quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Alonso Rocha, IV Príncipe dos Poetas do Pará falece em 22 de Fevereiro de 2011

Se tivessemos o poder de prolongar a vida do corpo físico de quem quisessemos, Alonso Rocha certamente estaria entre os nomes que desejamos. Mas, somos mortais, e assim mesmo, quando nos encantamos com versos tão soberbos como os de Alonso, mesmo que não presente em corpo físico, seu espírito estará sempre imortal dentro de nós. Este poeta-trovador se indagava em sua trova:

Sem resposta que conforte,
dúvida imensa me corta:
Qual o segredo da morte?
Fim? Partida? Porto? Porta?

Fim? Não existe fim para alguém que escreve versos tão sublimes. Serás sempre imortal.
Partida? Apenas deste plano físico, pois onde vais é apenas o repouso merecido pelo que fez.
Porto? Voce, caro poeta, era o porto de nossas almas, de nossas emoções.
Porta? Para ti, uma porta em direção a um andar superior onde observarás a nós que o reverenciamos, e que perpetuaremos seus versos e sua pessoa.

Eu te saudo pelo legado que nos deixou. Salve, Alonso Rocha!
(José Feldman)

Alonso Rocha (Livro de Poesias)


SONETO À LUA CHEIA

Lua de celofane – lua amarga,
a mensagem de amor que hoje me trazes
rasga no coração como tenazes,
essa dor que se alarga, que se alarga.

Lua de gesso estéril, em tua carga,
por não me decifrar, tu te comprazes,
em ver que eu sou, em tons tristes, lilases,
jogral de um circo azul, na noite larga.

De sofrer já cansei, mas dizes: - “Ama!”
e tua luz – espelho onde me encanto –
na ante-manhã deserta, se derrama.

Porém não creio mais no teu milagre;
- quem teve tanto amor, odeia tanto;
eu que fui vinho agora sou vinagre.

SONETO À MESMA FLOR

Quando moço roubei na madrugada
do seio de uma flor recém-aberta
uma gota de orvalho e como oferta
a deixei em teus lábios, abrigada.

Hoje, quando recordo (Oh! Doce Amada!)
esse tempo de arroubo e descoberta
uma saudade, trêmula, desperta
e vem sangrar-me com a sua espada.

Iguais a flor, também envelhecemos
mas ao despetalar ainda trazemos
almas unidas, mãos entrelaçadas,

porque do amor a essência mais preciosa
( assim como o perfume de uma rosa)
permanece nas pétalas secadas.

SONETO À JOVEM ESPOSA

Hoje eu te trago, em minhas mãos, guardada,
a gota d’água – a pérola serena –
que eu roubei de uma pálida açucena
recém-aberta pela madrugada.

Louco poeta que sou! (Oh! Doce Amada!)
Em trazer-te essa dádiva pequena.
Culpa as estrelas, culpa a cantilena
do vento. E em nossa alcova penumbrada

dormes. E nem percebes no teu sono
que em teus lábios, fechados, abandono
a lágrima de luz – um mundo pleno.

Não despertes, ririas certamente
se me visses beijando, ingenuamente,
tua boca molhada de sereno.

POEMA DO ULTIMO INSTANTE

( ao poeta José Guilherme, onde estiver)

.
Havia o sonhador
a mesa e os seus convivas.
O pão infermentado
fragmentado
e o vinho das angústias.
- Senhor! Afasta o cálice ( câncer sobre a carne)
e a cruz dos sem-perdão.
Deixa-me (ainda) repartir os peixes
e os lírios de teus campos
- dízimo deste encanto
lobo que me devora.
Atira sobre o poema o círculo perfeito
e os dados da palavra.
Derrama a chuva
tua lança e os teus cravos
na terra que semeio.
Assim falava o Poeta
enquanto o sol e outros deuses (os mortos esquecidos)
com essência de mirra em seus turíbulos
já perfumavam a pedra
- altar para o seu corpo.

MINHA PRECE
POR MEU FILHO NO DIA DA SUA MORTE
(... para Ronaldo Alonso)

Ele era um pássaro, Senhor,
cujas asas feriste antes do vôo.
Ele era fonte
e sufocaste o canto em sua garganta
e pouca além da lágrima e do riso
- como apelo ou mensagem –
lhe deixaste.
Ele era frágil, Senhor,
e lhe enevoaste o entendimento
e com agudos espinhos o pregaste
tantos anos no seu leito.
Até seus olhos, Senhor,
- inquietos peixinhos coloridos –
aprisionaste
no reduzido aquário do seu quarto.
Mas eu te louvo, Senhor,
por Tua bondade
quando lhe ensinaste a gritar a palavra “mãe”
- única de sua boca –
como sinal de angústia e como hino de amor.
Hoje, Dá-me a beber, Senhor,
o Vinho de Tua Paz
na mesma taça de fel e sofrimento
com que o premiaste,
para que eu possa de joelhos
celebrar contigo
um retorno de um anjo ao Teu reinado!

BREVE TEMPO

Se me queres amar ama-me nesta hora
enquanto fruto dando-te a semente.
Se te apraz me louvar louva-me agora
quando do teu louvor vivo carente.

Aprende a te doar antes que a aurora
mude nas cores cinza do poente.
Se precisas chorar debruça e chora
hoje que o meu regaço é doce e quente.

A vida é breve dança sobre arame.
Sorve teu cálice antes que derrame
ninho vazio que o vento derrubou.

Porque quando eu cair num dia incerto
parado o coração o olhar deserto
nem mesmo eu saberei que já não sou.

NO ESPELHO

Da armadura do medo me desnudo
o estandarte na mão, a flor no peito
e enfrento, temerário, o cristal vivo
de tua face – espelho onde me busco.

Sou dócil ao teu poder e mel e seiva
da boca se derramam em doce riso,
como a rasgar a carne me entretenho
para me alimentar de encantamento.

Entrego-te meu rosto e o desfiguras
e a máscara real pesada tomba
- envelhecido pó – na tua lâmina.

E na visão da imagem refletida
em desespero e espanto me descubro
na placenta da morte prisioneiro.

Fontes:
Portal dos Sonhos e das Poesias
http://www.sarahmrodrigues.com/luau/prece_alonso.htm
http://covadospoetas.blogspot.com/2011/02/alonso-rocha-o-principe-dos-poetas.html

Alonso Rocha (1926 – 2011)


Nascido a 15 de dezembro de 1926, foi casado com Rita Ferreira Rocha e pai de cinco filhos: Sérgio Alonso (médico), Nelson Alonso (médico), Ângela Rosa (arquiteta), Geraldo Alonso engenheiro-elétrico e eletrônico) e Ronaldo Alonso (falecido em 1977). Filho do poeta Rocha Júnior e Adalgiza Guimarães Pinheiro Rocha. Faleceu em 22 de fevereiro de 2011.

É IV Príncipe dos Poetas do Pará, escolhido após consulta a um colégio eleitoral constituído de 200 personalidades integrantes dos círculos culturais, científicos e sociais do Estado, pessoas essas ligadas às artes e selecionadas por uma comissão especial formada pelos escritores Georgenor de Sousa Franco Filho, Pedro Tupinambá, Victor Tamer e Albelardo Santos. O resultado de votação através de voto assinado, foi apurado em sessão pública do dia 8 de outubro de 1987, tendo recebido sufrágios de 14 poetas residentes no Pará. Por maioria absoluta de votos (56,77%) do total, Alonso Rocha foi eleito, tendo recebido na sessão solene de 21 de julho de 1989 (sesquicentenário de Machado de Assis) a comenda de 35 gramas de ouro, oferecida pelo governo do Estado do Pará.

Na adolescência, em 1942, fundou a Academia dos Novos em companhia de Jurandyr Bezerra, Max Martins e Antônio Comaru Leal. Ao grupo vieram juntar-se jovens intelectuais da época, como Benedito Nunes, Haroldo Maranhão, Leonan Cruz, Raimundo Melo, Fernando Tasso de Campos Ribeiro, Arnaldo Duarte Cavalcante, Gelmirez Melo, Edmar Souza, Benedito Pádua, Otávio Blatter Pinho, Antero Soeiro, Eduálvaro Hass Gonçalves, Alberto Bordalo e Lúcia Clairefort Seguin Dias.

Seu livro de poesias Pelas Mãos do Vento, obteve os prêmios Vespasiano Ramos (1954) da Academia Paraense de Letras E Santa Helena magno (1955) do governo do Estado do Pará.

Raimundo Alonso Pinheiro Rocha ocupou a cadeira n° 32 da Academia Paraense de Letras, eleito em 22.11.96, em sucessão a Olavo Nunes e Bruno de Menezes, tendo como patrono o poeta Natividade Lima.

Participou da diretoria da Academia desde o ano de 1964, ininterruptamente, com mandato até 2.006.

Possui vários troféus, medalhas e diplomas, resultantes de certames poético como:
1º. Lugar no concurso promovido pelo jornal “A Província do Pará” e Prefeitura Municipal de Belém (1961),
2° Concurso do Norte e Nordeste de Poesia, patrocinado pelo jornal “Folha do Norte”, Palma de Ouro e Palma de Bronze,
no concurso Poetas do Mundo Lusíada da Academia de Poemas de Massachusetts (Estados Unidos da América -1987),
Medalha de Bronze, no concurso Evolução da Cultura Brasileira, na segunda metade do século XX,
do Cenáculo Brasileiro de Letras e Artes (Rio de Janeiro, 1933),
1º. Lugar, por unanimidade, do 1º. Concurso Nacional de Poesia do Clube dos Magistrados do Rio de Janeiro (1997) e
honrosas classificações em concurso de sonetos em Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de janeiro.

Foi presidente (4º. Mandato) da União Brasileira de Trovadores – seção Belém, tendo promovido em 1997 o I Jogos Florais de Belém, bem como o XIII Concurso nacional de Trovas no ano de 2.002/Belém-Pará.

A trova, forma poética que cultivou somente há pouco tempo, proporcionou a Alonso Rocha inúmeras vitórias em Jogos Florais e concursos pelo Brasil, notadamente no Pará, no Ceará, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Norte e Rio Grande do Sul.

Como sonetista, foi apontado como um dos melhores dos últimos tempos e um dos maiores dos últimos 50 anos do Pará.

Malba Than, no livro A Lua (editora Luz, Rio, 1955) publica o seu soneto à Lua Cheia e o classifica como “autêntico príncipe da poesia contemporânea).

Alonso Rocha que, com muito encanto, declamou os seus trabalhos em festas literárias pelo Brasil, foi sócio-correspondente das:
Academia Norte Rio-Grande de Letras,
Academia Municipalista de Letras do Brasil,
Academia Sete-Lagoana de Letras,
Academia Eldoradense de Letras,
Cenáculo Brasileiro de Letras e Artes,
sócio honorário da Academia Piauiense de Letras e
cidadão honorário do Município de Marapanim-PA.

Livros Publicados:
"Pelas Mãos do Vento" (poesia) - Editora Falangola - Belém - 1955;
"Bruno de Menezes" ou a sutiliza da transição - (Ensaio ao lado de Célia Coleho Bassalo, J.Arthur Bogéa, João Carlos Pereira e Joaquim Inojosa) - Universidade Federal do Pará - 1994;
Nota: o mesmo trabalho (ensaio) foi publicado pela Universidade Amazônia, na Revista do Curso de Letras (Asas da Palavra) - Outubro de 1996.
"O Tempo e o Canto" (poesia) - Universidade da Amazônia - Agosto de 2009.


Medalha e diploma possuídos:

Medalha condecorativa José Veríssimo, medalhas culturais Olavo Bilac, Paulino de Brito, Dr. Acylino de Leão, D. Pedro I, Centenário do Teatro da Paz, Bicentenário da Igreja São João Batista, Centenário da Fundação da Biblioteca e Arquivos Públicos do Pará,conferidos pelo governo do Estado do Pará, Conselho de Cultura do Pará e Academia paraense de Letras. Medalha Olavo Bilac, do Cenáculo Brasileiro de Letras e Artes, medalha condecorativa da Academia Municipalista de Letras do Brasil e diploma de honra ao mérito do Instituto de Educação do Pará.

Como bancário atuou no sindicalismo de 1954 a 1976, tendo sido membro fundador da Federação dos Bancários do Norte-Nordeste (Recife 1958) e da Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Empresas de Crédito- CONTEC (Belo Horizonte, 1958) de onde foi diretor. Também diretor do Sindicato dos Bancários de Belém. Atuou como delegado em 17 congressos de trabalhadores em vários Estados. No Pará, foi coordenador-geral dos I e II Encontro de Trabalhadores do Pará (1962 e 1968), membro da executiva e secretário-geral do I Congresso de Trabalhadores da Amazônia (1963).

No último conclave a que compareceu (RJ-1976), foi unanimemente escolhido como representante dos bancários e securitários do Norte-Nordeste, tendo presidido uma das cinco sessões plenárias e pronunciado o discurso oficial em nome das duas regiões. Deixou as atividades sindicais por recomendação médica, tendo recebido a medalha do Cinqüentenário do Sindicato dos Bancários do Pará e Amapá.

Poeta eclético, não aprisionado a escolas e sem preconceito com qualquer forma de manifestação poética, Alonso Rocha foi dinâmico colaborador da gestão e representatividade da Academia Paraense de Letras.

Fontes:
Portal dos Sonhos e das Poesias

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.133 e 134)


Por alguma falha do correio eletronico não havia recebido as Mensagens Poéticas de domingo (20 de fevereiro), por isso insiro em conjunto com as de hoje. Em cada tópico, primeiro as de hoje, e em seguida as de domingo

Duas Trovas Nacionais

Transformei meus descaminhos
em fortunas grandiosas:
quem não navega entre espinhos,
não encontra o Mar de Rosas!
(SÉRGIO FERREIRA DA SILVA/SP)

Quando a inspiração vagueia
à procura de um motivo,
o meu passado passeia
em cada verso que eu vivo!
(SELMA PATTI SPINELLI/SP)

Duas Trovas Potiguares

Quantas lições primorosas,
num pequeno beija-flor,
que beija todas as rosas
enchendo o mundo de amor!
(PROF. GARCIA/RN)

Toda espera é dolorida,
nos faz sofrer ou chorar.
Mas, é pior nesta vida,
não ter por quem esperar!
(FRANCISCO MACEDO/RN)

Duas Trovas Premiadas

2007 > Itabapoana/RJ
Tema > VIRTUDE > Menção Honrosa

O belo da juventude
traz orgulho, por costume.
Mas beleza sem virtude,
é qual rosa sem perfume.
(RUTH FARAH/RJ)

2010 > ABT-Rio de Janeiro/RJ
Tema > DISFARCE > Menção Honrosa

Mulher de rara beleza
não deve, jamais, pintar-se,
pois obra da natureza
não necessita disfarce.
(RUTH FARAH/RJ)

Simplesmente Poesia

– Zé de Cazuza/PB -
A CIÊNCIA É MENTIROSA.

Vê-se as flores naturais
perfumando o ambiente
e é muito diferente
das flores artificiais,
umas cheirando demais
e a outra sem ser cheirosa,
quando o homem faz a rosa
fica faltando a essência;
diante da providência
a ciência é mentirosa.
–––––––––––––––––-
MOTE:
Mastigo um pão todo dia
amanteigado de verso.
(ADEMAR MACEDO/RN)

GLOSA:
Eu busco a paz e a alegria
desde que o dia amanhece.
Após fazer uma prece,
mastigo um pão todo dia.
Rimo amor com harmonia
e evito o mundo perverso.
Só quero a luz do universo
e ofereço aos meus leitores
um prato cheio de amores
amanteigado de verso.
(GILSON FAUSTINO MAIA/RJ)

Duas Trovas de Ademar

Tu me mandaste uma rosa,
perfumada e muito bela;
mas você é mais cheirosa
do que esta rosa amarela.
(ADEMAR MACEDO/RN)

Num triste e cruel enredo
escrito por poderosos,
a Terra treme com medo
das mãos dos gananciosos...
(ADEMAR MACEDO/RN)

...E Suas Trovas Ficaram

Não te comparo a uma rosa,
porque, se a rosa souber,
vai ficar muito orgulhosa
e intitular-se mulher!
(BALTAZAR DE GODOY MOREIRA/SP)

Diz-me a razão: “renuncia;
essa paixão é um fracasso !”
e o que até louco eu faria,
louco de amor eu não faço...
(WALDIR NEVES/RJ)

Estrofe do Dia 22 de Fevereiro

Se faltar no final uma canção
nenhum brilho virá dos horizontes,
nossos olhos verão além das fontes
umas marcas de chagas pelo chão,
todas rosas do campo morrerão
e secarão as roseiras do pomar,
nem sequer uma ave irá cantar
para o dia nascer com mais beleza;
nada mais restará da natureza
quando o ultimo poeta se calar.
(SEBASTIÃO DIAS/RN)

Estrofe do Dia 20 de Fevereiro

Este é um capítulo da história
pelo tempo contada e definida,
um resgate da dívida compulsória
que há tempos atrás foi contraída;
conta estúpida, perversa e esquisita
que com juros o mundo deposita
nos extratos da vida da pessoa;
é um débito guardado em seus arquivos,
no caderno dos saldos negativos
que o gerente do tempo não perdoa.
(DINIZ VITORINO/PB)

Soneto do Dia 22 de Fevereiro

ROSA TATUADA.
– Divenei Boseli/SP –

Meu coração foi uma flor viçosa,
foi uma rosa rubra e perfumada,
embora fosse rosa tatuada
por quem sabia tatuar a rosa;

quem, no meu peito, a fez misteriosa,
juntou meu corpo ao seu na madrugada
e me fez crer, sem que dissesse nada,
no gozo da alma quando o corpo goza...

Agora, só escuto só a voz do vento
que avisa: - “quem partiu não vai voltar...”
e eu choro e sangro um negro mar de mágoas.

Que algum corsário escute o meu tormento:
rasgue o meu peito, enterre-me no mar,
deixe que a rosa bóie à flor das águas!

Soneto do Dia 20 de Fevereiro

– J. G. de Araújo Jorge/AC –
ALVORADA ETERNA.

Quando formos os dois já bem velhinhos,
já bem cansados, trôpegos, vencidos,
um ao outro apoiados, nos caminhos,
depois de tantos sonhos percorridos...

Quando formos os dois já bem velhinhos
a lembrar tempos idos e vividos,
sem mais nada colher, nem mesmo espinhos
nos gestos desfolhados e pendidos...

Quando formos só os dois, já bem velhinhos,
lá onde findam todos os caminhos
e onde a saudade, o chão, de folhas junca...

Olha amor, os meus olhos, bem no fundo,
e hás de ver que este amor em que me inundo
é uma alvorada que não morre nunca!

Fonte:
Ademar Macedo

Anis Murad (Caderno de Trovas)


Debaixo da nossa cama,
que tu deixaste vazia,
o meu chinelo reclama
o teu chinelo - Maria.

Não, saudade, não açoite
o carro de bois, dolente,
gemendo dentro da noite...
chorando dentro da gente...

Estes teus olhos brejeiros!
- ah! se eu pudesse, meu Deus!
por noites, dias inteiros,
ver meus olhos nos teus!

Saudade - rede vazia
a balançar tristemente...
ninando a melancolia
que dorme dentro da gente.

Manhã de sol, que alegria!
De pés descalço, meu ser,
é um garoto que assovia,
na alegria de viver.

Quando eu partir - não sei quando,
não ponhas, minha querida,
teus olhos, lindos, chorando,
sobre os meus olhos, sem vida.

Saudade - tristeza imensa,
por meu amor que não vem.
Saudade - tristeza imensa,
de alguém ausente... de alguém!

Disseste não, fiquei triste,
mas disseste sim, depois.
Maldito "sim", que persisti,
no eterno "não", de nós dois.

Na noite triste, vazia,
ouvi a voz de meu bem.
Corri louco de alegria,
abri a porta - ninguém!

Mandei a saudade, um dia,
à procura de meu bem,
desse meu bem - que é Maria,
mas que é saudade - também...

Vendo-a passar, ficou triste,
quando alguém lhe perguntou:
- E aquele amor... inda existe?
- Não! - respondeu... Já passou!...

Com a luz, pai, que me deste,
do teu meigo olhar profundo,
eu vejo - no mundo agreste,
toda a beleza do mundo.

Saudade - doce maldade,
que a gente sente e não vê,
mas eu vejo esta saudade,
esta saudade é você!...

Saudade - sonho, desejo,
lembrança, recordação......
Um beijo - que já foi beijo,
um amor - que foi paixão...

Olho o boi, de olhar parado,
que me fica amargamente
Parece que o desgraçado
tem piedade da gente.

Bebida da mesma adega,
serás igual a teu pai...
Tu, Anis novo - que chega,
- "Quem é?" – Eu, Anis velho - que vai...

No meu ermo - "Soledade",
alguém bateu, certo dia.
"Sou eu, a Saudade!"
- "Meu Deus! A voz de Maria!"

Amo no amor a ternura,
a meiguice, a suavidade;
o amor - que é todo doçura,
o amor - que é todo amizade.

Guardo esta crença comigo,
com carinho e devoção:
todo mundo é meu amigo,
todo amigo: - meu irmão!

Se todo mundo quisesse,
melhor o mundo seria,.
se todo mundo soubesse,,
do nosso mundo, Maria.

Vem o trem cortando a serra,
no seu grito lancinante
Talvez saudade da terra
que foi ficando distante.

Mente, descaradamente,
o coração da mulher.
Diz que não gosta da gente,
só pra dizer que nos quer..

Não sei se foi por maldade,
não sei se foi por vingança:
mataram minha saudade...
roubaram minha esperança..

Tens o sentido profundo
da fé - que é paz, é perdão!
Braços abertos ao mundo,
portal do céu - redenção!

No teu grande simbolismo,
é um cruzeiro de luz,
de um abismo ao outro abismo,
dos homens até Jesus!...

Mãe que traz uma criança,
nas entranhas de seu ser,
carrega a própria esperança,
no filho que vai nascer.

Esperei-a toda a vida...
Nessa espera envelheci...
Ela - de verde, vestida
passou por mim e não vi...

Na triste quadra da vida,
rima-se a felicidade,
com esta rima querida,
que se rima na amizade.

A minha alma não se cansa,
- embora desiludida,
de acalentar a esperança,
que é o acalanto da vida.

Olhos risonhos, infindos,
que choram de quando em quando:
sorrindo - lindos, tão lindos;
feios, tão feios - chorando...

Esperança!... quem diria,
quem diria - que a esperança
fosse os olhos de Maria,
vagando em minha lembrança.

Não estaria amarrado,
pela igreja e pretoria,
se não tivesse encontrado,
este encanto de Maria!

Achei uma forma nova
de tornar-me trovador:
nossos lábios - uma trova
na doce rima do amor.

Mesmo velhinho e cansado,
não sei que estranha magia,
fico um saci, assanhado,
quando te vejo, Maria.

Deixa a vida do menino
viver a vida, meu bem,
ninguém muda o destino,
nem a vida de ninguém!...

Que medida desmedida
medir as misses, assim.
Com medida ou sem medida
são na medida prá mim.

Nós nos queremos, querida,
com tanta simplicidade,
que o maior bem desta vida,
não vale a nossa amizade!

De sete meses gerado,
vim ao mundo temporão.
Já fui tesouro guardado,
em caixa de papelão.

Só senti a luz da vida,
com mais calor e mais brilho,
quando tu deste, querida,
a luz da vida a meu filho.

O Amor - que tudo redime,
não tem a sublimidade,
do querer bem - que se exprime,
no bem querer da Amizade!

Por um beijo concedido,
ficou desfeito o noivado;
pois o futuro marido,
sentiu-se logo enganado.

Surpreendeu-me o garoto,
em colóquio com meu bem.
E diz, num sorriso maroto:
- Eu quero beijar, também!

Do meu quarto de solteiro
- já cansei de te pedir,
vem buscar teu travesseiro,
que não me deixa dormir!...

Não sei porque a lembrança,
de uma florzinha que cai,
faz-me pensar na criança,
abandonada, sem pai,

Do meu berço pequenino,
fizeram tosca jangada,
que voga ao léu do destino,
para o destino do nada.

Terá, mulher, se quiseres,
o mundo todo a teus pés.!
Porque é todo das mulheres,
que forem como tu és!

Maria - meu sol, meu guia!
Maria - Mãe do Senhor
Minha santa mãe: Maria!
Maria - meu santo amor!

A vida é mesmo engraçada:
correr, correr, para enfim,
tombar, ao fim, para o Nada -
no eterno nada - sem fim...

Simples jardim sobre a cova,
trevos repousando em calma
Em cada trevo uma trova,
em cada trova a minha alma...

Há uma lâmpada encantada,
acesa no coração,
que tem a chama sagrada,
que se chama inspiração.

É, francamente, bobagem,
possuir televisão
se eu posso ver tua imagem,
no vídeo do coração.

Aqui jaz, na quadra imerso,
um vate, vivo e mordaz.
Fez sepulturas, do verso,
e sepultou-se; aqui jaz.

As trovas, quando eu as faço,
faço-as de mim para mim.
Vou dizê-las... que embaraço...
Estremeço... fico assim..

Envelhecer! - que tristeza,
sentir a vida fugir
e ter a triste certeza,
que a morte certa há de vir.

Depois de sua partida,
mais a possuo, porque:
toda a saudade da vida,
ficou em mim - de você!

Não sejas má nem injusta,
nem faças mal a ninguém.
- O querer bem nada custa,
é tão bom fazer o bem.

Eu amo a vida, querida,
com todo o mal que ela tem!
Só pelo bem - que há na vida
de se poder querer bem.

Morre o dia, tristemente,
na tarde crepuscular...
Dá uma saudade, na gente,
ao ver a noite chegar..

Esses teus olhos tão lindos,
misteriosos, profundos,
são dois abismos infindos
dois precipícios - dois mundos!..

Olhas pra mim, na verdade,
mas não me vês - este olhar
perdido está, na saudade,
que ficou noutro lugar...

Eu só, tu só, nós dois sozinhos...
O amor chegou certa vez,
misturou nossos trapinhos,
somos um mundo: - nós três!

Tudo passa - na verdade,
passa tudo - sem parar.
Só não passa esta saudade,
que ficou no teu lugar.

A vida é noite fechada,
num coração sem amor.
Amor é Luz - madrugada!
Raio de Sol - Esplendor!

Essa Maria - que existe,
chorando nos versos meus,
foi a saudade mais triste,
que alguém deixou num adeus!

Saudade - dor repartida
entre o que fica e o que vai.
Uma esperança perdida
num sonho azul que se esvai.

Menina - pobre, perdida,
que a vida jogou ao chão,
descendo a rampa da vida
rolando de mão em mão...

Também nas flores existe
uma saudade de amor...
Orvalho - saudade triste,
lacrimejando na flor...

Nas trilhas de Deus, teremos,
o caminho justo e certo,
para esse Deus, que não vemos,
mas que nos vê tão de perto.

Só a saudade é que explica
por que foi que ele chorou:
esse vazio - que fica,
no vazio - que ficou...

Cansado estou da esperança,
cansado do meu ser,
da própria vida - que cansa,
vivendo, assim, sem viver...

A minha alma - agradecida,
elevo a Deus com fervor,
pelo amor - maior da vida!
Que nasceu do nosso amor.

Perdoa, mãe a heresia!
Mas não posso mais rezar:
fui dizer - Ave Maria!
e comecei a chorar...

Tal qual ingênua criança
nas noites de São João,
vou soltando as esperanças,
como quem solta balão!...

As trovas feitas a esmo,
são difíceis de fazer:
conversa contigo mesmo,
que a trova sai sem querer.

Um vagido de criança
sacode todo meu ser:
era o pranto da esperança
que gritava pra viver.

Vejo-te, mãe, todo dia
que a tarde cai pra morrer
e que a voz da Ave Maria
vem minhalma enternecer...

Guarda, meu bem, na lembrança,
esta lembrança do bem:
quem não tiver esperança,
seja a esperança de alguém!...

Sempre que faço uma prece,
não sei que estranha visão,
a minha mãe aparece,
sorrindo em minha oração.

O trovador - simplesmente,
é uma pessoa feliz;
se às vezes diz o que sente,
nem sempre sente o que diz.

Pobre amor - triste saudade!...
Saudade - triste lembrança!..
De um grande amor - na verdade,
que não passou de esperança!...

Ao verme o verme me diz,
depois de me haver provado; e
bonito!... bebi anis...
Vou ficar embriagado...

Dá tantas voltas a vida,
a gente, atrás, a correr...
Que gente doida, varrida!
Correr tanto, pra morrer!

O destino predestina,
destinos da nossa vida...
A minha invertida sina,
deu-me uma sina invertida...

Tens no coração fecundo,
um patrimônio seguro;
essa riqueza do mundo:
ser bom, ser justo, ser puro.

Que será dessas crianças,
sem luz, sem teto, sem pão...
Uns farrapos de esperanças,
de uma triste geração!

Esses balões e as fogueiras,
trazem à minha lembrança,
as esperanças fagueiras,
dos meus tempos de criança!...

Tenho pena das crianças,
andrajosas, semi-nuas,
malbaratando esperanças,
pelas sarjetas das ruas!...

Eu seria bem feliz,
das mágoas que já sofri,
se pudesse, sendo anis,
ser somente para ti...

Meu coração desconhece,
a raiva, o ódio, o rancor,
Quanto mais vive e padece,
mais vida tem para o amor.

"É bebida apetecida,
- de gostosura sem fim...
Se bebo desta bebida,
eu fico cheio de mim...

Eu nada tenho de meu,
por isso vivo a cantar -
a graça que Deus me deu:
mulher, um filho - meu lar!

Alô!... Quem fala?... Esperança?....
– Um momento!... Vou chamar!...
Esperei... - pobre criança
que envelheceu a esperar!...

Hei de esperar, querida,
nessa esperança, sem fim,
de esperar-te toda a vida,
se a vida esperar por mim!

Pode ir! Tem liberdade,
de levar o que quiser!
Só não me leve a saudade,
que é seu retrato, mulher!

Que pobre vida - vivida
de muitos amigos meus;
desencantadas da vida
sem crença, sem fé, sem Deus.

Maria, só por maldade,
deixou-me a casa vazia...
Dentro da casa: saudade!
E na saudade: Maria!

Não desespere, querida,
que a vida foi sempre assim:
uma esperança perdida
que só se encontra no fim...

Fonte:
Luiz Otávio e J. G. De Araújo Jorge (organizadores). 100 Trovas de Anis Murad. Coleção “Trovadores Brasileiros”. RJ: Editora Vecchi – 1959

Anis Murad (1904 – 1962)


Nasceu em 8 de julho de 1904 e faleceu em 23 de outubro de 1962.

Anis Murad, ele próprio o confessa, deve aos Jogos Florais de Friburgo a oportunidade de ter descoberto que trazia em si, sem saber, a "graça" da trova.
E concorrendo aos dois primeiros Jogos Florais, surgiu logo vitorioso, colhendo prêmios a mancheias.

O tema dos I Jogos Florais de Friburgo, foi o Amor. Cerca de 2.500 trovas foram enviadas, trovas mandadas dos mais distantes Estados brasileiros, e até de Portugal e Províncias Ultramarinas. Anis Murad conquistou o segundo lugar.

Sua trova, é uma pequenina jóia de lirismo, espontaneidade e graça:

Eu amo a vida, querida,
com todo o mal que ela tem,
só pelo bem que há na vida
de se poder querer bem.

Aquele balanceio das palavras, uma espécie de gingar feminino quando caminha, característica das boas trovas, - não fosse a trova mulher; aí está, no trocadilho, alternando nos dois versos finais as expressões "só pelo bem" e "querer bem", além do efeito, tirado antes, pelo contraste entre "o mal", e "só pelo bem."

Todo mundo sabe que não há propriamente regras para a confecção de uma quadrinha. Mas a verdade, é sendo como é, um tipo por excelência de poesia popular, nascida quase para ser ouvida, a trova possui elementos de composição que se firmaram através de seu uso generalizado, por cantores populares, e por poetas de formação literária. E um destes elementos, é sem dúvida, esse balanceio das palavras a que me referi citando a trova de Anis Murad, e que dá à trova aquele ritmo dos quadris de uma mulher, quando a vemos, depois que passa por nós...
Eu diria, na “nossa língua”:

Ah! trova com que me enleio...
Tens um gingado qualquer
que lembra esse bamboleio
do corpo de uma mulher...


Sendo um dos vencedores, Anis Murad foi a Friburgo. Eu lhe avisara sobre os encantos da cidade. Ei-la!

“Jardim Suspenso” na serra
dentro da Serra do Mar,
é o céu mais perto da terra
que Você pode encontrar...”

Emocionou-se com as festas. Entusiasmou-se com a vitória alcançada, e preparou-se logo para concorrer aos II Jogos Florais. Mandando suas trovas sobre, SAUDADE, que era o novo tema do Concurso, Anis Murad conseguiu classificar entre as vinte primeiras trovas, nada menos que cinco! Conquistou o 1.º, 5.°, 11.°, 17.° e 20.° lugares. Chegamos a “ameaçá-lo” de mandar incluir um item especial no Regulamento dos futuros Jogos Florais, excluindo-o como concorrente... Era demais... O poeta açambarcara os Jogos Florais...

E haviam sido mandadas para os II Jogos Florais mais de 10 mil trovas, classificando-se, inclusive, em 7.° lugar, uma poetisa portuguesa, Ana Rolão Preto Martins Abano, de Benguela, Angola, África Ocidental Portuguesa.

Na solenidade de encerramento dos II Jogos Florais no Centro de Arte, de Friburgo, quando são entregues os diplomas, troféus e prêmios aos trovadores vitoriosos Anis Murad falou em nome de seus companheiros. Seu discurso foi... em trovas. E como é além de um trovador lírico, um trovador espirituoso e alegre fez referências especiais às autoridades presentes, inclusive ao então Ministro da Educação, Brígido Tinoco.

As trovas de Anis Murad para os II Jogos Florais, apresentavam uma característica: falavam quase todas em Maria. Eram trovas sobre a saudade, mas a saudade era da... Maria.

Por uma estranha coincidência, na mesma ocasião dos Jogos Florais, a cidade de Campos promovia pela, segunda vez o seu Salão Campista de Trovas, com exposição e concurso de trovas, sendo o tema, - Maria.

Anís Murad, entretanto, preferiu mandar as suas quadrinhas para o Concurso de Friburgo, e venceu galhardamente, de braços dados com a saudade... de sua Maria...
Eis as suas trovas vitoriosas:

em 1.º lugar:
Maria, só por maldade,
deixou-me a casa vazia...
Dentro da casa: saudade,
e na saudade: Maria!

em 5.º lugar
Debaixo de nossa cama,
que tu deixaste vazia,
o meu chinelo reclama
o teu chinelo - Maria.

em 11.º lugar
Saudade - rede vazia
a balançar tristemente...
minando a melancolia
que dorme dentro da gente.

em 16.º lugar
Essa Maria - que existe
chorando, nos versos meus,
foi a saudade mais triste
que alguém deixou num adeus.

em 20.º lugar
No meu ermo, "Soledade",
alguém bateu, certo dia.
-"Quem é? - "sou eu! a Saudade!"
-"Meu Deus! a voz de Maria!..."
* * *

Tão excelente trovador, Anis Murad devia ser português... ou filho de portugueses Entretanto é filho de libaneses, e seu nome completo é Anis Murad Lasmar.

Trabalha no comércio, é contador. Entretanto, o que é mesmo na vida, é cantador.

Os Jogos Florais de Friburgo vieram retirar-lhe a tempo, escondido no peito, um coração cheio de cantigas.

Primogênito de oito irmãos, nasceu, segundo nos contou, de sete meses, e teve por incubadeira uma caixa de sapatos. Vamos dar-lhe a “viola”:

De sete meses gerado
vim ao mundo temporão...
Já fui tesouro guardado
em caixa de papelão...

Vim de longe, despachado
numa velha embarcação...
Sou nacional fabricado
com peças de importação...

Como já acentuei, a trova de Anis Murad não é apenas lírica. Anis é um grande emotivo, um grande sentimental Está na raça, no sangue. Mas é também, por temperamento, um espírito alegre, às vezes até, satírico. É de família. Seu irmão, Jorge Murad, (que teve uma trova classificada nos Jogos Florais de Pouso Alegre), é um excelente contador de histórias, um humorista que tem explorado nos programas de rádio e em audições teatrais, com muita graça, o tipo tradicional do “turco”, imitando-lhe a fala e os cacoetes.

A infância de Anis ele a passou no bairro de Noel Rosa, - em Vila Isabel, - e sua juventude, no Andaraí. Interessou-se pelo teatro, foi ator, e diretor de ensaios. Colaborou com Plácido Ferreira, integrando o elenco do seu “Teatro pelos Ares”; participou do “Teatro Sherlock” e de outras programações em várias emissoras cariocas. Por isso, o assunto lhe deu esta quadrinha:

O teatro é a vida da gente.
A Vida, é teatro também.
Mas só no teatro se sente
a vida que o teatro tem.

Anis acabou sendo Diretor da Casa dos Artistas.

Antes de se descobrir trovador, já fazia versos. E um dos maiores sucessos de nossa música popular e carnavalesca, o samba de parceria com Luiz Pimentel e Manoel Rabaça,

“Bebida, mulher e orgia”, tem letra sua.
Quem não cantou aqueles versos?

“É a lei do vagabundo
Quem bebe sente alegria
Sem mulher, sem orgia
Não há prazer nesse mundo

Na bebida afogo a dor
Na mulher vejo o prazer
Na orgia encontro até
A razão do meu viver

Mas se a bebida faltar
E a mulher fugir de mim
Na orgia hei de encontrar
O princípio do meu fim.”

E por falar em bebida: Anis “glosou” o seu próprio nome, nesta trovinha:

Eu seria bem feliz
das mágoas que já sofri,
se pudesse, sendo anis,
ser somente ...“para ti”...

Eis, em poucas linhas, um rápido perfil deste trovador “libanês”, que encontrou na trova portuguesa a língua de seu coração brasileiro.

Anis Murad nesta “Coleção Trovadores Brasileiros” é um justo motivo de satisfação para mim e para Luis Otávio, os seus organizadores.

Sua presença é a comprovação de que, iniciativas como os “Jogos florais de Friburgo”, não são apenas movimentos culturais de incremento às letras e à poesia, mas a oportunidade para que verdadeiras vocações encontrem as condições necessárias para se revelarem e se afirmarem como valores.

Fonte:
Texto do prefácio do livro da Coleção “Trovadores Brasileiros”. Organização de Luiz Otávio e J.G. de Araujo Jorge. Editora Vecchi – 1959

Folclore Paranaense: Lenda de Vila Velha

A Taça (Vila Velha/PR)
Itacueretaba, antigo nome do que conhecemos hoje por Vila Velha, significa "a cidade extinta de pedras".

Esse recanto foi escolhido pelos primitivos habitantes para ser o Abaretama, "terra dos homens", onde esconderiam o precioso tesouro "itainhareru".

Tendo a proteção de Tupã, era cuidadosamente vigiado pelos apiabas, varões escolhidos entre os melhores homens de todas as tribos. Os apiabas desfrutavam de todas as regalias, porém era-lhes vedado o contato com as mulheres, mesmo de suas próprias tribos. A tradição dizia que as mulheres, estando de posse do segredo do Abaretama, revelariam aos quatro ventos e chegada a notícia aos ouvidos do inimigo, esses tomariam o tesouro para si.

Dhui fora escolhido para chefe supremo dos apiabas. Entretanto, não desejava seguir aquele destino. Seu sangue se achava perturbado pelo fascínio feminino. As tribos rivais, ao terem conhecimento do fato, escolheram Aracê Poranga para tentar o jovem guerreiro e tomar-lhe o coração para conseguir o segredo do tesouro.

Não foi difícil Aracê se apaixonar completamente por Dhui. Numa tarde primaveril, Aracê veio ao encontro de Dhui trazendo uma taça de "uirucuri", o licor de butias, para embebedar Dhui. No entanto, o amor já se assenhorava de sua razão e ela também tomou o licor, ficando ambos sob a sombra de um Ipê, languidamente entrelaçados.

Tupã vingou-se, desencadeando um terremoto que abalou toda a planície. A antiga planície foi transformada em um conjunto de suaves colinas. Abaretama transformou-se em pedra. O solo rasgou-se em alguns pontos, originando as Furnas. O precioso tesouro fora derretido, formando a Lagoa Dourada. Os dois amantes ficaram petrificados e, entre os dois, a taça ficou como o símbolo da traição. Diz a lenda que as pessoas mais sensíveis à natureza e ao amor, quando passam pelo local, ouvem a última frase de Aracê: xê pocê o quê (dormirei contigo).

E foi assim que Abaretama se tornou Itacueretaba.
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Vila Velha

A 18 km de Ponta Grossa o cinzel das chuvas e dos ventos esculpiu figuras gigantescas no arenito. A formação arenítica é o resultado do depósito de um grande volume de areia, que aconteceu há aproximadamente 340 milhões de anos, no período carbonífero. Na época, a região estava coberta por um lençol de gelo. Com o degelo, o material foi abandonado no local. Após o retorno da erosão normal e a partir do engrossamento das águas dos riachos da frente glaciária, esses depósitos foram retrabalhados, originando os arenitos de Vila Velha. A transformação do conjunto rochoso não terminou. Vila Velha está exposta à ação da atmosfera, submetida à severa erosão das águas das chuvas e ao trabalho dos ventos. As formações sugerem as mais variadas figuras. Camelo, índio, noiva, garrafa, bota, esfinge e taça são algumas delas.

Fonte:
http://www.pontagrossa.pr.gov.br/vvelha

J. G. De Araujo Jorge (Livro de Poemas I)


A Casa Abandonada

Abro a janela da minha alma e espio:
- tudo é negro é completa a escuridão...
Nesse estranho lugar, triste e vazio,
hoje habita somente a solidão

Há teias de saudade em cada canto,
e a poeira de um amor cobre o seu chão...
São sombrias as salas, - velho encanto
há nesse feio e escuro casarão

Uma ruína em meu peito, abandonada,
com muros desbotados... cheios de hera...
-como um túmulo à beira de uma estrada ,
que nada mais desta existência espera...

O tempo, pouco a pouco, já a consome,
- outrora, por exemplo - havia um nome
de mulher, no portal, mas se apagou...

Quantos homens como eu, na alma fechada,
vão levando uma casa abandonada
de onde alguém que partiu não mais voltou!..

A Cruz de Ninguém

Era uma cruz... pequena... de madeira...
em meio às outras cruzes, desprezada,
sobre um monte de terra, abandonada,
sem uma flor sequer por companheira...

Pendendo sobre o chão, tosca, bem feia,
cobria o corpo de um, que foi fadado
a ser talvez, na vida, um desgraçado,
hoje feliz sob um montão de areia...

Vendo-a tão só, nublou-se o meu olhar,
e orei por esse irmão que ali dormia,
pois morto eu fosse, e a minha cruz seria
tal como aquela, ao tempo, a se inclinar...
.......................................................................

Ao partir... junto à cruz triste e sozinha
escrevi sobre a terra uma inscrição
que é bem possível que ainda seja a minha:

"Aqui se encontra alguém desconhecido,
um que nasceu talvez por irrisão
e que morreu, sem nunca ter nascido..."

A Ilusão de Ser Feliz

Silêncio... A Noite pesa sobre tudo,
e eu, quedo, triste, retraído e mudo
vou traduzindo a dor que me consola...

Deixo falar meu coração tristonho,
e assim, vou despertando um pobre sonho
que alguém me deu por derradeira esmola...

Relembro o doce amor que tanto adoro
e sinto que ao lembrá-lo, quase choro
talvez porque não sei me compreender...

Partiste...e nem sequer adeus te disse
só por temer que desse adeus surgisse
a triste confissão de meu sofrer.

Prefiro esse meu sonho por ventura
uma vaga esperança por tortura
e um porvir de quiméricas visões...

Feliz, eu me contento com a incerteza,
sentindo a vida, embora com tristeza,
uma linda cadeia de ilusões...

E é tudo que me resta. O coração
ainda tenho a pulsar, nesta visão
que, por que tive medo, não desfiz...

A Última Estrela

Voltaste as folhas, uma a uma, e agora
vais fechar este livro: a noite é finda...
O "meu céu interior..." já se descora
à luz de um dia que não vive ainda...

Não sei se achaste a minha noite linda,
se sentiste, como eu, o vir da aurora...
Vai a luz aumentando...A noite é finda
O "meu céu interior..." já se descora!...

Cada folha voltada, foi assim
como um raio de luz, a mais, brilhando...
- como uma estrela que encontrou seu fim...

Esta folha - é da noite, o último véu...
E este verso que lês, e vai findando,
a última estrela a se apagar no céu!...

A Vida Que Eu Sonhei...

Eu sonhei para mim, uma vida discreta
num lugar bem distante, a sós, tendo-te ao lado
- num castelo que fiz lá num reino encantado,
nesse reino que eu chamo o coração de um poeta...

Sonhei... Vi-me feliz na solidão de asceta,
bem longe deste mundo, a rir, despreocupado...
- acordando a escutar no arvoredo o trinado
das aves, e a dormir fitando a lua inquieta...

Vivia na ilusão daquele que ainda crê,
na vida, e o meu amor, eu o tinha idealizado
no romance de um lar coberto de sapê...

- Mentiras que eu sonhei!... No entanto hoje me ponho
muita vez a pensar no tal reino encantado
e sinto uma saudade imensa do meu sonho!...

Adormecer...

Muita vez, no silêncio, enquanto a noite desce
e pousa sobre a terra o seu manto dourado
de estrelas, no meu quarto, a sós, abandonado,
não tenho pelo mundo o mínimo interesse...

Mas, não sei bem dizer... dentro em meu peito cresce
um sonho, e, de repente, eu sinto, consolado
que alguém vem para mim, que alguém vem ao meu lado,
e me diz bem baixinho alguma estranha prece...

Então, tomo da pena, e espero calmamente...
Uma noite, porém, me lembro, adormeci
sentindo esse esplendor de um céu que está contente,

e não pus no papel mais que um nome sequer...
E só quando acordei, na folha branca, eu vi
que apenas tinha escrito um nome de mulher...

As Estações do Amor...

Eu tinha para mim que eras pura e sincera,
e por isso, talvez acreditei em ti...
Nesse tempo, em meu ser, fazia a primavera
e as flores do meu sonho em minha alma colhi...
Depois... Foi de repente... Ao passar da estação,
tornou-se o meu amor maior... e mais ardente...
Havia no meu peito o calor do verão,
- e julguei que eras minha, minha inteiramente...
E o tempo foi passando... E tudo, pouco a pouco
mudou - e me senti num completo abandono...
Caíram para sempre as ilusões - e eu, louco,
as vi secar no chão como folhas de outono...
E um dia... Veio o inverno insípido e tristonho,
- fazia muito frio... e em minha alma nevou...
E a neve foi caindo, e sepultou meu sonho
..........................................................................

As estações do tempo... As estações do amor...
Parecem muito iguais... e diferem no entanto,
- naquelas há o voltar da alegria e da côr
ao de novo surgir, da primavera , o encanto...
Mas nas outras, depois do inverno, nada existe...
Tudo é branco... tristonho... frio e desolado,
- recorda-se a chorar - e vê-se o como é triste
lembrar a primavera antiga do passado !...

Canteiro de Opalas

Céu azul... céu lilás... Noite azul, tropical
que através da janela eu fito deslumbrado,
como o sapo infeliz, de olhar quieto e parado
que mora sem ninguém no fundo do quintal...

Abóbada que encima a imensa catedral
do Universo, onde o poeta, um Deus por Deus deixado
na terra, vai abrir seus olhos, consolado
na extática visão de uma obra magistral...

Quando o vejo a pulsar numa noite bonita,
Parece, nem sei bem - um "canteiro" de opalas
cujo pólen é a luz que nos astros palpita...

Opalas que eu adoro! Em vão tento colhê-las!
- Quisera na minha alma azul também plantá-las
para ter no meu peito um punhado de estrelas!...

Fonte:
JORGE, J. G. De Araújo. Meu Céu Interior. 1ª edição, setembro,1934
Imagem = montagem por José Feldman (poema de Jorge; retrato; bandeiras do Acre (nascimento) e do Rio de Janeiro (radicou-se))

Machado de Assis (A Herança)


Venância tinha dois sobrinhos, Emílio e Marcos; o primeiro de vinte e oito, o segundo de trinta e quatro anos. Marcos era o seu mordomo, esposo, pai, filho, médico e capelão. Ele cuidava-lhe da casa e das contas, aturava os seus reumatismos e arrufos, ralhava-lhe às vezes, brandamente, obedecia-lhe sem murmúrio, cuidava-lhe da saúde e dava-lhe bons conselhos. Era um rapaz tranqüilo, medido, geralmente silencioso, pacato, avesso a mulheres, indiferente a teatros, a saraus. Não se irritava nunca, não teimava, parecia não ter opiniões nem simpatias. O único sentimento manifesto era a dedicação a D. Venância. Emílio era em muitos pontos o contraste de Marcos, seu irmão. Primeiramente, era um dândi, turbulento, frívolo, sedento de diversões, vivendo na rua e na casa dos outros, dans le monde. Tinha cóleras, que duravam o tempo das opiniões; minutos apenas. Era alegre, falador, expansivo, como um namorado de primeira mão. Gastava às mãos largas. Vivia duas horas por dia em casa do alfaiate, uma hora em casa do cabeleireiro, o resto do tempo na Rua do Ouvidor; salvo o tempo em que dormia em casa, que não era a mesma casa de D. Venância, e o pouco em que ia visitar a tia. Exteriormente era um elegante; interiormente era um bom rapaz, mas um verdadeiro bom rapaz.

Não tinham pai nem mãe; Marcos era advogado; Emílio formara -se em medicina. Por um alto sentimento de humanidade, Emílio não exercia a profissão; o obituário conservava o termo médio usual. Mas, tendo um e outro herdado alguma coisa dos pais, Emílio mordia razoavelmente a parte da herança, que aliás o irmão administrava com muito zelo.

Moravam juntos, mas tinham a casa dividida de maneira que não podiam tolher a liberdade um do outro. Às vezes passavam-se três ou quatro dias sem se verem; e é justo dizer que as saudades primeiro feriam Emílio do que ao irmão. Ao menos era ele quem, depois de larga ausência, se assim podemos chamar-lhe, entrava mais cedo para casa a esperar que Marcos viesse da casa de D. Venância.

— Por que não foste à casa de titia? perguntava Marcos, logo que ele dizia estar a esperá-lo durante muito tempo.

Emílio erguia os ombros, como rejeitando a idéia desse sacrifício voluntário. Depois, conversavam, riam um pouco; Emílio referia anedotas, fumava dois charutos, e só se levantava quando o outro confessava estar a cair de sono. Emílio, que não dormia antes das três ou quatro, nunca tinha sono; lançava mão de um romance francês e ia devorá-lo na cama até a hora habitual. Mas esse frívolo tinha ocasiões de seriedade; numa doença do irmão, velou-lhe longos dias à cabeceira, com uma dedicação verdadeiramente materna. Marcos sabia que ele o amava.

Não amava, entretanto, a tia; se fosse mau, podia detestá-la; mas se não a detestava, confessava intimamente que ela o aborrecia. Marcos, quando o irmão repetia isso, tratava de o reduzir a melhor sentimento; e com tão boas razões que Emílio, não se atrevendo a contestá-lo e não querendo sair de sua opinião, recolhia-se a um eloqüente silêncio.

Ora, D. Venância encontrava essa repulsa, talvez pelo excesso mesmo de seu afeto. Emílio era o predileto de seus sobrinhos; ela adorava-o. A melhor hora do dia era a que ele lhe destinava a ela. Na ausência falava de Emílio a propósito de qualquer coisa. Geralmente o rapaz ia à casa da tia, entre as duas e três horas; raras vezes à noite. Que alegria quando ele entrava! que afagos! que intermináveis carinhos!

— Vem cá, ingrato, senta-te aqui ao pé da velha. Como passaste de ontem?

— Bem, respondia Emílio sorrindo contrafeito.

— Bem, arremedava a tia; diz aquilo como se não fosse verdade. E quem sabe mesmo?

Tiveste alguma coisa?

— Nada, não tive nada.

— Pensei.

D. Venância tranqüilizava-se; depois vinha um rosário de perguntas e outro de anedotas. No meio de umas e outras, se via algum gesto de incômodo no sobrinho, interrompia-se para perguntar se estava incomodado, se queria tomar alguma coisa. Mandava fechar as janelas de onde supunha que vinha ar; fazia-o trocar de cadeira, se lhe parecia que a que ele ocupava era menos cômoda. Esse excesso de cautelas e cuidados fatigavam o moço. Ele obedecia passivamente, falava pouco, ou o menos que lhe era possível. Quando resolvia sair, tornava-se perfidamente mais alegre e carinhoso, açucarava um cumprimento, punha-lhe mesmo alguma coisa do coração, e despedia-se. D. Venância, que ficava com essa impressão última, confirmava-se nos seus sentimentos a respeito de Emílio, a quem proclamava o primeiro sobrinho deste mundo. Pela sua parte, Emílio descia as escadas mais aliviado; e no coração, lá no mais fundo do coração, uma voz secreta sussurrava estas palavras cruéis:

— Quer-me muito bem, mas é muito amoladora.

A presença de Marcos era uma troca de papéis. A acariciada era ela. D. Venância tinha seus momentos de enfado e de zanga, gostava de ralhar, de bater no próximo. Sua alma era uma fonte de duas bicas, vertia mel por uma e vinagre pela outra. Sabia que o melhor meio de aturar menos, era não imitá-la. Calava-se, sorria, aprovava tudo, com uma docilidade exemplar. Outra vezes, conforme o assunto e a ocasião, reforçava os sentimentos pessimistas da tia, e ralhava, não com igual veemência, porque ele estava incapaz de a fingir, mas na conformidade das idéias dela. Presente a tudo, não esquecia, no meio de um discurso de D. Venância, de lhe acomodar melhor o banquinho dos pés. Sabia-lhe os hábitos, e ordenava as coisas de maneira que lhe não faltasse nada. Ele era a Providência de D. Venância e o seu pára-raios. De mês em mês prestava-lhe contas; e nessas ocasiões só uma alma forte podia resistir ao suplício. Cada aluguel trazia um discurso; cada obra nova ou conserto produzia objurgatória. Ao cabo, D. Venância não ficava com a menor idéia das contas, tão ocupada estava em desabafar o seu reumatismo; e Marcos, se quisesse afrouxar um pouco a consciência, podia dar às contas certa elasticidade. Não o fazia; era incapaz de o fazer.

Quem dissesse que na dedicação de Marcos entrava um pouco de interesse, podia dormir com a consciência tranqüila, pois não caluniava ninguém. Havia afeto, mas não havia só isso. D. Venância possuía bons prédios, e tinha só três parentes.

O terceiro parente era uma sobrinha, que morava com ela, moça de vinte anos, graciosa, doida por música e confeitos. D. Venância também a estimava muito, quase tanto como a Emílio. Meditava até casá-la antes de morrer; e só tinha dificuldade em achar um noivo digno da noiva.

Um dia, no meio de uma conversa com Emílio, aconteceu-lhe dizer:

— Quando te casares, adeus tia Venância! Esta palavra foi um raio de luz.

— Casar! pensou ela, mas por que não com a Eugênia?

Nessa noite não cuidou mentalmente de outras coisas. Marcos nunca a vira tão taciturna; chegou a supor que ela estivesse zangada com ele. D. Venância não disse, durante essa noite, mais de quarenta palavras. Olhava para Eugênia, lembrava-se de Emílio, e dizia consigo:

— Mas como é que não lembrei disso há mais tempo? Nasceram um para o outro. São bonitos, bons, jovens. — Só se ela tiver algum namoro; mas quem seria?

No dia seguinte sondou a moça; Eugênia, que não pensava em ninguém, disse francamente que trazia o coração como lho haviam dado. D. Venância exultou; riu-se muito; jantou mais do que de costume. Restava sondar Emílio no dia seguinte. Emílio respondeu a mesma coisa.

— Deveras! exclamou a tia.

— Pois então!

— Não gostas de nenhuma moça? não tens nada em vista?

— Nada.

— Tanto melhor! tanto melhor!

Emílio saiu aturdido e um pouco vexado. A pergunta, a insistência, a alegria, tudo aquilo tinha um ar pouco tranqüilizador para ele.

— Quererá casar comigo?

Não perdeu muito tempo em conjecturas. D. Venância, que, com os seus sessenta anos, receava qualquer surpresa da morte, apressara-se a falar diretamente à sobrinha. Era difícil; mas D. Venância passava por ter um gênio original, que é a coisa mais vantajosa que pode acontecer à gente, quando quer passar por cima de certas consideraeões. Perguntou diretamente a Eugênia se estimaria casar com Emílio; Eugênia, que nunca pensara em tal, respondeu que lhe era indiferente.

— Indiferente só? perguntou D. Venância.

— Posso casar.

— Sem vontade, sem gosto, só por obedecer?...

— Oh! não!

— Velhaca! Confessa que gostas dele.

Eugênia não se lembrara disso; mas respondeu com um sorriso e baixou os olhos, gesto que podia dizer muita coisa e nada. D. Venância interpretou-o como uma afirmativa, talvez porque ela preferia a afirmativa. Quanto a Eugênia, ficou abalada com a proposta da tia, mas não lhe durou muito o abalo; foi tocar música. De tarde pensou outra vez na conversa que tivera, começou a lembrar-se de Emílio, foi ver o retrato dele que havia no álbum. Realmente, entrou a parecer-lhe que gostava do moço. A tia, que o dizia, é porque o percebera. Que admira? Um rapaz bonito, elegante, distinto. Era isso; devia amá-lo; devia casar com ele.

Emílio foi menos fácil de contentar-se. Quando a tia lhe deu a entender que havia uma pessoa que o amava, teve um sobressalto; quando lhe disse que era uma moça, teve outro. Céus! um romance! A imaginação de Emílio construiu logo vinte capítulos, cada qual mais cheio de luas e miosótis. Enfim, soube que se tratava de Eugênia. A noiva não era de desprezar; mas tinha o defeito de ser um santo de casa.

— E escusas de fazer essa cara, disse D. Venância; eu já percebi que gostas dela.

— Eu?

— Não; hei de ser eu.

— Mas, titia...

— Deixa-te de partes! Já percebi. Não me zango; pelo contrário, aprovo e até desejo. Emílio quis recusar de uma só vez; mas era difícil; tomou a resolução de contemporizar. D. Venância, a muito custo, concedeu-lhe oito dias.

— Oito dias! exclamou o sobrinho.

— Em menos tempo fez Deus o mundo, redargüiu D. Venância sentenciosamente. Emílio sentiu que a coisa era um pouco dura de roer assim feita às pressas. Comunicou suas impressões ao irmão. Marcos aprovou a tia.

— Também tu?

— Também. A Eugênia é bonita, gosta de ti; titia faz gosto. Que mais queres?

— Mas é que nunca pensei em semelhante coisa.

— Pois pensa agora. Em oito dias pensarás nela e talvez acabes por gostar... Acabas com certeza.

— Que maçada!

— Não acho.

— É porque não é contigo.

— Se fosse era a mesma coisa.

— Casavas?

— No fim de oito dias.

— Admiro-te. Custa-me a crer que um homem se case, assim como faz uma viagem a Vassouras.

— O casamento é uma viagem a Vassouras; não custa mais nem menos.

Marcos disse ainda outras coisas mais, no sentido de animar o irmão. Ele aprovava o casamento, não só porque Eugênia merecia, como porque era muito melhor que tudo ficasse em casa.

Não interrompeu Emílio as suas visitas cotidianas; mas os dias passavam-se e ele não se sentia mais disposto ao casamento. No sétimo dia, despediu-se da tia e da prima, com uma cara lúgubre.

— Qual! dizia Eugênia; ele não casa comigo.

No oitavo dia, D. Venância recebeu uma carta de Emílio, pedindo-lhe muitos perdões, fazendo-lhe carícias sem fim, mas acabando por uma negativa franca.

D. Venância ficou desconsolada; tinha feito nascer esperanças no coração da sobrinha, e não as podia realizar de nenhuma maneira. Chegou a ter um movimento de cólera contra o rapaz, mas arrependeu-se dele até morrer. Um sobrinho tão amável! que recusava com tão bons modos! Era pena que não aceitasse, mas se ele não amava, podia ela obrigá-lo ao casamento?

Suas reflexões foram essas, tanto à sobrinha, que aliás não chorou, posto ficasse um pouco triste, como ao sobrinho Marcos, que só tarde soubera da recusa do irmão.

— Aquilo é uma cabeça de vento! disse ele.


D. Venância defendeu-o, como confessou que se acostumara à idéia de deixar Eugênia casada e bem casada. Enfim não se pode forçar os corações. Isso mesmo repetiu ela quando Emílio a foi ver daí a dias, um tanto envergonhado da recusa. Emílio, que esperava achá-la no mais agudo de seus reumatismos, achou-a risonha como de costume.

Mas a recusa de Emílio não foi aceita tão filosoficamente pelo irmão. Marcos não achara a recusa, nem bonita nem prudente. Era um erro e uma tolice. Eugênia era uma noiva digna até de um sacrifício. Sim; tinha qualidades notáveis. Marcos atentou nelas. Viu que efetivamente a moça não valia o modo por que o irmão a tratara. A resignação com que aceitava a recusa era na verdade digna de respeito. Marcos simpatizou com esse proceder. Não menos lhe doeu a dor da tia, que não alcançava realizar o desejo de deixar Eugênia entregue a um bom marido.

— Que bom marido não podia ser ele?

Marcos seguiu esta idéia com alma, com afinco, com desejo de acertar. Sua solicitude dividiu-se entre Eugênia e D. Venância — o que era servir a D. Venância. Um dia entestou com o assunto...

— Titia, disse ele, oferecendo-lhe torradinhas, eu desejava pedir-lhe um conselho.

— Tu? Pois tu pedes conselhos, Marcos?...

— Às vezes, redargüiu ele sorrindo.

— Que é?

— Se a prima Eugênia me aceitasse por marido, a senhora aprovava o casamento?

D. Venância olhou para Eugênia espantada, Eugênia, não menos espantada do que ela, olhou para o primo. Este olhava para ambas.

— Aprovava? repetiu ele.

— Que dizes? disse a tia voltando-se para a moça.

— Farei o que titia quiser, respondeu Eugênia olhando para o chão.

— O que eu quiser, não, tornou D. Venância; mas confesso que aprovo, se for do teu gosto.

— É? perguntou Marcos.

— Não sei, murmurou a moça.

A tia cortou a dificuldade dizendo que ela podia responder daí a quatro, seis ou oito dias.

— Quinze ou trinta, acudiu Marcos; um ou mais meses. Meu desejo é que fosse logo, mas não desejo surpreender seu coração; prefiro que escolha com tranqüilidade. É assim que nossa boa tia deseja também...

D. Venância aprovou as palavras de Marcos, e deu à sobrinha dois meses. Eugênia não disse sim nem não; mas no fim daquela semana declarou à tia que estava pronta a

receber o primo por esposo.

— Já! exclamou a tia, referindo-se à curteza do prazo da resposta.

— Já! respondeu Eugênia, referindo-se à data do casamento.

E D. Venância, que o percebeu pelo tom, riu-se muito e deu a notícia ao sobrinho. O casamento efetuou-se dai a um mês. As testemunhas foram D. Venância, Emílio e um amigo da casa. O irmão do noivo parecia satisfeito com o resultado.

— Ao menos, dizia ele consigo, ficamos todos satisfeitos.

Marcos ficou morando em casa, de modo que nem retirava a companhia de Eugênia nem a sua. D. Venância tinha assim uma vantagem mais.

— Agora o que é preciso é casar o Emílio, dizia ela.

— Por quê? perguntava Emílio.

— Porque é preciso. Meteu-se-me isso na cabeça.

Emílio não ficou mais amigo da casa depois do casamento. Continuava a lá ir o menos que podia. Com os anos, D. Venância ia ficando de uma ternura mais difícil de suportar, pensava ele. Para compensar a ausência de Emílio, tinha ela o zelo e a companhia de Eugênia e Marcos. Este era ainda o seu mestre e guia.

Um dia adoeceu deveras a sra. D. Venância; esteve um mês de cama, durante o qual os dois sobrinhos casados não lhe saíram da cabeceira. Emílio ia vê-la, mas só fez quarto a última noite, quando ela ficara delirante. Antes disso ia vê-la, e saía de lá muito contra a vontade dela.

— Onde está o Emílio? perguntava de quando em quando.

— Já vem, diziam-lhe os outros.

O remédio que Emílio lhe dava era bebido sem hesitação. Sorria até.

— Pobre Emílio! vais perder tua tia.

— Não diga isso. Ainda vamos dançar uma valsa.

— No outro mundo, pode ser.

A moléstia agravou-se; os médicos desenganaram a família. Mas antes do delírio, sua última palavra foi ainda uma lembrança a Emílio; e quem a ouviu foi Marcos que cabeceava de sono. Se quase não dormia!

Emílio não estava presente quando ela expirou. Morreu, enfim, sem nada dizer de suas disposições testamentárias. Não era preciso; todos sabiam que ela tinha o testamento em poder de um velho amigo de seu marido.

D. Venância nomeou Emílio seu herdeiro universal. Aos outros sobrinhos deixou um razoável legado. Marcos contava com uma divisão, em partes iguais, pelos três. Enganara-se, e filosofou muito sobre o caso. Que havia feito o irmão para merecer tamanha distinção? Nada; deixara-se amar apenas. D. Venância era a imagem da fortuna.

Fonte:
Publicado originalmente em Jornal das Famílias 1878

Adolfo Caminha (Análise da Obra “Bom-Crioulo”)


O romance Bom-Crioulo, de Adolfo Caminha, faz parte do Realismo e do Naturalismo. A história de paixão e tragédia não é produto de fantasia romântica, mas baseada num fato real que escandalizou o Rio de Janeiro no século XIX.

Caminha constrói a partir de um fato verídico, uma ficção forte, ousada, muito atual até os dias de hoje. Fez isso para chocar e se vingar da sociedade hipócrita que o rodeava.

Bom-Crioulo, publicado em 1895, é dividido em 12 capítulos, onde a ação se passa na segunda metade do século XIX, no Rio de Janeiro. Destacam-se o espaço aberto, normalmente dias claros e quentes, o mar aberto, e o espaço fechado do quartinho de Amaro.

Boa parte da força e da eficácia de Bom-Crioulo está no manejo lúcido que o autor faz desses conflitos, escolhendo o quê, quando e como contar deste verdadeiro enredo de notícia de jornal sensacionalista. A narrativa é simples e direta, mas tem as suas manhas: não entrega o jogo facilmente, cria suspenses, vai e volta no tempo, de modo a dar a cada momento, a cada situação, a sua atualidade e a sua história, o seu desenvolvimento próprio. Assim, o enredo central se desdobra em alusões a muitas outras histórias; e o dia-a-dia do século XIX brasileiro se insinua a cada passo, fazendo ecoar as falas e as ações das personagens centrais.

A intenção do romance resume-se em acompanhar as personagens em seu movimento, como se fosse o expectador que registra a evolução do drama alheio sem interferir. Nele tudo caminha numa ordem inalterável até o epílogo, com uma supervalorização do instinto sobre os sentimentos, do animal sobre o racional.

FOCO NARRATIVO

Narrado em 3ª pessoa, por narrador onisciente, percebe-se que as inúmeras descrições que aparecem no romance, condizentes com a estética naturalista que privilegia a observação meticulosa dos fatos, buscam não se confundir com a história, nem com as personagens.

Preso aos ideais do escritor naturalista — exatidão na descrição, apelo à minúcia e culto ao fato — o narrador conta a história de modo linear, gradativo, utilizando-se de uma linguagem clara, direta, objetiva, com poucos objetivos. O que será importante são os fatos narrados e não a opinião que se pode ter sobre eles. Não há, portanto, da parte desse narrador, qualquer julgamento moral das personagens.

A história quase se narra por si, pela exposição direta dos fatos, que vão montando a estrutura narrativa, ou seja, a história das três personagens envolvidas num caso de amor: Amaro, Carolina e Aleixo.

TEMÁTICA

O tema principal é a dificuldade do amor homossexual, centrado na relação entre o negro Amaro e o jovem e bonito Aleixo. Faz presente também o tema da mulher madura que deseja um amante jovem. A originalidade de Bom-Crioulo se manifesta no triângulo amoroso sobre o qual se sustenta. Tradicionalmente, um triângulo amoroso é composto por dois homens em luta por uma mulher, ou duas mulheres que disputam o mesmo homem. Em Bom-Crioulo, Amaro e Aleixo são marinheiros e, acima de tudo, como tal se comportam, favorecendo a anulação das diferenças étnicas, que se dá não pela ascensão do negro fugido, mas pelo rebaixamento de ambos à condição de prisioneiros do mesmo sistema e do “vício”. Por fim, o terceiro do triângulo é uma mulher que atua como homem, pois conquista Aleixo em vez de ser conquistada. Adolfo Caminha colhe ao vivo, de sua experiência como oficial da marinha, o material do romance.

Este tema do romance, o homossexualismo, manifesto na construção do triângulo amoroso, é tratado com crueza e sem nenhum indício de preconceito pelo escritor naturalista, que vê no vício um objeto de estudo que deve ser esclarecido e compreendido.

O homossexualismo, encarado no romance como vício ou perversão, é tratado, portanto, através de um olhar naturalista e, conseqüentemente, limitado: não há o enfoque mais subjetivo dos sentimentos despertados; não há autonomia do caráter: as personagens estão acorrentadas às leis deterministas (não há drama de consciência ou mesmo drama moral). Há uma resposta mecânica, instintiva aos fatos e, nesse sentido, o livro perde um lado da questão, o que não esmaece sua força e valor literário.

Outro tema é a problemática da vida dos marinheiros, que ficam a maior parte do tempo longe da terra e de mulheres, o sofrimento dos castigos corporais impiedosos e rigorosos. Este é a temática que se entrelaça com o tema central.

TEMPO E ESPAÇO

O romance se passa em dois espaços: no mar, a bordo de uma corveta, e na Rua da Misericórdia, localizada nos subúrbios do Rio de Janeiro, nos fins do século XIX. Os dois lugares são descritos em seus aspectos mais degradantes e negativos, ressaltando a miséria daqueles que aí vivem.

A abertura do romance se faz com uma detalhada descrição da corveta, local inicial da ação.

Por meio de uma descrição minuciosa e da riqueza de detalhes que ajudam a compor o ambiente externo, percebe-se como o autor naturalista se debruça sobre o meio que terá um papel decisivo no comportamento das personagens.

O ambiente de bordo é marcado pelo trabalho duro e por uma vida sem privacidade, o que possibilita a eclosão das mais diversas perversões. O ajuntamento de homens favorecia a promiscuidade entre seres que vivenciam a solidão da reclusão da vida no mar e que, sobretudo, sentiam a falta de liberdade, vítimas de um sistema duro e cruel - a vida na Marinha:

Mas, havia ordem para não desembarcar, e Bom-Crioulo, como toda a guarnição, passou a tarde numa sensaboria, cabeceando de fadiga e sono, ocupado em pequenos trabalhos de asseio e manobras rudimentares. - Diabo de vida sem descanso! O tempo era pouco para um desgraçado cumprir todas as ordens. E não as cumprisse! Golilha com ele, quando não era logo metido em ferros... Ah! Vida, vida!... Escravo na fazenda, escravo a bordo, escravo em toda parte... E chamava-se a isso servir á Pátria!

Por esse trecho, pode-se notar uma crítica implícita a Abolição dos Escravos que parece não passar de uma ilusão, já que os homens provenientes das camadas mais baixas da população continuam a ser explorados.

Num segundo momento, a história se desloca para a terra, mais precisamente para um quarto na Rua da Misericórdia, onde Amaro e Aleixo, após terem se conhecido no navio, vivem o ápice e o declínio de seu relacionamento.

Ao retratar o espaço urbano, Adolfo Caminha fala a respeito de um tipo de moradia muito comum no Rio de Janeiro, durante o final do século XIX: as habitações coletivas. Os habitantes dessas moradias eram brancos, mulatos e mestiços, sempre pessoas exploradas. Ao redor dessas habitações, há a presença de negociantes portugueses em ascensão, como o açougueiro que sustenta D. Carolina, e que se aproveitam, de algum modo, da miséria dessas pessoas.

Desse modo, o comportamento das personagens está condicionado pela pobreza do ambiente que as circunda e que, por sua vez, é decorrente do momento histórico por que passava o Brasil, durante o Segundo Reinado.

PERSONAGENS

Em Bom-Crioulo, Caminha constrói com segurança e coerência o personagem Amaro, mulato dominado pela paixão homossexual, que o leva para caminhos sadomasoquistas à perversão e finalmente ao crime. O autor soube manejar as cenas e personagens com naturalidade.

As personagens de um romance naturalista raramente são dotadas de alguma profundidade psicológica. Muito próximas dos tipos, também chamados de personagens planas, não evoluem no decorrer da narrativa, de forma que suas ações apenas confirmam as poucas características que as definem.

Amaro: protagonista, ex-escravo convocado para a marinha.Trata-se de um homem muito forte, com trinta anos de idade e que não conseguiu realizar-se sexualmente com as mulheres. Duas tentativas deram-lhe grande decepção e o deixaram frustrado. Só conseguiu consumar o ato com o jovem Aleixo. Apresenta certa profundidade psicológica, mas que é totalmente envolvido por sentimentos e instintos que o dominam, impedindo-o de perceber com clareza a situação conflituosa que vive. Algumas vezes, surgem percepções esparsas, mas nada suficientemente forte para modificar o destino do negro, movido pela paixão. Por um lado, Amaro é extremamente forte fisicamente. Sua força provém do trabalho escravo e depois do trabalho na Armada, em que se engajara após ter fugido da fazenda. Os castigos físicos que lhe foram impingidos, tanto pelo feitor quanto a bordo, tornaram-lhe resistente e lhe deram a energia de um animal brioso. A força do negro é realçada pelo narrador, numa das cenas iniciais do romance, por meio da descrição de uma cena em que Amaro está sendo punido com a chibata: — Uma! cantou a mesma voz. — Duas!.., três!...

Aleixo: grumete, belo rapaz de olhos azuis, que embarca no sul. Tem quinze anos e mexe sexualmente com Amaro. Cede às investidas e caprichos do crioulo, mas quando aparece ocasião troca-o por uma mulher. Isso o leva ser assassinado por Amaro, por causa do ciúme. Aleixo surge desde o princípio como o oposto de Amaro: branco, fisicamente fraco e pueril, subjugado pelas circunstâncias e por quem lhe é mais forte — será assim com Amaro e com Carolina. O ar de submissão de Aleixo vai transfigurando-se, ao longo da narrativa, numa espécie de esperteza camaleônica. Nada sabemos sobre seu passado, a não ser que era filho de uma pobre família de pescadores que o tinham feito entrar para a Marinha em Santa Catarina. A ligação com Amaro oferece-lhe um novo mundo, bastante diferente daquele de sua origem, e que lhe propicia, acima de tudo, favores e proteção.

D. Carolina: amiga e rival de Amaro. É amiga de Amaro por tê-lo salvo em um assalto e inimiga por depois conquistar o namorado do crioulo. D. Carolina era uma portuguesa que alugava quartos na Rua da Misericórdia somente a pessoas de “certa ordem”, gente que não se fizesse de muito honrada e de muito boa, isso mesmo rapazes de confiança, bons inquilinos, patrícios, amigos velhos... Não fazia questão de cor e tampouco se importava com a classe ou profissão do sujeito, Marinheiro, soldado, embarcadiço, caixeiro de venda, tudo era a mesmíssima cousa: o tratamento que lhe fosse possível dar a um inquilino, dava-o do mesmo modo aos outros. D. Carolina revela-se, desde o inicio, uma mulher de negócios, cuja mercadoria era seu próprio corpo. Teve seus revezes e conseguiu se reerguer, observando como poderia lucrar com os outros, já que também lucravam com ela. No entanto, vive só.

Herculano: marinheiro dotado de certa melancolia. Relaxado, tinha as unhas sujas. Evitava a companhia dos outros. Foi preso e castigado por ter sido apanhado se masturbando.

Agostinho: o guardião. Homem de grande estatura, reforçado, especialista em dar chibatadas. Ama sua profissão, por isso permanecia a maior parte do tempo a bordo.

Santana: marinheiro que sofreu castigo por ter brigado com Herculano. Era gago, chorava com facilidade e era manhoso.

ENREDO

A obra Bom-Crioulo não padece das inverosimilhanças de A Normalista, do mesmo autor. Mais denso e enxuto, apresenta um ótimo retrata da vida de marinheiros durante a 2ª metade do século XIX, no Rio de Janeiro. A personagem principal, o mulato Amaro, é bastante coerente em sua passionalidade. Vários episódios do romance também refletem a própria vivência do autor a bordo de navios, registrando a aspereza da vida no mar, da brutalidade dos castigos corporais, já denunciados por Caminha em seu tempo de estudante.

O romance realça pela originalidade da situação dramática: dois marinheiros - Amaro, apelidado o Bom-Crioulo, um “latagão de negro, muito alto e corpulento, figura colossal de cafre... com um formidável Sistema de músculos” e Aleixo “um belo marinheiro de olhos azuis” - brutalizados e solitários pela vida a bordo de um navio, afeiçoam-se e entretêm relações homossexuais. Ao desembarcarem na cidade do Rio de Janeiro, vão viver em um cômodo alugado por uma portuguesa, ex-prostituta, D. Carolina. Mas o idílio amoroso entre Amaro e Aleixo é interrompido pelo dever de voltar ao mar:

Decorreu quase um ano sem que o fio tenaz dessa amizade misteriosa, cultivada no alto da Rua da Misericórdia, sofresse o mais leve abalo. Os dois marinheiros viviam um para o Outro: completavam-se /.../ Mas Bom-Crioulo um dia foi surpreendido com a notícia de que estava nomeado para servir noutro navio.
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Biografia de Adolfo Caminha em http://singrandohorizontes.blogspot.com/2009/11/adolfo-caminha-1867-1897.html
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Fonte:
Análise realizada pelo Prof. Bartolomeu Amâncio da Silva. Bacharel em Letras, pela USP, professor de literatura da rede Objetivo (colégios e cursos pré-vestibular). Disponível em http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas

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segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Anfrísio Lima (1887 – 1973)


Anfrísio Lima é um nome, uma legenda histórica, símbolo cultural do Município de Manga/MG.

Político, foi antes de tudo um cultor das letras. É patrono da Cadeira nº 09, da Academia de Letras, Ciências e Artes do São Francisco, ocupada pelo acadêmico Ronaldo José de Almeida.

Ele nasceu no tempo do Império, na cidade de Cabrobó - Estado de Pernambuco, sendo seu pai o farmacêutico Domiciano Pastor Ferreira Lima, e sua mãe dona Almerinda Omenídia Gonzaga Lima, de famílias cearenses e pernambucanas.

Fez o curso primário e o secundário na cidade de Petrolina - Estado de Pernambuco. Transferiu-se para Simplício Mendes, no Piauí, e de lá para São João do Piauí, no mesmo Estado, onde exerceu o magistério público, trabalhou na Justiça Criminal e militou na imprensa local, colaborando com o semanário “A Voz do Sertão”, onde publicou suas primeiras produções poéticas.

Em 1914, transferiu-se com seus pais para a localidade de Manga no Estado de Minas Gerais, na época, um pequeno burgo.

Já como pessoa influente, Anfrísio trabalhou pela emancipação político-administrativa do distrito, então pertencente ao município de Januária, marcando sua presença na história do novo Município.

Foi eleito, por unanimidade de votos, o primeiro Presidente da Câmara e Agente Executivo Municipal (cargo que equivale ao de Prefeito atualmente). Exerceu na ditadura “Getúlio Vargas”, o cargo de Prefeito Municipal de Manga por diversas vezes. Foi Diretor-Gerente da Cia. Manga Industrial e Exportadora S/A e trabalhou, até o seu último dia de vida, no escritório de advocacia do Dr. Luís Carneiro Vianna.

Suas produções literárias constam de várias antologias e coletâneas, como “A Sombra do Arco-Iris” de Malba Tahan e “Trovadores do Brasil” de Aparício Fernandes.

Foi delegado da União Brasileira de Trovadores, em Manga.

O mestre, poeta e imortal Anfrísio Lima deixou o convívio dos mortais no dia 02 de agosto de 1973, aos 86 anos, em Manga, cidade que ele adotou, de coração, como a sua verdadeira terra.

O curso de sua proveitosa existência publicou:
“Sombras” (poesias),
“Flagrantes da Vida” (poesias).
“Últimas sombras” (poesias e poemas),
“Espinhos de Mandacaru” (romance regional),
“Vozes d’alma” (trovas),
“Trovando a Vida” (trovas),
“Pauta com o Diabo e outros contos” (contos regionais) e
“O Rio São Francisco” (poemas).

Por ocasião de seu falecimento, entre tantas homenagens merecidas, o ilustre advogado Adalberto Pereira da Silva fez importante pronunciamento:

Manga e sua gente não poderiam jamais se ausentar nesta hora de extrema dor. E coube-me, por todos, o triste e doloroso dever de prestar as últimas homenagens àquele que tanto fez por merecê-las. Não posso, entretanto, encarregar-me de contar agora a história de sua vida, isto porque seria o mesmo que contar a história da vida manguense, tanto foi sua influência nos destinos desta “Terra querida de fértil chão”.

O seu nome ilustre, a sua figura inconfundível encontra-se tomando lugar proeminente nas fases mais brilhantes da nossa história, porquanto aqui ocupou os mais variados cargos e funções políticas. E, em todos eles (os cargos) e em todas elas (as funções), soube se conduzir com energia, sabedoria e inteligência incomuns. Todos os que aqui se encontram - tanto os seus correligionários, como os seus adversários políticos, sentem esta partida inesperada, esta perda inexorável, porque acima das paixões e lides políticas está o homem amigo, o cidadão íntegro, o bate-papo agradável e confortante do Mestre e Poeta Anfrísio Lima.

Também eu, talvez mais do que qualquer um de vocês, sinto profundamente a morte deste homem, porque era meu sonho maior, de há muito acalentado, fazer meu DEBU no campo das Ciências Jurídicas, introduzido pelas mãos e orientado pela inteligência deste homem a quem me orgulho de chamar de Mestre. Na verdade, Mestre quer no campo jurídico, quer no campo literário, porque disso nos deu provas soberbas e porque disso somos testemunhas – tantas foram as obras de sua lavra. O Mestre e Poeta Anfrísio Lima foi homem que conheceu a riqueza e dividiu-a com todos. Foi também homem que conheceu infortúnios e humilhações e guardou-as consigo, e, no entanto, soube perdoar a todos, indistintamente
”.

Fonte:
O Norte de Minas
Caleidoscópio, por Petrônio Braz. 29 abr 2009.