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sábado, 28 de abril de 2018
Antonio Florêncio Ferreira (Livro D’Ouro da Poesia Portuguesa vol.1) II
IX
Deixa-me num frágil barco
Nas vagas de iroso mar,
Uma vez que nelas ouça,
Mesmo ao longe, o teu cantar!
Lancem-me na horrenda chama
Da cratera d'um vulcão,
Uma vez que assim o indique
Tua nivea, linda mão!
O morrer por ti é vida;
Que importa viver sem ti?...
Nem sequer um ai sonhaste,
Quando em tantos me exaurí!
X
Qual viajante nos desertos,
Que nunca a sede perdeu,
Encontrar em vão procuro
Amor que se iguale ao meu!
XI
Dize que seja ao sol-posto
Que me devem enterrar,
Para do sol e das aves
A despedida aceitar.
Quero guardar bem guardados
Esses mimos de ternura,
E dar-t'os quando gelada
Baixares á sepultura.
XII
Em horas tristes minh'alma
Vai ao encontro da tua,
Qual noturno caminhante
Ansioso da luz da lua.
E fico não sei que tempos
A teu lado, sem saber
Se nessa vida é que existo,
Se na que torno a volver!
XIII
O que for da nossa índole
Não se pode aniquilar;
Digam às rolas que matem,
Aos lobos que vão rolar...
Consegue-se por semanas
Á inexperiência mentir,
Mas, ou mais cedo, ou mais tarde,
Bom, ou mau, tem de surgir.
XIV
Tlim, tlim, tlim, tlim, tlim! – Quem bate?
-«O Amor.» -Que pretende? -«Entrar.»
– Vá-se embora! – «Então é gelo
O que a tantos vai queimar?...»
XV
Ai Coimbra, ó minha terra,
Não me encantas! Salgueiral,
Estas veias do Mondego,
Tempos idos, nada val'...
Meu coração está longe,
Oh! muito longe d'aqui!
Ela, tão distante, vejo-a!
Olho, e sempre a vejo a si!
XVI
Meu Amor, estás dormindo,
Não te quero despertar...
Ha de ser devagarinho
Que trovas te vou soltar.
De musgo, lírios e rosas
Uma cama irei fazer;
De jasmins e de saudades
O travesseiro há de ser.
Quero que vejas nos sonhos,
Lindos, belos, perfumados,
Os meus olhos, da vigília,
Tristes, lânguidos, magoados...
XVII
Como são belos os campos
Com esta luz verde e ouro!
Que namorados gorjeios!
E de frutos, que tesouro!
O que me trouxe indeciso,
O que me faz vacilar,
É se do sol se douraram,
Se tu que os foste enfeitar!
XVIII
Sinto por vezes morderem-me
Remorsos...– visão pungente!
Ditoso de quem for justo!
Feliz do que não os sente!
Mas nunca tive nem ódios,
Nem invejas, nem rancores!
Remorso é de arrependidos,
Do inferno aqueles horrores!
XIX
Teus beijos são diferentes
Dos que costumo trocar:
Falam, suspiram, seduzem,
Querem minh'alma arrancar!
São demorados, contínuos;
Encerram tanta doçura,
Que me parece abrangerem
Dos anjos toda a ternura!
XX
Quando, saído o meu catre,
Fui contemplar o portal
Da residência que logras,
Supus ver lá um rival.
Antes das feras as garras,
Condenado, morto, emfim,
Que imaginar que te roubam,
Que te separam de mim!
XXI
A noite! a noite!... as estrelas!...
Foi o sol que se escondeu,
Ou teu corpo, exceto os olhos,
Que num manto se envolveu?
XXII
Afirmas ser meu amigo;
D'aquele, que não és tal...
Achas bem o que pratico,
Do que faz me dizes mal.
Reunidos, todos o bajulas,
Pelas mãos metes os pés...
Leve o "demo" tais amigos,
Amigos como tu és!
XXIII
Olha aquela pobrezinha;
Coitada! chorosa vem!
Pede esmola... dão-lh'a, alegra-se,
Talvez pensando n'alguém!
Se me faltasses, não via
Nenhuma esp'rança luzir!
Tinha inveja da mendiga,
Não mais tornava a sorrir!
XXIV
Leva o amor ao sacrifício,
Mas – firmeza – é de amizade;
Não gostava d'este acerto
No vigor da mocidade...
XXV
Já reparaste que entramos,
Todos, no mundo a chorar?
D'ele também não saimos
Sem um suspiro exalar!
Choramos o apartamento
Do ventre de nossa mãe...
Suspiramos pelas glórias
Que outra vida em si contem!
Fonte:
Antonio Florencio Ferreira. Trovas: canções de amor.
Lisboa: Imprensa de Libanio Silva, 1906
Olivaldo Júnior (Três Microcontos sobre Ilusão Amorosa)
FLOR DE LARANJEIRA
Maria tinha vinte e cinco anos de idade e morava na roça, num velho ranchinho, à beira de Deus. Seu destino era o altar. Não, não era ser santa, mas noiva. Sonhava com isso.
José não sabia de nada a não ser capinar e sonhar com sua noiva, a Maria. Homem bom, mandava ver no trabalho, para ver se juntava o suficiente para começar a vida em paz.
Faltavam três dias para o segundo grande dia na vida de Maria e José. A igreja, tomada de flor de laranjeira, não sabia de nada. José caiu no mundo com Rosa e sem Maria.
A ESTRELA D'ALVA
Cristiano era um fã incondicional de histórias de ficção científica. Sonhava em ser astronauta desde sempre. Hoje, em época de pré-vestibular, não sabe bem o que quer ser.
Nosso amigo, na verdade, era mesmo um fã incondicional das estrelas. De uma delas, em especial, a primeira que vemos mal cai o sol e sobe a lua: a tão cantada estrela d'alva!
Formar-se em Astronomia parecia um salto concreto demais para um amor tão abstrato quanto o seu pela estrela vésper. Decidiu-se por Letras. Da d'alva, ele fará poesia.
O CRAVO E A ROSA
Era um homem sem rosa que o quisesse afagar. Sabia que quase toda rosa tem espinhos, mas era homem e não se importava em quebrar o pote para ter o mel. Era firme.
A rosa daquele homem não havia chegado. Talvez já tivesse nascido, mas ele não sabia onde. Olhava de esguelho pelas ruas enquanto fingia ter apenas um rumo: a solidão.
Um dia, embaixo de uma velha laranjeira, já de noite, viu um pé de cravo solitário e triste como ele. Num átimo, roubou um pé de rosa do lado e o plantou juntinho do cravo!...
Fonte:
O Autor
Neida Rocha (Lançamento do Projeto Sacola Literária sobre Rodas 30 de Abril)
A Câmara Literária de Pomerode – CLiP lança mais um projeto de incentivo à leitura, seguindo um dos parâmetros do Plano Nacional do Livro, Leitura e Literatura (PNLL) que é a democratização de acesso aos livros.
Temos hoje uma árida realidade em termos de leitura no cenário nacional, pois segundo o PNLL, 2007, em 2007, a média anual de leitura do brasileiro era de 1,8 livro per capita.
Para que possamos mudar essa realidade, é necessário aproximar a literatura dos leitores em potencial.
O PROJETO SACOLA LITERÁRIA SOBRE RODAS propõe a exposição de livros dos Escritores Andrea Gustmann Gomes, Cícero Pedro de Melo e Neida Rocha, vinculados à Câmara Literária de Pomerode – CLiP e outros autores, para os usuários da Empresa Volkmann, através do empréstimo desses livros nos coletivos da linha Pomerode/Blumenau/Pomerode, para leitura durante o trajeto da viagem.
Os passageiros poderão levar emprestados os livros e após a leitura dos mesmos, devolverão à bolsa, para que outros leitores tenham acesso a eles.
O lançamento do projeto acontecerá dia 30 de abril, às 15:00 horas, no pátio da Empresa Volkmann, com a colocação das sacolas nos coletivos que fazem a linha Pomerode/Blumenau/Pomerode.
Ao todo serão 14 (quatorze) ônibus que fazem o trajeto cerca de 50 (cinquenta) vezes ao dia.
A viabilização do projeto realizou-se com a parceria de empresas privadas do município e com doação de livros por parte da comunidade, no espaço disponível no Supermercado Mocam, da Rede Top.
Câmara Literária de Pomerode - CLiP
Neida Rocha, IWA
(47)99227-2202
Pomerode/SC
www.neidarocha.com.br
Fonte:
Neida Rocha
sexta-feira, 27 de abril de 2018
Gislaine Canales (Glosando Delcy Canalles) III
BOM DIA MANHÃ!
MOTE:
Quando a manhã vem surgindo,
no horizonte e diz: Bom-Dia,
minha alma fica sorrindo
e se desdobra em poesia!
(Delcy Canalles)
GLOSA:
Quando a manhã vem surgindo,
com aquele sol tão dourado,
a noite escura fugindo
vai se ocultar do outro lado!
E a manhã nasce triunfante
no horizonte e diz: Bom-Dia,
um Bom-Dia, tão galante
que nos enche de alegria!
Vejo um sorriso cobrindo
esta minha solidão,
minha alma fica sorrindo
toda cheia de emoção!
Nessa manhã deslumbrante
que acorda minha utopia,
minha alma explode radiante
e se desdobra em poesia!
__________________
BUENOS AIRES
MOTE:
Sinto os dias mais risonhos,
pois te vi, como queria,
Buenos Aires dos meus sonhos,
dos tangos e da poesia!
(Delcy Canalles)
GLOSA:
Sinto os dias mais risonhos.
Eu estou realizada!
Adeus, ó dias tristonhos,
vos tirei de minha estrada!
Buenos Aires, mais te adoro,
pois te vi, como queria,
qual um pássaro canoro
transbordante de alegria!
Vivi dias entressonhos
que marcaram minha vida,
Buenos Aires dos meus sonhos,
jamais serás esquecida!
A tua hospitalidade
recordarei, cada dia,
minha querida cidade
dos tangos e da poesia!
________________________
CALENDÁRIO...
MOTE:
Procura contar teus dias
só pelas horas douradas
e colherás alegrias,
em vez de nuvens pesadas!
(Delcy Canalles)
GLOSA:
Procura contar teus dias
pelos momentos de paz.
Esquecendo as nostalgias,
só ventura, encontrarás!
Faze, então, teu calendário
só pelas horas douradas
e comporás um rosário
de "continhas"encantadas!
Viver num mar de poesias
te dará muita emoção,
e colherás alegrias,
se plantares afeição!
E no teu céu multicor,
vivenciarás alvoradas.
Terás um ninho de amor
em vez de nuvens pesadas.
___________________________
CAVALGANDO A ILUSÃO ..
MOTE:
Cheguei tropeando a magia,
vim cavalgando a ilusão,
e "apeei" com galhardia,
nos campos do coração!
(Delcy Canalles)
GLOSA:
Cheguei tropeando a magia,
com laços de faz-de-conta
e enlacei minha alegria
a cada nova reponta!
No meu sonho incontrolado
vim cavalgando a ilusão;
tristezas, deixei de lado,
para viver de paixão!
Galopando noite e dia
eu cheguei ao paraíso
e "apeei" com galhardia,
entre muita festa e riso!
Feliz e realizada,
cheia de amor e emoção,
fiz minha nova morada
nos campos do coração!
Fonte:
Gislaine Canales glosando Delcy Canalles. In Carlos Leite Ribeiro
Artur de Azevedo (A "Não - me - Toques")
I
Passavam-se os anos, e Antonieta ia ficando para tia, - não que lhe faltassem candidatos, mas - infeliz moça! - naquela capital de província não havia um homem, um só, que ela considerasse digno de ser seu marido.
Ao Comendador Costa começavam a inquietar seriamente as exigências da filha, que repelira, já, com desdenhosos muxoxos, uma boa dúzia de pretendentes cobiçados pelas principais donzelas da cidade. Nenhuma destas se casou com rapaz que não fosse primeiramente enjeitado pela altiva Antonieta.
- Que diabo! dizia o comendador à sua mulher, D. Guilhermina, - estou vendo que será preciso encomendar-lhe um príncipe!
- Ou então, acrescentava D. Guilhermina, esperar que algum estrangeiro ilustre, de passagem nesta cidade.
- Está você bem arranjada! Em quarenta anos que aqui estou, só dois estrangeiros ilustres cá têm vindo: o Agassiz e o Herman.
Entretanto, eram os pais os culpados daquele orgulho indomável. Suficientemente ricos tinham dado à filha uma educação de fidalga, habituando-a desde pequenina a ver imediatamente satisfeitos os seus mais custosos e extravagantes caprichos.
Bonita, rica, elegante, vestindo-se pelo último figurino, falando correntemente o francês e o inglês, tocando muito bem o piano, cantando que nem uma prima-dona, tinha Antonieta razões sobejas para se julgar um “avis” rara na sociedade em que vivia, e não encontrar em nenhuma classe homem que merecesse a honra insigne de acompanhá-la ao altar.
Uma grande viagem à Europa, empreendida pelo comendador em companhia da esposa e da filha, completara a obra. Ter estado em Paris constituía, naquela boa terra, um título de superioridade.
Ao cabo de algum tempo, ninguém mais se atrevia a erguer os olhos para a filha do Comendador Costa, contra a qual se estabeleceu pouco a pouco certa corrente de animadversão.
Começaram todos a notar-lhe defeitos parecidos com os das uvas de La Fontaine, e, como a qualquer indivíduo, macho ou fêmea, que estivesse em tal ou qual evidência, era difícil escapar ali a uma alcunha, em breve Antonieta se tornou conhecida pela "Não-me-toques".
II
Teria sido realmente amada? Não, mas apenas desejada, - tanto assim que todos os seus namorados se esqueceram dela...
Todos, menos o mais discreto, o mais humilde, o único talvez, que jamais se atrevera a revelar os seus sentimentos.
Chamava-se José Fernandes, e era o primeiro empregado da casa do Comendador Costa, onde entrara aos dez anos de idade, no mesmo dia em que chegara de Portugal.
Por esse tempo veio ao mundo Antonieta. Ele vira-a nascer, crescer, instruir-se, fazer-se altiva e bela. Quantas vezes a trouxera ao colo, quantas vezes a acalentara nos braços ou a embalara no berço! E, alguns anos depois, era ainda ele quem todas as manhãs a levava e todas as tardes ia buscá-la no colégio.
Quando Antonieta chegou aos quinze anos e ele aos vinte e cinco, "Seu José" (era assim que lhe chamavam) notou que a sua afeição por aquela menina se transformava, tomando um caráter estranho e indefinível; mas calou-se, e começou de então por diante a viver do seu sonho e do seu tormento Mais tarde, todas as vezes que aparecia um novo pretendente à mão da moça, ele assustava-se, tremia, tinha acessos de ciúmes, que lhe causavam febre, mas o pretendente era, como todos os outros, repelido, e ele exultava na solidão e no silêncio do seu platonismo.
Materialmente, Seu José sacrificara-se pelo seu amor. Era ele, como se costuma dizer (não sei com que propriedade) o "tombo" da casa comercial do Comendador Costa; entretanto, depois de tantos anos de dedicação e amizade, a sua situação era ainda a de um simples empregado; o patrão, ingrato e egoísta, pagava-lhe em consideração e elogios o que lhe devia em fortuna. Mais de uma vez apareceram a Seu José ocasiões de trocar aquele emprego por uma situação mais vantajosa; ele, porém, não tinha ânimo de deixar a casa onde ao seu lado Antonieta nascera e crescera.
III
Um dia, tudo mudou de repente.
Sem dar ouvidos a Seu José, que lhe aconselhava o contrário, o Comendador Costa empenhou a sua casa numa grande especulação, cujos efeitos foram desastrosos, e, para não fechar a porta, viu-se obrigado a fazer uma concordata com os credores. Foi este o primeiro golpe atirado pelo destino contra a altivez da "Não-me-toques".
A casa ia de novo se levantando, e já estava quase livre dos seus compromissos de honra, quando o Comendador Costa, adoecendo gravemente, faleceu, deixando a família numa situação embaraçosa.
Um verdadeiro deus “ex machina” apareceu então na figura de Seu José que, reunindo as suadas economias que ajuntara durante trinta anos, e associando-se a D. Guilhermina, fundou a firma Viúva Costa & Fernandes, e salvou de uma ruína iminente a casa do seu finado patrão.
IV
O estabelecimento prosperava a olhos vistos e era apontado como uma prova eloquente de quanto podem a inteligência, a boa fé e a força de vontade, quando o falecimento da viúva D. Guilhermina veio colocar a filha numa situação difícil...
Sozinha, sem pai nem mãe, nem amigos, aos trinta e dois anos de idade, sempre bela e arrogante em que pesasse a todos os seus dissabores, aonde iria a "Não-me-toques"?
Antonieta foi a primeira a pensar que o seu casamento com José Fernandes era um ato que as circunstâncias impunham...
Antes da sua orfandade, jamais semelhante coisa lhe passaria pela cabeça. Não que Seu José lhe repugnasse: bem sabia quanto esse homem era digno e honrado; estimava-o, porém, como a um tio, ou a um irmão mais velho, - e ela, que recusara a mão de tantos doutores, não podia afazer-se a ideia de se casar com ele.
Entretanto, esse casamento era necessário, era fatal. Demais, a "Não-me-toques" lembrava-se de que o pai, irritado contra os seus contínuos e impertinentes muxoxos, um dia lhe dissera:
- Não sei o que supões que tu és, ou o que nós somos! Culpa tive eu em dar-te a educação que te dei! Sabes qual é o marido que te convinha? Seu José! Seria um continuador da minha casa e da minha raça!
Tratava-se por conseguinte, de homologar uma sentença paterna. A continuação da casa já estava confiada a Seu José: era preciso confiar-lhe também a continuação da raça.
Assim, pois, uma noite ela chamou-o e, com muita gravidade, pesando as palavras, mas friamente, como se tratasse de uma simples operação comercial, lhe deu a entender que desejava ser sua mulher, e ele, que secretamente alimentava a esperança desse desenlace, confessou-lhe trêmulo, e com os olhos inundados de pranto, que esse tinha sido o sonho de toda a sua vida.
V
Casaram-se.
Nunca um marido amou tão apaixonadamente a sua esposa. Seu José levou à Antonieta um coração virgem de outra mulher que não fosse ela; fora das suas obrigações materiais, amá-la, adorá-la, idolatrá-la, tinha sempre sido e continuava a ser a única preocupação do seu espírito...
Entretanto, não era feliz; sentia que ela o não amava, que se entregara a ele apenas para satisfazer a uma conveniência doméstica: era apática; sem querer, fazia-lhe sentir a cada instante a superioridade terrível das suas prendas. Ninguém melhor que ele, tendo sido, aliás, até então, o único homem que lhe tocara, se convenceu de quanto era bem aplicada aquela ridícula alcunha de "Não-me-toques".
O pobre diabo tinha agora saudades do tempo em que a amava em silêncio, sem que ninguém o soubesse, sem que ela própria o suspeitasse.
VI
Antonieta aborrecia-se mortalmente naquele casarão onde nascera, e onde ninguém a visitava, porque o seu caráter a incompatibilizara com toda a gente.
O marido, avisado e solícito, bem o percebeu. Admitiu um bom sócio na sua casa comercial, que prosperava sempre, e levou Antonieta à Europa, atordoando-a com o bulício das primeiras capitais do Velho Mundo.
De volta, ao cabo de um ano, construiu uma bela casa no bairro mais elegante da cidade, encheu-a de mobílias e adornos trazidos de Paris, e inaugurou-a com um baile para o qual convidou as famílias mais distintas.
Começou então uma nova existência para Antonieta, que, não obstante aproximar-se da medonha casa dos quarenta, era sempre formosa, com o seu porte de rainha e o seu colo opulento, de uma brandura de cisne.
As suas salas, profundamente iluminadas, abriam-se quase todas as noites para grandes e pequenas recepções: eram festas sobre festas.
Agora já lhe não chamavam a "Não-me-toques"; ela tornara-se acessível, amável, insinuante, com um sorriso sempre novo e espontâneo para cada visita.
Fizeram-lhe a corte, e ela, outrora impassível diante dos galanteios, escutava-os agora com prazer.
Um galã, mais atrevido que os outros, aproveitou o momento psicológico e conseguiu uma entrevista - Esse primeiro amante foi prontamente substituído. Seguiu-se outro, mais outro, seguiram-se muitos...
VII
E quando Seu José, desesperado, fez saltar os miolos com uma bala, deixou esta frase escrita num pedaço de papel:
"Enquanto foi solteira, achava minha mulher que nenhum homem era digno de ser seu marido; depois de casada (por conveniência) achou que todos eles eram dignos de ser seus amantes. Mato-me."
Fonte:
Correio da Manhã, 12 de outubro de 1902.
quinta-feira, 26 de abril de 2018
Cecy Barbosa Campos (Poesias Seletas)
VERDADE
Não quero ser
da verdade, a dona.
Ela é tão incerta
que sendo minha hoje,
pode ser de outrem
mais tarde.
Aquilo em que acredito
pode transformar-se em mentira
num próximo amanhã.
__________________________
PASSADO
Meus fantasmas errantes
buscam
ilusões perdidas
e sonhos
que ficaram para trás,
perdidos
em tempos idos.
__________________________
BUSCA
Virando-me pelo avesso
tento captar todos os espaços
e abraçar o infinito
atingindo recantos escondidos
na descoberta de universos
até então
indecifráveis.
__________________________
RETRIBUIÇÃO
Quem faz o mal, tem em troca,
maldades a receber
pois em mão dupla caminha
o mal que ele quer fazer.
Com força retornará
e vai em dobro atingir
a quem com ferro ferir.
__________________________
INDIFERENÇA
Colecionamos mortes
em nossas vidas.
Perdemos amigos,
pai, mãe, parentes queridos
e até aqueles que não são tanto.
A morte chega, estendendo os braços,
vai envolvendo com seus tentáculos
a quem quiser, sem perguntar,
sem consultar a nossa vontade
nem dizer quando
estará presente,
se a curto ou a longo prazo.
__________________________
PERCURSOS
Lágrimas
dançam
com estranhas coreografias
percorrendo sulcos
escritos pelo tempo.
Seguindo compassos
inaudíveis,
marcados por atabaques
que esmigalham gemidos
nos lamentos de um soul,
sou o que sou
com os restos
que habitam em mim.
__________________________
CANÇÃO DO MEU EXÍLIO
A casa da minha avó
tinha um extenso quintal,
tinha flores, tinha frutas
e perfume sem igual.
Os passarinhos cantavam
numa árvore frondosa
enfeitada de amarelo
de carambolas maduras
que dançavam suavemente,
ao sabor de doce brisa
que amenizava o calor.
Jabuticabas redondas,
abraçadas, bem juntinhas,
cobriam troncos e galhos
aguardando o seu destino.
Bocas gulosas se abriam
e na suculenta explosão
o doce caldo escorria.
As crianças com alegria
lambiam com sofreguidão
as pontas dos dedos melados
e riam, com satisfação.
Ao relembrar com saudade
a casa da minha avó,
sinto cheiros, tenho sonhos,
com aquilo que eu tinha lá.
Queria voltar no tempo,
a tudo poder retornar,
chupar as jabuticabas
e os pássaros escutar.
Foi-se tudo, só lembranças
trazem de volta os primores
que não mais encontro eu cá.
__________________________
SUSSURROS
A brisa
sussurra primaveras
aos meus ouvidos.
Esqueço do outono
e sinto meu corpo
incendiar-se de verão.
Quase não percebo
que o inverno
vem chegando,
de mansinho.
Inexorável.
__________________________
IDA E VOLTA
Um bilhete
de passagem pelo mundo
recebi.
Agora,
na fila de espera
aguardo a entrega
da minha passagem de volta.
Fonte:
Cecy Barbosa Campos. In...versos.
Rio de Janeiro/RJ: ZMF, 2015.
Érico Veríssimo (As Aventuras de Tibicuera) Capítulos 61 a 64
61 — TIBICUERA, CRIA JUÍZO!
Relendo agora o que escrevi, vejo que minhas aventuras foram uma sucessão de guerras, revoltas, cenas doidas, conspirações, correrias e brutalidade.
Confesso que gostei de tudo isso e que sempre lutei com o maior prazer. Hoje sou um homem civilizado e sereno que não gosta de ver sangue, que não pratica a violência e que procura ter boa vontade, tolerância e compreensão para com o próximo.
Uma coisa que devo dizer. Enquanto eu andava dando tiros como um desesperado nos campos do Paraguai, nas coxilhas do Rio Grande e nos arredores de Montevidéu — havia em outras partes do mundo homens silenciosos e calmos que, metidos em seus laboratórios ou gabinetes, faziam maravilhosas excursões pelo país da Matemática, da Física, da Química, da Astronomia, da Biologia... Enquanto eu empunhava o fuzil eles manejavam o microscópio ou o telescópio. Minha espada cortava para matar; mas o bisturi dos médicos rasgava para salvar. Minha atenção estava concentrada nas máquinas de destruição; mas os homens calmos e silenciosos dos laboratórios estavam inventando máquinas não para destruir mas sim para construir. Em fins do século XVIII, enquanto eu olhava para as estrelas sem saber que fazer com minha vida, Pasteur, químico francês, lutava com os micróbios. Era uma guerra desigual: um homem contra bilhões de inimigos invisíveis a olho nu. Mas esse homem lutou e venceu. Em 1877 eu andava trocando pernas à toa pelas ruas do Rio, ouvindo os discursos dos republicanos e esperando notícias de novas revoltas contra o Império. Pois nesse mesmo ano, nos Estados Unidos, Thomas Alva Edison inventa o fonógrafo.
Voltando aos livros, tive ocasião de ler a vida dos grandes vultos da História: santos, inventores, descobridores, artistas... Tomei nota da data dos inventos e descobertas mais importantes da humanidade. Procurei me lembrar de minha situação nessas datas. O resultado quase sempre me foi desfavorável. É verdade que defendi muita causa justa, estive muitas vezes do lado do que era bom e decente. Mas devo confessar que estudando o quadro que aparece no capítulo seguinte, achei no fim um grande saldo contra mim.
E resolvi tomar juízo.
62 – PARALELO ENTRE OS GRANDES INVENTOS E MINHAS AVENTURAS
1439 – 1450
Johannes Gutemberg, na Alemanha, inventa a imprensa.
Não tinha nascido, mas seus avós já corriam por Pindorama, caçando, pescando, dançando, guerreando e comendo os inimigos.
1560 – 1603
William Gilbert, na Inglaterra, descobre o fenômeno elétrico.
Explode o último reduto dos invasores franceses no Rio de Janeiro (1560).
Até 1603: mistério da vida do herói.
1621
Lord Dudley, na Inglaterra, inventa o forno de ferro.
Nada fez de importante neste ano. Só conhecia o forno de barro.
1630
David Ramseye, na Inglaterra, descobre a maneira de utilizar o vapor.
Guerreia os holandeses como soldado de Matias de Albuquerque. Não tem a menor ideia de existência do vapor.
1643
Torricelli, na Itália, inventa o barômetro.
Cuida dos cavalos de Nassau. Só conhece dois barômetros: os burros e seus cabelos (dele, herói). Quando os primeiros se espojam no chão e os segundos se eriçam, a chuva é certa.
1709
Fahrenheit, em Dantzig, inventa o termômetro.
Toma parte em várias bandeiras. Época das explorações e das conquistas. A invenção do termômetro é muito oportuna.
1725
William Ged, na Escócia, inventa a estereotipia.
Este ano nada faz que se aproveite. Não tem notícia da existência da Escócia e muito menos do inventor Ged.
1752
Benjamin Franklin, nos Estados Unidos, inventa o para-raios
Um jequitibá da floresta, derrubado por um raio. Chegaste tarde, Benjamin!
1762
James Watt, na Escócia, inventa a máquina a vapor.
Os espanhóis jogam peteca com a Colônia do Sacramento. Tibicuera não faz absolutamente nada que preste.
1783
Os irmãos Montgolfier, na França, inventaram o balão a gás.
Continua impassível e inútil. Mas tem a glória de ter visto em 1709 as experiências feitas com aeróstato por Frei Bartolomeu de Gusmão, brasileiro nascido em Santos. 74 anos antes dos Montgolfier, Gusmão fez subir ao ar uma máquina aerostática!
1785
James Cartwright, na Inglaterra, inventa o tear mecânico.
Sempre a vagabundear. Não acredita em teares, porque ainda não se habituou bem ao uso de roupas...
1786
John Fitch, nos Estados Unidos, faz as primeiras experiências com um barco a vapor no Hudson.
Uma viagem de canoa pelo São Francisco. Rema, sua, esfalfa-se. Oh! Se Fitch tivesse chegado dez anos antes!
1787
Oliver Evans, nos Estados Unidos, inventa um veículo a vapor que pode ser considerado o tataravô do automóvel.
Entra em Vila Rica montado num burro e não chama a atenção. Provocaria escândalo se entrasse guiando a máquina de Evans... Corre o mundo.
1794
Eli Whitney, nos Estados Unidos, inventa um descaroçador de algodão, o “cottongin”.
Trabalha num algodoal e descaroça algodão com as mesmas mãos com que empunhou a espada. Sempre atrasados, esses inventores!
1803
Wise, na Inglaterra, inventa a pena de aço.
Não sabe escrever. Mas os que sabem escrevem com pena de pato.
1804
Richard Trevithick, na Inglaterra, inventa a locomotiva a vapor.
Vida de Tibicuera. Ele caminhava a pé. Como tudo lhe seria mais fácil se já trafegassem as locomotivas a vapor!
1807
Robert Fulton, nos Estados Unidos, faz experiências com o barco a vapor. Desta vez com resultados satisfatórios.
Veleiros na Baía de Guanabara, Tibicuera (sempre vagabundeando!) nem sonha com o barco a vapor...
1810
Frederick Koenig, na Alemanha, inventa a máquina impressora de cilindro giratório.
Vê como se imprime um jornal na “Imprensa Régia”. Acha as máquinas maravilhosas. Imaginem se ele visse a de Koenig...
1812
J. B. Ritter, na Alemanha, inventa o acumulador.
Criado de D. João VI. O Brasil pode ser comparado a um acumulador elétrico que se está preparando para a grande descarga da Independência.
1814
Sir Humphry Davy, na Inglaterra, inventa uma lâmpada de segurança para os mineiros.
Não inventa coisa alguma. Continua a acompanhar D. Carlota em seus passeios.
1816
Brunel, na Inglaterra, inventa a máquina de costura.
Continua no Paço. Vê as costureiras da Rainha trabalhando ativamente com as agulhas. Coitadinhas!
1822
P. Force, nos Estados Unidos, inventa a impressão em cores.
Charles Babbage, na Inglaterra, inventa a máquina de calcular.
Ouve o “Independência ou Morte!”. E se a máquina de Force já fosse empregada no Brasil, os jornais poderiam dar edições em duas cores: verde e amarelo.
1827
John Walker, nos Estados Unidos, inventa o fósforo de atrito.
Está entregue de corpo e alma aos livros. Ao saber da nova invenção, lembra-se do tempo que perdeu a esfregar pauzinhos para conseguir fogo.
1828
William Church, nos Estados Unidos, inventa uma máquina para compor e fundir tipos.
Continua mergulhado na leitura e nem imagina o bem que a invenção de Church vai trazer para os livros em geral.
1831
G. J. Guthrie, na Escócia, inventa o clorofórmio.
Foge do Rio. (Mais tarde, durante a Guerra dos Farrapos, vê médicos improvisados fazendo dolorosas operações cirúrgicas sem anestesia; o paciente tomava alguns goles de cachaça para resistir melhor à dor. O clorofórmio veio resolver o problema.)
1833 – 1839
J. Nicéphore Niepce inventa (1833) a fotografia, aperfeiçoada em 1839 por Charles Daguerre, na França.
Tibicuera caminha para o Sul. De 1835 a 1839 combate as tropas legalistas ao lado dos Farroupilhas.
1843
Charles Thurber, nos Estados Unidos, inventa a máquina de escrever.
Sempre guerreando nas coxilhas do Sul. Toda a gente continua escrevendo a mão...
1844
Samuel Morse, nos Estados Unidos, inventa um aparelho prático de telegrafia elétrica.
Convalesce dum ferimento, no hospital de Caçapava. Quanto serviço o telégrafo teria prestado na guerra... se tivesse sido inventado dez anos antes!
1846
Schonbein, na Alemanha, inventa o algodão– pólvora.
Passa este ano no hospício. Mas a verdade é que nenhum daqueles loucos jamais sonhou com a possibilidade de transformar o algodão em explosivo...
1847
Sobrero, na Escócia, inventa a nitroglicerina.
Continua no hospício. Como os hóspedes desta casa gostariam de brincar com nitroglicerina!
1851
Page, nos Estados Unidos, inventa a locomotiva elétrica.
Como soldado do Exército Brasileiro, luta contra as tropas de Oribe.
1855
Ernest Michaux, na França, inventa a bicicleta.
Cria galinhas e planta milho, nos arredores do Rio. Seus passeios, à cidade seriam mais fáceis se ele tivesse uma bicicleta.
1868
A. Nobel, na Suécia, inventa a dinamite.
Luta em Lomas Valentinas. Teria feito o diabo se pudesse dispor duma dúzia de bombas de dinamite...
1875
Woodruf, nos Estados Unidos, inventa a máquina de fazer gelo.
Descansa da Guerra do Paraguai. Continua a não fazer nada de excepcional.
1876
Alexandre Graham Bell, nos Estados Unidos, inventa o telefone.
Espera novas oportunidades para aventuras. Mas nota que os tempos estão mudando. A notícia da invenção do telefone fá-lo lembrar os tambores da taba, meio de comunicação a distância usado pelos indígenas.
1877
Thomas A. Edison, nos Estados Unidos, inventa o fonógrafo.
Interessado na propaganda da República.
1878
Thomas A. Edison, nos Estados Unidos, inventa a lâmpada elétrica.
Continua a frequentar comícios, ansioso por um motim.
1884
Ottmar Mergenthaler, nos Estados Unidos, inventa o linotipo.
Escreve artigos sobre a abolição. Os artigos são publicados em jornais cuja composição tipográfica é feita a mão.
1894
O Pe. Roberto Landell de Moura consegue, com seu rudimentar aparelho, transmitir e receber, sem fio, a palavra humana.
Descobre que não tem feito nada de útil ultimamente.
1895
W. C. Roentgen, na Alemanha descobre os raios X.
Olha para o passado e resolve tomar juízo!
Alguns anos mais tarde, a essa lista gloriosa de inventores se juntava um nome brasileiro — o de Santos Dumont, o pioneiro da navegação aérea.
63 — VOLTO DE NOVO AOS LIVROS
Procurei um emprego decente e voltei para a companhia agradável dos livros. Eu dizia cá comigo mesmo: “Temos a República. Vida nova. Gente moça no governo. Agora vamos ter ordem e progresso como diz o lema de nossa bandeira.”
Havia progresso, sim. A população aumentava. Surgiam homens notáveis: estadistas, cientistas, escritores, artistas. Os nossos portos ganhavam movimento. Nossas cidades cresciam. Construíam-se novas estradas de ferro. O comércio prosperava. As redes telegráficas se ramificavam pelo Brasil, como um sistema de vasos sanguíneos. (Como no princípio deste livro eu comparei o formato do nosso País com o de uma perna de porco, a comparação entre as linhas telegráficas aos vasos sanguíneos fica mais exata ainda.)
Estudei Literatura. Aprendi muita coisa interessante. Todos aqueles escritores de que falei a vocês no capítulo intitulado “Eu e os Livros” pertenciam (aprendi) a um período de nossa literatura chamado Classicismo, que foi de 1500 a 1836.
De 1836 a 1875 tivemos o Romantismo. Li os principais autores deste período. Gostaria de dar a vocês o nome de todos e um comentário de suas obras mais notáveis. Mas isto simplesmente não é possível, pois não quero transformar esta narrativa numa enciclopédia de conhecimentos gerais. Não deixarei, entretanto, de citar alguns nomes.
Na poesia tivemos Araújo Porto Alegre, autor do poema Colombo. Castro Alves, um dos maiores poetas da língua portuguesa, autor de Espumas Flutuantes e do Poema dos Escravos. Gonçalves Dias, que escreveu Primeiros Cantos; Segundos Cantos, Terceiros Cantos e Timbiras. Casimiro de Abreu (quem não o conhece?) que nos deixou Primaveras e Canções do Exílio. Fagundes Varela, o homem que concebeu 0 Evangelho nas Selvas. Álvares de Azevedo, autor de A lira dos Vinte Anos.
E os romancistas? Confesso que os adorei. Lendo o Guarani de José de Alencar eu me revi no índio Peri, herói da história. Quando li As Minas de Prata e Iracema, do mesmo autor, senti uma vaga saudade da minha vida de aventuras. Em O Moço Louro e na Moreninha de Joaquim Manuel de Macedo, encontrei já emoções diferentes. As Memórias dum Sargento de Milícias de Manuel Antônio de Almeida me proporcionaram algumas horas de leitura agradável. Gostei da Escrava Isaura e de Garimpeiro de Bernardo Guimarães. Devo confessar que chorei lendo Inocência de Alfredo d’Escragnolle Taunay.
Eram estes os romancistas que eu mais admirava.
Tivemos no período do Romantismo nomes ilustres na oratória, nas ciências, no teatro e no jornalismo. Durante a propaganda republicana conheci um poeta estranho e impressionante. Era preso e se chamava Cruz e Souza. Seu livro principal se chama Evocações e Broquéis. Morreu nove anos depois da proclamação da República.
Um conselho: Procurem ler um bom compêndio de Literatura. Porque eu vou voltar agora às minhas aventuras. Mas... merecerão o nome de “aventuras” os episódios sem graça da minha vida nova?
64 — NUVENS NO CÉU DA REPÚBLICA

Vou descrever a situação em dois traços. Deodoro estava na Presidência da República; o Mal. Floriano Peixoto na Vice-Presidência. A oposição tinha maioria no Congresso Nacional. A conselho de seu ministro Barão de Lucena, Deodoro manda dissolvê-lo! Agora o levante do “Riachuelo” era um protesto contra esse ato do governo.
Diante da anarquia, o Mal. Deodoro, não querendo provocar a guerra civil, passa o governo ao vice-presidente. Período de agitação. Foram depostos os governadores das Províncias que tinham concordado com o movimento revolucionário iniciado pela esquadra. Protestos. Motins. Debates. Mas Floriano Peixoto se mantém.
No Rio Grande dois partidos políticos disputam o poder: Republicanos e Federalistas. Em 1893 estoura a revolução. Os dois partidos vão guerrear-se nas coxilhas. Nesse mesmo ano, nova revolta da armada no Rio, comandada pelo Cel. Alm. Custódio de Melo. Roncou o canhão. Os navios atiravam. As fortalezas respondiam. Duelo tremendo. Tremiam as vidraças das janelas das casas mais próximas do mar. Tremiam minhas vísceras. De medo ou de vontade de brigar? Os revoltosos do mar se correspondem com os revoltosos de terra, no sul do País. O governo corre perigo. Mas Floriano Peixoto arma uma esquadra e faz os rebeldes abandonarem suas posições. Chamaram-na “esquadra de papelão”...
Aproxima-se o fim do período governamental. Faz-se a eleição do novo presidente. E a todas essas acontecia uma coisa assombrosa: eu me mantinha recolhido no meu canto, apegado aos meus livros. Tinha no meu quarto retratos de Edison, Pasteur, Newton. Estava resolvido a abandonar definitivamente a carreira das armas.
Fonte:
Érico Veríssimo. As aventuras de Tibicuera, que são também do Brasil. (Texto revisto conforme Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa em vigor em 2009). Porto Alegre: Edição da Livraria do Globo, 1937.
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