quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Antonio Hohlfeldt (O Conto de Atmosfera)



(...) Em Autran Dourado (...) o escritor está sempre a reescrever seus textos, e mais do que isso, a combiná-los em conjuntos diversos. Isso ocorreu tanto em relação às obras de estréia quanto a outras que se seguiram, na aparente busca de uma obra ampla e contínua, que permita ao leitor grandes relações ou que, ao contrário, as esconda. Estreando em 1947, com uma novela, Teia, a que se seguiria outra, "Sombra e Exílio" (1950), narrativas de dimensões médias que bem poderiam caber na classificação com que se preocupa este volume, Autran Dourado viria porém a preocupar-se com a questão dos "gêneros ao longo do tempo. criando em outro momento obra congênere, sobre a qual os críticos discutiram, e discutiram, sem que se chegasse a qualquer conclusão. Refiro-me a O Risco do Bordado — (1970), para uns, romance, como no caso do critico Hélio Pólvora, para outros, contos, talvez enquadrados na melhor tradição clássica, como parece decidir Temístocles Linhares, que termina por considerá-las representantes de qualquer gênero; uma vez que "todas as suas estórias autônomas. Podem ser lidas cada uma de per si, sem necessidade de imbricá-las uma na outra. Depois, cada uma delas conserva o seu tom peculiar".

O que importa, porém, neste caso, é que, como anotava Hélio Pólvora, a obra de Autran Dourado "é uma das mais felizes combinações, em nossa prosa, de regionalismo e psicologismo", com o que viria a concordar depois o crítico norte-americano Malcolm Silverman, ao falar de uma "introspecção regionalista, mostrando que” através de uma cuidadosa e calculada manipulação desse influxo regionalista ou ambiental (isto é, o material), Dourado canaliza e desdobra a psique de suas criaturas (isto é, o espiritual) para levá-las a revelar-se num crescendo geralmente orientado para um “clímax”.

É o mesmo crítico quem, citando ao romancista, lembra não se ter nem ele mesmo decidido a respeito do gênero desta obra, embora tenha-se preocupado com outras questões que envolvam seu trabalho. Em depoimento a Edla van Steen, por exemplo, Dourado afirma: "eu fui um dos primeiros a usar a técnica do fluxo de consciência, o que espantou, escandalizou um pouco. O diálogo incluso, o diálogo dentro da própria narrativa, o sujeito vendo, falando e pensando ao mesmo tempo, criou alguma dificuldade de leitura."

A troca de pessoas durante a narrativa, apontada em relação a Clarice Lispector, também é prática comum em Autran Dourado, que sobre isso assim se refere: “venho usando desses recursos conscientemente. Em certos casos (. .. ) passo uma história escrita originalmente na terceira pessoa para a primeira, e o efeito é sempre surpreendente, quando não desconcertante, mesmo para mim ( ... ). Na mudança da pessoa ou do tempo do verbo, é espantoso como somos obrigados a ser bons artesãos; senão nos perdemos, e o recurso não funciona". Também à semelhança de outro mineiro, Guimarães Rosa, enfocado neste volume no capítulo dedicado ao conto rural, Autran Dourado preocupa-se com a etimologia dos nomes de suas personagens, criando-as e estudando-as cuidadosamente.

Nem sempre, porém, houve esta consciência tão forte no escritor, o que leva Silverman a dizer que a primeira grande modificação em direção ao que depois se tornaria o Autran Dourado que todos admiramos, dar-se-ia com Tempo de Amor, em que "um personagem-tipo persistentemente perseguido pelo autor torna-se de repente tridimensional e refinado. Não é mais mostrado: ele próprio mostra o que é, passando de títere atormentado a atormentado ator". O próprio escritor, aliás, concorda que todo seu aprendizado se deu justamente a partir deste livro, que ante as dificuldades de editoração, ele reescreveu diversas vezes. Dai nasceria a experiência dos blocos narrativos entremeados que reutilizaria em O Risco do Bordado, principalmente, tornando-o uma espécie de "esfinge" enigmática, pronta a devorar todo e qualquer leitor — inclusive o crítico — que dela se aproxime.
Graças a todo o seu artesanato, cuidadosamente elaborado e exercitado (todo o livro de Autran Dourado leva alguns anos para construir-se, seja um romance ou uma coletânea de narrativas curtas), chegou ele a um "sistema expressivo altamente eficaz. Autran Dourado, aperfeiçoando cada vez mais a sua linguagem narrativa, pousa entre o realismo e o simbolismo, interpondo uma cortina de valores poéticos entre o leitor e a descrição dos cenários, dos caracteres e dos vertiginosos acontecimentos", no dizer de Fábio Lucas.

Tematicamente, poder-se-ia referir à obra de Autran Dourado na base da síntese que Hélio Pólvora dela realizou: "a decadência senhorial, o desajuste entre o tempo histórico e o tempo social", mas isso não basta. Silverman observou, corretamente, haver "similaridades" que entrelaçam todas as obras, como um continuum — "uma por vezes densa 'cor local' em ,que ou frente à qual as personagens de ordinário atormentadas de Dourado lutam consigo (e em si) mesmas, ora com sucesso, o mais das vezes não, para tornar as suas vidas suportáveis".

O tom da maioria destas narrativas, segundo ainda o mesmo crítico, "tende a ser de modo geral soturno, em harmonia com o arquétipo sistematicamente conturbado do escritor; os finais quase sempre acomodam-se ao caráter predominante; e o estilo mostra-se tão agudamente analítico quanto no caso das composições mais largas, em que pesem as limitações estruturais".

Quem melhor apreendeu, em sua globalidade, a obra de Autran Dourado, alcançando ver a totalidade dos imbricamentos que todos os elementos até aqui levantados pelos diversos críticos, realizam, foi Maria Lúcia Lepecki. Em obra fundamental para a compreensão do escritor, a crítica mostra que "todas as narrativas de Autran Dourado organizam-se em torno de um núcleo ideológico mínimo e totalizante como significação-significado: a morte. Problema fundamental com que se debatem, consciente ou inconscientemente, seus personagens, agentes da narrativa, amor te caracteriza-os e torna-se presença inarredável em nível de conflitos, de ambiente físico, de objetos, de animais e até de matéria". A morte confere sentido ao mundo e à própria vida, pois, como ela demonstra em seguida, "entendendo a morte como passagem, esta ficção no-la mostra qual prova (que até pode ser, mas nunca, apenas, provação) inevitável, cujo cumprimento integra o ciclo vital e não o interrompe. Os mortos de toda a obra de Autran Dourado ( ... ) continuam a viver, tornando-se até agentes provocadores de conflitos no protagonista e/ou outras personagens".

É sob esta perspectiva que surge a dimensão mítica da literatura de Autran Dourado, estruturada sobre a oposição entre espaços e, consequentemente, entre tempos" (. .. ) As oposições de tempos e espaços vinculam-se, por sua vez, à problemática da busca — integrante da vivência do homo religiosus, sempre e necessariamente à procura do absoluto, do transcendente ou do 'real' suscetível de conferir sentido ao 'mundo de baixo'. Através da correlação tempo-espaço-vida, chega-se à viagem como submotivo desta ficção" .

Maria Lúcia Lepecki mostra haver um tempo narrativo primordial, o imperfeito do indicativo, em todas as narrativas de Autran Dourado, o que a) veicula a persistência de valores arcaicos, dentro de um tempo histórico subtextual; e b) cria o conteúdo mítico (que não só existiu como ainda existe em processo de criação): o passado é a fonte de sabedoria, tanto mais valiosa e digna de crédito, quanto mais remotamente se localize em relação aos agentes. Mas também a imaginação cumpre importante papel, pois preenche as lacunas possíveis.

O próprio escritor concorda plenamente com a tese da crítica, ao afirmar que sempre utiliza "uma pessoa real filtrada pelas lentes da memória e da imaginação (a pessoa real pode morrer que continuará viva na memória do autor)", seja para inspirar-se, seja para conduzir sua narrativa .

Para Silverman, este tempo, "em si, é não mais que incidental na obra de Dourado, mais uma parte da mente deformada e deformante dos protagonistas que uma medida para a evolução da trama. A intemporalidade significa em si mesma universalidade, e é precisamente o talento de Autran Dourado em projetar padrões universais de comportamento humano ao focalizar introspecções individuais que fez dele um dos mais destacados ficcionistas brasileiros". AIiás, o aspecto acima citado é especialmente verificável nos recentes Novelário de Donga Novais e sobretudo no livro de contos As Imaginações Pecaminosas (1981), em que, a todo o momento, o narrador está a interrogar-se sobre se tal fato terá mesmo ocorrido ou terá sido mera imaginação sua e dos demais agentes que com ele repartem o conhecimento do(s) fato(s) pretenso(s).

Esta mesma ambigüidade, já anotada em Salim Miguel e essencial em Autran Dourado, ocorre também episodicamente nos contos do crítico literário e ficcionista baiano Hélio Pólvora. Estreando na ficção curta com Os Galos da Aurora (1958), a que se seguiria A Mulher na Janela (1961) — projetando-se aqui mais uma vez uma questão de gênero, pois o volume pretende mesclar crônicas e contos — sua obra viria a afirmar-se com Noites Vivas, (1972), que cheguei a aproximar das narrativas das mil e uma noites, em plena área mítica, através da introdução ambígua de um constante "talvez", onde a memória suportava a ponte de transição do universo rural para o urbano. Seguir-se-ia Estanhos e Assustados (1966), que Flávio Loureiro Chaves vincularia ao regionalismo, em aparência, para mostrar, ferem, que seu texto "esconde camadas mais profundas sob a superfície do cenário exótico e particularizado", embora ocorra neste livro, como no anterior e no que se seguiria, e que se constitui até o momento na obra mais recente do autor, Massacre no Km. 13 (1980), um condicionante da paisagem à existência das personagens, provavelmente devido às "raízes evidentemente naturalistas do escritor, traduzias, desde o primeiro conto, no telurismo, no animalismo que marca suas personagens, num quase fatalismo". A propósito deste último livro, numa observação extensiva a todos os seus demais trabalhos, Lygia Fagundes Telles afirma que "sua emoção é trabalhada por um estilo vigoroso, implacável, e é esse estilo que imprime às idéias uma força selvagem, um vigor original, impregnado às vezes de alto sopro lírico. Temos assim um texto raro, arrebatador, que nos comove e nos provoca a lúcida admiração que só as verdadeiras obras de arte conseguem nos provocar".
Na verdade, os enredos de Hélio Pólvora, como registrei justamente a respeito deste livro mais recente, são apenas razões aparentes para que ele possa ampliar o estudo dos climas que muito gosta de desenvolver: pairam sobre suas personagens e as narrativas que delas emanam ou sobre elas se constroem, uma tensão provocada pela indagação constante sobre o que irá lhes suceder. Mas o narrador, longe de cair na armadilha do simples conto de ação, dilata o enredo, suspende a trama, tece longos circunlóquios a respeito de uma série de outros elementos para, então, num repente, reunir a tudo num único parágrafo, geralmente curto, que não é aquele "clímax" do conto clássico de um Maupassant, porque na verdade não resolve nada, mas, ao contrário, apenas permite uma ampliação do que o narrador vinha realizando: é como se, dado o "motivo", o escritor dissesse ao leitor: suspendo aqui a narrativa. Complete-a você. O leitor, evidentemente, pensará em Machado de Assis. O que terá ocorrido exatamente com o filho de Capitu? E com o estudante do conto sempre citado, "Missa do Galo"? E o casal inspirador da tão ansiada canção? Pois o mesmo ocorre no caso de Hélio Pólvora: como irá o adolescente situar-se na cidade? O que esperar da mulher louca (será ela a débil mental ou realmente o marido e padastro, um perverso?), presa junto à casa? Escapará o assassino que usa a gilete contra indefesas donzelas? E assim por diante.

Eminentemente interrogativo é o texto do carioca mineiro Sérgio Sant'Anna. Com apenas dois livros de contos, O Sobrevivente (1969) com que estreava na literatura, e Notas sobre Manfredo Rangel, Repórter (1973). Sérgio goza de imenso renome, possuindo mais dois largos romances e tendo publicado recentemente duas narrativas de dimensões menores. No entanto, não há gênero fixo para o escritor, se bem que vários críticos, já à época de sua estréia, prognosticassem sua maior dedicação ao romance, a partir do conto, como ocorreu com Assis Brasil e Fausto Cunha . (Assis Brasil, em A nova literatura, já assinalava: "é outro escritor que tende também para o romance, daí a sua predileção por enredos" (op. cit., p. 136). enquanto Fausto Cunha escrevia. "Sérgio Sant'Anna incorpora ao seu conto - que em alguns casos já aspira a ser novela e dirige-se visivelmente para a marca do romance - alguns elementos do jornal, do cinema e da publicidade" A leitura aberta.)

Seja como for, todos os contos de Sérgio Sant' Anna, como aliás, seus romances, mantêm constantes, que, sinteticamente estudadas por Malcolm Silverman, mostram que, "salvo poucas exceções, Sérgio Sant' Anna baseia seus enredos ou no ramerrão da vida diária (urbana). ou, inversamente, em alguma forma de (romântico) escapismo" .

Para este crítico, há também unidade quanto às perspectivas espaciais, pois os locais, ou seja, o espaço, desempenham um papel capital na ficção de Sérgio Sant' Anna, suprindo, em conjunto com as atmosferas a eles inseparavelmente ligadas, a força externa que enseja o desenvolvimento interno das personagens. Esta atmosfera, em geral, "reduz-se a uma sensação única, dosada em termos ora físicos, ora psíquicos", em que a ironia e a semidemência, ou um estado de "infernização demoníaca" é a melhor imagem que as pode expressar, seja ao nível dos contos mais realistas em sua linguagem, como os encontramos em qualquer um dos dois volumes, seja mesmo em seus romances. Dir-se-ia que as personagens passam a ser possuídas ou manejadas por forças ou elementos externos que as comandam, quase como autômatos, até o final de suas reações possíveis.

O crítico Hélio Pólvora, quando da estréia de Sérgio Sant' Anna, tecia-lhe algumas restrições quanto à inconclusa dos climas que o escritor buscava criar, enquanto Assis Brasil acreditava haver boa situação dos flagrantes escolhidos pelo escritor. Seja como for, e a evolução da obra de Sérgio Santana bem o demonstrou, o escritor enveredou para' um caminho relativamente raro em nossa literatura, identificável a partir de O Alienista de Machado de Assis e que tem boa prática, hoje em dia, num escritor como Marcos Rey, que estudamos em outro capítulo deste volume, dedicado ao conto de costumes. Há qualquer coisa de "pícaro" nas personagens de Santana, até mesmo pela intensa mobilidade que — em especial nos romances — suas personagens experimentam, embora ao nível do enredo os espaços se fixem em diminutas porções, através de figuras arquetípicas, como observa Malcolm Silverman, para quem, ainda, "o autor mostra marcada preferência por uma linguagem espontânea, coloquial e fluente, que, em suas variações, é manejada de modo a refletir realisticamente as diversas índoles dos variados narradores-protagonistas".

Falecido recentemente, o caráter experimental da obra literária de Osman Lins coloca-o como figura excepcional em nossas letras. Ensaísta, dramaturgo, romancista, Osman Lins produziu apenas um livro de contos, com que estreava na literatura, Os Gestos (1957) e posteriormente Nove, Novena (1966), a que classificaria, generalizadamente, apenas como "narrativas".

Quando de sua estréia, Fausto Cunha queixava-se do excesso de "poeticidade" que seus contos apresentavam. Este aspecto seria mais tarde ampliado, o que levaria João Alexandre Barbosa a referir que Osman Lins "não conta: escreve. Mas, por este ato, cria um espaço em que se situa a fabulação. E faz surgir, então, a narrativa como se fora uma imposição inevitável decorrente do enlaçar-se e fundir-se das palavras, refundindo a indagações da sensibilidade ao encontro com a realidade. Daí, possivelmente, o caráter ornamenta da linguagem utilizada ( ... ) e que nos parece responder, por outro lado, a um princípio estrutural de extração de significados a partir da própria organização literária" .

"Um jogo refinado e um jogo em estado bruto a que se entrega o autor", ainda no dizer do mesmo crítico, nada se apresenta de maneira gratuita ou casual nesta literatura, até mesmo os títulos, como em Nove, Novena, em que se faz referência não apenas ao número de narrativas como ao elemento religioso — novena — que integra o ritual em seu contexto: "a todo o instante, Osman Lins procura buscar a gênese do homem, mobiliza as noções acerca da evolução da espécie, escora-se em explicações antropológicas para considerar a natureza mutável e transitiva do gênero humano", afirma Fábio Lucas em extenso estudo sobre o escritor. Para ele, "o autor cria e, ao mesmo tempo, se interroga acerca da linguagem, progride impulsionado por uma asa escondida — o talento, que, no caso, compete com o artesanato. A síntese, vai encontrá-la na velha arte egípcia, aquela de traços breves e dimensões monumentais", porque "enquanto cria tensões, alinha entre elas as indecisões do escritor, põe em questão a própria arte" .

Metatexto, neste sentido, seus contos "ambicionam apresentar um simultaneísmo de eventos, de diálogos, de cenários e de monólogos, tentando a instauração de tensões multipolarizadas. É a sua originalidade. A totalidade de cada conto é menos uma soma de diversos elementos vitais e técnicos do que a compactação de tudo em torno de conflitos que se repetem em níveis, contextos, instâncias e situações diferentes. Daí a multiplicação de recursos tipográficos para situar cada pólo em seu compartimento", ainda no dizer do mesmo crítico, que conclui: "A sucessão de monólogos indica apenas a mudança de ângulo visual pelo qual se filtra a relação humana nos seus diferentes índices de profundidade. ( ... ) Os diálogos perdem muito da função tradicional, pois são mais ilustrativos de situações, prolongamento de um conflito interior ( ... ); o jogo não é de palavras, mas crispação no plano da consciência, onde a linguagem procura inaugurar-se e compreender o destino do homem, investigar as origens humanas, a finalidade da existência".

Em depoimento realizado pouco antes de sua morte, indagado sobre o que entendia por "ficção", Osman Lins respondeu: "Acho ser a fixação, através da palavra escrita. e com ênfase na aparência das coisas, pelo autor decompostas e reorganizadas, de uma visão pessoal de mundo, não raro absurda e quase sempre insólita, que, no entanto. se confunde, sob a pressão do gênio do escritor, com o universo onde todos habitamos".

Por isso mesmo, tem razão Wendel Santos ao dizer que "não é a estória que conta, mas a forma da estória. Não tendo mais uma forma fixa de começo, meio e fim, a narrativa não permite, em momento nenhum, o repouso da percepção: suspensa, ela precisa descobrir o melhor modo de ir até o mundo. Tudo isso divide a consciência leitora, que fica indecisa entre o histórico e o meta-histórico", o que determina o nível de exigência no texto de Osman Lins: o que a narrativa exige é a aprendizagem da leitura aberta; da leitura que não se pretende fechar, pois sabe que a única realidade que se fecha, na existência do homem, é a realidade da morte" , afirmativa contra a qual, quem sabe, posicionar-se-ia Autran Dourado, mas que permite, em todo o caso, a Antonio Houaiss afirmar: "acabados, arredondados, cuidados, que sugerem, que impressionam, que podem, às vezes, ajudar a confiar — todos, aliás, colocando um problema ético ou filosófico de forma vivencial, excluído qualquer aparato técnico Explícito, a não ser aquele atribuído à personagem de que tal aparato possa derivar" (o crítico referia-se, evidentemente, ao primeiro livro do escritor), a verdade é que a obra de Osman Lins poderia ter ido bem mais além. E embora seus textos provoquem certa reação por parte dos leitores ainda presos ao folhetinesco romantizo, nem por isso são efetivamente tão complexos: seu vocabulário não foge ao comum, a psicologia de suas personagem é bastante acessível à nossa compreensão e, enfim, excluído o eventual aparato visual de alguns contos, os demais — mesmo numa primeira complexidade pela múltipla perspectiva das narrativas — amoldam-se à atenção do leitor, desde que este entenda estar a lidar com palavras que, fora do "estado de dicionário" a que se referiu o poeta, estarão sempre amplamente dispostas a ofertar a seu manipulador — escritor ou leitor — amplo chão de interpretações. Se o estilo é a casa do homem, como já se disse, o clima a ser criado pela palavra é o teto da "construção. E sob certa perspectiva, sua motivação.

(Extraído de Conto Brasileiro Contemporâneo. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1981, 230 p.)

Fontes:
http://www.jornaldecontos.com/
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http://botecoliterario.wordpress.com

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