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quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Carlos Leite Ribeiro (Sabendo e Recordando) Parte V, final

Em Paris, assistiu a um concerto do pianista Sam, grande amigos de ambos, que teve a gentileza de tocar e cantar especialmente para ela, “As Time Goes By”. Fatos que ela registrou com emoção e grande ênfase, no seu diário.

- Também estou comovido com a tua narrativa.

- Eu comovida e com fome. Já estamos atrasados para o almoço. Aonde vamos hoje almoçar?

- Conheço um bom e romântico restaurante, que fica em São Pedro e não muito longe daqui. Talvez uns sete quilômetros.

Como Júlio tinha prometido, foram a um românico restaurante. Na saída do portão que dá para o Palácio da Pena, seguiram em frente por uma rua estreita e ainda feita em calçada do tempo dos coches. O interior do restaurante é revestido de azulejos muito bonitos, com o tema “Agricultores” tendo em quase todos a bela silhueta do Palácio da Pena. No cardápio escolheu “Arroz de Tamboril”, uma das especialidades da casa, e o vinho escolhido por ela, foi um macio e tinto “Borba”. É um prato que tem de ser feito na altura e por isso demora certo tempo.

- Júlio, estou cansada e emocionada com o que te contei. Além de estar “esfomeada”.

- Menina, estou nas mesmas condições. Vamos guardar a visita ao Castelo dos Mouros para amanhã e quando sairmos daqui, vamos diretamente para o hotel.

Depois do almoço que estava excelente, voltaram pela mesma rua estreita e no fim desta, cortaram à direita para apanharem a estrada que os iam levar a Sintra, passando pelo portão rotativo do castelo. Chegados à cidade, compraram no bar sanduiches de queijo tipo “Flamengo”, fiambre e presunto de Trás-os-Montes. Além de sumos de frutos. Iam como na noite passada jantar no quarto.

- Até que enfim, que vou descansar – exclamou ela quando entrou no quarto do hotel. Enquanto me “estico” um pouco na cama, prepara-te tu para a noite.

- OK “chefa”. Vou tomar uma ducha e vestir o pijama. Fica aí com os anjinhos.

Entretanto, ela adormeceu. Depois de ter tomado banho, Júlio entrou no quarto e viu que ela estava a dormir, e acordou-a para ela se preparar.

- Porque os homens são tão chatos ao acordar uma mulher? Chato! Já vou.

- Fica calma, vai-te preparar enquanto eu me deito debaixo da roupa – e com ar de brincadeira, ainda lhe disse – não posso esquecer de ir ao armário buscar o cobertor sobressalente, para não aconteceu como aconteceu ontem…

- Hoje não deves precisar do cobertor, pois a noite está mais quente da que a de ontem…

Ele riu-se e não foi buscar o cobertor.

Quando ela entrou na cama, ele delicadamente compôs os cobertores para cima do corpo dela, que lhe agradeceu.

- Hoje sou eu que tenho frio. Deixa-me chegar um pouco a ti?

- Á vontade, “madame”!

- Vou virar-me para ti…

Já era de madrugada quando foram comer os sanduíches que tinham levado. E ambos estavam com muita fome.

- Menino, agora com a “barriguinha” cheia, vamos deitar. Mas desta vez é mesmo para dormir.

- Doí-me muito as pernas, podias levar-me ao colo.

- Que gracinha…

Acordaram mais tarde do que do costume, mas muito bem-dispostos. Ele pagou o hotel e suas malas ficaram na arrecadação para não irem com o carro carregado para o Castelo dos Mouros. Antes foram à pastelaria Piriquita tomar o pequeno almoço (ou o café da manhã). Já no castelo, depois de passar a porta giratória e comprar as entradas, foram até ao largo da cisterna (que servia também de prisão) e mais adiante, Ivone disse a Júlio:

- Agora temos de subir estas muralhas todas? Já não tenho “pernas” para tanto.

- Também me queixo do mesmo. Vamos subir pela ladeira, que é muito mais suave para subir e depois descemos pelas muralhas.

- Não sabia dessa ladeira e já subi (outrora) várias vezes as muralhas.

A subida foi um pouco penosa até chegar à torre, de onde se avista um soberbo panorama, desde Colares, praia das Maçãs, Azenhas do Mar e a vista estende-se até terras de Torres Vedras. E também a elegante silhueta do Palácio da Pena, diferente da que se avista da Cruz Alta, em três morros diferentes uns dos outros. Calmamente sentaram no banco de pedra quase circundante da quadra da torre.

- Ivone, já descansamos um pouco. Queres recomeçar a narrativa?

- Deixa-me beber um pouco de água. Já terminámos o capítulo “minha avó” …

- Agora será o capítulo “Mamã”?

- Embora tivesse nascido em Inglaterra, minha mãe sempre se sentiu “francesa”. Lá fez seus estudos e conheceu o que viria a ser meu pai, português do Algarve, que já há anos trabalhava numa companhia de gás, em Paris.

E foi na capital de França que eu nasci e no jardim-escola, conheci um maravilhoso “miúdo”, que mais tarde viria a ser meu marido.

- Mas voltando a “tua mãe”.

- Infelizmente, sobreviveu pouco tempo à morte prematura de meu pai. Na parte final da vida de minha mãe, o casal Raymund e madame Emiliè, tomaram conta de mim e mais tarde adotaram-me. Raymund era o administrador da empresa têxtil onde minha mãe trabalhou.

Foi em Paris que me fiz mulher, estudei e comecei a namorar o Diogo, um português a viver em França.

- Ivone, e como vieste para Portugal?

- A empresa onde trabalhava Raymund, montou cá, perto de Loures uma sucursal e ele foi nomeado responsável dessa sucursal. Vim com eles para cá, onde terminei os estudos médios.

- Onde entra o Diogo?

- Meu marido, depois dos estudos em França, veio para Portugal para trabalhar numa fábrica de produtos agrícolas, em Mafra. Como estávamos sempre em contato por correio ou telefone, quando ele veio reatámos o nosso namoro, que mais tarde deu em casamento.

- Tens filhos?

- Tenho uma filha casada e que vive perto de Nova Iorque. Está numa gravidez e ultimamente não tem estado bem. E tu, Júlio, tens filhos?

- Tenho um que vive na Holanda, é casado com uma sueca e técnico de comunicações/Informática. Está bem na vida.

- Estou viúva já quase há cinco anos. E tu, há quantos anos?

- Já vai para oito. De vez em quando vou ter com meu filho, para não sentir tanto a solidão.

- Está na hora de descermos e regressarmos a Lisboa.

- Descemos pelos degraus do castelo, ou queres descer pela rampa?

- Vamos descer pelos degraus, pois em cada degrau, avistamos um belo panorama diferente.

Passaram pelo hotel para apanharem a sua bagagem, e aproveitaram para comprar uma guloseimas, antes de rumar a Lisboa.

- Vamos jantar antes de Lisboa? – Perguntou-lhe ele.

- Conheço um restaurante na Amadora.

- E eu conheço um muito bom antes da Amadora, em Queluz, bem pertinho do majestoso palácio, onde nasceu e morreu, D. João IV de Portugal e I do Brasil.

- Como não estamos de acordo, vamos resolver o problema lançando moeda ao ar. Queres coroa ou cara?

- Prefiro coroa…

- E desta vez ganhaste. Vamos então a esse restaurante em Queluz.

Pouco tempo depois, pararam no parque de estacionamento do restaurante “O Abílio”. Uma das especialidades deste restaurante, é “escalopes de veado” acompanhado por arroz, batata frita e saladas.

- Menino, mas sou eu que vou escolher o vinho. Hoje apetece-me um “Gatão rosé”, de acordo?

- Menina, completamente de acordo, para mais, já há tempos que não bebo esse precioso néctar.

O jantar correu tranquilamente e alegremente com conversa banal. Ambos estavam felizes, embora um pouco cansados. É que a idade não perdoa… Quando chegaram à porta da casa dela, ele com voz hesitante, perguntou-lhe:

- Posso subir também?

- Claro que não. Minha casa não é nenhum hotel!

- Então, podíamos ir para minha casa?

- Também não. Para mais, tu já me disseste que na tua cama, só lá dormiu tua falecida mulher.

- Querida, vou morrer de frio esta noite!

- Não vais não, meu querido. Enrola-te a um cobertor e vais ver que vais dormir muito quentinho. Um beijinho e uma boa noite com muitos e bons sonhos. Até outro dia e não te esqueças de me telefonares.

- Até outro dia!

Quando ela se afastava, ele tristemente, pensou: “plano falhado”

Durante semanas, além do encontro diário no café, saíram alguns fins de semana, visitando, entre outras localidades, a Foz do Arelho (Caldas da Rainha); Nazaré; São Pedro de Moel, Praia de Pedrogão, Figueira da Foz, etc.

No primeiro fim de semana, ele levou um edredon, o que levou Ivone a perguntar-lhe:

- Júlio, para que é esse edredon?
 
- Menina, é para não morrer de frio durante a noite!

Ela atirou uma sonora gargalhada ao responder-lhe:

- Fica sabendo que nos fins de semana que passarmos juntos, eu quero que tu “morras de frio”!!!

Um dia, ela com ar triste deu-lhe a notícia:

- Olha Júlio, minha filha está na parte final da gravidez que não está a corre-lhe muito bem. Está muito fraquinha. Assim, depois de amanhã vou partir para Nova Iorque, mas a ajudar e acompanhá-la.

- Eu posso ir contigo?

- Não Júlio. Vou sozinha e não sei quando voltarei. Aproveita e vai uns tempos para a casa de teu filho.

- E podemos contar pelo telefone e pelo computador?

- Sempre que possa, contatarei contigo. Fica tranquilo nesse aspecto.

No Aeroporto Internacional de Lisboa, despediram-se com um longo beijo.

- Então, nós…? – Perguntou-lhe ele.

- Júlio, quando eu regressar, falaremos….

FIM
 
Fonte: O Autor. Disponível em http://cencaestamosnos.blogspot.pt/search/label/CONTOS

terça-feira, 15 de agosto de 2017

Carlos Leite Ribeiro (Sabendo e Recordando) Parte IV

A viagem foi curta, pois Sintra fica a cerca de trinta quilômetros de Lisboa.

Já em Sintra e na estrada que vai para o Castelo dos Mouros e Palácio da Pena, antes de chegar ao castelo cortaram à direita e no terreiro da entrada do Convento dos Capuchinhos, num lugar idílico, sentados num banco rústico, Ivone recomeçou sua narrativa sobre o que sabia de sua avô.

- Minha avó e marido, de Lisboa apanharam um navio que os levou aos Estados Unidos, por intermédio da então OSS – Agência de Serviços Estratégicos dos Aliados. Mais tarde, por conveniência de serviço, foram transferidos para Londres, para ficarem mais perto da Resistência contra o Nazismo. Ela ficou nos serviços administrativos e ele nas comunicações. Muitas mensagens via rádio para planificação e organização da Resistência, foram organizadas por ele. Foi em Londres que minha avó ficou grávida de minha mãe.

O meu avô Victor Lazlo preparou cuidadosamente, durante muitos meses a invasão dos Aliados à Europa, dando também orientações aos vários grupos da Resistência que tinha que atuar quando fosse a invasão. Antes do dia “D” de 6 de Junho de 1944, meu avô partiu clandestinamente para a Normandia (França) para superintender os trabalhos de sabotagem que deviam ser realizados para atrasar a reação alemã à Grande Invasão.

Foram combates de uma ferocidade nunca vista que custou muitos milhares de vítimas de ambas as partes. No dia seguinte, ou seja no dia 7 desse mês, uma bomba alemã matou meu avô.

- Foi um fim triste para um herói que nunca foi conhecido do grande público, mas que teve uma utilidade extrema nessa época. Mas vamos esquecer por ora de tua narrativa e convido-te para o almoço e depois fazer o check-in no hotel. De acordo?

- Já sinto fome para mais nem me convidaste para o café da manhã. Por onde vamos?

- Vamos regressar pela estrada que viemos até apanhar a principal que vamos descer até Sintra. Vamos almoçar ao restaurante do hotel Tivoli Sintra, que tem uma soberba vista desta belíssima serra.

- Olha eu hoje não me apetece comer peixe.

Depois de fazerem o check-in para um quarto de só uma cama. Aqui ela sorriu enigmaticamente… Foram conhecer o quarto com uma vista de sonho, deixar suas malas e por fim desceram até ao restaurante. Escolheram “Vitela assada no forno com batatas pequenas”, salada e vinho, este escolhido pela Ivone. Escolheu “Colares” tinto.

Depois do repasto, foram até à Pastelaria Piriquita, onde como sobremesa comeram uns deliciosos “travesseiros” especialidade de doceria daquele estabelecimento, e tomaram café.
Ficaram a conversar durante algum tempo e como ela se queixou que estava muito stressada, foram dar um passeio a pé pela pequena mas belíssima cidade, chegando até ás portas da Quinta da Regaleira.

Ela não quis entrar alegando que não estava com disposição de ver “coisas velhas”. Ele atirou uma enorme gargalhada. Voltaram para a cidade e, no largo Jogo da Pela, sentaram-se nos degraus do Palácio que para muitos ainda é o Palácio Real, onde nasceram vários reis e príncipes de Portugal.

Mas ela não estava para visitar naquele dia “coisas velhas” e ficaram sentados nos degraus do palácio. A certa altura, ela queixou-se que a pedra devia de ser mais quente, pois estava a sentir frio por estar ali sentada.

- Ivone, queres ir para o hotel descansar?

- Para o hotel descansar?!. Não. Se estás com alguma ideia “avançada” retira isso da cabeça senão nunca mais te falo.

- Não tenho nenhuma ideia pré-concebida. Podíamos ir para aquela esplanada ali em frente. Se quiseres, claro.

- Vamos. Na esplanada com certeza que não ficarei num assento tão frio como estas escadas de pedra.

Infelizmente para eles, naquela esplanada os lugares estavam todos ocupados, assim como na esplanada do Hotel Central. Tiveram que procurar outra, esta na curva do Duche. Ela teve de ir à casa de banho (banheiro) e quando regressou, disse-lhe:

- Júlio, este estabelecimento vende “Queijadas de Sintra”.

- Aqui todas as lojas vendem queijadas. Mas quando quiseres, voltamos à Piriquita que fica aqui perto e compramos queijadas.

- Se voltarmos lá, podíamos comprar também daqueles deliciosos “travesseiros”. Tive uma ideia: Podíamos comprar essas guloseimas e uns sumos de frutos e jantarmos no nosso quarto?

- Gulosa!

- Olha quem fala: tu és o maior guloso que conheço!

- Pelo caminho podemos comprar umas velas.

- Porquê? Vai haver algum apagão? Candeeiros elétricos é que não faltam no quarto!

- Seja feita a sua vontade, grande gulosa. Hoje não estou para discussões por ninharia nenhuma. Para mais, tudo o que te acontece fora dos teus planos, é cá o Júlio que tem a culpa.

- Com esta conversa toda, está a começar a escurecer. Sintra é perigosa à noite?

- Muito perigosa, cheia de fantasmas!

- Tu é que me pareces um bom fantasma! Então com esse cabelo tão comprido. Porque não cortaste o cabelo?

- Não a estou a convidar nem pressionar-te, mas quando a “madame” entender, vamos comprar as guloseimas e vamos para o nosso quarto no hotel.

- Já reparei que és muito sensível a brincadeiras de palavras. Quando o “gentil cavalheiro quiser, podemos ir. Esta despesa pago eu. Na Piriquita pagas tu.

Fizeram as compras e depois foram para o hotel. Quando chegaram ao quarto, não tinham luz. Reclamaram na recepção e como aquela hora não havia nenhum eletricista disponível, tiveram que mudar de quarto. Estavam no 2º andar e passaram para outro no 3º, que ainda tinha uma vista mais ampla sobre Sintra.

- Bem te disse que devíamos de ter comprado velas. Mas tu não fazes nada que te peça.

- Ho, Menino! Eu não nasci ontem, tenho cabeça e segundo dizem, tem alguma inteligência. Tu querias era uma ceia à luz das velas!

- Não discuto, pois és tu que tens sempre razão.

A ceia à “luz elétrica” correu bem e ambos evitaram picardias. Viram a televisão, nomeadamente o noticiário e depois um filme que ela classificou “do tempo do rouca”. Quando ela já estava preparada para ir para a cama, mostrou-lhe os tampões nos ouvidos para não ouvir o ressonar dele. Ele, quando já estava preparado, mostrou-lhe os pedaços de algodão que tinha colocado nos ouvidos-

- Com o teu cabelo branco e comprido e com esses algodões, pareces mesmo “uma alma do outro mundo”! rsssss

Estavam deitados ainda há pouco tempo, quando ela se virou para ele e arrancou-lhe um algodão que ele tinha nos ouvidos, gritando-lhe:

- Menino, não te encostes a mim. A cama é bastante grande, chega-te para o teu lugar.

- Estou aqui a “morrer” de frio!

- Levanta-te e vai ao armário buscar um cobertor para te enrolares nele.

- Com este frio não posso! Tenta compreender!

- Já compreendi tudo e muito bem! Vou eu ao armário buscar um cobertor para tu te enrolares nele.

- Não faças isso!

- Bico calado e enrola-te neste cobertor para não teres frio e não te aproveitares para te encostares a mim.

- Nem quero acreditar!

- Mas acredita e deixa-me dormir muito descansadinha. Até amanhã…

Na manhã seguinte levantaram-se cedo, mas mal falaram um com o outro, não ser um seco “bom dia” e quando já estavam arranjados “vamos descer para tomar o pequeno almoço?

Já na estrada, Júlio explicou a Ivone que iam subir pela estrada que ontem foram para o Convento dos Capuchinhos.

- Queres dizer que vamos passar à cortada para o convento e subimos ainda mais?

- Certo. Vamos subir até ao Palácio Nacional da Pena, mandado construir por D. Fernando de Saxe-Coburgo-Gota-Koháry, marido da rainha D. Maria Iº. Como ontem disseste, não gostas de ver “velharias”…

- Isso foi ontem. Hoje já estou mais bem disposta!

Antes passaram pela porta rotativa do Castelo dos Mouros, e subindo mais um pouco chegaram ao fim da estrada Sintra/Palácio da Pena. Passaram o portão e percorreram umas lindas alamedas antes de estacionar o carro no parque respectivo. Daí, subiram uns degraus e uma pequena rampa e entrara na varanda que dá para a verdadeira entrada do palácio. Quando Júlio se dirigiu à bilheteira, soube que naquele dia não havia visitas pois o palácio estava em manutenção e limpezas. Ela, quando soube, atirou uma sonora gargalhada. Ele, olhou-a de lado e também se riu.

- Júlio, tu já visitaste este Palácio muitas vezes e eu algumas. Vamos para outro lado.

- Tens razão, vamos até à Cruz Alta. Se eu ainda me lembrar onde se entra na estrada.

Foi fácil encontrar a estrada a partir do parque de estacionamento a Cruz Alta fica a cerca de 3 Km do palácio, num alto morro, e tem uma belíssima panorâmica, das mais belas de Portugal. Quando chegaram lá, viram com tristeza que a grande cruz de ferro tinha sido vandalizada. Encostaram-se ao varandim em frente aos degraus da cruz, donde se avista, num outro morro o majestoso Palácio da Pena. Voltaram-se para o outro lado.

- Júlio, parece que temos a nossos pés, Oeiras, Estoril, Cascais e ali mais adiante, o areal da praia do Guincho. E repara que se vê a ponte 25 de Abril e mais além a belíssima ponte Vasco da Gama!

- Ivone, é na margem esquerda do rio Tejo, vê-se da esquerda para a direita, o Montijo, Seixal, Almada (com o seu Cristo Rei), a Trafaria e Cova do Vapor, etc., e muito mais afastado o Castelo de Palmela (que só se vê em dias muito claros como está hoje); além do estuário do Tejo, que é em delta e também muito belo.

- Até parece que avisto uns golfinhos a saltar…

Ficaram alguns minutos extasiados com tanta beleza que avistavam. Até que ele a lembrou:

- Então, com a morte de teu avô, tua avó ficou sozinha em Londres?

- Sim, ficou por lá mais cinco anos até se reformar. Depois, foi para a que chamava “sua Paris”, onde teve o amor de sua vida, e onde se empregou como secretária de uma empresa têxtil, onde o administrador era amigo da família. Ela nunca se esqueceu de teu avô Rick Blaine e até escreveu no seu diário a seguinte passagem: “A união de duas pessoas é uma sintonia de esforços e sentimentos que muitas vezes é cortada pelo destino”.

- E nunca mais o procurou?

- Procurou sim. Pelos serviços secretos, soube que ele esteve em Moçambique e que tinha tido problemas com as autoridades. Antes de saber este pormenor, esteve quase resolvida a ir ter com ele. Não foi com receio de ser rejeitada, pois teu avô, como até´ tu compreendes, era um aventureiro. Soube da sua fuga para a Argentina e daí perdeu-lhe o rastro durante anos.

- E soube que ele esteve no Brasil?

- Também soube assim como as atividades marginais dele. Tinha muita pena do Rick e chegou a admitir que talvez fosse por ela os desvarios dele. Esse pensamento (ou remorso) acompanhou-a até à morte. Talvez pensasse que com ela, ele teria sido uma pessoa boa. Pelo menos é o que dá a entender no seu diário.

Na última nota que escreveu no diário, poucos dias antes de falecer, nunca a consegui decifrar: “Trazendo grinaldas e roupagens divinas, ungindo de perfumes celestes. O Deus dos milagres, o Deus infinito, manifestou-se, a face voltada para todos os lados. Se o esplendor de mil sóis brilhasse ao mesmo tempo nos céus, seria talvez comparável ao irradiar do grande Ser”. Foi esta sua última mensagem.

continua...

Fonte : O Autor. Disponível em http://cencaestamosnos.blogspot.pt/search/label/CONTOS

segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Carlos Leite Ribeiro (Sabendo e Recordando) Parte III

No outro dia, escolheram a estrada antiga que é mais bonita do que a autoestrada, a caminho de Peniche. Passaram por várias e lindas localidades e admiraram belas panorâmicas. Fui uma viagem agradável, com conversas banais mas sempre em tom alegre. Quando chegaram à bela Peniche, dirigiram-se a uma esplanada na também bela praia do Baleal.

- Ivone, vais começar a contar a história que sabes de tua avó?

- Sim Júlio! Minha avó materna era de origem israelita, nascida em Oslo, capital da Noruega, onde fez seus estudos.

Estávamos em plena 2ª Grande Guerra, com o domínio quase total do regime nazista. Minha avó era contra este sanguinário regime e contra a perseguição cada vez mais intensa da perseguição que faziam aos judeus. Na altura, o mais conhecido antinazismo e organizador de resistência a estes, era o checo, Victor Lazlo. Um dia, minha avó conheceu o Victor que a nomeou como representante da resistência ao nazismo, em Oslo. Com a convivência que passou a haver entre ambos, e embora ele fosse mais velho do que ela, apaixonaram-se.

No seu diário, minha avó descreve a seguinte passagem: “ A paixão é o mais intenso dos sentimentos que se pode ter por alguém. Significa a entrega total e sem reservas, tendo a capacidade de remover montanhas (…). Entretanto, foram descobertos pelas SS (polícia política nazista) e tiveram que fugir para Praga, capital checa, onde secretamente casaram.

- Ivone, desculpa e não a propósito, mas está na hora de irmos almoçar. Tens algum restaurante de preferência?

- Nunca almocei aqui em Peniche. Escolhe tu o restaurante – de acordo?

- Se me dás licença, vamos almoçar no restaurante “Nau dos Corvos” que fazem lá uma caldeirada de peixe fresco, sensacional. Mas a bebida escolhes tu.

- Pode ser um “Bucelas branco” (vinho) que há muito que não provo, melhor, bebo.

O restaurante é à beira-mar onde se avista o Atlântico que parece não ter fim. Júlio estava pensativo a admirar o mar.

- Em que pensas Menino? Estás tão calado que nem parece o Júlio que eu conheço?

- Estou a pensar que para além deste oceano está o Brasil…

- E também as brasileiras? rssss

- E também ainda não escolhemos o hotel nem fizemos o check.in…

- Não acredito que já tenhas sono. Hotel com toda a certeza que vamos arranjar. Deves estar a pensar em outra coisa.

Depois do almoço, foram procurar um hotel para passarem a noite. Depois de procurarem em vários hotéis que estavam lotados, conseguiram um quarto no hotel Soleil, com maravilhosa vista não só para o mar como também para praias em redor. Depois de fazerem o check-in (para quarto com duas camas), sentaram-se na esplanada desse hotel onde a Ivone recomeçou sua narrativa.

- Três dias depois do casamento, Victor Lazlo foi detido numa das ruas de Praga e preso num campo de concentração, onde foi várias vezes torturado. Minha avó teve sorte de uns amigos terem visto Victor ser preso e ajudaram-na a fugir para Paris, que ainda não tinha sido ocupada. Seu marido conseguiu fugir com a ajuda das Resistências de quatro campos de concentração.

- Ivone, e a tua avó em Paris?

- Ainda jovem e bonita, sentiu-se muito só numa grande cidade, onde não conhecia ninguém. A nostalgia levou-a um dia a um bar, onde conheceu um aventureiro americano, de nome Rick Blaine…

- É onde entra meu avô…

- Sim, e também um pianista de nome Sam Wilson, que tocava maravilhosamente “As Time Goes By”. Conheces esta bela canção de amor?

- O nome não me é estranho, mas não me lembro da canção e muito menos da letra.

- Vou tentar cantar, só para ti. Se prometeres não te rires da minha voz.

- Prometo. Canta só ao meu ouvido.

- No ouvido, não, só em voz baixa:

Com o passar do tempo
Você deve lembrar-se disso
Um beijo é sempre um beijo
Um suspiro é exatamente um suspiro
As coisas fundamentais se aplicam
Com o passar do tempo
E quando dois amantes namoram
Eles ainda dizem "eu te amo"
Nisso pode confiar
Não importa o que o futuro traga
Com o passar do tempo
Luar e canções de amor
Nunca caem de moda
corações cheios de paixão
ciúme e ódio
Mulher precisa de homem
E homem deve ter sua companheira
Ninguém pode negar
É a mesma velha história
A luta por amor e glória
Um caso de fazer ou morrer
O mundo sempre acolherá os amantes
Com o passar do tempo.

- Ivone, que maravilhosa voz tens. Até podias ter sido cantora profissional!

- Se o elogio é verdadeiro, os meus agradecimentos a tão gentil cavalheiro! Rss

- Como ia a contar, depois de ter encontrado teu avô num bar parisiense, ambos se apaixonaram e começaram um romance que podia ter terminado maravilhosamente. Paris ainda não tinha sido ocupada pelos exércitos nazistas, e ambos passaram momentos maravilhosos e inesquecíveis, muitas vezes em companhia do pianista Sam. Mas um dia, a cidade a quem chamam “de Luz” foi ocupada. Os três amigos pensaram logo em fugirem de lá, pois todos estavam na lista negra das “SS” e se fossem apanhados seriam internados em campos de concentração. Teu avô por ser contrabandista principalmente de armas para a Resistência; minha avó por ter sido casada com Victor Lazlo; o Sam por ter sido o ajudante de teu avô. E todos conspiravam contra o nazismo.

Combinaram apanhar um comboio para Marselha e daí apanhar outro meio transporte para um país ainda livre. Já na estação ferroviária, como a Ilsa demorava, teu avô mandou o Sam a ir buscar ao hotel onde estava alojada, mas já não a encontrou.

Tinha escrito uma mensagem para ser entre a Rick Blaine “: Amor da minha vida, a ternura é um gesto genuíno de carinho. É um sentimento pleno que dá vida, tornando-a mais repleta de sentido. Desejo-te as maiores felicidades do mundo. Sempre serás o amor de minha vida. Adeus. Ilsa”.  E assim, os dois amigos tiveram de partir sem sua companhia.

- Amiga, vamos interromper e vamos aproveitar para jantar?

- Não tenho grande fome, depois daquela saborosa caldeirada de peixe que comemos ao almoço. Mas sempre comerei alguma coisa. Uma sugestão: podíamos comer no restaurante deste hotel?

- De acordo!

Não foi um jantar à luz de velas, mas foi um jantar agradável assim como a conversa. Ele, avô de cinco netos; ela avó de uma neta. Contaram episódios de suas vidas. Uns bons outros menos bons ou mesmo maus. Depois da sobremesa, foram para o hall do hotel para tomar o café e a Ivone continuar sua narração.

- Minha avó nunca disse a Rick que era casada. Ambos em Paris tinham combinado não falarem de suas vidas passadas. Só mais tarde é que teu avô soube e com quem. Os anos passaram e o grande amor deles em Paris, estava esquecido, mas o destino não quis…

Na sua fuga de Paris, teu avô e o Sam assentaram raízes em Casablanca. O “Bar Rick” era o melhor e mais bem frequentado dessa cidade marroquina e ainda não estava (pelo menos oficialmente) sobre o domínio de 3ª Reich.

Nesse bar, além do jogo de casino, com a conivência do chefe da polícia local, o oportunista capitão Louis Renault. E foi nesse local que, inesperadamente, os amantes de Paris se reencontraram.

Certo dia, o casal Victor Lazlo / Ilsa Lund, entrou no bar do Rick, para procurar um contrabandista que diziam ter dois salvo-condutos com os quais podiam apanhar o avião para Lisboa e daí seguiriam para os Estados Unidos. Logo de entrada, a minha avó reconheceu o pianista Sam Wilson. Abeirou-se dele enquanto seu marido procurava o tal contrabandista e pediu-lhe para que ele tocasse “As Time Goes By”. Em princípio, o pianista recusou tocar, alegando não se lembrar mais, mas por fim acedeu ao seu pedido.

Quando Rick entrou no bar ao ouvir a tal canção, dirigiu-se logo ao pianista para o repreender. Com os olhos, Sam indicou-lhe quem estava sentado na mesa a seu lado. Atônito, teu avô dirigiu-se para a mesa na altura em que o marido dela regressava com a notícia que o contrabandista tinha sido morto e ninguém sabia quem tinha os tais salvo-condutos. Depois de vários episódios que não merece a pena aqui contar, minha avó desconfiou que os tais salvo-condutos estariam na mão de Rick.

Uma noite, em que seu marido saiu do hotel onde estavam alojados para ir a uma reunião clandestina, minha avó sorrateiramente entrou no escritório de teu avô que estava a beber uma garrafa de Whisky, tentando esquecer que tinha reencontrado a sua amada. Ela suplicou-lhe que lhe vendesse os dois salvo-condutos, pois seu marido era elemento imprescindível para a Resistência antinazista. Rick recusou e ela apontou-lhe uma pistola ao peito. Sem se desconcentrar, ele disse-lhe que tinha os salvo-condutos no bolso de seu casaco e seria um atos de misericórdia ela matá-lo naquele momento. Ela deixou cair a pistola e ambos se abraçaram com amor e recordaram seus bons momentos de Paris. Ficou combinado que ambos iriam fugir para Lisboa. E ela acreditou.

No outro dia, já no aeroporto, Rick teve de matar um general alemão que estava a tentar evitar que Victor Lazlo fugisse mais uma vez e novamente se juntasse aos Aliados. Minha avó estava convencida que ia partir com o amor de sua vida, mas num golpe teatral, teu avô entregou os salvo-condutos ao casal, alegando que o marido era muito importante para acabar com o nazismo na Europa.

- Ivone, essa parte não sabia eu. Como o pessoal deste do bar quer fechar, podíamos continuar a narrativa no “nosso” quarto?

- Nosso quarto, mas em camas diferentes!

Já no quarto, deitaram-se atravessados na mesma cama, mas com as cabeças em sentido contrário. Ligaram a TV e assim assistiram à telenovela que ambos estavam a seguir. Até antes da telenovela terminar, ambos adormeceram. Na manhã seguinte, quando acordaram, ambos protestaram que o parceiro ressonava alto.

- Tu a ressonar pareces uma antiga máquina de comboio a vapor – disse-lhe ela, o que ele logo lhe respondeu:

- Olha que tu também ressonas alto, que parece que tens grilos dentro da garganta!

- Nem te respondo. Vou tomar um duche e depois arranjar-me para irmos embora para Lisboa.

- E eu quando tomo banho?

- Só depois. Para mais, os homens despacham-se mais rápido do que as mulheres.

No regresso para Lisboa, combinaram encontrarem-se para continuar a narração, na seguinte sexta-feira.

- Ivone, escolhe a localidade. Entretanto, vamos nos encontrar durante a semana na hora do café, como habitualmente?

- Na próxima semana tenho que tratar de uns assuntos particulares e urgentes.

Os dias foram passando e, na quarta-feira, como a Ivone já tinha resolvido seus assunto, ele alvitrou que em vez de saírem na sexta-feira, podiam antecipar um dia a sua saída. Ela em princípio recusou, depois hesitou e por fim aceitou.

- E qual a cidade que a Menina escolhe?

- A escolher? Escolho Sintra. Se o Júlio assim entender.

- Adoro Sintra, cidade que conheço muito bem. Vou fazer a reserva do hotel. É um quarto de duas camas, não é?

- Sei lá. Desta vez pode ser com uma cama só, para não passar a noite a tapar-te. E desta vez, levo uns tampões para os ouvidos, para não te ouvir ressonar!

Na quinta/feira seguinte, Júlio estacionou o carro há hora marcada à porta da casa da Ivone.
Esperou meia hora e como ela não aparecia, resolveu ligar-lhe pelo celular:

- Morreste? – Perguntou-lhe ele. A resposta não tardou:

- Estou bem vivinha só que acordei há 5 minutos, algo rabugenta…

- O que é normal!

- Nada de piadinhas. Vou tomar banho e arranjar-me. Espera um pouco.

- Um pouco, quer dizer 15 minutos?

- Não, uma hora!

Não teve de esperar uma hora – mas quase. Ela apareceu muito bem vestida e ainda mais linda do que nos outros dias.

- Ena! A Miúda vem toda linda, melhor, mais linda do que nunca. Vais para alguma festa?

- Vou para uma festa com o “meu mais querido amigo”, o Júlio!

continua...

Fonte: O Autor. Disponível em http://cencaestamosnos.blogspot.pt/search/label/CONTOS

domingo, 13 de agosto de 2017

Carlos Leite Ribeiro (Sabendo e Recordando) Parte II

- Mas estamos aqui para falar de meu avô Rick, não é assim “bela dama”?

- Foi o combinado, embora possamos falar e admirar esta paradisíaca paisagem.

- Tínhamos ficado com meu avô em Moçambique, onde trabalhou desde a hotelaria, construção civil, e até de ladrão e assaltante de bancos, pessoas singulares, casas – tudo que lhe viesse à mão. Teve vários filhos de várias mulheres, moçambicanas, que os abandonou à sua sorte. Nessa altura, Moçambique como quase toda a África, exumava de nazistas (identificados mas nunca punidos). Viu-se perseguido pelas autoridades e pelos nazistas que nunca lhe perdoaram o fato de ele ter morto um seu general em Casablanca.

Por sorte, conseguiu arranjar emprego, como ajudante de cozinheiro, num barco argentino, que estava quase a zarpar para Montevidéu.

- Então seu avô viveu na Argentina?

- Não por muito tempo. Mudou-se para o Paraguai e com a dificuldade de arranjar emprego, tornou-se contrabandista entre este país e o Brasil. A propósito, para não ficarmos aqui só a olhar para o estuário do Sado, podíamos ir até à praia do Portinho da Arrábida, andar um pouco na areia e depois sentarmos numa esplanada para lhe contar mais sobre a vida que meu avô teve.

- Vamos então até à praia.

O caminho para esta praia é deslumbrante, e a praia linda. Descalços, andaram pela areia dourada e depois de distenderem os músculos das pernas, sentaram-se numa esplanada junto ao mar, onde ele continuou a narração.

- Ainda no Paraguai, meu avô teve uma enorme rija com seus “sócios” do contrabando, onde matou dois companheiros. Perseguido pelas autoridades desse país, andou fugido de terra em terra, vivendo de roubos e de assaltos, em companhia de uma mulher com quem viveu algum tempo.

Cada vez mais perseguido pela polícia, teve de fugir e atravessar o rio Paraná, numa noite escura, para se refugiar em território brasileiro.

Durante algum tempo, refugiou-se na cidade de Bagé, onde reencontrou um antigo companheiro do “contrabando” e outras coisas mais em território paraguaio, que lhe indicou um amigo dele que vivia numa favela do Rio de Janeiro.

Como estava também referenciado no sul de Brasil, urgia fugir daquelas paragens. Como não tinha dinheiro, teve de voltar aos roubos e assaltos a pessoas para poder sair do sul o mais rápido possível.

Num desses assaltos, feriu-se num pé e teve que ficar escondido em casa de esse amigo, conhecido por “Speed”. Foi esse amigo que pediu a um amigo caminhoneiro que lhe desse uma boleia até Curitiba, dando-lhe também algum dinheiro para que ele pudesse chegar ao Rio de Janeiro.          

De Curitiba, conseguiu uma boleia também em caminhão até Ribeirão Preto, já em pleno Estado de São Paulo. Daí como não conseguiu arranjar boleia até ao Rio de Janeiro, roubou um carro até gastar o combustível; depois outro e ainda mais outro até chegar à favela para procurar o tal amigo que o “Speed” lhe tinha indicado.

Esse amigo, o “Amadeu” só dois dias regressou à favela com “as suas meninas”, pois, além de traficante também era proxeneta. Desconfiado a princípio, foi ganhando confiança no meu avô e até começou a dar-lhe “trabalho” fazendo este entregas de produtos proibidos.

As coisas trabalho/dinheiro iam correndo bem até que a polícia militar fez uma rigorosa rusga à favela procurando marginais. Meu avô, o tal “Amadeu” e suas meninas conseguiram fugir indo viver para outra favela distante daquela.

- Júlio, não vem a propósito, mas já estamos na hora do almoço. Que tal?...

- Tem razão, Ivone. Vamos até Sesimbra e passar por belos sítios com belos panoramas.

Já perto de Sesimbra, ela perguntou-lhe a sorrir:

- O meu “nobre” companheiro de passeio, o que me vais sugerir para o almoço?

Ele deu uma gargalhada antes de replicar-lhe:

- “Minha nobre e linda companheira”, quando chegarmos ao restaurante e consultar o cardápio, é que lhe poderei sugerir um almoço digno de sua nobreza! Kkkkkkk

- Kkkkk, confio plenamente no seu gosto culinário, kkkkk, meu nobre amigo!

Já no restaurante bem perto do mar, depois de consultar o cardápio, Júlio sugeriu a sua amiga “Robalo no Sal”.

- É Júlio, é um manjar dos deuses, já há muito tempo que não como essa especialidade. Será preciso dizer que estou completamente de acordo?

- Só um pormenor: é um manjar digno de uma deusa e de um deus. Também já há tempo que não saboreio tal delícia! E preferência para o vinho?

- Se estiver de acordo, talvez um verde Aveleda?
 
- Muito bem!

O robalo no sal é uma delícia. O peixe é colocado num tabuleiro, no meio de sal grosso, vai ao forno durante cerca de meia hora. Depois, o sal é retirado juntamente com a pele e é servido com batatas cozidas pequenas, verduras ou salada de alface. Depois do almoço, resolveram ir até à também linda praia de Figueirinha, onde ele continuou a sua narrativa sobre o que sabia de seu avô paterno.

Descalços pisando a areia, desta vez de mãos dadas, andaram um pouco até se sentarem numa esplanada.
 
- Como já lhe disse, meu avô teve de mudar de favela com seu amigo. Tudo corria, digamos bem, até meu avô Rick se apaixonar por uma prostituta, uma das “meninas” do tal “Amadeu”, por acaso a mais bonita e mais novinha.

Quando “Amadeu” descobriu o “tal amor”, jurou matar meu avô e a moça. Tiveram que se esconder para outra parte do Rio de Janeiro, onde ela “trabalhava” e ele era o proxeneta. Foram descobertos por capangas do “Amadeu” e tiveram mais uma vez de fugir.

Como a Juciley tinha família no Nordeste, em Fortaleza, resolveram ir para lá. Apanharam um “pau de arara” (camioneta de caixa aberta, que transportava pessoas do nordeste que iam procurar trabalho no Rio ou em São Paulo). Como o dinheiro era pouco, só foram transportados até ao Recife, onde Juciley começou a “trabalhar” até arranjarem dinheiro para chegar a Fortaleza. Ela trabalhou vários meses até conseguir dinheiro para a viagem, também de “pau de arara”.

O dia chegou e após vários dias de sol intenso e chuva intensa, conseguiram chegar exaustos até à bela cidade de Fortaleza. Na primeira noite, ficaram os dois na areia da praia de Iracema, sem comerem nada.

No dia seguinte, foram a um bairro desta cidade, a casa de uma prima de Juciley que era dona de uma casa de “passagem” ou espécie de bordel. Recebeu-a com simpatia, ela contou sua vida e apresentou-lhe o meu avô.

A moça, que na altura tinha 16 anos, pediu à prima que a ajudasse, mas esta fez certas reticências pela pouca idade dela. No centro da cidade, não era conveniente, só se ela quisesse “trabalhar” em Vicente Pinzon, o que a moça, devido à situação financeira aceitou.
Combinaram então as condições (quase um contrato de trabalho: 45% para a prima, outro tanto para a Juciley e 10% para meu avô, como segurança (capanga) dela.

- Se houver “trabalho” deve dar para viver, ou seja, alugar uma casa e comer todos os dias.

- Para você, que é muito jovem, “trabalho” não vai faltar, para mais tenho lá uma “menina” que se vai reformar – disse-lhe a tal prima.

Tudo corria normalmente, quando uma noite, ao sair de um boteco, viu que um cliente estava a agredir Juciley, Puxou por uma faca e dirigiu-se para defender a mulher. O outro homem, pegou numa pistola e deu-lhe dois tiros fugindo em seguida. Ainda levaram meu avô ao hospital, mas quando lá chegou, já ia morto.

Como não tinha documentos nem ninguém reclamou o corpo, meu avô foi enterrado numa vala comum do cemitério São João Batista, como “desconhecido”, em Fortaleza. Foi assim, parte da vida e morte de meu avô Rick Blaine.

- Júlio, e conseguiram apanhar o agressor que causou a morte a seu avô?

- Não, pois não era conhecido por aquelas bandas e a Juciley não conseguiu dar os dados precisos do indivíduo.

- E como conseguiu esses dados (ou pormenores)  todos?

- Fui militar em Moçambique e tive curiosidade em saber algo dele. Procurei em vários lados, até na polícia e cheguei a um português que o tinha conhecido e sabia que ele tinha arranjado trabalho nunca barco que ia para a Argentina.

Mas deste país, não consegui saber nada. Só mais tarde, um amigo que morava no sul do Brasil começou a apanhar o fio da meada, em Bagé. Numa das minhas visitas ao Brasil, contatei com um indivíduo que na altura dos acontecimentos, trabalhava para o “Speed”, que em troco de algum dinheiro, me contou parte da história e me deu contato para eu procurar no Rio de Janeiro o tal “Amadeu”. Também já não era vivo, mas um sobrinho dele, que também sabia da história, me contou algumas coisas, entre as quais, ele e a Juciley tinha fugido para Fortaleza. Fui até à linda Fortaleza e por informação de um antigo agente da polícia, consegui saber que a antiga moça de meu avô ainda era viva e deu-me o endereço.

- Quer então dizer que conseguiu falar pessoalmente com a última mulher de seu avô?

- Tomou o negócio da prima quando esta morreu e continuou-o com responsável. Quando me apresentei, notei que ela ficou muito comovida, começando por me dizer:

- Você é tão bonito como era seu avô! Quase “cai das nuvens”!

- Ainda hoje não é “coisa” para se deitar fora! kkkkkkkk

- Ivone, por favor, não me goze. Devia ter-me conhecido a alguns anos atrás – digo sem vaidade.

- Acredito. Mas voltado a seu avô, foi a Juciley que lhe contou o resto da história, não foi?

- Sim e com todos os detalhes como contei a você.

- Está na hora de regressarmos a nossas casas. E já vamos chegar de noite.

- Podíamos jantar pelo caminho?

- Não posso. Tenho que jantar em casa pois é dia de meu filho que está nos Estados Unidos me telefonar.

- Mas ainda não me contou a história de sua avó Isa Lund.

- Que é longa, mas fica para outro dia. Vai ver que em determinada época, seu avô não foi tão mau como você no relato que me fez, o julga. Fica para outro dia.

Já em Lisboa, ao despedir-se dela ainda dentro do carro, beijaram-se nas faces, mas sem querer (?) seus os lábios roçaram um pelo outro. Enquanto se afastava, Júlio pensou:

- “Que lábios macios a Ivone tem. E doces...”

- “Será que o Júlio tivesse feito de propósito? Mas tem uns lábios maravilhosos…”.

Na noite do dia seguinte, ela ligou-lhe:

- Júlio, você morreu?

- Não Ivone, apanhei ontem um resfriado e estou de cama com gripe. Talvez fosse por ter pisado areia junto ao mar.

- Coitadinho! Até estou com pena de você kkkk. Também pisei areia junto ao mar e estou aqui bem, sem achaque nenhum!

- Pois, nem sei que lhe diga.

- Digo-lhe eu: se os homens pudessem ter filhos, morriam antes de dar à luz! Não seja piegas e arrebite, tome chá de limão com mel e um comprimido para a gripe e amanhã já nem se lembra que esteve hoje doente. Esta semana vamos continuar a nossa história, desta vez falando de minha avó Ilza Lund?

- Vamos sim! Até podemos ir na quinta-feira e passar a noite em qualquer hotel.

- Como disse?

- Passar a noite de quinta para sexta num hotel, mas em quartos separados.

- O Júlio fez bem repetir pois eu tive receio de ter ouvido mal. Mas pensando melhor, talvez não seja conveniente encontramo-nos esta semana, pois está doentinho e pode contagiar-me!

- Nada disso, na quinta-feira já estou curado.

- Não me diga que meu telefonema teve mais efeito que o chá de limão! Não seja piegas, que fica mal a um homem.

Na quinta-feira à hora que tinham combinado, quando ela entrou no carro, logo lhe perguntou:

- Júlio, você já está completamente curado? Não quero ser contaminada por essa doença de pisar areia molhada!

- Já estou completamente curado. O melhor remédio ainda foi os seus telefonemas! Mas parece-me que a Ivone hoje não está bem disposta?

- É a disposição habitual quando me levanto mais cedo

- Piegas! Então onde a dama quer ir hoje?

- Não quero atravessar o Tejo. Escolha você o destino do passeio.

- Vamos a Coimbra?

- É muito longe. Uma localidade mais perto.

- Então, Peniche, São Martinho do Porto, Foz do Arelho, Nazaré, São Pedro de Moel? Escolha.

- Escolho Peniche, mas que fique bem claro que você não vai pisar areia molhada! Para mais, nesta noite vamos ficar no mesmo hotel.

- Mas separados!

continua...
 
Fonte: O Autor. Disponível em http://cencaestamosnos.blogspot.pt/search/label/CONTOS

sábado, 12 de agosto de 2017

Carlos Leite Ribeiro (Sabendo e Recordando) Parte I

Novela em 5 partes.

Novela de Carlos Leite Ribeiro 
Embora romanceada, é baseada em fatos reais, passados por familiar de uma pessoa amiga, cujos fatos se passaram em Portugal e no Brasil.
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Este livro foi escrito, em parte, baseado sobre o filme de ficção “Casablanca” (*) produzido em 1942. Comecei então a imaginar: o que teria acontecido a estas personagens depois de Casablanca? Como dizia o Mestre Almada Negreiros: “a caverna da mente dos escritores é insondável e imprevista …”. E assim, comecei a escrever este livro, que é pura ficção.
Carlos Leite Ribeiro

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(*) Casablanca, (Marrocos – África Oriental) em árabe “dar al-Bayda ou Dar el-Beida” que quer dizer “a casa branca”. Cidade de Marrocos e seu principal porto no oceano Atlântico. Casablanca desenvolveu-se durante o período colonial francês. Em Janeiro de 1943, realizou-se nesta cidade marroquina, uma conferência entre Churchill e Roosevelt, no decurso da qual os generais franceses De Gaulle e Giraud tiveram o primeiro encontro.

Ambos trabalharam durante muitos anos num escritório de advogados em Lisboa, em gabinetes diferentes e separados. Quando se cruzavam no corredor, davam um simples cumprimento, como: “olá”; “bom dia”; “tarde”. Só uma vez em tantos anos, ele deu-lhe uma boleia (carona), numa tarde muito chuvosa, até ao Metro que nem ficava longe do escritório, pois ela tinha o carro a reparar. Nem almoçavam no mesmo restaurante.

Os anos foram passando e chegou a altura da reforma: primeiro ela e meses depois ele. Por casualidade, ambos começaram a lanchar na mesma pastelaria que ficava no centro de Lisboa. Olhavam um para o outro, sorriam e cumprimentavam-se.

Certo dia e também por casualidade, ela sentou-se numa mesa junto à mesa que ele ocupava.

- Então Dona Ivone, como vai a sua vidinha, depois de se reformar?

- Vai bem Sr. Júlio, só com uns “achaques” de vez em quando, devido à idade. E a sua vidinha como vai – perguntou-lhe ela, o que ele respondeu-lhe:

- Descontando o reumatismo e uns “ataques” de artrite, vai indo bem. E podia ser melhor se os impostos não fossem tão altos!

- Desse mal, também me queixo, meu caro amigo (não sei se possa e deva trata-lo como amigo?)

- Trate-me como quiser, desde que retire o “Sr”. Pode tratar-me só por Júlio e eu a tratarei só por Ivone. Está de acordo?

Começou a ser habitual os tais encontros naquela pastelaria, só com a diferença de ambos se sentarem na mesma mesa. Durante semanas, as conversas foram banais, praticamente só falando dos filhos e dos netos. Até que um dia, começaram a falar de suas famílias. A determinada altura, Ivone perguntou-lhe:

- Júlio, o que lhe vou perguntar, corro o risco de estar completamente enganada. Seu sobrenome é Blaine – certo?

- Desde que nasci – disse-lhe ele com um sorriso aberto.

- O sobrenome Lund, não lhe diz nada?

- Confesso que não, mas porquê?

- O nome de seu avô, por acaso não era Rick Blaine?

- Sim, era do sobrenome do meu avô paterno. Mas porque essa pergunta, digamos tão “misteriosa?

- Minha avó escreveu um diário que quando morreu, entregou-o a minha mão que por sua vez mo deu a mim. Nesse diário, minha avó materna, conta que conheceu durante a segunda guerra, um americano de nome Rick Blaine, o qual foi a paixão de sua vida.

- Meu avô Rick, foi um aventureiro, digamos compulsivo. Conseguiu fugir de França quando os alemães ocuparam-na, e durante uns anos fixou-se em Casablanca.´, em pleno Marrocos.

- Então acertei, é mesmo de seu avô que estou a falar, mas fale de seu avô.

- Segundo as “crônicas” da família, meu avô em Casablanca, teve de matar um general ou major alemão para ajudar a fugir uma mulher que até era casada.

- Até aqui conheço a história, que depois lhe contarei. O que foi feito de seu avô?

- Quero saber essa história direitinha. Continuando a falar do que dizem as crônicas familiares. Meu avô Rick teve de fugir de Casablanca para Brazzaville (ex- Congo Belga), onde montou um bar em parceria com um chefe de polícia que tinha conhecido em Casablanca, e parece que ajudou a matar o tal general alemão. O Louis Renault.

Mas Brazzaville era um ninho de nazistas que estavam espalhados por toda a parte e, por azar, foi lá assassinado. Meu avô mais uma vez teve de abandonar o negócio e fugir com a filha do Louis Renault, para Lourenço Marques (hoje Maputo) em Moçambique e lá casou com ela, ou seja com minha avó. Casamento esse que durou pouco tempo, pois minha avó fugiu, levando-lhe todo o seu dinheiro, abandonando – o assim como o filho.

Meu avô teve de trabalhar no duro em Moçambique, para poder sobreviver. Entretanto, uma família portuguesa que vivia nesse país africano, acolheu e mais tarde adotou meu pai. Quando regressaram a Portugal, trouxeram meu pai que cá casou e eu nasci aqui nesta bela cidade que é Lisboa.

- Nunca soube mais nada de seu avô Rick?. Só agora reparo que já é noite e tenho que me ir embora. Amanhã continuaremos a história. Esta noite quero dar uma vista de olhos pelo diário que minha avó Ilsa Lund escreveu.

- Sim, já é noite e estava quase a convidá-la para jantar comigo. Como quer ir para casa, eu acompanho-a até lá.

Foi uma noite em que ambos tiveram dificuldade em adormecer. Ela impressionada com o que ele lhe contou do avô; ela desejosa de lhe contar a história de sua avó. Ambos tiveram vontade de ligar um ao outro, mas tinham receio de incomodar a outra parte. Por fim, Ivone encheu-se de coragem e ligou para ele.

- É o Júlio? Desculpe de lhe ligar a esta hora…

- É um prazer ouvi-la! Também tinha vontade de lhe ligar, mas não queria incomodá-la. Pelos vistos, ambos estamos com dificuldade em adormecer!

- Estou deitada a passar os olhos sobre o diário de minha avó.

- Tem encontrado coisas interessantes?

- Afirmativo, mas não lhe vou contar aqui pelo telefone. Nem antes de saber toda a história de seu avô! Temos muito que falar sobre nossos avós!

- Deve ser preciso muitas horas! Atrevo-me a convidá-la para um almoço, pois assim teríamos mais tempo para dar à língua. Aceita?

- Aceito!

- Já amanhã?

- Amanhã não pode ser pois tenho cá em casa a senhora que faz a limpeza. Se o Júlio aceitar, poderá ser na próxima sexta-feira?

- Por mim está tudo bem. E onde a Ivone quer almoçar (e se quiser jantar também), diga que eu aceito. E também diga a hora em que posso a ir buscar no fundo da sua rua.

- Gosto muito da beira-mar da zona de Setúbal. Mas só almoçar.

- Proponho-lhe a Serra de Arrábida, depois as praias da Figueirinha, Portinho da Arrábida e almoçar em Sesimbra no restaurante “O Velho e o Mar”, que tem sempre um peixe espetacular.

- Também gosto muito da Arrábida, de suas belas praias e de Sesimbra e também conheço esse restaurante. Também conheço o belo Convento de Nossa Senhora da Arrábida. A hora, pode ser às 10?…

- Amiga Ivone, não pode ser mais cedo? Tomávamos o pequeno almoço em Almada.

- Pensando bem, o Júlio pode vir-me esperar ás 08.30. E o pequeno almoço poderá ser em Corroios, numa pastelaria que também conheço e tem sempre bolos quentinhos rssss.

- Então até sexta-feira e tente fazer um soninho bem descansado.

- Também tenha uma boa noite. Abraço.

- Um beijo!

No dia e hora combinada, Júlio estava no fundo da rua esperando a Ivone. Quando já estava com o telemóvel (celular) na mão para lhe ligar para lhe perguntar se tinha esquecido o combinado, quando ela apareceu junto ao carro e logo que entrou, perguntou-lhe:

- Não estou muito atrasada, pois não?

- Claro que não. A Ivone só está atrasada 25 minutos!

- Pelo meu relógio, são só 20 minutos, Veja se acerta seu relógio!

Ele deu uma sonora gargalhada e partiram para o passeio. Depois de passar a Ponte 25 de Abril e já à entrada de Almada, ela disse-lhe que estava com muita fome e se podiam ir tomar o pequeno almoço a Almada, talvez a um Shopping, desculpando-se:

- Sabe, o atravessar o Tejo faz-me sempre abrir o apetite.

- E também os 25 minutos de atraso, também lhe provocaram ainda mais essa fome rsssss

- Nem tenho palavras nem lhe quero responder!

Já a caminho da Arrábida, ele perguntou-lhe por onde queria começar, o que ela, depois de pensar algum tempo, respondeu-lhe:

- Se o “cavalheiro” estiver de acordo, podemos começar por visitar o Convento de Nossa Senhora da Arrábida. É um local calmo, onde se vê o mar e sempre me sinto bem.

- De acordo, pois ainda sou uma “cavalheiro à moda antiga”!

- Daqueles que atiram flores às damas?

- Sou ainda mais completo: não só atiro flores como também o respectivo vaso! .
KKKKKKK !!! E nesse local podemos falar mais um pouco de seu avô.

Algum tempo depois chegaram ao convento e numa das varandas superiores admiraram o belo estuário do rio Sado e um pouco à esquerda, Troia (portuguesa que fica na margem esquerda do Sado).

Lembrou-se que quando mais novo, conheceu Troia ainda estado “selvagem”, era uma grande herança, mais tarde comprada pelo grupo Grão-Pará. Hoje tem vários pavilhões e condomínios Também se lembrou que um grande amigo dele, nas escavações arqueológicas para prática de seu curso, em determinada altura encontrou um cobra. Fugiu gritando que tinha encontrado uma cobra com mais de três metros. Os companheiros mataram a cobra e ao medi-la não tinha mais de 70 centímetros. Nesse acampamento, ficou conhecido por “Cobra de três metros”!

continua...
 
Fonte: O Autor. Disponível em http://cencaestamosnos.blogspot.pt/search/label/CONTOS

terça-feira, 9 de agosto de 2016

Carlos Leite Ribeiro (A Deusa e o Mar) Capitulo 8, final

Três meses mais tarde, Luís Carlos desembarcava no aeroporto de Lisboa, vindo desta vez da Suíça.

Ainda nada sabia do resultado da operação da Sandra Cristina, pois nunca mais comunicara com o Dr. Richter, e passara o tempo por várias capitais da Europa, embebedando-se para esquecer a razão de ser da sua própria vida.

Por fim, convencido de que seria inútil continuar naquelas liberações, que o impossibilitavam para o trabalho, lhe arruinavam a saúde, e pior do que isso não lhe arrancava do seu coração a imagem de Sandra Cristina. Foi assim que decidiu, repentinamente, voltar a São Pedro de Moel, para visitar o seu amigo António das Ondas, e também, saber alguma coisa da Sandra.

Ao chegar à linda praia de São Pedro de Moel, logo encontrou o António das Ondas, que se encontrava sentado no chamado "banco dos reformados", que fica numa rua íngreme que vai dar ao varandim da esplanada, e logo os dois homens caíram nos braços um do outro.

Luís: -  Ah... Ah quanto tempo não o via e que saudades já tinha disto tudo, incluindo o Sr. António!

António: -  Eu já tinha quase esquecido a tua cara e a tua pessoa. Tu é que te esqueceste dos amigos…

Luís: - Olhe que nunca me esqueci, não... Mas diga-me: como está a Sandra Cristina?

António: -  Ela... Ela está completamente curada, e por acaso chega amanhã aqui. Foi um milagre, um verdadeiro milagre, a sua cura total!

Luís: - Completamente curada?!... Decerto que foi... Foi um grande milagre, Deus seja louvado por mais este milagre... A Sandra completamente curada!!!

António: - Não te excites tanto, Luís Carlos. Mas chora à vontade, pois nem sempre é feio um homem chorar. Mas, por favor, acalma-te!

Luís: -  Mas aquela linda mocinha completamente curada, até parece um sonho!

António: - Mas olha lá, tudo bem, mas não é razão par ficarmos para aqui os dois, agarrados um ao outro, a chorar como duas "Madalenas arrependidas"!

Luís: - Tem toda a razão, Sr. António.

António: -  Vamos a casa dos Mendes, e pelo caminho, tenho que passar pelos Correios, para saber se tenho lá alguma coisa para mim...

Luís Carlos ficou passeando pelo largo dos automóveis, enquanto o António das Ondas apressou-se a expedir um telegrama urgente para Nova Iorque e dirigido a Sandra Cristina, dizendo apenas isto:

"Luís Carlos chegou. Perguntou por ti. Disse-lhe que chegavas amanhã. Regressa rápido. António das Ondas".

Ao sair dos Correios, o bom velhote pensava e comentava com os seus botões:

"A verdade é que foi a primeira vez que menti na minha vida - mas foi por bem. Sim, porque senão guardo aqui este maluco do Luís Carlos à espera da Sandra Cristina, ele ainda é bem capaz de arranjar mais "macaquinhos" na sua cabeça, e sendo assim, ainda a nossa Sandra fica mais um ano à espera dele!”.

No outro dia e no último “expresso” que vinha de Lisboa, chegava a Sandra Cristina. Luís Carlos e o António das Ondas, assim como seus pais e alguns amigos, estavam à espera da moça…

Sandra: - Olá queridos papás! Graças a Deus que me encontro completamente curada!

Emília: - Minha querida filha, ainda me parece um sonho, um sonho lindo!

André: - Oh filha querida, como estás linda!

António: - Olá querida mocinha, tu cada vez estás mais bela, e agora, completamente curada!

Sandra: - Estou tão feliz! Mas... Mas o Luís Carlos, não me veio esperar?...

Luís: - Pois claro que sim, por isso estou aqui!...

Sandra: - Oh Luís Carlos, como estou feliz, meu amor! ... Perdoas-me?...

Luís: - O passado morreu minha querida. Mas como estás linda…

E um beijo uniu aquele grande amor...

Dois meses depois a capela de São Pedro de Moel estava linda...

Nesse dia, Luís Carlos e Sandra Cristina, dentro das suas convicções religiosas, iam-se unir para sempre.

São Pedro de Moel estava em festa, e toda a gente feliz com o evento.

Luís: - Olha, minha querida Sandra Cristina, temos de ir fazendo as nossas despedidas, antes de partirmos para a nossa lua-de-mel...

Sandra: - Vamos então. Podemos começar aqui pelo Sr. António das Ondas... Ora diga-me: como é que você sabia que eu ia chegar naquele dia e àquela hora?

O bom velhote levantou-se e calmamente encarou os dois jovens que estavam ali à sua frente, e com um sorriso nos lábios, respondeu-lhe:

António: - Olha lá Sandra, tu por acaso não recebeste o meu telegrama?

Sandra: -  Telegrama?! ... Ah, pois, claro que recebi. Ahahahahah! 

António - Então, minha boa e querida amiga, por vossa causa, menti, pela primeira vez na vida. Vão lá à vossa vida e sejam muito felizes!
 
F I M

Fonte:
O Autor

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Carlos Leite Ribeiro (A Deusa e o Mar) Capitulo 7

Entretanto, na sala de operações, do melhor e mais bem apetrechado hospital de Lisboa, o Dr. Roger Richter, terminara a segunda operação, a Sandra Cristina. Na ante-sala, esperavam-no o pai e a mãe da paciente. O médico saiu da sala das operações, com o semblante carregado. Os Mendes encararam-se, preocupados.

Encarando com eles, o Dr. Roger Richter disse, com aquela rudeza quase agressiva, que o caracterizava, quando estava enfronhado nos seus trabalhos profissionais:

Dr. Roger: -  A vossa filha vai ficar curada. Cheguei a recear que apenas pudesse fazê-la coxear um pouco menos. Mas a verdade, é que Deus me ajudou, e agora, posso garantir-lhes que dentro de três a seis meses, a nossa gentil Sandra Cristina, correrá e dançará, como qualquer rapariga que nunca tenha sofrido qualquer acidente!

Emília: -  Oh, Sr. Doutor!

A mãe da rapariga rompeu num pranto silencioso e feliz, enquanto o marido caminhava para o Dr. Roger Richter, e estendeu-lhe a mão, com os olhos marejados de lágrimas. O médico apertou-a e com um sorriso. Já perdera aquele ar carrancudo que tinha, quando prestava a sua atenção profissional, e disse-lhe:

Dr. Roger: Não tem nada que me agradecer, Sr. André Mendes. Fiz o que pude. Mas olhe que a sua mulher precisa de si…

Efetivamente, Emília Mendes tateava o ar, procurando onde se pudesse apoiar. Na sua perturbação, aquela mãe ainda duvidava das palavras claríssimas que acabara de ouvir!

Depois do marido a ter amparado e a levado até a uma cadeira, a pobre senhora levantou os olhos para o médico, e nesse olhar endereçou-lhe o mais eloquente agradecimento que ele poderia ter recebido. Sensibilizado, o Dr. Roger Richter disse-lhe então:

Dr. Roger: -  Dentro de uma hora, podem fazer companhia à vossa menina, mas por poucos minutos, dez o máximo. E não se esqueçam que ficam completamente proibidos de lhes dizer o que eu lhes contei do êxito da intervenção cirúrgica. 

Emília: -  Assim faremos, Sr. Doutor. Até parece um sonho, o melhor sonho de minha vida!

Dr. Roger: - Se lhe dissessem isso lhe provocaria um choque nervoso, que poderia ser-lhe prejudicial na evolução no processo de recuperação, que agora deve ser rápido.

Emília: -  Faremos tudo o que o Sr. Doutor nos mandar ...

Dr. Roger: -  Digam-lhe que não estiveram comigo, depois da operação.

Emília: -  Pode estar descansado, Sr. Doutor.

Dr. Roger: -  E para terminar, também vos quero dizer que os convido para jantarem comigo e com a minha mulher, esta noite.

Eles sorriram envergonhados, mas o médico receou que não o tivessem compreendido que lhes estava a fazer um convite formal, pelo que se apressou a acrescentar:

Dr. Roger: -  Esta será a última parte da mentira, que peçam que não digam a Sandra... Bem, não é rigorosamente uma mentira, pois, minha mulher e eu, esperamos que nos deem o prazer da vossa companhia, hoje, ao jantar - está bem ?!

Emília: -  Temos todo o prazer em aceitar o seu amável convite!

Dr. Roger: -  Então até logo às oito horas no hotel.

No final do jantar, o Dr. Roger Richter esclareceu o casal Mendes:

Dr. Roger: -  Convidei-os com um determinado fim, ou seja, o caso de Sandra Cristina. Em princípio, ela deveria de precisar de outra intervenção cirúrgica, mas que talvez seja desnecessária, se durante estes meses mais próximos, for vigiada com toda a atenção e competência. Nós temos de partir de avião para Nova Iorque, na próxima semana, pois não posso de modo algum protelar a data da minha partida, por compromissos anteriormente assumidos.

André: -  E o que nós podemos para ajudar a nossa querida filha?

Dr. Roger: -  Tenham calma e escutem a minha mulher vos tem para vos dizer.

Jodie: -  Por isso pensei, ou melhor, pensamos eu e meu marido, em pedir emprestada a vossa filha por uns meses. Autorizem que a Sandra venha conosco, pois lhe faria muito bem mudar de ambiente. Em Nova Iorque, temos muitos amigos, e ela recompor-se-á noutro meio ambiente, de modo que, quando regressar será outra rapariga, tendo inclusive já perdido todos os seus complexos, que sempre a têm atormentado. Que me dizem?

Emília: -  Nós gostaríamos que ela fosse, mas compreendem as saudades... E, além disso, financeiramente, não podemos suportar tanta despesa,

Jodie: -  Mas atenção, pois tratasse de um pedido nosso, sem qualquer encargo financeiro para vós.

Dr. Roger: -  Reforçando a ideia de minha mulher, lhes direi que não vos fiz qualquer pedido em proveito próprio, a não ser aquele de cederem parte da vossa mesa, na esplanada, no primeiro dia que nos conhecemos!

Jodie: -  É um convite que fazemos com todo o prazer, e que não representa para vocês, repito qualquer despesa financeira.

Dias depois, Sandra Cristina, acompanhada pelo casal Richter, partia de avião rumo a Nova Iorque.

Quando o carro particular do casal parou, de fronte a um enorme arranha-céus onde moravam, o Dr. ajudou Sandra a descer do automóvel, e a rapariga, também amparada a sua mulher, caminhou devagarzinho até ao ascensor.

Estava radiante de felicidade. Chegados ao último andar, o ascensor parou. Um mordomo veio-os receber e cumprimentou-os respeitosamente. A senhora Jodie Richter, perguntou-lhe então:

Jodie: -  Antony, anteontem recebeu um telegrama meu?

Mordomo: -  Recebi sim, minha senhora!

Jodie: -  Então, está tudo conforme as indicações que lhe dei?

Mordomo: -  Segui todas as suas indicações, minha senhora.

Jodie: -  Muito bem... Sandra Cristina venha agora ver a cidade de Nova Iorque, do alto de um centésimo quinto andar.

Devagarzinho, com mil precauções e carinhosamente, a mulher do Dr. Roger Richter levou a Sandra, até a uma grande janela que se abria sobre o coração da cidade. O espetáculo que daí se avistava, era simplesmente maravilhoso!

O Dr. Roger Richter, veio reunir-se a ela e a sua mulher.

Dr. Roger: -  O que se avista daqui é de facto esmagador! Mas vim aqui convidá-las a passarem à biblioteca. Venha, Sandra Cristina, que nós a ajudaremos.

Jodie: -  Eu vou à frente abrir a porta, e a Sandra vai entrar sozinha, sem estar amparada a nós. Serão os primeiros passos que dará, sem coxear, valeu?

Sandra: -  Vamos lá a ver se conseguirei…

A porta abriu-se e a rapariga viu-se num dos topos de uma grande sala, confortável e forrada com estantes cheias de livros. Não estava ninguém na biblioteca, apenas, na grande parede do fundo, estava uma tela...

Ao ver a tela, Sandra Cristina caminhou sozinha para a frente, com o corpo direito e sem coxear, com o olhar brilhante e fixo naquele quadro, como se estivesse sonhando.

Era ela a retratada, era ela que estava ali, numa técnica de pintura como nunca vira, e em que cada traço lhe falava de um amor, que ela não soubera compreender a tempo...

Sim, ela tinha razão quando argumentou com os pais, que o quadro recebido do Luís Carlos, não poderia ser o original. O seu coração não a enganara!

E foi os seus olhos brilhantes, que fizeram a pergunta, que os seus lábios não se atreveram a formular.

Então, conscientemente e pela primeira vez na sua vida, o Dr. Roger Richter faltou à sua palavra, e explicou a Sandra, como é que aquele precioso quadro, que o autor nunca quisera vender por preço algum, se encontrava ali em sua casa, na sua biblioteca.

A Sandra Cristina teve uma inevitável crise de lágrimas e logo quis saber onde se encontrava Luís Carlos.

Jodie: -  Isso também nós queríamos saber, Sandra. Até porque o meu marido tem de fazer contas com ele, pois todas as despesas extras da operação deviam ser pagas por ele. Ora, para isso mandou-nos um cheque com uma importância muito superior àquela que despendemos, mesmo contando com esta sua viagem a Nova Iorque. E o meu marido, quer-lhe devolver-lhe o excedente.

Sandra: -  Mas então têm o endereço dele de Paris?

Jodie: -   Também não temos esse endereço, e só sabemos que ele partiu da capital francesa, sem deixar rastro.

Sandra Cristina ficou pensativa, mordendo os lábios. Foi o Dr. Roger Richter quem lhe indicou o que ela devia de fazer:

Dr. Roger: -  Para mim, não pode haver quaisquer dúvidas sobre o que vai acontecer. Mais dia, menos dia, Luís Carlos vai quer saber o resultado da operação, e então terá de comunicar comigo para poder saber o que aconteceu, ou, então, vai aparecer em São Pedro de Moel, visto que daqui a dois meses, fará dois anos que vocês ali se conheceram, não é verdade?

Sandra: -  É verdade. Estou a ver que o Sr. Doutor sabe tudo a nosso respeito. Mas que posso eu fazer?

Dr. Roger: -  Por enquanto, minha boa amiga, ainda está sob a alçada do clínico, que está a vigiar a sua convalescença.

Sandra: -  E ainda terei que ficar por cá muito tempo?

Jodie: -  Daqui a dois meses e meio ou três, regressará a Portugal e a São Pedro de Moel, novinha em folha e capaz de amar sem qualquer complexo, o mais generoso e bondoso coração de homem que palpita sobre a terra, ou seja, o Luís Carlos! E vai ver que ele aparecer-lhe-á, disso não tenha a menor dúvida, minha amiga!

Sandra: -  Se me pudesse garantir isso...

Dr. Roger: -  O que minha mulher lhe disse, é rigorosamente verdade, pois nada sabemos de Luís Carlos. Mas quase lhe podemos garantir-lhe o seguinte: cuide-se de si, pois com certeza que ele a procurará... e a encontrará!

Sandra: -  Se eu tivesse a certeza...

Jodie: -  Quase lhe posso dar a minha palavra de honra que ele a procurará!

Sandra: -  A sua palavra de honra?! ... Então, deve saber mais algumas coisas, além do que me disse...

Dr. Roger: -  Pode crer que  nem eu nem minha mulher sabemos mais nada, a não ser que o amor dos homens honrados, é a maior força que os impele neste mundo!

continua…

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O Autor

domingo, 7 de agosto de 2016

Carlos Leite Ribeiro (A Deusa e o Mar) Capitulo 6

Na manhã seguinte, logo pelas nove horas, retiniu a campainha do portão. Sandra Cristina, atarantada, nem conseguiu esperar que a criadinha fosse abrir o portão, e correu logo a abri-lo ela. Ofegante, o seu adorável rosto empalideceu de emoção, ao encontrar-se em frente do médico que lhe sorria calmamente, segurando nas mãos uma pasta e um magnífico ramo de rosas que lhe estendeu, enquanto lhe dizia:

Dr. Roger: -  Bom dia, Sandra Cristina. Minha mulher manda-me pedir desculpa de não poder vir, mas tinha umas voltas a dar na Marinha Grande. Então como passou a menina a sua noite?

Sandra: -  Oh Sr. Doutor, que gentileza a sua! Muito obrigada. Mamã, olhe o que o Sr. Doutor me trouxe!

Emília: -  Bom dia, Sr. Doutor. Que belas flores. Agradeço-lhe muito a sua gentileza!

Dr. Roger: -  Bem, agora que tanto a filha como os pais, já estão mais serenos, vamos lá fazer o exame. Antes de tudo, deixe-me vê-la andar. Ora faça favor de ir até àquela porta e voltar. Devagarzinho e bem direita; vamos, mais uma voltinha...

A mocinha obedeceu, enquanto o cirurgião se transformava de homem da Sociedade, em homem de Ciência. Os olhos fixos como se a tivesse a fuzilar, não querendo perder o mais insignificante pormenor, que lhe fosse fornecido pelos movimentos da rapariga, e foi com voz algo rude, lhe disse:

Dr. Roger: -  Basta! ... Fratura da bacia na região exterior e fratura da tíbia e do perônio, com encurtamento por solidificação errada; além de esmagamento de alguns ossos: o tarso e o metatarso, não foi isso?

Sandra: -  Exatamente, Sr. Doutor!

Dr. Roger:  -  Bem, passemos a um quarto, onde eu possa examinar diretamente, os locais das fraturas, e mais exatamente, os locais das solidificações.

Emília: -  Então, por aqui, Sr. Doutor. Se faz favor...

Dr. Roger: -  A sua filha coxeia pela forma como deixaram solidificar as fraturas que apresenta. Hoje em dia, não têm qualquer importância, quando tratadas convenientemente. Foi uma pena, direi mesmo que foi um crime! Bem, preciso da senhora junto de mim...

O exame foi demorado. Quando terminou, o médico voltou à saleta, sentou e pediu:

Dr. Roger: -  Senhor André Mendes, por acaso não tem aqui em casa uma garrafa de vinho do Porto? É que gostaria muito que bebessemos, ao êxito da operação que vou fazer à sua filha!

Emília -  Oh Sr. Doutor, nem pode calcular o bem que me faz as suas palavras !

André: -  Senhor doutor, eu, como mãe da Sandra Cristina... Nem sei como hei de agradecer-lhe.

Atarantados e chorosos, o pai e a mãe de Sandra abriram uma garrafa do precioso vinho do Porto, que estava guardado para uma qualquer ocasião especial.

Os cristais, os belos cristais da Marinha Grande - tocaram-se e o Dr. Roger Richter, esclareceu:

Dr. Roger: -   Ao contrário do que possam pensar isto não quer dizer que eu esteja seguro da minha intervenção. Compreendam por favor.

André: -  Mas só a sua boa vontade, nem sabemos como havemos de lhe agradecer!

Dr. Roger: -  Prevejo que a idade da nossa doentinha, me ajudará decisivamente. Se fosse mais velha, já nada havia a tentar, mas assim e com a ajuda de Deus, vamos a ver o que podemos fazer.

Conforme ficara estabelecido em Lisboa, a senhora Jodie Richter não acompanhara nessa manhã o marido a São Pedro de Moel, para a primeira consulta a Sandra Cristina, para assim poder escrever uma longa carta a Luís Carlos, pondo-o minuciosamente ao corrente do que ia acontecendo em São Pedro. Mas não fechou a carta antes de o marido regressar, para poder juntar o seu diagnóstico. Feito isso, acrescentou que partiriam no dia seguinte para Lisboa, já acompanhados de Sandra Cristina e de seus pais.

Tal como Luís Carlos combinara, todas as despesas inerentes à operação, seriam pagas por ele, e no fim, o doutor Roger Richter lhe diria esse montante.

Quando na manhã seguinte, o pintor recebeu a carta, o seu rosto distendeu-se num sorriso feliz. As frases em que ela falava da excitação e do alvoroço da pequena, bem como da impressão que lhe produzira a ela, e ao marido, e estonteante beleza da jovem, fizeram um imenso bem à alma de homem amargurado, cujo amor tinha sido (julgava ele...) ostensivamente escarnecido e desrespeitado.

E nada lhe dizia que confirmasse a sua suspeita de que Sandra Cristina tivesse casado. Bem pelo contrário, pela forma como Jodie Richter lhe escrevia, depreendia-se que a mocinha vivia em casa dos pais, como uma filha solteira.

Quem seria então, aquele rapaz que a acompanhava tão naturalmente, no dia em que ele fora espiá-la a São Pedro de Moel?

Luís Carlos interrompeu as suas meditações, para rapidamente fazer as suas malas. Ainda não sabia para onde iria, pois ainda não tinha pensado nisso. Só sabia que não queria permanecer em Lisboa, sabendo que Sandra Cristina e seus pais, ali estavam também. Estava certo de que não teria coragem necessária para se fazer encontrado com eles, e não queria voltar a vê-la, nunca mais!

Foi no avião que o transportava a Paris, que se interrogou sobre aquela sua estranha atitude. Então, se a rapariga já não lhe interessava se nunca mais a queria encontrar, porque é que se teria empenhado em que ela ficasse curada do seu defeito físico? E como se arriscava a não ganhar somas fabulosas, que decerto ganharia com a venda do seu quadro "A Deusa e o Mar"?

Mas, Luís Carlos era um temperamental fora do comum, e chegou a aceitar que o seu amor por ela, e o seu consequente desejo que ela vivesse feliz, sem qualquer complexo, tinham sido suficientes para que tomasse aquela atitude...

Agora, vê-la outra vez, encará-la e ouvir-lhe a voz, é que nunca, nunca mais!

Em Paris, exatamente para se convencer daquele violento "nunca mais", andou por todos os cabarés, boates e discotecas, procurando afogar em prazeres fáceis e bem pagos, o grande amor da sua vida, de homem e de artista.

De lá, recebeu o primeiro relatório do Dr. Roger Richter, redigido depois da primeira intervenção cirúrgica, a que sujeitara Sandra Cristina. Mas o médico não se mostrava otimista, antes pelo contrário, o prevenira para a hipótese muito provável, de um fracasso.

Eram necessárias ainda mais duas ou três operações, mas em qualquer caso, só depois da segunda, se poderia prever exatamente, o estado em que poderia ficar a doente.

Teimosamente, porém, Luís Carlos aceitava como certa a cura da rapariga. Nem por momentos lhe passou pela cabeça, que fosse possível vir a sofrer uma desilusão, e saber que se desfizera do seu precioso quadro, para nada.

Para nada?...

Pior que nada, pois teria sido preferível que Sandra Cristina, não se tivesse sujeitado ao tormento operatório, nem tivesse passado aquele alvoroço de esperanças, que tudo isso acontecesse sem qualquer proveito! Luís Carlos interrogou-se sobre se teria tido alguma vez de estabelecer, com o famoso cirurgião, o espantoso contrato que estabelecera.

Verdadeiramente, ele não tinha qualquer direito de intervir na vida de Sandra, e uma vez que decidira, nunca mais devia de procurá-la, ou mais ainda: nunca mais a ver, tendo até por vontade própria de desaparecer de Lisboa, no mesmo dia, em que ela chegasse à Capital.

Parecia-lhe agora, perante o velado pessimismo do médico, que a sua intervenção, na vida de Sandra Cristina, ultrapassara os limites do que era aceitável.

Se, depois de todo o martírio que passou, e depois do traumatismo psíquico, que fatalmente estaria passando, se ela não melhorasse aquela intervenção cirúrgica, apesar de gratuita, teria efeitos devastadores, na moral da rapariga.

Este pensamento transtornou-o e deixou-o preocupado.

Ele sabia que fora o mais puro e o mais desinteressado dos sentimentos, que o levara a fazer aquela proposta ao Dr. Roger Richter. E, toda a gente que pudesse saber do caso, o felicitaria se a operação viesse a ter êxito. Mas, se fosse um fracasso, ninguém deixaria de lhe dizer que não tinha tido o direito de se intrometer, numa vida que lhe era em tudo estranha à sua, e que não queria, de modo algum, ligar-se.

Mas não queria, não queria, realmente ligar-se a Sandra Cristina?...

Amedrontado com a resposta que a sua consciência lhe ditasse, Luís Carlos, bebeu mais um Whisky e mais outro ...

continua…

Fonte:
O Autor

sábado, 6 de agosto de 2016

Carlos Leite Ribeiro (A Deusa e o Mar) Capitulo 5

Sandra Cristina e seus pais estavam sentados na esplanada de um café, na chamada varanda de São Pedro de Moel, tomando um refresco.

Estávamos no meio da tarde e todas as mesas estavam ocupadas, quando um casal de estrangeiros, de ar distinto, acercou-se deles e o homem delicadamente perguntou:

Dr. Roger: -  Seriam tão amáveis que nos dessem licença de ficarmos na vossa mesa? ... é que não existe nenhum lugar vago, e estamos a "morrer" de sede?... 

André: - Para nós até será uma honra. Por favor, sentem-se  estejam à vontade.

Dr. Roger: -  Então, se nos dão licença, nós somos o casal Richter, americanos de Nova Iorque.

André: -  Nós somos os Mendes, aqui de São Pedro de Moel. Os senhores são turistas, não é verdade?

Entretanto, tinham-se sentado todos, e o pai de Sandra Cristina, encomendou mais dois refrescos. Sua filha teve a percepção, por uma misteriosa sensibilidade de que alguma coisa estranha se iria passa na sua vida. Uma espécie de ansiedade tomava-a toda, quase impedindo de ver a sua curiosidade fosse disfarçada, para mais, a senhora Jodie Richter a observava de quando em vez.

Em determinado momento, André Mendes, pensativo desabafou:

André: -  Richter... Richter... Escuta, Sandra Cristina, este nome não te diz nada?

Sandra: -  Não sei paizinho? ...

André: -  A minha filha anda sempre na Lua. Também não admira, pois são os seus dezoito anos...

Emília: -  Minha filha, pois eu ia jurar que já li este nome muitas vezes...

Dr. Roger: -  É natural que sim, pois tenho trabalhado muito...

Emília: -  Por acaso o senhor não é médico?

Dr. Roger: -  Sou sim.

Sandra: -  Papás, eu conheço o nome sim, e até já via a fotografia deste senhor, naquela revista alemã, sobre as sumidades do nosso século! É ele, sim, o maior especialista em enxertos ósseos do nosso tempo! ...é o senhor, não é?! Diga lá... 

Dr. Roger: -  Não sei se serei o maior especialista, como a menina, amavelmente me classifica, mas lá que sou médico, sou. Chamo-me Roger Richter, e sou especialista em ossos. Mas porquê? 

Sandra: -  Porquê?! ... Ainda pergunta porquê?...

Sandra Cristina rompeu então num pranto convulsivo, embora chorasse muito baixinho. A mãe da pequena, explicou ao casal a insólita atitude da rapariga.

Os Richter fizeram-se de muito admirados, e o médico, em certa altura, deixou escapar a frase milagrosa:

Dr. Roger: -  Pois é, realmente uma pena que, uma rapariga tão nova e tão fascinante, como a vossa filha, sofra desse defeito. Há quanto anos teve o acidente, Sandra Cristina?

Sandra: -  Quase há sete anos, Sr. Doutor. É tempo demais para se tentar qualquer coisa, não é?

Dr. Roger: -  Depende... Olhe Sandra, tenho muito interesse em observá-la.

Sandra: -  Oh Sr. Doutor, que feliz eu seria, se…

Jodie: -  Vamos lá, não é caso para a Sandra se excitar assim. Meu marido não pode prometer-lhe nada, mas olhe que ele é quase mágico...

Sandra: -  É por isso mesmo que me sinto tão feliz!

O casal Mendes tinha trocado um rápido olhar de compreensão, e o pai de Sandra, numa voz pesada, disse como um criminoso a confessar o seu delito:

André: -  Mas, como lhe hei de dizer Doutor... Nós não temos meios materiais para pagar uma operação dessas, para mais feita por um especialista como o senhor.

Sandra: -  Pois é verdade, Sr. Doutor, os meus pais não têm meios financeiros…

Dr. Roger: -  Vocês, portugueses, são todos de uma grande precipitação, que até vos estraga a alegria de viver! São Pedro de Moel é uma das mais belas praias de Portugal, e vocês parecem apostados em viver em tragédia. Ninguém vos falou em dinheiro, não é verdade?

Emília: -  Pois não, mas nós...

Dr. Roger: -  Também não fizemos nenhum contrato, não é verdade? Eu disse apenas que gostaria de observar a sua filha, e isto, se ela e os senhores estiverem de acordo. Valeu?

André: -  O pior é que...

Dr. Roger: -  Deixem-me falar, por favor. Ando em férias pela Europa, e recebi uma gentileza de um casal desconhecido, que me proporcionou o mais saboroso refresco que tomei em toda a minha vida. Talvez possa recompensá-los desta vossa amabilidade, pedindo-vos que me deixem observar Sandra Cristina.

Houve um silêncio feliz, ou, mais exatamente, um silêncio em que os Mendes recearam entender o que ouvira. Mas logo ficou combinada a hora matinal, no dia seguinte, o Dr. Richter os visitaria, para uma primeira observação da perna e da anca de Sandra. A pequena, durante toda a noite, não conseguiu dormir. No mais íntimo da sua alma, agradecia à providência Divina que tivesse colocado no seu caminho, aquele casal bondoso, que se condoera da sua desgraça.

Nem por sombras poderia lembrar-se de uma possível intervenção de Luís Carlos, naquele processo, se bem que fosse o pintor, a pessoa pela qual mais lhe interessava melhorar do seu defeito físico.

Sentindo-a inquieta e a remexer-se na cama, a mãe enfiou um roupão e foi ter com ela ao quarto:

Emília: -  Porque não dormes minha filha? 

Sandra: -  E tu, porque estás acordada?

As duas sorriram, com os olhos brilhantes de esperança. Momentos depois, também o pai da Sandra, o André Mendes, estava presente. O seu rosto, normalmente calmo, apresentava um colorido e uma excitação excepcional:

Sandra: -  Papá, não é um momento maravilhoso?

Emília: -  Não te agarres já a esperanças tão grandes, minha filha.

Sandra: -  Concordo plenamente contigo, mas seria como um grande e maravilhoso milagre.

Emília: -  Lembra-te que o acidente já foi há muito tempo, e que os ossos já solidificaram.

Sandra: -  Eu sei isso tudo, mas deixa-me sonhar com um milagre que me possa acontecer.

André: -  Mas deves pensar que já é um pouco tarde. Mulher não vem pra a cama que daqui a pouco começa a anoitecer?

Emília: -  Vai indo tu, pois eu ficarei um pouco mais com a Sandra.

André: -  Então um bom resto de noite, e procura sossegar.

Emília: -  Agora que o pai se foi embora, diz-me lá, tu ainda pensas no Luís Carlos, não é verdade?  Não estranhes a minha pergunta, mas as mães sabem tudo a respeito das filhas, especialmente das filhas da tua idade.

Sandra: -  Não te sei responder, mãe…

Emília: -  Tenho a sensação de que tu não te excitarias tanto, se o Luís Carlos não tivesse passado pela tua vida!

Sandra: -  Talvez tenhas razão. Não sei porquê, mas tenho a esperança de que ainda um dia o encontrarei ... E então...

Emília: -  Tem calma, minha filha, e escuta-me.

Sandra: -  Sou toda ouvidos, mãe.

Emília: - De todos os homens que existem no mundo, o Luís Carlos, é aquele que eu reputo ser mais indiferente a teu respeito, melhor, à falta de respeito. 

Sandra: -  Pode ser que tenhas razão, e é por isso que eu muito queria estar curada, quando ele me reencontrar!

Emília: -  És uma alma nobre, minha filha. Mas não deves ficar com essa ideia fixa, de que voltarás a encontrar o Luís Carlos. Até pode ser que ele não volte a São Pedro de Moel.

Sandra: -  Ainda agora ele fez uma exposição em Lisboa. Li nos jornais, e só por vergonha é que não pedi ao pai que fossemos lá...

Emília: -  Vergonha de quê? 

Sandra: -  De lhe aparecer ainda com este defeito.

Emília: -  Só por isso? Olha lá, tu fizeste alguma coisa de indecoroso e que te possa envergonhar?

Sandra: -  Bem sabes que não!

Emília: -  Então, não te entendo...

Sandra: - Oh, nem eu sou capaz de te explicar, mas portei-me como se tivesse feito tudo o que há de pior.

Emília: -  Bem, com esta conversa toda, já são mais do que horas para ir dormir, para podermos estar bem dispostas quando o Sr. Doutor chegar.

Sandra: -  Ele disse que vinha às nove horas... Achas que ele vai faltar e nunca mais o vamos ver?

Emília: -  Não, minha filha! Que disparate de pensamento.

Sandra: -  Desculpa, mas estou muito nervosa!

Emília: -  O Dr. Roger Richter é uma celebridade mundial, não é um troca-tinta qualquer.

Sandra: -  Oh mãe, não te zangues com a tua filhinha que está muito nervosa.

Emília: -  Se ele se comprometeu a fazer uma coisa, sem que ninguém lhe pedisse, decerto que não faltará. Dorme descansada, vá. Um beijinho...

continua...
 
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