, foi objeto da minha tese de mestrado, e não vi no texto uma linha que conte essa fábula.

— Meu caro senhor, peço licença para me retirar. Quem não acredita nas minhas histórias dificilmente levará uma boa impressão de Atenas.

E afastou-se com a maior dignidade.
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A NOITE

Há tantas coisas germinando na noite, que nem sei como enumerá-las. À noite nascem as revoluções, tanto as que vão triunfar como as que só se realizam em pensamento, e são quase todas. Os revolucionários viram-se, inquietos, na cama. E também os que se converterão, pela manhã, a religiões novas. E os amorosos. Análises emocionais levadas ao extremo da tortura arrastam-se pelas horas lentas da noite. Como a noite é rica! A noite é o tempo de não dormir; é o de velar e procurar; de criar mundos.

Demétrio quis prolongar a noite obturando todas as frestas do quarto, para que não entrasse a luz. Luz não entrou. Demétrio gozou da noite plena, continuada, e todos os pensamentos lhe floresciam. Construiu sistemas filosóficos. A escuridão era propícia a teorias políticas. Nenhum crítico foi mais perspicaz do que Demétrio, na literatura e nas artes. Aquela noite era fantástica. Demétrio quis experimentar as sensações de horror, êxtase, humilhação, glória, poder e morte. Morreu, mesmo, no escuro. Tendo sentido a morte em seu interior físico, não pôde mais tirá-la de si. É o único morto, conscientemente morto, de que já ouvi falar nesta vida. A noite é Fantástica.

Fonte:
Carlos Drummond de Andrade. Contos plausíveis. Publicado em 1981.

Filemon Martins (Escadas de Trovas) II

FELICIDADE


NO TOPO:
"Felicidade não é
Despejada como o vinho,
Vem de dentro, como a fé,
Pondo flores no caminho..."

Carlos Ribeiro Rocha
Ipupiara/BA, 1923 – 2011, Salvador/BA


SUBINDO:

"Pondo flores no caminho"
o Amor presente se faz
e mesmo estando sozinho
planta a semente da Paz.

"Vem de dentro, como a fé"
em silêncio, ela aparece,
é preciso estar de pé
que a bondade vem, floresce.

"Despejada como o vinho"
a Verdade humildemente
traz a Luz e de mansinho
ilumina a nossa mente.

"Felicidade não é"
impossível a ninguém,
é tão simples, pode até
ser a prática do Bem.
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MÃE    

NO TOPO:
Minha mãe - como eu quisera
do meu amor dar-te prova,
e o meu carinho - pudera
enviar-te numa Trova.
Filemon F. Martins
São Paulo/SP


SUBINDO:

Enviar-te numa Trova
toda esta minha paixão,
pois meu amor se renova
quando beijo tua mão.

E o meu carinho - pudera
dar-te sempre de presente,
qual eterna primavera
que faz a vida contente.

Do meu amor dar-te prova
nesta profunda saudade,
pois hoje na vida nova
já tens luz, felicidade!

Minha mãe - como eu quisera
falar-te do meu amor
Tua ausência é longa espera
que aumenta mais minha dor
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SAUDADE

NO TOPO:
A distância é que nos mata
porque vem logo a saudade;
saudade - presença ingrata
de antiga felicidade.

Filemon F. Martins
São Paulo/SP


SUBINDO:
De antiga felicidade

que o tempo tentou levar,
meu coração tem vontade
de outra vez recomeçar.
    
Saudade - presença ingrata
que no coração perdura,
minha imagem não retrata
0 meu viver de amargura.

Porque vem logo a saudade
morar em meu peito agora?
Antes que tudo se acabe
quero ver a luz da aurora.

A distância é que nos mata
e o castigo tem sabor:
- quanto mais forte a chibata,
mais aumenta o nosso amor.
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SERTÃO

NO TOPO:
"No Sertão é tanta paz
Que eu chego a ouvir, da soleira,
O esforço que o vento faz
Tentando abrira porteira".

José Ouverney
Pindamonhangaba/SP

SUBINDO:

"Tentando abrir a porteira"
que prende meus velhos sonhos,
ouço a saudade matreira
falando em dias risonhos.

"O esforço que o vento faz"
farfalhando no telhado
dá-me a sensação de paz
que ficou !á no passado.

"Que eu chego a ouvir, da soleira,"
uma canção de ternura
que a brisa sopra, ligeira,
tangendo a doce ventura,

"No Sertão é tanta paz"
e a vida para, intrigante,
que o coração é capaz
de sorrir, mesmo distante.
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SONHO

NO TOPO:
"Naquele dia, tristonho,
Pousaste os olhos nos meus:
- Vivi na tarde do sonho,
Morri na noite do adeus!"

Maria Thereza Cavalheiro
São Paulo/SP , 1929 – 2018

SUBINDO:

"Morri na noite do adeus"
quando de casa, saíste,
meu sofrimento só Deus
sabe que ainda persiste.

"Vivi na tarde do sonho"
quando entraste em minha vida,
tornei-me um homem risonho,
mas, chorei na despedida.

"Pousaste os olhos nos meus"
dando-me luz e esperança,
quase fui um semideus
e sorri como criança.

"Naquele dia, tristonho"
como doeu, ao saber,
que foste embora, suponho,
por deixar de me querer.

Fonte:
Filemon F. Martins. Sonetos & Trovas. RJ: Câmara Brasileira de Jovens Escritores, 2014. 
Livro enviado pelo autor.

segunda-feira, 11 de abril de 2022

Daniel Maurício (Poética) 28

 

Baú de Trovas XLVI


Pôr do sol, campos desertos,
e o pinheiro então parece
estar de braços abertos
a sussurrar uma prece ...
Adílson de Paula
Joaquim Távora/PR

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Senti, no suave cheiro
que o vento me trouxe agora,
que o vento passou primeiro
pela rua onde ela mora!
Arlindo Tadeu Hagen
Juiz de Fora/MG

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Quando a noite se desata
e o véu de sombras descerra,
a lua derrama prata
sobre as misérias da terra.
Carolina Ramos
Santos/SP

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Diz um fantasma ao colega:
Hoje, a moda é dadivosa
lençol branco, como é brega,
chique mesmo é ... cor de rosa!
Dirce Davenia Guayato
Londrina/PR

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Torno os meus dias risonhos,
apesar da alma sofrida,
sendo alpinista de sonhos
pelas montanhas da vida!...
Edmar Japiassú Maia
Nova Friburgo/RJ

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A página amarelada
de um álbum, quase esquecido,
tem a lembrança velada...
De tanto tempo perdido.
Elisa Alderani
Ribeirão Preto/SP

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O sol que é fonte de luz
e dá vida à plantação,
se torna calvário e cruz
quando seca o meu sertão!
Eugênio Carvalho Jr.
João Pessoa/PB

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Quando o sol, em tons vermelhos,
se põe em lenta agonia,
põe-se a tarde de joelhos,
chorando a morte do dia.
Ferreira Nobre
Fortaleza/CE

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Esta saudade me deixa
sozinho na contramão.
Meu coração já se queixa
de viver na solidão.
Filemon Francisco Martins
São Paulo/SP

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A ponte é sempre quem liga
as margens, fazendo o bem!
Que nesta vida eu consiga
ser uma ponte também!…
Harley Clóvis Stocchero
Almirante Tamandaré/PR, 1926 – 2005

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Dobrando esquinas a esmo,
correndo ruas sem fim,
eu vou buscando a mim mesmo,
perdido dentro de mim...
Izo Goldman  
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP    

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Amor, dádiva Divina,
semente humilde e perfeita;
a luz que nos ilumina
pela caminhada estreita.
João Batista Xavier Oliveira.
Bauru/SP

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Em pleno outono do adeus
nesse meu céu tão tristonho,
fazei surgir, ó bom Deus,
a lua cheia do sonho!
José Valdez de Castro Moura
Pindamonhangaba/SP

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É na surdina, eu suponho,
juntinho à mulher querida,
que a vida se torna sonho
e o sonho se torna vida.
Julimar Andrade Vieira
Aracajú/SE

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Cada trova que concebo
- e que tanto te extasia -
é nova taça que bebo
na fonte da fantasia!
Lacy José Raymundi
Garibaldi/RS

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Nossos pinheiros, brilhantes,
sobre a serra e em meio ao ar,
lembram taças borbulhantes
fazendo um brinde ao luar!
Lucilia Alzira Trindade Decarli
Bandeirantes/PR

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Espera…! Que eu te proponho,
pois a ausência é triste sina:
- Sê a musa do meu sonho,
que o meu sonho não termina…!
Mara Melinni Garcia
Caicó/RN

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Cativa dos teus encantos,
a saudade traiçoeira
pôs em meus olhos mais prantos
que as águas da cachoeira!
Maria Lúcia Daloce
Bandeirantes/PR

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O que dói, às vezes sara.
O que sara, não castiga.
A ponte que nos separa
pode ser a que nos liga.
Miguel Russowsky  
Santa Maria/RS ,1923 – 2009, Joaçaba/SC  
 
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A saudade, de mansinho,
sorrateira... vai chegando
sempre que vê no caminho
um lenço branco acenando...
Milton S. Souza   
Porto Alegre/RS, 1945 – 2018, Cachoeirinha/RS

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Neste abraço em que te aperto,
com a beatitude de um monge,
sinto meu amor tão perto...
Minha esperança tão longe!
Nilton da Costa Teixeira  
Monte Alto/SP, 1920 – 1983, Ribeirão Preto/SP

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Meu coração suburbano
tu conheces muito bem!
Tem muito do amor humano
que preenche o teu também!
Paulo Roberto Oliveira Caruso
Rio de Janeiro/RJ

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Busquei no universo um dia,
uma resposta eficaz;
que transformasse a poesia
num hino de amor e paz!!!
Professor Garcia
Caicó/RN

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Ao te encontrar, velha agenda,
lá no fundo da gaveta,
meu passado se desvenda...
És a minha “caixa-preta”!
Renato Alves
Rio de Janeiro/RJ

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Escrevo, reluto... E assim
da tristeza eu vou fugindo.
O escritor que habita em mim
me ensina a sofrer sorrindo.
Rita M. Mourão
Ribeirão Preto/SP

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Por dentro, a dor que não diz;
no rosto, um sorriso aberto;
quem demonstra ser feliz,
tem sempre amigos por perto!
Selma Patti Spinelli
São Paulo/SP

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Chove há hora... Choro tanto...
Eu e o céu somos iguais...
- Cada qual vertendo um pranto,
já nem sei quem chora mais!...
Sérgio Bernardo
Nova Friburgo/RJ

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Ubiratã*, você traz
entre as suas tradições,
a vocação para a paz
vinda de antigas nações.
Sinclair Pozza Casemiro
Campo Mourão/PR

* Para a cidade de Ubiratã, interior do Paraná.
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Minhas flores na varanda
guardaram beijos do vento.
Seu perfume de lavanda
desfolhou meu pensamento.
Solange Colombara
São Paulo/SP

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A montanha neblinada,
quando foge à nossa vista,
é a natureza enciumada
que esconde o quadro do artista.
Tharcílio Gomes de Macedo
Taubaté/SP

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Hoje, há desdém em teu riso
e desamor em teus atos!...
E em busca do teu sorriso,
procuro velhos retratos!
Therezinha Dieguez Brisolla
São Paulo/SP

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Navegamos todos nós
em água desconhecida,
sem conhecermos a foz
da imensa fonte da vida...
Vanda Fagundes Queiroz
Curitiba/PR