sábado, 29 de agosto de 2009

Lucilene Machado (Sequência de Sonho)



Por hoje, bastava-me uma garrafa de vinho para embriagar-me. Espírito dionísico para beber um sonho. Mas o cálice da realidade impede-me conquistar a eternidade do céu de uma boca ou de qualquer paraíso feito de suspiros e palavras. A razão não compreende a emoção. Embates e embustes. A paixão vale pelo silêncio que engloba. Vale por tudo que não conseguimos dizer, por tudo que não conseguimos perguntar, porque muitas vezes as perguntas não são possíveis.

Debruço-me sobre o parapeito de uma janela que não me pertence. Nada me pertence. Poucas pessoas no mundo são tão despidas quanto eu. Tenho uma nudez que fere. Uma nudez que quer ser dividida. É sublime doar um pedaço de si. Uma mutilação que constrói sonhos. Quantos sonhos seriam necessários para desvendar o mistério de um homem? Talvez nenhum. Pode-se desintegrar os átomos de um homem com atitudes. Com algum impulso de sangue latino pode-se brindar belas descobertas. Mas amor é outra coisa. Amor é o nome que eu persigo e pelo qual me perdi algumas vezes. Fui infeliz em todas as felicidades. Minha alma é uma capela vazia esperando por um anjo. Um anjo cheio de pecados a fazer-me confissões.

A lua rasteja o futuro por caminhos inexplorados. Quero estar suficientemente viva para trafegar com meus sonhos por esses desígnios. Já não estarei confinada num canto do mundo com essa sobrecarga de imagens. Já não estarei precisando pensar, precisando concentrar-me na amarração do texto que toma corpo de crônica. Isso estica minha angustia. Queria pensar sem formas, mas já não posso. Tudo acaba padronizado. O medo de decepcionar, o medo de não ter medo... Toda palavra tem seu preço. Sou vítima de um sistema coletivo de encadeamento de idéias. Até o amor tem suas terminologias. Até o amor tem suas ciências. Mas hoje estou incurável. Quero um amor de botequim. Amor sem pressa e sem causa. É porque é, porque tem de ser. Um amor sem história, acontecendo ao acaso, como se eu nunca tivesse sonhado isso.

De verdade, quando se vive milhares de noites, já não se pode precisar em que noite antiga, muito antiga, se plantou o sonho. Deve ser quando raspei as pernas pela primeira vez, calcei sapatos de salto e todo mundo percebeu, "Essa menina cresceu, tá virando mulher". Estava concluído um ciclo. Nunca mais voltei ao sótão para brincar de bonecas. Voltei sim, para ver das alturas o destino que subia da terra. O destino tinha corpo e cheiro de homem. Senti vergonha do meu sentimento sem pudor. Vergonha dos meus pensamentos ousados. Meu corpo era um mar que precisava de muitos rios para satisfazê-lo. Era assim mesmo? Puberdade, ouvi na aula de ciências. Só não falaram da necessidade de simbiose de espírito. Mas, instintivamente iniciei a busca pelo amor real. Raramente o vivi por inteiro. Queria alcançar com a mão aquilo que está à altura da inteligência.

Mas essa memória afetiva me cansa! Poderia dizer que hoje estou pronta para o desafio, mas o amor tem viés que desconheço. Mal posso falar da anatomia. Tanta beleza em uma só. Tanto pecado num mesmo pecado. Resgate, remissão... Eros, Ágape, Fileu... gravitar em torno do outro... melhor mergulhar numa taça de vinho e lamber a emoção altruística (ou seria egoística?) de ter escrito esta página.

Fontes:
http://www.lunaeamigos.com.br/lucilene/indice.htm

Joao Silverio Trevisan (Dois Corpos que Caem)



Por simples acaso, dois desconhecidos encontraram-se despencando juntos do alto do Edifício Itália, no centro de São Paulo.

- Oi - disse o primeiro, no alvoroçado início da queda. - Eu me chamo João. E você?

- Antônio - gritou o segundo, perfurando furiosamente o espaço.

E, só pra matar o tempo do mergulho, começaram a conversar.

- O que você faz aqui? - perguntou Antônio.

- Estou me matando - respondeu João. - E você?

- Que coincidência! Eu também. Espero que desta vez dê certo, porque é minha décima tentativa. Há anos venho tentando. Mas tem sempre um amigo, um desconhecido e até bombeiro que impede. Você afinal está se matando por quê?

- Por amor - respondeu João, sentindo o vento frio no rosto. - Eu, que amava tanto, fui trocado por um homem de olhos azuis. Infelizmente só tenho estes corriqueiros olhos castanhos…

- E não lhe parece insensato destruir a vida por algo tão efêmero como o amor? - ponderou Antônio, sentindo a zoada que o acompanhava à morte.

- Justamente. Trata-se de uma vingança da insensatez contra a lógica - gritou João num tom quase triunfante. - Em geral é a vida que destrói o amor. Desta vez, decidi que o amor acertaria contas com a vida!

- Poxa - exclamou Antônio - você fez do amor uma panacéia!

- Antes fosse - replicou João, com um suspiro. - Duvidoso como é, o amor me provocou dores horríveis. Nunca se sabe se o que chamamos amor é desamparo, solidão doentia ou desejo incontrolável de dominação. O que na verdade me seduz é que o amor destrói certezas com a mesma incomparável transparência com que o caos significante enfrenta a insignificância da ordem. Não, o amor não é solução para a vida. Mas é culminância. Morrer por ele me trouxe paz.
Ante o vertiginoso discurso, ambos tentaram sorrir contra a gravidade.

- E você, como se sente? - perguntou João a Antônio.

- Oh, agora estou plenamente satisfeito.

- Então por que busca a morte?

- Bom - respondeu Antônio - me assustou descobrir um fiasco primordial: que a razão tem demônios que a própria razão desconhece. Daí, preferi mergulhar de vez no mistério.

- Sim, da razão conheço demasiados horrores. Mas que mistério é esse tão importante a ponto de merecer sua vida?

- Não sei - respondeu Antônio. - Mistério é mistério.

- Mas morto você não desvendará o mistério! - protestou João.

- Por isso mesmo. O fundamental no mistério é aguçar contradições, e não desvendar. Matar-me, por exemplo, é bom na medida que me torna parte do enigma e, de certo modo, o agudiza. Tem a ver com a fé, que gera energias para a vida. Ou para a história, quem sabe…

- Taí um negócio que perdi: a fé. Deus para mim… - e João engasgou.

- Ora - revidou Antônio vivamente. - A fé nada tem a ver com Deus, que se reduziu a uma pobre estrela anã de energias tão concentradas que já nem sai do lugar. Deus desistiu de entender os homems, e virou também indagador. Sem Deus nem Razão, a única fé possível é mergulhar neste abismo do mistério total.

- Mas para isso é preciso ao menos saber onde está o mistério - insistiu João com os cabelos drapejando ao vento.

- Ué, o mistério está em mim, por exemplo, que me mato para coincidir comigo mesmo. Mas há mistério também em você: seu morrer de amor é o mais impossível ato de fé. Graças a ele, você participa do mistério. Porque se apaixonou pelos abismos. João olhou com olhos estatelados, ao compreender. E Antônio, que já faiscava na semi-realidade da vertigem, gritou com todas as forças:

- Há sobretudo este mistério maior de estarmos, na mesma hora e local, cometendo o mesmo gesto absurdo e despencando para a mesma incerteza, por puro acaso. Além de cúmplices, a intensidade deste mergulho nos tornou visionários. Você não vê diante de si o desconhecido? É que já estamos perfurando a treva.

E como tudo de fato reluzia, João também ergueu a voz:

- Sim, sim. É espantoso o brilho do absurdo.

- E agora - disse Antônio bem diante do rosto de João - falemos um pouco da permanência. Você gosta dos meus olhos azuis?

Foi quando os dois corpos se estatelaram na Avenida São Luiz.
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Sobre o Autor
João Silvério Trevisan (Ribeirão Bonito, 23 de junho de 1944) é um escritor, jornalista, dramaturgo, tradutor, cineasta e ativista GLBT brasileiro. Até setembro de 2005 atuava como diretor da oficina literária do SESC. Assina uma coluna mensal na revista G Magazine.
Em Literatura = Testamento de Jônatas Deixado a David (1976); As Incríveis Aventuras de El Cóndor' (1980); Em Nome do Desejo (1983); Vagas Notícias de Melinha Marchiotti (1984); Devassos no Paraíso (1986); O Livro do Avesso (1992); Ana em Veneza (1994); Troços & Destroços (1997); Seis Balas num Buraco Só: A Crise do Masculino (1998); Pedaço de Mim (2002).
Roteiro (adaptação)= Doramundo, obra de Geraldo Ferraz e direção de João Batista de Andrade (1º tratamento, 1977) - aclamado com o prêmio de melhor filme, cenografia e diretor no Festival de Gramado de 1978; A mulher que inventou o amor, de Jean Garrett (1981)
Teatro = Heliogábalo & Eu; Em Nome do Desejo; Troços & Destroços; Hoje é dia do Amor

Fontes:
http://mscamp.wordpress.com/category/contos-lendas/
http://pt.wikipedia.org
Foto Montagem = José Feldman

Literatura Africana



A África possui uma rica e variada literatura que foi se desenvolvendo através dos tempos. Sua literatura escrita esteve sempre em débito com a literatura oral, na qual se incluem os contos populares, frutos da imaginação popular cujos personagens mais famosos são a tartaruga, a lebre e a aranha, difundidos por todo o continente e também no Caribe, Estados Unidos e Brasil, como resultado do tráfico de escravos africanos.

A primeira literatura escrita aparece no norte da África e, assim como as obras do teólogo cristão Santo Agostinho e do historiador islâmico do século XIV Ibn Khaldun, apresenta fortes vínculos com as literaturas latina e árabe.

As primeiras obras escritas da África ocidental datam do século XVI e são fruto do trabalho de eruditos islâmicos sudaneses como Abd-al Rahman al-Sadi e Mahmud Kati. A primeira poesia escrita era de caráter religioso e o poeta mais relevante foi AbdulAh ibn Muhammed Fudi.

Na África oriental também nota-se a influência dos modelos árabes. Uma historia anônima da cidade-estado Kilwa Kisiwani, escrita por volta de 1520 em árabe, é o primeiro exemplo conhecido desta literatura. A primeira obra conhecida em swahili é o poema épico Utendi wa Tambuka (História de Tambuka), que data de 1728. Em torno do século XIX, a poesia swahili abandonou os temas árabes e adotou formas bantos como as canções rituais.

Os principais poemas escritos em swahili datam dos séculos XIX e XX. O poema religioso mais conhecido, Utendi wa Inkishafi (O despertar das almas), foi escrito por Sayyid Abdallah ibn Nasir. A tradição oral a respeito de Liyongo é retratada no poema épico Utendi wa Liyongo Fumo (Epopéia de Liyongo Fumo), escrito em 1913 por Muhammad ibn Abubakar.

Na África do Sul surgiram diversos poetas e romancistas de prestigio. Samuel E. K. Mqhayi é autor de uma abundante obra em língua e romancistas como Thomas Mofolo e Solomon T. Plaatje escreveram textos denunciando a ditadura dos brancos. Outros exilaram-se, como Peter Abrahams e Ezekiel Mphahlele.

Outros autores importantes são A. C. Jordan, o poeta zulu R. R. R. Dhlomo, Alex La Guma, Bloke Modisane, Lewis Nkosi e Dennis Brutus.

Os brancos sul-africanos cultivam uma longa tradição literária, tanto em africâner como em inglês. Entre os escritores figuram poetas como D. J. Opperman, Breyton Breytenbach, J. M. Coetzee, Olive Schreiner, Alan Stewart Paton, Doris Lessing, Nadine Gordimer — prêmio Nobel de Literatura em 1991 — e Athol Fugard.

A poesia tem sido a forma literária dominante entre os escritores africanos em língua francesa, como Léopold Sédar Senghor, Briago Diop e David Diopos, mas os romancistas em francês da África ocidental figuram entre os mais brilhantes do continente, como o guineano Camara Laye e os camaroneses Mongo Beti e Ferdinand Oyono. Entre os autores em língua inglesa destacam-se os nigerianos Amos Tuotola, Gabriel Okara, John Pepper Clark, Chinua Achebe, Wole Soyinka — agraciado com o prêmio Nobel de Literatura em 1986 —, William Conton (de Serra Leoa), o ganense Kofi Awoonor e Ayi Kwei Armah.

A literatura contemporânea da África oriental inclui importantes autores como os quenianos Josiah Kariuki, R. Mugo Gatheru, James Ngugi, Jean Joseph Rabearivelo (de Madagascar) e Shaaban Robert (nascido em Tanganica, atual Tanzânia). Uma das obras mais lidas na África oriental continua sendo curiosamente Júlio César, de Shakespeare, traduzida para swahili em 1966 pelo então presidente de Tanzânia Julius Nyerere.

Fontes:
Portal Literário
Imagem = Professor Paulinho

Edgar Allan Poe (Al Aaraaf)


Parte I

Oh! nada de terrestre além da luz
do olhar (que em cada flor se reproduz)
da Beleza, tal como em jardins, onde o dia
de gemas circassianas se desata;
oh! nada de terrestre, além da melodia
trêmula do regato dentre a mata;
ou (música de apaixonado peito)
o canto de um prazer suavemente desfeito
de que o eco há de, eterno, perdurar,
como vive na concha a saudade do mar;
nenhuma dor terrena, alanceante;
porém toda a beleza e cada flor
que o bosque enfeita e escuta o nosso amor,
é que adornam o mundo tão distante
daquela estrela errante.

Para Nesace era esse um tempo abençoado,
pois de quatro brilhantes sóis bem perto
o seu mundo oscilava no ar dourado...
Repouso efêmero... Oásis num deserto
de venturas... e longe, longe, em meio
a um luminoso mar, em que se alaga
de fulgores do Empíreo o espírito liberto...
a custo abrindo (tão espessa é a vaga)
a estrada dos destinos celestiais,
ela, de tempo em tempo, se encaminha
a orbes distantes, e hoje ao nosso veio,
favorito de Deus. Porém, rainha
de reino bem mais firme, atira o cetro a um lado,
deixa o leme e por entre hinos espirituais
banha em quádrupla luz seu corpo imaculado.

Será ela mais feliz, na terra suave e doce,
distante, onde nasceu a "Idéia da Beleza"
(caída em espirais da estrelada surpresa,
qual trança feminil de pérolas cercada
para em montes aqueus ter eterna morada)?
Olhou para o Infinito... e ajoelhou-se.
Nuvem linda à sua volta se recurva
- zimbório que seu mundo reproduz -
vista só na beleza e que não turva
outra visão tão bela, a cintilar na luz...
grinalda que entre os atros espirala
e a enlaçá-los colore o ar de opala.

Em flores ajoelhou-se, avidamente:
lírios como os que a fronte erguiam, de alabastro
sobre o Cabo Deucato e, de repente,
irromperam do chão, para encobrir o rastro
fugitivo da que - soberba rara -
morreu, tão-só porque um mortal amara;
e a Sefálica, que de abelhas mil se inunda,
ergue a haste purpurina e os joelhos lhe circunda;
e a flor preciosa, a que um engano dava
de Trebizonda o nome e que, habitando
outrora os mais longínquos atros, quando
tudo quanto era belo suplantava,
dos céus seu mel dulcíssimo esparzia
(o néctar dos pagãos) no orvalho que caía
sobre o jardim do pária em Trebizonda e sobre
a flor que a imita e que de sol se cobre,
tão semelhante à sua irmã da altura
que, hoje ainda, atormenta a abelha que a procura,
com sonhos e loucuras desvairadas;
no céu, perto do céu, da bela planta
a flor e as folhas onde, desoladas,
e sua fronte, de dor, não se levanta,
- remorso. das loucuras já passadas
o seio de ar balsâmico a lhe inflar,
bela que errou, e que é mais casta e linda;
e ao pefurmar a noite ela receia ainda
as Nictantes sagradas perfumar;
E Clítia, pensativa entre sóis numerosos,
a face a rorejar de prantos invejosos;
e a magnífica flor que na terra nasceu
e morreu, mal a vida começara,
rasgando o seio redolente, para
que dos jardins de um rei sua alma fosse ao céu,
e o lótus valisnério, que a torrente
do Ródano atirou, após luta inclemente.
e teu perfume rubro e encantador, ó Zante
"Isola d`oro! Fior di Levante!"
E do Netuno a flor, que ao deus do amor conduz
a boiar sempre sobre o rio santo;
flores magas a que é dado, em perfume, o canto
da Deusa transmitir ao céu de luz.

"Deus! Espírito, que habitas
lá onde, no céu profundo,
o que é belo e o que é terrível
na beleza se assemelham;
para além da linha azul
que marca um limite à estrela,
mas quem à vista se desvia
da barreira que lhe ergueste,
da barreira ultrapassada
pelos cometas lançados
de seu orgulho e seu trono
para até o fim ser escravos,
para conduzir o fogo
vermelho, que arde em seu peito,
incansáveis, em carreira
sempre e sempre dolorosa;
Tu, que vives (bem sabemos)
na eternidade (e o sentimos),
que espírito há de mostrar
a sombra de tua fronte?
Embora tua mensageira,
Nesace, encontrasse seres
que à sua medida e imagem
Teu Infinito sonhassem,
tua vontade, ó Deus, foi feita!
A estrela pairou, na altura,
entre imensas tempestades,
sob o teu olhar ardente;
e hoje, a ti, em pensamento
(pois só o pensamento pode
ascender a teu império
e partilhar de teu trono)
pela Fantasia alada
minha mensagem envio,
até o dia em que o segredo
se revele junto aos céus."

Calou-se e mergulhou a face ardente e bela
entre os lírios, humilde, a procurar
abrigar-se do ardor de seu olhar;
porque treme, ante Deus, a própria estrela.
Nem respira, imóvel, pois ouvia
uma voz, dominando as amplitudes quietas,
um rumor de silêncio, que aturdia
o ouvido e que, em seus sonhos, os poetas
"musica das esferas" denominam.
O nosso mundo é feito de mil termos
e chamamos "Silêncio" à quietude dos ermos,
a mais vã das palavras existentes.
A Natureza inteira fala e os entes
imaginários, mesmos, disseminam
sombras de sons das asas de ficção;
mas, ah! tal não se dá no reino alto e fulgente
onde perpassa a voz de Deus, eternamente,
e o vento rubro murcha na amplidão.

"Que importa, nesses mundos apagados,
a um pequeno sistema e a um sol ligados,
seja loucura meu amor a multidão
minha cólera veja no trovão
em tormentas, tremor de terra, iras do mar
(por que vêm meu caminho irado assim cruzar?);
que importa se, com um sol somente, em tais planetas,
se extinguem, a correr, do Tempo as ampulhetas?
Teu é meu resplendor; recebe-o e leva
o meu segredo ao céu que mais se eleva.
Voa, deixa deserto o cristal de teu lar,
vai com tua corte pelo céu lunar
(e apartando-vos, como, em noite siciliana,
os pirilampos), leva em sua asa
a outros mundos, a luz que agora de ti emana.
Os mistérios a ti confiados revelam
a cada mundo que a soberba abrasa;
e por barreira os corações te tomem,
barreira e maldição, para que a estrela
não vacile perante os crimes do homem."
Pôs-se a virgem de pé na noite amarelada
de um só lua! Aqui, na Terra, é só adorada
uma lua e só de um amor fica a alma presa;
não o possuía mais o berço da Beleza.
Como a estrela nascida em horas de alvorada,
ergueu-se a virgem da florida alfombra
e por montes de luz e planícies de sombra
seguiu, sem, entretanto, abandonar ainda
sua morada teraseana e linda.

Parte II

Num cume de montanha em flor, alcantilada,
tal como a que o pastor, imerso no seu leito
de imensa pradaria, satisfeito,
vê, atônito, erguendo a pálpebra pesada
e "espero ser perdoado" então murmura,
sob a luz que paira, há muito, na ampla altura;
num cume cor-de-rosa, que se erguia
no éter iluminado e recebia,
à tarde, a última luz dos sóis morrentes:
sobre esse cume, em plena noite, quando
mais bela e estranha a lua vai dançando,
é que se ergue um palácio; resplendentes
colunas riem, cintilam no leve ar
e o mármore de Paros, a faiscar,
ri de novo, bem longe, sobre vaga
que no abismo reflete essa montanha maga.
É sua base de estrelas em fusão
como, no ébano do ar, as que tombam e vão
prateando, ao morrer, a mortalha que as veste,
para assim adornar a morada celeste.
A abóbada, que ao céu prende radiosa tela,
nas colunas, de leve, a coroá-las, se deita.
Redonda, de um diamante, apenas, feita,
olha o espaço purpúreo uma janela.
E a luz vinha da mão de Deus, atravessando
a cadeia meteórica, abençoar
toda aquela beleza, a não ser quando,
entre o Empíreo e esse liame, sacudia
algum espírito a asa impaciente e sombria.
Dos pilares tombou, dos serafins, o olhar
nas trevas deste mundo; e as verdes cores graves
e plúmbeas, que costuma a Natureza
preferir para a tumba da Beleza,
contornaram cornijas e arquitraves.
E cada querubim, ali em volta esculpido,
que olhava de seu lar marmóreo, comovido,
parecia terrestre, em seu nicho, à penumbra,
como estátua da Acaia, em região que deslumbra.
Ó frisas de Balbec, Persépolis, Tadmor,
da Gomorra de encantos abissais,
oh, a onda hoje a vós se veio sobrepor
e é, para vos salvar, tarde demais!
Gosta o som de brincar nas noites de verão;
testemunha-o o rumor do entardecer cinéreo,
que em Eiraco escutava, outrora, em seu mistério,
quem contemplasse os astros da amplidão,
e que ouve sempre quem, perdido ao longe o olhar,
vê numa nuvem fusca a treva se adensar.

Não possui forma e voz mais palpável, sonora,
Mas, que é isto? Alguém chega e traz, consigo, agora,
um rumor musical... bater de asas parece...
silêncio... e o som depois se arrasta e desvanece.
Nesace está de novo em sua linda morada.
O esforço da veloz carreira alucinada
fá-la ofegar e as faces lhe enrubesce;
e a faixa que rodeia os seios virginais
rompeu-se com o bater do coração.
Parou, a descansar, no centro do salão,
sob a mágica luz, que lhe beijava
o cabelo dourado, e que aspirava
repousar, porém só podia brilhar mais!

Cada flor jovem a outra flor e cada
árvore a outra, em doce melodia
suspirava, feliz, na noite iluminada.
E a música, a gemer dentre as fontes, caía
sobre bosques, que a luz das estrelas recobre,
vales vestidos de lua; mas sobre
as belas flores, as cascatas de ouro
e asas de querubins, o silêncio imperava;
e só o som a irromper do espírito era o coro
da encantada canção que a donzela cantava:

"Sob lianas, campânulas
e sebes de mata
que abrigam quem sonha
dos raios da lua,
erguei-vos, ó seres
de luz, que pensais
nos atros, que atônitos
dos céus extraístes
para, dentre as sombras,
sobre vós descerem,
como o olhar da virgem
que agora vos chama.

Erguei-vos dos sonhos
por entre violetas,
cumprindo os deveres
desta hora estrelada.
Sacudi das tranças
pesadas de orvalho
o hálito dos beijos
que o repouso embalam!
(sem ti, Amor, seriam
felizes os anjos?),
beijos de amor puro
que o repouso embalam!
Sacudi das asas
tudo que as detém:
que o orvalho da noite
os vôos retarda.
E as doces carícias
deixai-as de parte!
São plumas nas tranças,
mas chumbo no peito.
Ligéia! Ligéia!
Tu, que és a mais bela
e a mais rude idéia
exprimes em música,
será teu desejo
na brisa embalar-te?
Ou, calma, em descanso,
como os albatrozes
na noite estendidos
(tal ficas nos ares),
vigiar, encantada,
a harmonia célica?

Ligéia, por onde
surgir tua imagem,
que magia pode
soltá-la da música?
Prendeste os olhares
num sono de sonhos,
mas erguem-se sempre
cantos protetores
de tua vigília:
o ruído da chuva
que salta nas flores
e volta dançando
no ritmo das gotas;
e o rumor que brota
da relva crescendo,
música das coisas,
não passam de cópias.
Corre, então, querida,
às fontes mais claras
que jazem ao luar...
ao lago ermo, rindo
num sonho de morte,
às ilhas de estrelas
que o seio lhe adornam,
e onde as flores toscas
misturam as sombras,
lá dorme, nas margens,
multidão de virgens.
Algumas, deixando
a fria clareira,
repousam com a abelha.
Desperta-as, ó virgem,
na várzea e no prado.
Sussurra, em seu sonho,
de leve, no ouvido,
o ritmo cantante
que esperam, dormindo.
Pois nada desperta
mais rápido os anjos,
que assim adormecem,
sob a luz fria,
do que o doce encanto
nunca superado
do ritmo cantante
que embala o repouso."

Anjos vieram, e espíritos alados,
mil serafins cortaram os espaços,
sonhos jovens aspirando em vôos estonteados...
Seres que sabem tudo, exceto a Ciência, aquela
luz que, ó Morte, caiu, refratada em teus laços,
longe, do olhar de Deus, sobre a distante estrela.
Doce era essa ignorância; e essa morte, mais doce.
Doce era essa ignorância: em NÓS, o próprio alento
da Ciência embaça o espelho da alegria.
para eles, um simum arrasador seria.
Que lhes adiantaria o atroz conhecimento
de que a Verdade é Engano e a Ventura é Má Sorte?
Era doce sua morte e, para eles, morrer
de um vida saciada era o enlevo final;
para além dessa morte inexiste o imortal,
mas o sono que pesa é do "Não-Ser".
Possa minha alma, exausta, ali habitar do eterno
Céu distante, e também tão distante do Inferno.
Que espírito culpado, em seu bosque trevoso,
não ouviu, daquele hino, o apelo clamoroso?
Dois só; caíram, pois o céu não dá perdão
a quem só ouve o bater do próprio coração.
A angélica donzela e o seráfico amado...
Mas onde estava o Amor, o cego amor
sempre fiel ao Dever austero? (Esforço vão
e buscá-lo na célica amplidão.)
Sem guia, o amor, caiu, desnorteado,
por entre "prantos de perfeita dor".

Tombou: que belo espírito era esse!
Vagueava pelas fontes que a hera veste
a contemplar a luz da abóbada celeste,
junto de seu amor, sonhando ao luar.
Cada estrela não é qual doce olhar
que sobre as tranças da Beleza desce?
E elas, e as fontes, tudo era sagrado
para seu coração, de amor povoado
e de melancolia. A noite foi achar
Ângelo, o jovem (noite de pesar)
junto a escarpado monte, numa penha
erguida sob o céu solene a que desdenha
os mundos estelares a seus pés.
Sentou-se com sua amada, o negro olhar,
qual de águia, o firmamento a pesquisar.
Para ela se voltou depois e, novamente,
até a Terra desceu, tremulamente.

"Que débil luz, não vês, querida Iante?
Como é delicioso olhar tão longe assim!
Bem diversa, naqueles outono, para mim
era ela, quando à tarde abandonei,
sem lastimar, seu paço fulgurante,
ó tarde que jamais esquecerei!
Beijava o sol morrente, em Lemnos, com magia
o arabesco salão dourado em que jazia,
os tapetes sem conta, os meus olhos fechados,
sob o peso da luz na noite mergulhados,
e antes cheios de amor, das flores, da neblina,
que no seu Gulistan evoca o persa Saadi.
Mas essa luz!... Dormi... E a Morte invade
os meus sentidos, na ilha peregrina,
tão de leve, que nem sequer pressente
o adormecido, que ela está presente.

"O último ponto então por mim pisado
foi Parthenon, o templo sublimado.
Suas colunas são de maior maravilha
do que a beleza que em teu seio brilha;
e quando o Velho Templo soltar veio
minhas asas, alcei meu vôo, alcei-o
como águia que da torre se alcandora,
vendo fugirem séculos numa hora.
Enquanto assim nos ares me embalava,
metade do jardim terreno se mostrava
a meus olhos, tal como um mapa aberto,
com sua ermas cidades do deserto.
E tanta era a beleza, Iante, ali presente,
que quase desejei ser homem novamente."

"- Meu Ângelo! E por que a eles voltar,
se aqui possuis mais luminoso lar,
campos mais verdes que nesse mundo afastado,
carinhos feminis... e amor apaixonado?

"- Mas ouve, Iante! Quando o ar me faltou,
tão suave, e a alma às alturas se lançou,
talvez numa vertigem, cuidei ver
o mundo, que eu deixara, a abismar-me num caos,
turbilhonando, ao léu de ventos maus,
rolando em chamas no ígneo firmamento.
Querida, então julguei que, em lugar de ascender,
eu caía, num lento movimento
oscilante, através de luminosa estrada,
até pousar em áurea estrela: nesta!
Mas foi rápido o tempo da descida,
pois era a tua estrela a menos distanciada...
Terrível astro! a vir, numa noite de festa,
como um Dédalo rubro, à Terra comovida."

"-Viemos... Só os da terra... mas não nós...
da deusa podem discutir a voz:
viemos de toda parte, meu amor,
pirilampos alegres, em revoada,
não indagues por quê; basta que o visse impor,
num gesto angelical, ELA, por Deus mandada.
Jamais o velho tempo, Ângelo, se deteve,
sobre mundo mais velo a abrir a asa de neve!
O olhar dos anjos, do pequeno e baço
globo não via mais que o fantasma, no espaço,
quando Al Aaraaf lançou-se a atravessar,
para alcança-lo, o mar que se constela!
Mas quando sua glória aos céus veio pompear,
como a Beleza, exposta a olhar terreno, brilha,
detivemo-nos, ante a humana maravilha,
e, tal como a Beleza, estremeceu a estrela."

Os amantes assim falavam e escorria
a noite, a declinar, sem que trouxesse o dia.
Caíram: porque os Céus esperanças não dão
a quem só ouve o bater do próprio coração.
––––––––––-

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Reforma Ortográfica 5

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Fonte:
Blog do Orlandeli

VII Concurso Nacional e Internacional de Trovas de Guaxupé/ MG - 2009



(classificações em ordem alfabética de autores)

ÂMBITO NACIONAL

TEMA = "INSENSATEZ"

TROVAS VENCEDORAS

A insensatez mostra a todos
aos que de amor ouvem juras
que há muitas tramas e engodos
por detrás das aventuras!
HÉRON PATRÍCIO - SP

Na insensatez da paixão
que me pega, e não tem cura,
deixo de lado a razão
e dou razão á loucura!
MARINA BRUNA - SP

Quando a verdade se alinha
a humanidade se alegra,
a insensatez se amesquinha,
ser feliz passa a ser regra.
MIGUEL RUSSOWSKY - Joaçaba / SC

Insensatez... Causa? Efeito?
Sentimento ou atitude?
Para quem pensa, é defeito;
para quem sonha, é virtude!
RENATA PACCOLA - SP

MENÇÕES HONROSAS

Insensatez de verdade
que a distância tenta impor
é nos matar de saudade
quando se vive de amor!
ARLINDO TADEU HAGEN - Juiz de Fora/MG

Na insensatez que atordoa,
quantas loucuras se apronta,
mas a vida não perdoa,
cedo ou tarde, manda a conta!
CAMPOS SALES - SP

Pobres racistas, insanos,
é a insensatez que os impele
a julgar seres humanos
a partir da cor da pele!...
DARLY O. BARROS - SP

Insensatez?!... Não! As horas,
no limiar do sol-pôr,
eu eternizo em auroras
nos braços do meu amor.
RELVA DO EGIPTO R. SILVEIRA - Belo Horizonte/MG

Se a insensatez determina
o valor que o homem tem,
não lhe basta a luz Divina,
ele quer ser Deus também...
WANDIRA FAGUNDES QUEIROZ - Curitiba/PR

MENÇÕES ESPECIAIS

Pela insensatez da idade
e pelo que o amor requer,
choro, às vezes, de saudade
fingindo outra dor qualquer!
ADEMAR MACEDO - Natal/RN

Num sonho que vou vivendo
a cada noite pressaga,
cada estrela que eu acendo
tua insensatez apaga...
GILVAN CARNEIRO DA SILVA - São Gonçalo/ RJ

Ante os problemas da vida,
desistir é insensatez.
Fracassou? Retorne à lida.
Insista! Tente outra vez!
JOÃO COSTA - Saquarema/ RJ

Foste embora e a dor avança
na insensatez que me invade:
eu te espero na esperança,
mas só voltas na saudade!...
MARILÚCIA REZENDE - SP

A insensatez tem dois lados
quando a paixão toma cor:
Num os beijos são pecados,
noutro, são provas de amor.
MIGUEL RUSSOWSKY – Joaçaba/SC
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CONCURSO INTERSEDES MINAS GERAIS
(âmbito estadual)

TROVA VENCEDORA

Arrancada na euforia,
amanhece, sem requinte,
a camisola do dia
no chão do dia seguinte!
ARLINDO TADEU HAGEN

MENÇÕES HONROSAS (ordem alfabética)

Em harmonia perfeita,
jogados ao pé da cama,
tua camisola aceita
o abraço do meu pijama!
ARLINDO TADEU HAGEN

A paixão se descontrola
e a saudade em mim se inflama,
quando encontro a camisola
sem ela... na minha cama!
EDUARDO A. O. TOLEDO - Pouso Alegre

No baú, deixei guardada
a camisola tecida
para uma noite sonhada,
mas... que nunca foi vivida.
THEREZA COSTA VAL - Belo Horizonte

MENÇÕES ESPECIAIS (ordem alfabética)

A camisola de fita
no varal me consternou:
agora só o vento agita
o que o desejo agitou!
ARLINDO TADEU HAGEN

Casaste. Triste eu sofria,
pois vestiste, bem contente,
a camisola macia
que eu te dera de presente!
LUIZ CARLOS ABRITTA - Belo Horizonte

Valeu a espera tardia
o amor se encaixa, perfeito...
E a camisola macia
descansa aos pés do meu leito...
MARIA DE FÁTIMA SOARES OLIVEIRA - Juiz de Fora
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Fonte:
José Ouverney.
Fotomontagem = José Feldman

José Carlos Capinan (O Poeta no Papel)


MUDANDO DE CONVERSA

Não me venham falar de éticas
Prefiro locomotivas
Ou motivos loucos para ser feliz
Prefiro vagões de urânio e feijão
Atravessando o país
Vendo o povo acenando lenços brancos
(Campos férteis)
Aos que vão sul a norte
Leste oeste
Trilhos novos, outros brasis

E eu menino outra vez a dar adeus aos tempos da antihistória
Quero sorrir das janelas de trens supersônicos
Em trilhos magnéticos
E novamente pensar que podemos alcançar as estrelas

(Dakar, em maio/2006)
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ALGUMAS FANTASIAS

I

É noite, tudo é mistério, eu vejo
Há quem chore, há quem ligue a chave de ignição
Entretanto em meu coração fortemente chove
Chove chove chove

Enquanto chove, choro e relampeja
Se despem e se despedem todos os amantes
As chaves de ignição acendem os trovões
Apagam-se as velas e assim seja

VII

Os carros são cada ano mais potentes
E capazes de desenvolver velocidades surpreendentes
São capazes de atirar quilômetros animais árvores
gente
Não sei porque a vida se faz tão urgente

VIII

Sou político
E nem sei o que possa dizer com isso
Mas é da época ser político
E há vários políticos
E cada um tem a sua verdade política
E a sua maneira política de ser político
E cada político tem o seu melhor mundo a oferecer
Sou político e também penso que talvez tenha um mundo
Mas nem por isso, talvez somente fantasie inútil
E acredite poder alterar esse inexorável rumo.

Fui tão político às vezes que desdenhei as formas
E contestei as normas
E confessei ridículas as pétalas de rosas
Fui tão político às vezes que fiz da beleza uma coisa perigosa
E tão político às vezes que tornou-se a noite pavorosa
Fui tão político às vezes que se desfizeram as minhas
mãos amorosas
E tão político às vezes que pensei entender a guerra
O chumbo e a pólvora
Fui tão político às vezes que despendi mil impossíveis horas
Dissolvendo em amnésia todas as memórias

As máquinas são políticas
As poéticas são políticas
As canções são políticas
Mas eu desconfio que alguma coisa possa deixar de ser
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MADRUGADAS DE NARCISO

Encalho nas madrugadas as minhas velas em farrapos
Sou eu mesmo os marinheiros
Sou eu mesmo a cabotagem
Sou eu quem traça os portos do roteiro
E torna em desespero a bússola da viagem

Naufrago nas madrugadas
Mas eu mesmo me faço nadar em vão até as mais
longínquas praias
Sou eu a maresia, a calmaria e a tempestade
Sou eu mesmo a terra à vista
Inalcançável
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OUTRAS CONFISSÕES

Narciso se despe, é noite, estão ladrando os cães
Os cães provavelmente ladrarão inteiramente a noite
Enquanto a lua cheia obtura os dentes podres das canções
Um traficante boliviano
Diz alô de Amsterdã
Um fracassado governante
Diz alô num telegrama
Tudo é ópio, para um ex-marxista
Para um ex-espiritualista, tudo é transe.
Tudo é provisoriamente eterno para os poetas
Tudo é eternamente provisório para os amantes
E o poema apenas a configuração do instante
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DIDÁTICA

A poesia é a lógica mais simples.
Isso surpreende
Aos que esperam ser um gato
Drama maior que o meu sapato.
Ou aos que esperam ser o meu sapato,
Drama tanto mais duro que andar descalço
E ainda aos que pensam não ser o meu andar descalço
Um modo calmo.

(Maior surpresa terão passado
Os que julgam que me engano:
Ah, não sabem o quanto quero o sapato
Nem sabem o quanto trago de humano
Nesse desespero escasso.
Não sabem mesmo o que falo
Em teorema tão claro.

Como não se cansariam ao me buscar os passos
Pois tenho os pés soltos e ando aos saltos
E, se me alcançassem, como se chocariam ao saber que faço
A lógica da verdade pelos pontos falsos)
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POESIA PURA

Se esta é a busca da noite enquanto noite,
A busca intensa que nada perturba,
Nego a sensibilidade, pois ela acrescenta.
Nego a compreensão, pois ela já tem noções
E pode perturbar a flor pelo conhecer do homem.
Hoje não relaciono, não comprometo.
Quero a coisa em seu íntimo mais grave
Quero a coisa, essencialmente a coisa,
A coisa metafísica, para provar a impossibilidade.
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O REBANHO E O HOMEM

O rebanho trafega com tranqüilidade o caminho:
É sempre uma surpresa ao rebanho que ele chegue
Ao campo ou ao matadouro.
Nenhuma raiva
Nenhuma esperança o rebanho leva.
Pouco importa que a flor sucumba aos cascos
Ou ainda que sobreviva.
Nenhuma pergunta o rebanho não diz:
Até na sede ele é tranqüilo
Até na guerra ele é mudo.
O rebanho não pronuncia,
Usa a luz mas nunca explica a sua falta
Usa o alimento sem nunca se perguntar
Sobre o rebanho o sexo
Que ele nunca explicara
E as fêmeas cobertas
Recebem a fecundidade sem admiração.
A morte ele desconhece e a sua vida.
No rebanho não há companheiros,
Há cada corpo em si sem lucidez alguma.

O rebanho não vê a cara dos homens
Aceita o caminho e vai escorrendo
Num andar pesado sobre os campos.
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Fontes:
- CAPINAN, José Carlos. Confissões de Narciso. Civilização Brasileira, 1995.
- CAPINAN, José Carlos. Inquisitorial. Civilização Brasileira, 1995.

José Carlos Capinan (Letras de Músicas)



Com trechos de depoimentos do autor em Vinte Canções de Amor e Um Poema Quase Desesperado

PONTEIO

(Parceria com Edu Lobo)

Era um, era dois, era cem
Era o mundo chegando e ninguém
Que soubesse que eu sou violeiro
Que me desse ou amor ou dinheiro
Era um era dois era cem
Vieram pra me perguntar
Oh você de onde vai de onde vem
Diga logo o que tem pra cantar
Parado no meio do mundo
Pensei chegar meu momento
Olhei pro mundo e nem via
Nem sombra nem sol nem vento

Quem me dera agora
Eu tivesse a viola
Pra cantar

Era um dia, era claro, quase meio
Era um canto calado sem ponteio
Violência, viola violeiro
Era a morte em redor mundo inteiro
Era um dia, era claro, quase meio
Era um que jurou me quebrar
Mas não lembro de dor nem receio
Só sabia das ondas do mar
Jogaram a viola no mundo
Mas fui lá ho fundo buscar
Se toma a viola eu ponteio
Meu canto não posso parar

Quem me dera agora
Eu tivesse a viola
Pra cantar

Era um era dois, era cem
Era um dia, era claro, quase meio
Encerrar meu cantar já convém
Prometendo um novo ponteio
Este dia bem claro por inteiro
Eu espero não vá demorar
Este dia estou certo que vem
Digo logo que vim pra buscar
Parado no meio do mundo
Não deixo a viola de lado
Vou ver o tempo mudado
E um novo lugar pra cantar
Quem me dera agora

Eu tivesse a viola pra cantar
Ponteio, ponteio
Todo mundo
Pontear

“Em 1967, Ponteio ganhou o III Festival da MPB, enquanto era morto em SantaCruz de la Sierra, Bolívia, um mito latino americano, que derrubara em Cuba, ao lado de Fidel, a ditadura de Fulgêncio Baptista, criando pela primeira vez uma república socialista nas Américas. Neste festival, foram plantadas as sementes da Tropicália. Caetano Veloso defende Alegria, Alegria, e enquanto se preparava para cantar Domingo no Parque, entreguei a Gilberto Gil o poema-letra Soy Loco Por Ti, América. Considero estas três canções precursoras do Tropicalismo. E considero Ponteio o encerramento do ciclo que elejera o Nordeste como síntese de nossa postura estético-política”.

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SOY LOCO POR TI AMERICA
(Parceria com Gilberto Gil)

Soy loco por ti, América
Yo voy traer una mujer playera
Que su nombre sea Marti, que su nombre sea Marti
Soy loco por ti de amores
Tenga como colores la espuma blanca de Latinoamérica
Y ei cielo como bandera, y ei cielo como bandera

Soy toco por ti, América,
Soy toco por ti de amores

Sorriso de quase nuvem, os rios, canções, o medo
O corpo cheio de estrelas, o corpo cheio de estrelas
Como se chama a amante
Esse país sem nome, esse tango, esse rancho,
Esse povo, dizei-me, arde o fogo de conhecê-la!
O fogo de conhecê-la

Soy toco por ti, América!
Loco por ti de amores
El nombre dei hombre muerto
Ya no se puede decirlo, quién sabe?
Antes que o dia arrebente, antes que o dia arrebente
El nombre del hombre muerto
Antes que a definitiva noite se espalhe em Latinoamérica
El nombre del hombre es pueblo,
El nombre del hombre es pueblo

Soy loco por ti! América!
Loco por ti de amores

Espero o amanhã que cante
El nombre del hombre muerto
Não sejam palavras tristes, soy loco por ti de amores
Um poema ainda existe
Com palmeiras, com trincheiras, canções de guerra
Quem sabe, canções do mar
Ai, hasta te comover, ai, hasta te comover

Soy toco por ti! América
Soy toco por ti de amores

Estou aqui de passagem,
Sei que adiante um dia vou morrer
De susto, de bala ou vício
De susto, de bala ou vício
Num precipício de luzes
Entre saudades, soluços, eu vou morrer de bruços Nos braços, nos olhos, nos braços de uma mulher
Nos braços de uma mulher
Mas apaixonado ainda
Dentro dos braços da camponesa, guerrilheira, manequim,
Ai de mim, nos braços de quem me queira
Nos braços de quem me queira

Soy loco por ti, América
Soy loco por ti de amores

O anúncio da vitória de Ponteio no III Festival da Record coincidiu com a notícia da morte do Che, que me levou a chorar e a escrever, num repente alucinado, do começo ao fim, sem reescrever uma só linha ou palavra (...). Entreguei o poema, nos bastidores do Festival, a Gilberto Gil. Ele criou o hino que hoje se mantém vivo e que talvez me dê a maior satisfação de tudo que fiz. Esta canção tem um grande significado, talvez seja a que melhor expressa meu sentimento rebelde e lírico e me faz acreditar que pertenço a um momento em que a América Latina era central em nossas idéias e destino, tudo sonhado revolucionariamente. Soy Loco por Ti, América me dá o imenso prazer de, querendo ser poeta, poder assim testemunhar nosso estar no mundo.”

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CLARICE
(Parceira com Caetano Veloso)

Há muita gente
Apagada pelo tempo
Nos papéis desta lembrança
Que tão pouca me ficou
Igrejas brancas, luas claras nas varandas
Jardim de sonho e cirandas
Foguetes claros no ar

Que mistério tem Clarice
Pra guardar-se assim tão firme
No coração

Clarice era morena
Como as manhãs são morenas
Era pequena no jeito de não ser quase ninguém
Andou conosco caminhos de frutas e passarinhos
Mas jamais que se despiu
Entre os meninos e os peixes
Entre os meninos e os peixes
Do rio

Eu pergunto o mistério
Que mistério tem Clarice
Pra guardar-se assim tão firme
No coração

Tinha receio do frio
Medo de assombração
Um corpo que não mostrava
Feito de adivinhação
Os botões sempre fechados
Clarice tinha o recato
De convento e procissão

Que mistério tem Clarice
Que mistério tem Clarice
Pra guardar-se assim tão firme
No coração

Soldado fez continência
O coronel reverência
0 padre fez penitência
Três novenas e uma trezena
Mas Clarice era inocência
Nunca mostrou-se a ninguém
Fez-se modelo das lendas
Das lendas que nos contaram
As avós

Eu pergunto o mistério
Que mistério tem Clarice
Pra guardar-se assim tão firme
No coração

Tem que um dia amanhecia e Clarice
Assistiu minha partida
Chorando pediu lembrança
E vendo o barco se afastar de Amaralina
Desesperadamente linda
Soluçando e lentamente
E lentamente despiu o corpo moreno
E entre todos os presentes
Até que seu amor sumisse
Permaneceu no adeus chorando e nua
Para que a tivesse toda
Todo tempo que existisse

Que mistério tem Clarice
Que mistério tem Clarice
Pra guardar-se assim tão firme
No coração?

1966 (...) Morava no Rio de Janeiro, numa espécie de exílio interno, que vivi ao sair da Bahia, em 1964. Eu tinha uma idéia recorrente de voltar. Algumas vivências de adolescente insistiam em permanecer no meu coração, resistindo ao sex appeal das garotas de Ipanema, pelejando com as novas emoções que o Rio oferecia. E eram muitas. Mas a quase namoradinha do interior permaneceu como ícone da beleza nativa, a cobiçada filha de seu Cícero (...). Escrevi Clarice num surto de banzo. E mostrei o poema a Suzana (filha de Vinícius de Moraes) e Macalé. Suzana identificou Caetano como parceiro ideal (...) A morena Clarice foi gravada também por Orlando Silva, o que vim a descobrir após a sua morte”.
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PAPEL MACHÊ
Parceria com João Bosco

Cores do mar
Festa do Sol
Vida é fazer
Todo sonho brilhar
Ser feliz
No seu colo dormir
E depois acordar
Sendo seu colorido brinquedo
De papel machê

Dormir no teu colo
É tornar a nascer
Violeta e azul
Outro ser
Luz do querer
Não vai desbotar
Lilás cor do mar
Seda cor do batom
Arco-íris crepom
Nada via desbotar
Brinquedo de papel machê

Poucas canções eu fiz tomando como ponto de partida uma melodia já composta. Ponteio e Papel Machê foram raras exceções. Gosto de escrever os poemas ou letras livremente, sem um padrão a ser alcançado... Esta parceria com João Bosco é um dos maiores sucessos de tudo que escrevi. Eu estava feliz e bem amado quando a fiz e me interessava muito pelas relações amorosas que dão certo, porque me sinto mal-educado afetivamente (...)”

Fonte:
http://www.antoniomiranda.com.br

José Carlos Capinan (1941)



Nasceu em 19 de fevereiro de 1941, em Esplanada, Bahia, filho de Osmundo Capinan e Judite Bahiana Capinan com mais 12 irmãos.

Começou a escrever poesia aos 15 anos.

Em 1960, mudou-se para Salvador, iniciando o Curso de Direito na Universidade Federal da Bahia. Por essa época, estudando também teatro no Centro Popular de Cultura, ligado à UNE, conheceu Caetano Veloso e Gilberto Gil, ambos cursando as faculdades de Filosofia e Administração de Empresas, respectivamente. Atuou na peça "Os fuzís da Senhora Cará", de Brecht, dirigida por Álvaro Guimarães.

No ano de 1963, escreveu e estreou a peça "Bumba-meu-boi", musicada por Tom Zé.

Em 1964 formou-se Artes Cênicas e Direito. Com o golpe militar, foi forçado a deixar Salvador, transferindo-se para São Paulo, indo trabalhar como redator publicitário na agência Alcântara Machado. Por essa época, conheceu Geraldo Vandré (que fazia jingles para a agência), além de Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal (do Teatro de Arena) que o levaram para o meio musical de São Paulo. Logo depois foi apresentado a Edu Lobo.

Participou ativamente dos movimentos culturais da década de 1960: Centro Popular de Cultura (CPC), Feira da Música (Teatro Jovem, ao lado de Paulinho da Viola, Caetano Veloso, Torquato Neto e Gilberto Gil) e Tropicalismo, com Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Os Mutantes, Nara Leão, Torquato Neto, Rogério Duarte, Rogério Duprat e Gal Costa.

Em 1965, foi co-autor, com Caetano Veloso e Torquato Neto, da peça "Pois É", interpretada por Gilberto Gil, Maria Bethânia e Vinicius de Moraes, no teatro Opinião, no Rio de Janeiro. Compôs com Caetano Veloso a trilha sonora do filme "Viramundo", de Geraldo Sarno, que contou também com a música-título "Viramundo", esta, composta em parceria com Gilberto Gil.

No ano de 1966, publicou o livro de poemas "Inquisitorial". Em seguida, voltou a Salvador, onde cursou Medicina, profissão que chegou a exercer por algum tempo.

Em 1967, com Torquato Neto, escreveu o programa de televisão "Vida, Paixão e Banana do Tropicalismo", interpretado por Caetano Veloso, Gilberto Gil e Gal Costa, sob a direção de José Celso Martinez Corrêa.

Na década de 1970, foi co-editor ao lado de Abel Silva da "Revista Anima".

Em 1973, dirigiu e produziu o show de Gal Costa e Jards Macalé, no teatro Oficina, em São Paulo, e o espetáculo "Luiz Gonzaga, o Rei do Baião", no teatro Teresa Raquel, no Rio de Janeiro.

Em 1976, publicou poemas na antologia "26 poetas hoje", organizada por Heloísa Buarque de Hollanda. No ano seguinte, lançou pela editora Macunaíma "Ciclo de navegação Bahia e gente".

Em 1982 formou-se em Medicina, pela UFBA. Dois anos depois, estruturou a TV Educativa da Bahia, criando diversos programas para seu lançamento e em 1985 atuou como diretor da emissora.

Em 1986 foi nomeado Secretário Municipal da Cultura, de Camaçari (BA), passando a integrar o Conselho Nacional de Direito Autoral, do Ministério da Cultura (MinC), participando também de comissões de Divulgação Autoral

De 1987 a 1989, atuou como Secretário da Cultura do Estado da Bahia, e como presidente dos Fóruns Nacional de Secretários da Cultura e Estadual de Cultura. Neste mesmo ano editou três livros: "Inquisitorial" (reedição, o original é de 1967) e "Confissões de Narciso", pela editora Civilização Brasileira, além de "Balança Mas Hai Kai", pela editora BDA.

Em 1990, fez o show "Poeta, mostra a tua cara", tendo como convidados especiais Gilberto Gil, Paulinho da Viola e Geraldo Azevedo, no Jazz Club, no Rio de Janeiro.

No ano de 1995, relançou do pela Editora Civilização Brasileira, "Inquisitorial", seu livro de poemas, contou com ensaio crítico de José Guilherme Merquior, escrito em 1968 e publicado no livro "A astúcia da mímese" em 1969. No ano seguinte, em 1996, publicou "Uma canção de amor às árvores desesperadas", livro de poemas. Neste mesmo ano apresentou-se no projeto "Fala, poeta", acompanhado pelo grupo Confraria da Bazófia, em Salvador, Bahia.

Publicou também "Signo de Navegação Bahia e Gente" e "Estrela do Norte, Adeus".

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Capinan (por Gilberto Gil)

Conheci Capinan estre 1962 e 1963 quando, estudantes em Salvador, todos em diferentes níveis e graus, ele, eu, Caetano, Tom Zé, Torquato Neto, Waly Salomão, Duda Machado, Álvaro Guimarães, Rogério Duarte, Fernando Batinga e tantos outros vivíamos o dia-a-dia da iniciação nas lides culturais, na política estudantil, nas experiências do sexo, do amor, da aventura de conduzir-nos, num incessante entra-em-beco-sai-de-beco corpoalma a dentro de uma cidade mítica, bela e sensual, de mil histórias antes por outras gentes e poetas vividas e mais outras tantas mil histórias então por outras tantas gentes e poetas por viver.

Éramos todos, ali, um uníssono unissonho de sermos — nos tornarmos gente e poetas a um só tempo. Gente no sentido de indivíduos/átomos do coletivo povo com sua massa material em labuta e luta. (...) Poetas no sentido religioso de mensageiros de Deus, no sentido psicoanalítico de intérpretes dos sonhos, alma psicossocial, qualidade da comida, musculatura distendida após o orgasmo, palco, beijo, idéia-flor, pensamento-ungüento, carnaval, celebração piedosa, a vida no seu vale-quanto-reza, fundamentalismo espiritual.

(...) Capinan, como todos nós outros, vivia aquela aventura com a sofreguidão das almas jovens. Vindo de um interior ainda mais agreste, ainda mais nordeste do que o de onde vínhamos eu e Caetano — porque ainda mais longe do mar de águas e de luzes da baía —, Capinan era portador e manifestante de uma alma ainda mais severina, no sentido joãocabralino da palavra. Mais caprino, mais cismado mais dependurado nas argolas das interrogações, como se elas fossem aquelas gangorras toscas pendendo dos galhos das mangueiras dos quintais das casas no seu sertão. De pensamento arisco, arredio, mais litera(l)riamente desconfiado do que os outros, Capinan viria depositar a palavra nas mãos do seu coração semiárido. A sua poesia estava, então, naquela região do sertão, naquele coração semiúmido e de lá ela se faria escrever e falar.

Aqui e ali essa poesia viria a ser, mais tarde, um pouco mais entumescida pelo mar da viagem ao desconhecido ou pelo orvalho das últimas madrugadas neoromânticas, quando dos estertores da revolução política e cultural dos sessenta e dos setenta e logo dos oitenta e tantos quantos foram os anos-luzes do seu percurso por sampas e riodejaneiros. Mas, no fundo, eu quase arriscaria afirmar que a poesia de Capinan repousa, ainda e eternamente, no caroço de umbu da sua caatinga. Umbu cuja carne é assim meio fibra, meio nervo e um tanto pouca, que ao morder se dá mais parca que farta, com seu doce ancorado em seu azedo, cujo gosto é bom mas exigente e dificultoso, e cujo caroço é duro e traiçoeiro para os dentes. Creio que assim será sempre a poesia de Capinan, embora seu verso tenha uma vez ameaçado que “já não somos como na chegada”.

Sabemos que em todos nós há sempre um que vai e um que fica, um que muda e um que permanece, e que há um outro que atento os observa a ambos, quase sempre a um deles distinguindo como se com um amor de pai.

(...) A poesia de Capinan distingue, elege e prestigia aquilo/aquele que nele permanece. Aquilo que não se perde nas névoas do delírio. Como a um fio de Ariadne atado. Aquilo que, como no sonho acordado do menino, leva-o à exploração das grutas obscuras da fantasia mas o traz sempre de volta ao ser do presente, ao claro recinto do seu quarto — ainda que sob tênue luz de lamparina iluminado. Quatro paredes, o teto, seu ambiente. Sempre de volta à obstinada recusa da solidão. De volta a algum/alguém sempre ao seu lado. Ele mesmo, o seu amigo ambíguo, um tanto quanto deslocado, quase que num quarto ao lado, contíguo a si mesmo, mas ainda no âmbito da sua con(si)guidade.

Convidado oficial da I Bienal Internacional de Poesia de Brasília, participa da antologia POEMÁRIO da I BIP.

Fontes:
- CAPINAN, José Carlos. Confissões de Narciso, Civilização Brasileira, 1995.
- http://www.dicionariompb.com.br/

Dalila Teles Veras (A Cidade do meu Desejo)

Desenho de Thomas Larson (Thomate)
A cidade do meu desejo será aquela onde se tenha direito ao trabalho e seja possível realizar o encontro e caminhar por calçadas amplas, mãos dadas com o companheiro(a), sem tropeçar em obstáculos e sem medo de assalto.

Na cidade do meu desejo, não haverá aberrações de arquitetura antimendigo e antiladrão, abomináveis invenções a substituir a invenção maior que é a de melhorar o homem e, quando necessário, aplicar-lhe penas que o possa recuperar e devolvê-lo mais humano ao seio da comunidade.

Na cidade do meu desejo, haverá transporte coletivo abundante para todos e o automóvel será um objeto quase obsoleto, não terá prioridades, obedecerá rigorosamente aos códigos estabelecidos e não será usado como arma nem símbolo de poder.

Na cidade do meu desejo, não haverá confinamento e os logradouros públicos serão realmente públicos, sem grades nem cancelas, os parques serão parques e não prisões com vigias eletrônicos ou iluminação feérica - simulacro de centros de compras.

Na cidade do meu desejo, os cidadãos não precisarão cumprir os seus deveres apenas quando se souberem vigiados, mas saberão cumpri-los porque os mesmos já estarão incorporados aos seus hábitos éticos e culturais.

A cidade de meu desejo será aquela onde todos possam facilmente (re)conhecer os marcos de sua história, contados e recontados através de seus poetas e artistas.

Na cidade do meu desejo, haverá placas indicativas nas casas onde nasceram ou residiram pessoas que melhor contribuíram para a sua melhoria, forma de recordá-las como marcos culturais do lugar.

A cidade de meu desejo deverá estabelecer políticas públicas que propiciem o envolvimento dos cidadãos, criando pontos de contato entre suas culturas distintas, celebração de tolerâncias e diferenças.

A cidade de meu desejo deverá eleger homens probos para administrá-la e legislá-la, que saibam distinguir a diferença entre ser eleito para um cargo público e apoderar-se dele como dono, valendo-se disso para benefício próprio e de apadrinhados.

A cidade só será construída quando os seus habitantes estiverem conscientes de que uma cidade é feita de cidadãos e não apenas de governantes, cabendo a cada um fazer a sua parte na coletividade. O futuro, é preciso lembrar, é hoje e precisa começar a ser construído.

Fontes:
http://www.dalila.telesveras.nom.br/crônicasdalilatelesveras2.htm

Folclore do Piauí (Barba Ruiva, o duende filho de Iara)



"As fábulas e as lendas, são estórias que devem ser contadas e recontadas, para que não se percam as vigas mestras da formação de um povo"
Rosane Volpatto

Um mundo de mistérios nos envolve. Por detrás das lendas há um novo mundo que nos aguarda. Um mundo que vive dentro de nós e que aspira reflexões, mas raramente damos ouvidos a esta "voz interior", que nada mais é do que a nossa consciência-intuição que busca apresentar soluções para os nossos problemas, dos mais insignificantes aos mais importantes. Somente o diário exercício da compreensão e da paciência nos abrirão as portas para este mundo silencioso e tão íntimo.

Para mantermos nosso equilíbrio, precisamos manter unidos o interior e o exterior, o visível e o invisível, o conhecido e o desconhecido, o temporal e o eterno, o antigo e o novo. E...nenhuma outra pessoa pode empreender esta tarefa por nós!

A Lenda do Barba Ruiva nos fala de como uma "voz" pode ficar aprisionada e sofrer com a indiferença daqueles que não querem ouvir.

A LENDA...

Esta é uma lenda popular sobre a Lagoa de Paranaguá no Piauí, que por volta de 1830, já era conhecida. Conta-se que de tão pequena (a lagoa), era quase uma fonte e que cresceu por encanto. Tal magia aconteceu mais ou menos assim:

Na Salinas, ponta leste do povoado de Paranaguá, vivia uma viúva muito pobre com três filhas. Certo dia, a sua filha mais nova adoeceu sem que ninguém conseguisse o fato que produzira tal moléstia. Permaneceu triste e pensativa até que descobriu que esperava um menino de seu namorado que morrera, sem ter tido a oportunidade de levá-la ao altar.

Chegando ao tempo de dar à luz ao bebê, a moça embrenhou-se nos matos, porém, arrependida, resolveu abandonar a criança. Deitou o filhinho em um tacho de cobre e colocou-o dentro da lagoa. O tacho afundou, mas foi trazido à tona pela Iara, que tremia de raiva e amaldiçoou a moça que chorava à beira da lagoa.

Enraivecida, a Iara provocou o crescimento das águas, que em uma enchente sem fim, alagavam, encharcavam e aumentavam sem cessar. "Tomou toda a várzea, passando por cima das carnaubeiras e buritis, dando onda como maré de enchente na lua", nos conta Câmara Cascudo. Desde então, a lagoa tornou-se um lugar mágico, onde se ouvem estranhas vozes e observam-se luzes de origem desconhecida.

Todos os que já se atreveram a morar às margens da lagoa, tiveram que fugir assustados, pois durante à noite, ouviam o choro de um bebê, procedente do fundo das águas, como que solicitando o peito da mãe para alimentar-se. Mas, com o passar dos anos, o choro cessou.

Conta ainda a lenda, que às vezes surge das águas um ser humano que pela manhã é um menino, ao meio-dia um rapaz de barbas ruivas e, pela noite, um velho de barbas brancas. Muito tímido, foge dos homens quando é visto, porém aproxima-se das moças bonitas para observá-las e depois foge. Este é um dos motivos pelas quais as mulheres evitam de lavar roupas sozinhas.

O Barba Ruiva, como ficou conhecido, é tido como filho de Iara, a Sereia. Pacífico, a entidade não fere e não maltrata ninguém e é tido como um duende bom. A sina à qual está preso, só terminará quando uma mulher atirar sobre sua cabeça algumas gotas de água benta e algumas contas de um rosário, para convertê-lo então, ao cristianismo.

Bibliografia
O Folklore Piauiense - Leônidas e Sá (Litericultura, II, 125-128 e 363-370)
Folklore no Brasil - Basílio de Magalhães
Lendas Brasileiras - Câmara Cascudo

Fontes:
http://www.rosanevolpatto.trd.br/lendabarbaruiva.htm
Imagem = http://indiosdobrasilsomostodosirmaos.blogspot.com

Guy de Maupassant (A Morta)


Eu a amara perdidamente! Por que amamos? É realmente estranho ver no mundo apenas um ser, ter no espírito um único pensamento, no coração um único desejo e na boca um único nome: um nome que ascende ininterruptamente, que sobe das profundezas da alma como a água de uma fonte, que ascende aos lábios, e que dizemos, repetimos, murmuramos o tempo todo, por toda parte, como uma prece.

Não vou contar a nossa história. O amor só tem uma história, sempre a mesma. Encontrei-a e amei-a. Eis tudo. E vivi durante um ano na sua ternura, nos seus braços, nas suas carícias, no seu olhar, nos seus vestidos, na sua voz, envolvido, preso, acorrentado a tudo que vinha dela, de maneira tão absoluta que nem sabia mais se era dia ou noite, se estava morto ou vivo, na velha Terra ou em outro lugar qualquer.

E depois ela morreu. Como? Não sei, não sei mais.

Voltou toda molhada, nutria noite de chuva, e, no dia seguinte, tossia. Tossiu durante cerca de uma semana e ficou de cama.

O que aconteceu? Não sei mais.

Médicos chegavam, receitavam, retiravam-se. Traziam remédios; uma mulher obrigava-a a tomá-los. Tinha as mãos quentes, a testa ardente e úmida, o olhar brilhante e triste. Falava-lhe, ela me respondia. O que dissemos um ao outro? Não sei mais. Esqueci tudo, tudo, tudo! Ela morreu, lembro-me muito bem do seu leve suspiro, tão fraco, o último. A enfermeira exclamou: "Ah! Compreendi, compreendi!"

Não soube de mais nada. Nada. vi um padre que falou assim: "Sua amante." Tive a impressão de que a insultava. Já que estava morta, ninguém mais tinha o direito de saber que fora minha amante. Expulsei-o. Veio outro que foi muito bondoso, muito terno. Chorei quando me falou dela.

Consultaram-me sobre mil coisas relacionadas com o enterro. Não sei mais. Contudo, lembro-me muito bem do caixão, do ruído das marteladas quando a enterraram lá dentro. Ah! meu Deus!

Ela foi enterrada! Enterrada! Ela! Naquele buraco! Algumas pessoas tinham vindo, amigas. Caminhei durante muito tempo pelas ruas. Depois voltei para a casa. No dia seguinte, parti para uma viagem.

Ontem, regressei a Paris.

Quando revi o meu quarto, o nosso quarto, a nossa cama, os nossos móveis, toda essa casa onde ficara tudo o que resta da vida de um ser depois da sua morte, o desgosto apoderou-se de mim novamente, de uma forma tão violenta que quase abri a janela para atirar-me à rua. Não podendo mais permanecer no meio daqueles objetos, daquelas paredes que a tinham encerrado, abrigado, e que deviam conservar em suas fendas imperceptíveis milhares de átomos seus, da sua carne e da sua respiração, peguei meu chapéu para sair. De súbito, ao atingir a porta, passei diante do grande espelho que ela mandara colocar no vestíbulo para mirar-se, dos pés à cabeça, todos os dias antes de sair, para ver se toda a sua toalete lhe ia bem, se estava correta e elegante, das botinas ao chapéu.

E parei, de chofre, diante desse espelho que tantas vezes a refletira. Tantas, tantas vezes, que também deveria ter guardado a sua imagem.

Fiquei lá, de pé, trêmulo, os olhos fixos no vidro liso, profundo, vazio, mas que a contivera toda, que a possuíra tanto quanto eu, tanto quanto o meu olhar apaixonado. Tive a impressão de que amava aquele espelho - toquei-o - estava frio! Ah! recordação! recordação! Espelho doloroso, espelho ardente, espelho vivo, espelho horrível, que inflige todas as torturas! Felizes os homens cujo coração, como um espelho onde os reflexos deslizam e se apagam, esquece tudo o que conteve, tudo o que passou à sua frente, tudo o que se contemplou e mirou na sua feição, no seu amor! Como sofro! Saí e, involuntariamente, sem saber, sem querer, dirigi-me ao cemitério. Encontrei seu túmulo, um túmulo singelo, uma cruz de mármore com algumas palavras: "Ela amou, foi amada, e morreu."

Lá estava ela, embaixo, apodrecendo! Que horror! Eu soluçava, a fronte no chão.

Fiquei lá por muito tempo, muito tempo. Depois, percebi que a noite se aproximava. Então, um desejo estranho, louco, um desejo de amante desesperado apoderou-se de mim. Resolvi passar a noite junto dela, a última noite, chorando no seu túmulo. Mas me veriam, me expulsariam. Que fazer? Fui esperto. Levantei-me e comecei a vagar pela cidade dos desaparecidos. Vagava, vagava. Como é pequena essa cidade ao lado da outra, daquela em que vivemos! Precisamos de casas altas, de ruas, de tanto espaço, para as quatro gerações que vêem a luz ao mesmo tempo, que bebem a água das fontes, o vinho das vinhas e comem o pão das planícies.

E para todas as gerações dos mortos, para toda a série de homens que chegaram até nós, quase nada, um terreno apenas, quase nada! A terra os toma de volta, o esquecimento os apaga. Adeus!

Na extremidade do cemitério habitado, avistei subitamente o cemitério abandonado, onde os velhos defuntos acabam de misturar-se à terra, onde as próprias cruzes apodrecem, e onde amanhã serão colocados os últimos que chegarem. Está cheio de rosas silvestres, de ciprestes negros e vigorosos, um jardim triste e soberbo alimentado com carne humana.

Estava só, completamente só. Agachei-me perto de uma árvore verde. Escondi-me completamente entre os galhos grossos e escuros.

E esperei, agarrado ao tronco como um náufrago aos destroços.

Quando a noite ficou escura, bem escura, deixei o meu abrigo e comecei a caminhar de mansinho, com passos lentos e surdos, por essa terra repleta de mortos.

Vaguei durante muito, muito tempo. Não a encontrava. Braços estendidos, olhos abertos, esbarrando nos túmulos com as mãos, com os pés, com os joelhos, com o peito, e até com a cabeça, eu vagava sem encontrá-la. Tocava, tateava como um cego que procura o caminho, apalpava pedras, cruzes, grades de ferro, coroas de vidro, coroas de flores murchas! Lia nomes com os dedos, passando-os sobre as letras. Que noite! Que noite! Não a encontrava!

Não havia lua! Que noite! Sentia medo, um medo horrível, nesses caminhos estreitos entre duas filas de túmulos! Túmulos! Túmulos! Túmulos. Sempre túmulos! À direita, à esquerda, à frente, à minha volta, por toda parte, túmulos! Sentei-me num deles, pois não podia mais caminhar, de tal forma meus joelhos se dobravam. Ouvia meu coração bater! E também ouvia outra coisa! O quê? Um rumor confuso, indefinível! Viria esse ruído do meu cérebro desvairado, da noite impenetrável, ou da terra misteriosa, da terra semeada de cadáveres humanos? Olhei à minha volta!

Quanto tempo fiquei ali? Não sei. Estava paralisado de terror, alucinado de pavor, prestes a gritar, prestes a morrer.

E, de súbito, tive a impressão de que a laje de mármore onde estava sentado se movia. Realmente, ela se movia, como se a estivessem levantando. Com um salto, precipitei-me para o túmulo vizinho e vi, sim, vi erguer-se verticalmente a laje que acabara de deixar; e o morto apareceu, um esqueleto nu que empurrava a lápide com as costas encurvadas. Eu via, via muito bem, embora a escuridão fosse profunda. Pude ler sobre a cruz:

"Aqui jaz Jacques Olivant, morto aos cinqüenta e um anos de idade. Amava os seus, foi honesto e bom, e morreu na paz do Senhor."

O morto também lia o que estava escrito no seu túmulo. Depois, apanhou uma pedra no chão, uma pedrinha pontiaguda, e começou a raspar cuidadosamente o que lá estava. Apagou tudo, lentamente, contemplando com seus olhos vazios o lugar onde ainda há pouco existiam letras gravadas; e, com a ponta do osso que fora seu indicador, escreveu com letras luminosas, como essas linhas que traçamos com a ponta de um fósforo:

"Aqui jaz Jacques Olivant, morto aos cinqüenta e um anos de idade. Apressou com maus tratos a morte do pai de quem desejava herdar, torturou a mulher, atormentou os filhos, enganou os vizinhos, roubou sempre que pode e morreu miseravelmente."

Quando acabou de escrever, o morto contemplou sua obra, imóvel. E, voltando-me, notei que todos os túmulos estavam abertos, que todos os cadáveres os tinham abandonado, que todos tinham apagado as mentiras inscritas pelos parentes na pedra funerária, para aí restabelecerem a verdade.

E eu via que todos tinham sido carrascos dos parentes, vingativos, desonestos, hipócritas, mentirosos, pérfidos, caluniadores, invejosos, que tinham roubado, enganado, cometido todos os atos vergonhosos, abomináveis, esses bons pais, essas esposas fiéis, esses filhos devotados, essas moças castas, esses comerciantes probos, esses homens e mulheres ditos irrepreensíveis.

Escreviam todos ao mesmo tempo, no limiar da sua morada eterna, a cruel, terrível e santa verdade que todo mundo ignora ou finge ignorar nesta Terra.

Imaginei que também ela devia ter escrito a verdade no seu túmulo. E agora já sem medo, correndo por entre os caixões entreabertos, por entre os cadáveres, por entre os esqueletos, fui em sua direção, certo de que logo a encontraria.

Reconheci-a de longe, sem ver o rosto envolto no sudário.

E sobre a cruz de mármore onde há pouco lera:

"Ela amou, foi amada, e morreu", divisei:

"Tendo saído, um dia, para enganar seu amante, resfriou-se sob a chuva, e morreu”.

Parece que me encontraram inanimado, ao nascer do dia, junto a uma sepultura.
(31 de maio de 1887)

Fontes:
MAUPASSANT, Guy de. Contos Fantásticos. (Trad. José Thomas Brum). Porto Alegre: L&PM, 1997. Coleção L&PM Pocket, vol. 24.
Imagem = http://camaradostormentos.blogspot.com/

Guy de Maupassant (1850 – 1893)



“O beijo fulmina-nos como o relâmpago, o amor passa como um temporal, depois a vida, novamente, acalma-se como o céu, e tudo volta a ser como dantes. Quem se lembra de uma nuvem?”

Henry René Albert Guy de Maupassant (5 de Agosto de 1850, Fécamp - 6 de Julho de 1893, Paris) foi escritor, poeta e um dos maiores contistas de todos os tempos. Sua obra é conhecida por retratar situações psicológicas e fazer crítica social com técnica naturalista.

Maupassant teve uma infância e uma juventude aparentemente felizes no campo, em companhia da mãe, uma mulher culta e depressiva, que foi abandonada pelo marido.

Na década de 1870, ele se dirigiu a Paris, onde se firmou como contista e teve contato com os grandes escritores realistas e naturalistas da época: Zola, Flaubert e o russo Turguêniev.

Entre 1875 e 1885, produziu a maior parte de seus romances e contos. Escreveu pelo menos 300 histórias curtas, muitas das quais algumas se tornaram mundialmente conhecidas, como Bola de Sebo, O Colar, Uma Aventura Parisiense, Mademoiselle Fifi, Miss Harriett e O Horla.

Maupassant talvez tenha sido, nos últimos anos do século XIX, o escritor mais lido no mundo.

Rico e famoso, ele teve muitos casos amorosos, mas a sífilis o atormentou por mais de uma década, ocasionando-lhe pesadelos, angústia e de alucinações.

A riqueza e a fama bateram à sua porta, e ele teve uma profusão de casos amorosos. No entanto, a partir de 1884 a sífilis manifestou-se em seu organismo, ocasionando-lhe uma doença nervosa feita de angústias inexplicáveis, de estremecimentos e de alucinações. Algumas dessas sensações estranhas e opressivas foram registradas em contos tão célebres quanto assustadores, como O Horla e É ele. Em 1882, após terríveis sofrimentos, tentou o suicídio. Hospitalizado, veio a morrer no ano seguinte, em estado de semidemência, com apenas 43 anos de idade. Foi enterrado no cemitério de Montparnasse, em Paris.
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A Obra de Maupassant

O primeiro aspecto que chama atenção na obra de Maupassant é a sua variedade temática. Poucos escritores conseguem dar esta impressão de registro de totalidade da existência, de criação de um universo fecundo, múltiplo e quase inesgotável. Escreve sobre Paris, então capital do Ocidente, enfocando várias classes: burgueses, operários, prostitutas, boêmios, intelectuais, funcionários. Escreve também sobre a vida rural, fixando a avareza, a selvageria e a capacidade de resistência dos camponeses. Algumas de suas obras-primas referem-se à Guerra Franco-Prussiana, de 1870. No fim da vida, atormentado por pesadelos, cria histórias cheias de personagens paranóicas.

Há contos para todos os gostos: dos cômicos aos dramáticos, dos pitorescos aos trágicos. Alguns mostram a dor da passagem do tempo; outros, a alegria do presente. Há os que celebram o amor ideal e há os que cantam a brevidade do amor erótico. Muitos registram o cotidiano, alguns enveredam pelo caminho da assombração. Como um pintor impressionista, Maupassant pinta as luzes de Paris: as que reverberam no Sena, as que cintilam nos parques e as que brilham à noite nos boulevards. Luzes que envolvem as personagens nos dramas essenciais da condição humana: a paixão, o prazer, a solidão, o tédio, a morte. É o cronista da vida européia do fim dos Oitocentos, mas também um escritor de dimensão universal.

Quanto à estrutura do gênero, Maupassant fundamenta e dá prestígio a um tipo de narrativa breve, hoje chamada de conto tradicional ou conto anedótico. Caracteriza-se por uma reviravolta surpreendente, quase sempre no desfecho da história. Ou seja, o final do relato deve apresentar algo de inesperado e de impactante ao leitor. Para que esse efeito de surpresa se realize, o contista francês confere a seus textos um teor objetivo mediante a máxima economia de detalhes, da linguagem seca e direta e do diálogo coloquial. Além disso, entre suas virtudes principais situa-se a capacidade de, em poucos traços, definir caracteres e revelar a classe social dos protagonistas.

Há quem julgue Maupassant um artista de superfície, por tentar reproduzir apenas a realidade exterior, sem maior aprofundamento psicológico. Alguns de seus contos, de fato, são crônicas de época; outros, meras anedotas. Contudo, como observou um crítico, “o escritor é profundo na aparente superficialidade porque reconhece o vazio da vida de suas personagens, que buscam o prazer, mas que encontram apenas a destruição fatal”.

05/08/ 1850, Tourville-sur-Arques, França
06/07/1893, Paris, França

Fontes:
http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u759.jhtm
http://educaterra.terra.com.br/literatura/temadomes/2003/10/07/004.htm
http://www.pensador.info/p/obras_guy_de_maupassant/1/

A A de Assis (Concurso é Concurso)



Sempre é válido insistir: quem participa de concursos precisa estar preparado para o que der e vier. O resultado é imprevisível e há necessidade de muito espírito esportivo. Você faz a trova com máximo carinho, toma todos os cuidados para evitar cochilos, e só envia quando acredita haver boas chances de ser premiado. O problema é que os demais concorrentes fazem a mesma coisa... e eles são tão bons quanto você.

A grande aventura começa no momento em que o envelope é colocado no correio. Chegará ou não ao seu destino? Como a norma é o remetente usar o mesmo endereço do destinatário, nunca se está seguro do que acontecerá no percurso.

Dando tudo certinho, a trova entrará na “briga”. Três, cinco, dez julgadores, todos dignos da maior confiança e geralmente mestres no ofício. Mas, claro, cada qual com seu jeito de gostar e sua maneira de avaliar.

E aí é que entra aquela velha história de que em um concurso você joga com 70 por cento de competência e 30 por cento de sorte. A sorte vai por conta de sua trova cair ou não no gosto da maioria dos julgadores. Há trovas que recebem nota 10 de um julgador e nota 01 de outro, ou às vezes nem isso. Há também o risco de um belo achado passar despercebido, como há o risco de um grave defeito não ser notado, etc. Quer dizer: a intenção dos julgadores é sempre a melhor possível, porém ninguém é perfeito.

Cabe então a cada concorrente entender que concurso é assim mesmo... e o jeito é bater palmas para os irmãos premiados e esperar pela próxima oportunidade. Mesmo porque, na grande maioria dos casos, se a trova da gente não ganha é porque outras havia realmente melhores...

Fonte:
Editorial Trovia Junho / 2003

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Reforma Ortográfica 4

Fonte:
Imagem = Quar4o Mundo: coletivo de quadrinistas independentes

Kavera (O Amigo Esquisito)



Detestava conversa. Foi sozinho, como sempre ia, a um bar alemão onde havia o péssimo costume de se dividir a mesa com estranhos, caso estivesse lotado.

Foi logo se estressando...

— Pô, não está vendo que a mesa tá ocupada?

— Estou, mas, e daí?

— Como, e daí?

— Mas essa cadeira está vazia!

— Mas a mesa não!

— Mas eu não me sentarei na mesa e, sim, na cadeira.

— Mas essa cadeira está na minha mesa, não tá vendo?

— A cadeira ou a mesa?

— Vem cá, você é louco, é?

— Bem, se eu for, a minha resposta não terá nenhum valor técnico, apenas nominal.

— Ah, confirma?

— Essa sua pergunta descende de uma indagação minha, estando, portanto, atrelada a ela.

— Como assim? Que papo é esse?

— Bem, se você estiver correto e eu for louco, as minhas respostas serão meros devaneios. Logo, se estamos conversando, o nosso diálogo é insano.

— Insano é você, louco! Sai fora!

— Não posso. Estamos conversando.

— Eu não! Não tô conversando nada com você, ô maluco! Doido!

— Claro que está! Acabou de dizer “doido” pra mim. Não vê? Estamos dialogando.

— Que droga, meu Deus! O cara é doido de tudo! Que azar!

— Não acho! Acho até sorte sua!

— Sorte? Chama isso de sorte? Tô numa conversa franca aqui com o meu amigo, você chega e me interrompe assim? Isso é sorte, é?

— Você não iria aguentar muito tempo com esse seu amigo esquisito aí! Os algoritmos dele estão ó...!

— Algoritmos? Esquisito? Por acaso está chamando o meu amigo aqui de esquisito?

— Sim, estou. Mal consigo vê-lo! Tampouco ouvi-lo!

— Ele é discreto. Bem diferente de você, né?

— De fato, eu sou visível e falo, portanto somos significativamente diferentes.

— Hum...

— Mas podemos ter algo em comum.

— Ah é? O quê, por exemplo?

— Você! Você seria a nossa interface.

— Interface? Que papo doido é esse?

— A nossa ponte, o nosso elo. Você nos conecta um ao outro. Quando ele falar alguma coisa, você traduz para mim. Simples, não? Porque, olha, sinceramente, não consigo entender absolutamente nada desse seu amigo aí.

— É, pra entender tem que ter inteligência, sabia? Não é pra qualquer um não.

— O meu cérebro é bastante limitado, tenho que admitir. O meu sistema ocular insiste em não vê-lo.

— Ver quem?

— Ora, o seu amigo aí.

— O meu amigo? Escuta aqui ó, vou sair fora, tá legal? Você é piradão mesmo! Fique aí com ele, já que devem ter muito em comum. Tchau pra vocês dois.

— Tchau. E obrigado, hein? Estava mesmo procurando uma mesa só pra mim.

Fonte:
- Kavera. Bazófias peristálticas: cronicas de botequim. SP: Marco Zero, 2005.
- Imagem = http://www.flickr.com

José Valdir Pereira (Lançamento do Livro "Semeador de Emoções")



C O N V I T E

29 de agosto, sábado, às 17h, no Teatro Cacilda Becker, em Cacoal

O escritor e poeta José Valdir Pereira, a Academia de Letras de Rondônia, a Academia de Letras de Cacoal e a Fundação Cultural de Cacoal convidam para o lançamento do livro

"Semeador de Emoções",
de José Valdir Pereira,
dia 29 de agosto, sábado, às 17h,
no Teatro Cacilda Becker,
no município de Cacoal, Rodnônia.

Ficha técnica:

Gênero: Poesia
Autor: José Valdir Pereira
Editora: Scortecci
Capa e ilustrações: Viriato Moura
Ano: 2009

Sinopse:
"Semeador de Emoções" traz lições das quais emanam advertências, sugestões e exemplos de dignidade humana, convincentes e oportunas que encerram e nos transmitem verdadeiras lições de sabedoria e proficiência de vida.

Informações:

(69) 3441 1192 (Cacoal)
(69) 8451 3424 (Porto Velho)
E-mail acler@acler.org

Fonte:
Academia de Letras de Rondônia