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quarta-feira, 4 de junho de 2025

Célio Simões (O nosso português de cada dia) “Virar a casaca”


No nosso português de cada dia, usamos a expressão "VIRAR A CASACA" para designar pessoas oportunistas e aproveitadoras, que se valem das chances que lhes parecem favoráveis para, sem qualquer vergonha, pudor ou escrúpulo, trocarem de lado exclusivamente em busca de vantagens pessoais. 

Trata-se de desvio de conduta de gente rasa, sem ética ou princípios, de moral opaca, sem apreço pela palavra empenhada ou por compromissos antes assumidos, desde que obtenham com a troca qualquer ganho. Há sempre um componente de traição no que fazem, pois são capazes de “vender a mãe”, para a satisfação de suas particulares ambições ou alcance de benefícios, sejam eles materiais, sociais ou emocionais, ainda que modestos. 

A origem dessa expressão remonta ao rei da Sardenha no Século XVIII, Carlos Emanuel III de Sabóia (1701 – 1773), que para proteger seu ameaçado patrimônio territorial das pressões da França e da Espanha, aliava-se a uma ou à outra ao sabor de suas conveniências - e para evidenciar isso mudava as cores da sua casaca, de acordo com as cores da bandeira do país com quem naquele momento se alinhava. 

Essa troca constante das casacas por ele usada, passou a ser sinônimo de oportunismo, consagrando a expressão "Virar a casaca", lembrada sempre que presenciamos, mesmo quatro séculos depois, essa famigerada atitude interesseira em alguém que só demonstra interesse quando acredita que terá alguma coisa a receber em contrapartida. 

Mas não foi somente a realeza que contribuiu para consolidar no Brasil essa expressão, sempre utilizada com escárnio em relação a quem troca de lado com a mesma rapidez com que a maioria troca de roupa. Para essa expressão idiomática, o futebol e a política também deram o seu contributo. 

O valor cultural do futebol no Brasil é imenso e vai além da simples prática esportiva. Trata-se de uma paixão nacional que permeia a cultura, a identidade e a história do país, influenciando diversos aspectos da sociedade. É uma manifestação cultural que une pessoas de diferentes origens, criando um involuntário senso de irmandade, parte integrante da vida brasileira que influencia a moda, a música, a arte e especialmente a linguagem. 

O futebol, que nos legou a expressão “Onde a coruja dorme” (já abordada nesta série de crônicas divulgadas), costuma taxar um torcedor que passa a simpatizar e até torcer pelo time rival como “vira casaca” - e esse é o preço que ele paga por essa prática rasteira.

O genial Chico Buarque, ao contrapor uma velha amizade à rivalidade clubística, deu uma força ao tema. O quilométrico título da música “Ilmo Sr. Ciro Monteiro ou Receita pra virar casaca de neném”, é uma carta ao famoso cantor e compositor Ciro Monteiro, abordando a disputa de preferência entre dois famosos times de futebol, mas o compositor o faz de maneira bem-humorada, destacando a amizade e o respeito mútuo entre os dois amigos, situada acima e além de suas diferenças pessoais.  

Chico é tricolor da gema e agradece a Ciro Monteiro, flamenguista doente, por um presente dele recebido: uma camisa rubro-negra. No entanto, ele brinca que o presente é “de grego”, uma expressão que tipifica uma dádiva que traz mais problemas do que benefícios. A música revela como Chico habilmente transformou a camisa rubro-negra (do Flamengo) em uma tricolor (do Fluminense), mostrando criatividade e lealdade ao seu time, para não incorrer na odiosa viração de casaca: 

Amigo Ciro
Muito te admiro
O meu chapéu te tiro
Muito humildemente
Minha petiz
Agradece a camisa
Que lhe deste à guisa
De gentil presente
Mas caro nego
Um pano rubro-negro
É presente de grego
Não de um bom irmão
Nós separados
Nas arquibancadas
Temos sido tão chegados
Na desolação

Amigo velho
Amei o teu conselho
Amei o teu vermelho
Que é de tanto ardor
Mas quis o verde
Que te quero verde
É bom pra quem vai ter
De ser bom sofredor
Pintei de branco o teu preto
Ficando completo
O jogo de cor
Virei-lhe o listrado do peito
E nasceu desse jeito
Uma outra tricolor

Por exemplo, a política disciplinou a prática da mudança de lado, ao regulamentar as regras para que parlamentares insatisfeitos com seus partidos políticos, se bandeassem para o aconchego dos que ontem eram adversários, instituindo as “janelas partidárias” a cada ano eleitoral e desde que ultimada a mudança seis meses antes do dia do pleito, dentro do prazo de 30 dias para o trânsfugo pular fora do barco, sem risco de perder o mandato. 

Tal regra veio no bojo da reforma eleitoral de 2015 e se consolidou como uma medida segura para a troca de legenda, depois do TSE assentar que o mandato pertence ao partido e não ao candidato eleito. Estabeleceu também a chamada “fidelidade partidária” para cargos nas eleições proporcionais (deputados estaduais, federais e vereadores). E como toda regra tem exceção, foi permitido também que fora da “janela partidária”, o político pode “virar a casaca” nas hipóteses de justa causa, entendida esta como a discriminação pessoal ou o desvio do programa partidário, sob pena de perda do mandato. 

Na vida real não há janelas partidárias e salvo raríssimas exceções, a fidelidade pode e deve ser esperada e casos específicos, mas não é exigível de quem quer que seja, pois vai do caráter de cada um manter-se firme em seus compromissos, procedimentos, condutas e ideologias. Somos às vezes surpreendidos por infidelidades, até de pessoas aparentemente respeitáveis e insuspeitas, que sem justificativas plausíveis decidem “virar a casaca”, buscando avidamente alcançar suas metas individuais a qualquer custo, mesmo incorrendo na conduta desonrosa e rasteira da falsidade e da traição.
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Célio Simões de Souza é paraense, advogado, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho, escritor, professor, palestrante, poeta e memorialista. Membro da Academia Paraense de Letras, membro e ex-presidente da Academia Paraense de Letras Jurídicas, fundador e ex-vice-presidente da Academia Paraense de Jornalismo, fundador e ex-presidente da Academia Artística e Literária de Óbidos, membro da Academia Paraense Literária Interiorana e da Confraria Brasileira de Letras, em Maringá (PR). Foi juiz do TRE-PA, é sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, fundador e membro da União dos Juristas Católicos de Belém e membro titular do Instituto dos Advogados do Pará. Tem seis livros publicados e recebeu três prêmios literários.

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quarta-feira, 14 de maio de 2025

Célio Simões (O nosso português de cada dia) “São outros quinhentos”


A expressão “Outros quinhentos” tem origem numa prática legal da Península Ibérica. Antigamente, uma multa de 500 soldos (moeda de ouro na Roma antiga) era aplicada a quem injuriasse um nobre, cujo valor teria que ser pago para que o infrator pudesse merecer a absolvição. Porém, mesmo com o pagamento, se a ofensa fosse repetida, o reincidente teria que pagar outros 500 soldos, dizendo as autoridades que eram “Outros quinhentos”, e não aqueles já quitados, indicativo de que se tratava de nova culpa e outra penalidade, embora no mesmo valor pecuniário, pela repetição da injúria.  

Luís da Câmara Cascudo, historiador, sociólogo, musicólogo, antropólogo, etnógrafo, folclorista, poeta, cronista, professor, advogado, jornalista, escritor prolífero que viveu em Natal (RN), dedicando-se ao estudo do folclore e da cultura brasileira, em seu “Locuções Tradicionais no Brasil”, confirma que se o condenado voltasse a cometer delito semelhante ao anterior, pagaria outros 500 soldos: “Compreende-se que outra qualquer vilta, vitupério sem razão, posterior à multa cobrada, não seria incluída na primeira. Matéria para novo julgamento. Outra culpa. Outro dever. Seriam, evidentemente, outros quinhentos”.

A partir dessa prática punitiva, chegou-se ao longo do tempo a essa conhecida expressão, cujo significado atual indica algo que é diferente, que refoge (evita) do senso comum, que representa uma nova situação, tendo como corolário consequências mais agravantes ou algo muito mais difícil. Basta exemplificar, para ser facilmente entendido: “Emprestar dinheiro em banco é fácil, mas pagar os juros que eles cobram, são outros quinhentos” …

O saudoso apresentador, ator, cantor, músico e compositor paulista Rolando Boldrin, um dos maiores divulgadores da vida interiorana, da cultura caipira e da música sertaneja, num dos programas televisivos em que contava seus “causus”, ofereceu outra explicação para a origem da expressão “São outros quinhentos”, tão histriônica quanto imaginativa. 

Explicou o artista que quando o padrão monetário no Brasil era o mil-réis, apareceu numa cidadezinha do interior um sujeito espertalhão, com o objetivo de aplicar um golpe para ganhar dinheiro fácil dos ingênuos moradores locais. Concebeu o pilantra e pôs em prática uma narrativa fantasiosa – a de que deixara aos cuidados do vigário da paróquia, homem insuspeito e confiável, a vultosa quantia de 500 mil-réis – enquanto ele se ausentaria durante certo tempo, em demorada viagem para outro estado. O religioso teria assumido, sob palavra de honra, o compromisso de lhe devolver o mesmo valor, quando um dia voltasse. Tudo papo furado, coisa de trapaceiro passado na casca do alho.

Concebido o golpe infame, o safado saiu alardeando para todo mundo essa história fantasiosa, justificando que a significativa quantia que deixaria sob a custódia do padre, ele a ganhara honestamente, pelo seu intenso e diuturno labor como caixeiro-viajante que lhe rendera polpudas comissões, mercê das vendas que realizara por toda aquela região.

Depois de propositadamente alardear tal fábula pelos lugares públicos de maior concentração de pessoas, o arguto trambiqueiro sumiu por meses, mas um dia finalmente voltou, com o óbvio intuito de rematar o golpe adrede preparado, tendo encontrado o sacerdote oficiando a missa de domingo na principal igreja da comunidade, que apinhada de gente anônima e dos figurões do lugar, assistia embevecida as exortações da homilia do eloquente presbítero.

Nem bem o pároco encerrou sua prédica, surge o espertalhão próximo do altar e perante uma plateia perplexa, incisivamente passou a exigir a devolução da quantia supostamente confiada ao clérigo, alegando urgência pois precisava viajar no dia seguinte, deixando-o atordoado e sem entender nada, limitando-se a jurar por todos os santos da Corte Celeste, que não guardara quantia nenhuma, nem dele nem de ninguém. 

– Claro que deixei os 500 mil-réis com o senhor, obtemperou o malandro aos gritos! E não adianta se fingir de inocente, pois aqui na cidade todo mundo sabe desse fato, asseverou o golpista sem nem tremer a cara.

Na igreja formou-se grande alarido, com alguns manifestando incredulidade e outros censurando a suposta velhacaria do padre, que imotivadamente se recusava a devolver o numerário que lhe fora confiado. A discussão seguiu acalorada, o padre alegando nada saber sobre o assunto e o trambiqueiro cobrando a pequena fortuna que afirmava ter deixado sob a sua guarda.

Foi quando surgiu no imbróglio uma terceira personagem – o rico e poderoso coronel do lugar, fazendeiro, chefe político influente e grande amigo do padre – que sensibilizado pela saia justa pela qual estava passando seu estimado amigo e querendo livrá-lo daquele descomunal constrangimento (até mesmo porque, homem vivido, já percebera toda a armação daquele refinado pilantra) interferiu bradando para o vigarista, com seu vozeirão de derrubar muro, que ele estava redondamente equivocado:

– O senhor está enganado! Não foi com o vigário que o senhor deixou os seus 500 mil-réis. Foi comigo, tá lembrado? Depois da missa passe na minha casa que eu vou lhe devolver tudo, lá a gente vai conversar direitinho, isso eu lhe garanto… Disse e deixou flutuando no ar a subjacente ameaça de dar uma peia naquele escroque, quando ele fosse receber a tal grana em sua residência.

Mas o embusteiro, pilantra escolado, daquele tipo que fareja dinheiro mesmo quando está constipado, percebendo que poderia tirar duplo proveito daquela situação, retrucou de bate pronto na presença dos fiéis que lotavam a igreja:

– Coronel, no momento só estou querendo receber os 500 mil-réis que ficaram com o padre. Aqueles que o senhor diz que eu deixei com o senhor, “São outros quinhentos…”.

Eis a segunda versão, tão improvável quanto divertida, da origem dessa expressão, utilizada quase diariamente, nas circunstâncias as mais inusitadas. Como, por exemplo, no tenso diálogo entre o guarda de trânsito e o motorista de um ônibus caquético, que trafegava com lanternas e faróis quebrados, excesso de passageiros e os pneus literalmente carecas.

Cioso de seu papel fiscalizador, o zeloso policial fez sinal para o motorista encostar, e com cara de pouquíssimos amigos exigiu o de sempre:

– Habilitação e os documentos do veículo!

– É pra já seu guarda, falou o chofer, mãos trêmulas em busca das credenciais solicitadas, guardadas num saco plástico no porta-luvas do mostrengo.

– Vocês estão tentando eleger outro Papa aí dentro desse ônibus?  

– Papa? Que Papa? Não estou entendendo nada…

– É que até agora só está saindo fumaça preta da descarga. Significa que o motor está desregulado, poluindo o meio ambiente e afetando a saúde pública. É infração grave, com multa e cinco pontos na carteira.  Como o coletivo está todo estropiado, vai ficar retido até ser feita toda a regularização…

– Pera aí seu guarda! Não faça isso comigo. Esse ônibus, mesmo detonado como está, é o meu ganha-pão. Se a papelada está toda em ordem, essa história de meio ambiente e saúde pública são outros quinhentos!… Dá pra gente conversar?…
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Célio Simões de Souza é paraense, advogado, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho, escritor, professor, palestrante, poeta e memorialista. Membro da Academia Paraense de Letras, membro e ex-presidente da Academia Paraense de Letras Jurídicas, fundador e ex-vice-presidente da Academia Paraense de Jornalismo, fundador e ex-presidente da Academia Artística e Literária de Óbidos, membro da Academia Paraense Literária Interiorana e da Confraria Brasileira de Letras, em Maringá (PR). Foi juiz do TRE-PA, é sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, fundador e membro da União dos Juristas Católicos de Belém e membro titular do Instituto dos Advogados do Pará. Tem seis livros publicados e recebeu três prêmios literários.

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quarta-feira, 23 de abril de 2025

Célio Simões (O nosso português de cada dia) “Com a pulga atrás da orelha”


Essa expressão estar, ficar ou andar “com a pulga atrás da orelha” significa ter suspeitas de que alguém está aprontando alguma coisa contra você, que movido pelo “desconfiômetro”, se mostra cabreiro e desconfiado. 

Desde a mais remota antiguidade, o ser humano sempre foi e ainda tem sido vítima da pulga, pois antes não se conhecia nenhum veneno capaz de exterminar essa praga do ambiente doméstico, que se intrujava em todos os cantos, brechas e escaninhos das residências, hospitais, quartéis, escolas, repartições, empresas, cinemas e muitos outros espaços.

As pulgas estão entre os insetos que mais causam problemas ao ser humano e também aos animais. O nome vem do grego Siphon - sifão, e apteros - sem asas, pois as pulgas, embora desprovidas de asas, pulam cerca de 300 vezes a sua própria altura, o que as torna campeãs de salto, justificado sonho de qualquer atleta olímpico. 

No mundo todo podem ser encontradas mais de três mil espécies de pulgas e a cota brasileira nesse monumental acervo é de mais de 50 espécies, das quais quase 40 são encontradas no Estado de São Paulo. Extremamente prejudiciais à saúde, até meados do século XX a pulga era, sem qualquer dúvida, um problema muito grave, responsável por transmissão de doenças, aninhando-se em colchões, almofadas, armários e até nos cabelos das pessoas. 

Sua incômoda presença inspirou mundo afora as famosas “feiras da pulga” ou “mercado de pulgas”, muito comuns na Europa e EEUU, comércios de rua ou de espaços confinados, de caráter sazonal, onde se vendem produtos usados como roupas, livros, utensílios domésticos, brinquedos e móveis antigos que pelo bom estado em que se encontram, ainda podem ser negociados. Surgidas nos arredores de Paris na década de 1880, em seus primórdios as peças de vestuário comercializadas vinham infestadas de pulgas, daí a denominação que popularmente a consagrou mundo afora.

Se nas roupas já incomodam, imagine o desconforto de uma pessoa com um bicho desses atrás da orelha. O gesto de coçar a orelha quando estamos desconfiados, a modo quando nela está alojado o incomodatício bichinho, pode ser uma das explicações para esta corriqueira expressão.

Na Espanha, se diz “tener la mosca detrás de la oreja”. Em Portugal, "estar com a pulga atrás da orelha" demonstra que alguém tem suspeita em relação a algo ou a outrem, que lhe deixa intranquilo. Lá como aqui, é comum alguém dizer: "fiquei com a pulga atrás da orelha depois de ouvir a conversa".

Na literatura brasileira, a expressão aparece em vários livros, os mais conhecidos o de Christiane Gribel e o de Ana Elisa Ribeiro. No primeiro, a autora explica de forma divertida, as muitas falas engraçadas que os adultos usam, dentre elas, "estar com a pulga atrás da orelha".  O segundo conta a história de um menino curioso, que adora perguntar tudo para todo mundo. 

Na música popular, a dupla Tenório & Praense incluíu em seu vasto repertório a música “Com a pulga atrás da orelha”, cuja letra é tão irreverente como a de outra composição deles, denominada “Fui chifrado na internet”... 

José Cornélio dos Santos, em seu livro “Lembranças de um Obidense” (edição do autor, 1994, pág. 26) narra com bom humor a sua atribulada trajetória de menino pobre do interior até se tornar um vitorioso empresário em Belém, descrevendo assim essa sensação de desconforto emocional: “Durante pouco mais de um ano, os nossos negócios cresceram e os invejosos não se conformavam com o nosso sucesso, até que um dia o dono do prédio onde tínhamos a mercearia, resolveu pedir o mesmo, alegando que precisava do imóvel para uso próprio. Notamos que havia “algo no ar” e o nosso negócio começou a estremecer e tirar o nosso ritmo”. Ele não disse explicitamente, mas deixou subentendido que a desconfiança fez com que a pulga desse sinal de vida, atrás da orelha do saudoso escritor.

Realmente, essa angústia é recorrente quando existe “algo no ar” que nos aflige. E há situações em que esse sentimento expectante se torna comum em humanos e animais. Por exemplo, quando o pastor alemão da policia, olhos atentos, faro apurado e “com a pulga coçando atrás da orelha”, passa a esquadrinhar as malas na esteira de bagagem dos aeroportos. Quando isso acontece, esse bichinho incômodo também se instala atrás da orelha de certos passageiros, principalmente daqueles que, dando uma de espertos, resolvem arrostar o perigo de transportar às escondidas, coisas que a lei não permite…
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Célio Simões de Souza é paraense, advogado, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho, escritor, professor, palestrante, poeta e memorialista. Membro da Academia Paraense de Letras, membro e ex-presidente da Academia Paraense de Letras Jurídicas, fundador e ex-vice-presidente da Academia Paraense de Jornalismo, fundador e ex-presidente da Academia Artística e Literária de Óbidos, membro da Academia Paraense Literária Interiorana e da Confraria Brasileira de Letras, em Maringá (PR). Foi juiz do TRE-PA, é sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, fundador e membro da União dos Juristas Católicos de Belém e membro titular do Instituto dos Advogados do Pará. Tem seis livros publicados e recebeu três prêmios literários.

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quarta-feira, 16 de abril de 2025

Célio Simões (O nosso português de cada dia) “Sangue de barata”

Dizemos que alguém que tem “Sangue de barata” quando a pessoa não reage a provocações ou situações desagradáveis, conseguindo ficar calma até nas horas mais difíceis. Trata-se de pessoa com "sangue frio", e olha que nem mesmo sangue essa bicha asquerosa tem.

É que a barata, assim como a maioria dos insetos, não tem sangue e sim possui um nauseabundo fluido chamado hemolinfa, que é transparente e não apresenta pigmentos. Dizem que o sangue é o condutor da nossa sensibilidade ao coração e assim, a pessoa com "sangue de barata" é fria e insensível, já que o inseto não possui o sangue "tradicional" que corre quente em nossas veias.

Dentro desse contexto, após agredir um torcedor, um jogador de futebol procurou justificar seu reprovável gesto dizendo que foi insultado antes e depois do jogo e dentro do esperado, reagiu: 

- “Ele ofendeu minha irmã e eu parti para cima dele, pois não tenho sangue de barata”. 

Natural de Caracaraí em Roraima, Marília Tavares iniciou na carreira artística ainda criança, com quatro anos de idade, quando cantava em eventos religiosos e culturais em sua cidade natal. Veja-se o trecho do texto poético de uma de suas canções, denominada justamente de “Sangue de Barata”:


Eu não consigo
Tampar a boca da minha raiva
Mandar o olho devolver a água
Pra ser plateia do meu ex-te-amo
Tem que ter sangue de barata.
Uma coisa que eu não tenho é sangue de barata, viu?

“Sangue de barata” inspirou também o nome de duas outras obras literárias, sendo uma de Sandra Paterno e outra de Martha Medeiros, demonstrando que essa expressão cultural fez parada na literatura e na música, assim nos meios eruditos e populares.

Sandra Paterno, natural de Ariranha (SP), escritora, gestora digital, psicopedagoga clínica e educacional, especialista em educação especial, pedagoga, compositora, palestrante e artista, imprimiu em seus muitos livros fortes ingredientes de psicologia e humor. 

“Sangue de Barata” é um dos livros dessa magnífica autora paulista que explora a psique de quem afirma não ter sangue de barata, daquele tipo de gente que não levam desaforo para casa. O livro busca desvendar as camadas ocultas da personalidade e guiar o leitor para o autoconhecimento. 

Diferente da cantora de Caracaraí (RR), famosa por “não ter sangue de barata”, a gaúcha Martha Medeiros, escritora, poeta e uma das melhores cronistas brasileiras, com mais de um milhão de exemplares vendidos, notabilizou-se pelo inverso. Esclarece que "Sangue de Barata" significa que a pessoa não reage quando é ofendida, age sempre marcada pela apatia, pelo “deixa pra lá”, sentimentos recorrentes nos apreciados textos da versátil autora. 

Em sua prestigiada coluna literária no GZH, Martha é coerente e confessa: "Quase tudo que conquistei na vida (desconte o exagero) foi por ter sangue de barata". Ela cita como exemplos a confiança no fato de que as pessoas cansarão se ela não der corda para suas maluquices, a sua compaixão por quem não tem condição de expandir-se, a calma diante de provocações, a tolerância com os desaforos, a paciência para aguardar e a espera da hora exata de cair fora. 

Portanto, quando nos referimos a alguém com “sangue de barata”, é o mesmo que dizer que a pessoa tem o sangue gelado, não age impulsivamente, não pega corda por qualquer coisa, não reage de bate pronto, não tem o tal pavio curto. 

No Lago Grande da Franca e em todo o Baixo Amazonas no Pará, um marmanjo desafiado para resolver uma diferença pessoal “no braço” e não reage, mesmo quando palavrosamente ofendido, é inapelavelmente rotulado de “indigno”, que no exemplo dado, não tem nada a ver com falta de dignidade pessoal e sim, com a falta de disposição para a luta corporal, haja vista que naquela vasta aba de mundo, assim como no Marajó, todo moleque briga desde a mais tenra idade. E é reputado “indigno” porque tem “sangue de barata”...

Nas danças da Desfeiteira que antigamente alegravam as várzeas do Arapucú, oeste paraense, a conhecida expressão não passou despercebida dos versejadores durante os bailes juninos, em que jocosamente provocavam suas damas, para delas receber, em cima da bucha, a merecida e irreverente resposta.

O cavalheiro:
Cabocla estúrdia e gostosa
desse jeito tu me mata,
te imploro, casa comigo,
não tenho sangue de barata...

A dama:   
Te enxerga pirento...
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Célio Simões de Souza é paraense, advogado, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho, escritor, professor, palestrante, poeta e memorialista. Membro da Academia Paraense de Letras, membro e ex-presidente da Academia Paraense de Letras Jurídicas, fundador e ex-vice-presidente da Academia Paraense de Jornalismo, fundador e ex-presidente da Academia Artística e Literária de Óbidos, membro da Academia Paraense Literária Interiorana e da Confraria Brasileira de Letras, em Maringá (PR). Foi juiz do TRE-PA, é sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, fundador e membro da União dos Juristas Católicos de Belém e membro titular do Instituto dos Advogados do Pará. Tem seis livros publicados e recebeu três prêmios literários.

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quarta-feira, 9 de abril de 2025

Célio Simões (O nosso português de cada dia) “Dia da mentira”


Você sabia que o peixe é o único animal que continua a crescer mesmo depois de morto? Então pergunte a qualquer pescador... Seguindo a tradição, nenhum pescador que se preze conta que pescou alguma coisa do tamanho exato que veio no anzol, na tarrafa ou na rede, porque sempre ele dirá que foi bem maior do que aquilo que realmente foi pescado. 

No Brasil, o primeiro registro do “Dia da mentira” foi há quase dois séculos, em 1828, quando o jornal mineiro curiosamente intitulado “A Mentira”, trouxe falsamente em sua primeira edição a notícia da morte de Dom Pedro I, justamente no dia 1º de abril. Descoberta a patranha, surgiu a afirmação de que "A mentira tem pernas curtas" ou, em sentido figurativo, a afirmação de que “É mais fácil pegar um mentiroso do que um coxo”. 

Embora possam ser danosas as consequências de uma história mendaz (falsa, mentirosa), no Dia da Mentira pessoas de todo o mundo brincam umas com as outras, pregando peças e contando balelas. Algumas antológicas, tanto que deram origem aos concursos de mentiras espalhados Brasil afora. 

Certame mundialmente famoso é o Festival da Mentira de Nova Bréscia, no Rio Grande do Sul, considerada a capital nacional da mentira, realizado a cada dois anos, em que atua uma banca julgadora integrada por jornalistas, publicitários, professores e coordenadores culturais, que escolhe a mentira vencedora, dentre as mais cabeludas que são contadas, premiando o vencedor com uma recompensa em dinheiro.

“Eu não gosto do mentiroso que mente para prejudicar os outros, eu gosto de mentiroso que mente por amor à arte”, dizia o impagável Ariano Suassuna, que tinha um verdadeiro repertório sobre a mentira e os mentirosos. Também na literatura brasileira, outro personagem se destaca. Mistura de poeta, escritor, folclorista, compositor, conferencista e contador de causos, Cornélio Pires arriscou um elenco de mentiras bem boladas.

Em um de seus vinte livros sobre a vida e os costumes da roça, contou sobre o pai de família que para festejar os 15 anos de sua filha mais velha, preparou um festão na qual a principal atração entre as fartas iguarias oferecidas aos convivas, estava um vistoso e caríssimo queijo suíço, que ele entretanto não permitiu que fosse cortado nem servido aos que compareceram justamente de olho nele. Todo mundo saiu com água na boca, desfrutaram da comilança que foi servida, mas foram impedidos de sequer provar o tal queijo, que pelo seu poder de atração de público, passou a ser alugado pelo dono para motivar com maciças presenças, todas as festas de 15 anos do lugar.

Outra assertiva é que “para mentir precisa ter boa memória” e disso sabem muito bem advogados, promotores e magistrados, pois nos interrogatórios judiciais as testemunhas às vezes distorcem os fatos e mais adiante, esquecidas do que disseram, acabam por revelar inteiramente a verdade caindo em notória contradição. 

Na música popular brasileira, no já distante ano de 1981, Erasmo Carlos nos brindou com “Pega na Mentira”, parece que feita sob medida para o dia 1.º de Abril, mas surpreendentemente atual, mesmo passados mais de 40 anos:

“Zico tá no Vasco, com Pelé
Minas importou do Rio, a maré
Beijei o beijoqueiro, na televisão
Acabou-se a inflação
Barato é o marido da barata
Amazônia preza a sua mata
Pega na mentira, pega na mentira
Corta o rabo dela, pisa em cima
Bate nela, pega na mentira (...)”

O escritor Jorge Fallorca, publicou em 1983 um livro de poucas páginas mas com um sugestivo nome: “Aqui se reúnem políticos, pescadores e outros mentirosos”. Cabia mais gente, claro, mas ele generosamente não deixou de fora os políticos...

Em sites e redes sociais, a mentira hoje se banalizou de tal forma que ninguém acredita de primeira em muitas notícias divulgadas, modernamente conhecidas como Fake News e que nos assolam e nos inquietam a todo minuto. Exemplo típico é recente falácia de que o Governo Federal passaria a cobrar impostos sobre as operações financeiras realizadas por Pix, sobre a compra de dólares e sobre os animais domésticos de estimação, o que, neste último caso, foge a qualquer lógica, de vez que os tutores provavelmente abandonariam seus vira-latas para se eximirem de mais um imposto, entre os tantos que já são pagos. Prova evidente que convivemos com a mentira todo dia o ano todo e não apenas em 1.º de abril, quando ela é tradicionalmente comemorada.

Lembro, a propósito, das ingênuas petas do saudoso mateiro e caçador apelidado de “Mata Onça”, caboclo da região quilombola do Mondongo no Baixo Amazonas, que desbravou o setentrião (norte) como membro da Comissão Demarcadora de Limites onde viveu mil peripécias, uma espécie de Pinóquio ribeirinho que costumava brindar seus ouvintes, sem que crescesse o seu achatado nariz, com mirabolantes pataratices (mentiras) urdidas por sua fértil imaginação, como certa pescaria que ele fez com um amigo, em que sofreram o contratempo de ter a tarrafa enroscada nos galhos submersos do rio, que tinha cerca de três metros de profundidade. O parceiro mergulhou para resgatar a tarrafa, passaram-se dez minutos e nem sinal dele retornar. 

Preocupado, nosso herói pulou na água para ver o que havia acontecido e chegando ao fundo, ficou perplexo ao encontrar seu parceiro calmamente sentado numa pedra consertando a tarrafa, que fora seriamente danificada com o engate. Esse divertido campeão da invencionice afirmava que aquele sujeito tinha um fôlego descomunal, capaz de aguentar mais uns quinze ou vinte minutos submerso, sem qualquer problema. E queria que a gente acreditasse...

Mais famoso que ele foi Pantaleão, inesquecível personagem do genial Chico Anysio no programa Chico City, humorístico que ficou no ar durante toda a década de 1970. No programa, Pantaleão era casado com Terta (interpretada pela atriz Suely May) e de pijama, barbas longas e brancas, cabelos grisalhos e usando óculos cuja lente escura cobria apenas o olho direito, contava suas façanhas se balançando numa cadeira, cada qual a mais inverossímil, alegrando-nos intensamente nas noites em que era exibido, com invejável índice no Ibope, deixando muitas saudade quando foi extinto.

Pela parte que me toca, depois dessas ternas e gostosas lembranças, preciso encerrar este texto por aqui, pois tenho que conferir, cédula por cédula, a polpuda grana que recebi hoje por ter acertado sozinho o último sorteio da mega sena acumulada. Não é verdade Terta?... 
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CÉLIO SIMÕES DE SOUZA é paraense, advogado, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho, escritor, professor, palestrante, poeta e memorialista. Membro da Academia Paraense de Letras, membro e ex-presidente da Academia Paraense de Letras Jurídicas, fundador e ex-vice-presidente da Academia Paraense de Jornalismo, fundador e ex-presidente da Academia Artística e Literária de Óbidos, membro da Academia Paraense Literária Interiorana e da Confraria Brasileira de Letras, em Maringá (PR). Foi juiz do TRE-PA, é sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, fundador e membro da União dos Juristas Católicos de Belém e membro titular do Instituto dos Advogados do Pará. Tem seis livros publicados e recebeu três prêmios literários.
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terça-feira, 25 de março de 2025

Célio Simões (O nosso português de cada dia) “Com as mãos abanando”

A origem mais aceita para essa expressão, remonta à vinda dos primeiros imigrantes para o Brasil, ainda no século XIX. Os fluxos imigratórios mais expressivos ocorreram nos séculos XIX e XX, entre o início do período republicano em 1889 até 1930, quando ingressaram no país principalmente portugueses, italianos, japoneses, alemães e povos árabes (sírios, turcos, egípcios, palestinos) representando mais de 3,5 milhões de estrangeiros, correspondendo a 65% do total de imigrados entre os anos de 1822 e 1960. 

É com razoável margem de certeza que a expressão “COM AS MÃOS ABANANDO” surgiu e se consagrou no linguajar do povo no contexto do crescimento da cafeicultura brasileira, justamente a partir do início do século XIX e desde então, ganhou novos significados, pois ela é comum em vários contextos de comunicação no Brasil, embora tenha passado por mudanças de significado, acumulando sentidos que podem ser aplicados em diferentes situações. Porém, na maioria das vezes em que é empregada, o resultado final está diretamente ligado às mãos vazias de determinada pessoa.

Esse considerável contingente humano costumava trazer em sua parca bagagem, apenas as ferramentas que em sua terra natal utilizavam para o amanho (cultivo) da terra, como ancinhos, alfanjes, machados, facões e enxadas, acreditando que portar uma dessas ferramentas tornaria induvidosa sua disposição para o trabalho, evidenciando a profissão e as habilidades de cada qual, viabilizando assim possível contratação pelo patronato rural brasileiro. 

Em contrapartida, chegar de mãos vazias, ou “com as mãos abanando”, indicava não só a falta de um ofício ou profissão, como a possível ausência de versatilidade para o exercício dos trabalhos manuais, numa visão estereotipada de pessoa com pouca disposição para encarar o batente. 

Outra hipótese para a origem do termo aparece em dicionários anteriores à imigração europeia para o Brasil. Em Portugal, ainda nos idos de 1789, “abanar” era usada com o sentido de “andar ao léu” ou “viver sem amparo”.

Entre nós, há muito tempo essa conhecida expressão também passou a indicar outros contextos literais de mãos vazias. Quando alguém chega numa festa sem levar presentes ou sem trazer contribuições num evento em que isso era de responsabilidade de todos, pode-se dizer que o fulano chegou “com as mãos abananando”. Ir em aniversários “de mãos abanando”, sem levar um presente, demonstra que o conviva compareceu apenas para forrar o panduro, tirar a barriga da miséria ou deleitar-se com as iguarias ofertadas pelo anfitrião. 

O mesmo se diz dos mancebos desprovidos de bens que desposam mulheres afortunadas, sem minimamente levar para a sociedade conjugal nada de valor, motivando a jocosa afirmação de que o dito cujo não constituiu matrimônio e sim, patrimônio... 

As expressões idiomáticas são frases conotativas amplamente conhecidas. Elas servem para expressar diversas ideias, como otimismo, cautela, crítica etc. Seu uso depende do contexto de fala ou de escrita, dado o seu caráter popular. Têm origem em fatos e personagens cotidianos ou históricos, mas sem elas, decididamente o idioma se descaracteriza. Configuram um fenômeno linguístico que consiste em frases de sentido figurado e fazem parte da cultura popular. Portanto, são expressões convencionais, de uso corrente no linguajar do povo, sendo desconhecida ou incerta a origem de muitas delas. 

Mas não se confundem elas com os chamados “ditados populares”, pois esses invariavelmente expressam um valor moral, sob a forma de uma mensagem subjacente. “A PRESSA É INIMIGA DA PERFEIÇÃO”, por exemplo, não diz claramente, porém sugere que é necessário ter paciência, que se deve fazer as coisas devagar, sem precipitações ou afobações, para alcançar os objetivos perseguidos. Coitado do porco, que não observou esse precioso aviso... 

Pode-se dizer que as expressões idiomáticas surgem da cultura popular e ao mesmo tempo a fomentam, constituindo uma interveniência que liga o passado ao presente (infelizmente, algumas expressões desaparecem), pois a cultura é e será sempre um processo resultante da atividade humana, desenvolvida com o intuito de educar a mente e o espírito. Os idiomatismos são vitais para a comunicação entre as pessoas, pois expressam experiências pessoais de uma maneira peculiar, além de revelar as identidades, o modo de pensar, de agir e de ver o mundo dos indivíduos e de sua época. 

Sem poder, sem dinheiro, sem nada para oferecer. A propósito, quando o atleta participa de uma competição e não logra vitórias, se diz que saiu da porfia “com mãos abanando”, sem medalhas ou troféus. Há times de futebol igualmente contemplados com essa expressão mordaz, pois nada ganham nas competições esportivas em que estão empenhados. Participam delas, perdem sempre quase todos os jogos e saem de lá “com as mãos abanando”…
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CÉLIO SIMÕES DE SOUZA é paraense, advogado, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho, escritor, professor, palestrante, poeta e memorialista. Membro da Academia Paraense de Letras, membro e ex-presidente da Academia Paraense de Letras Jurídicas, fundador e ex-vice-presidente da Academia Paraense de Jornalismo, fundador e ex-presidente da Academia Artística e Literária de Óbidos, membro da Academia Paraense Literária Interiorana e da Confraria Brasileira de Letras, em Maringá (PR). Foi juiz do TRE-PA, é sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, fundador e membro da União dos Juristas Católicos de Belém e membro titular do Instituto dos Advogados do Pará. Tem seis livros publicados e recebeu três prêmios literários.
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quarta-feira, 12 de março de 2025

Célio Simões (O nosso português de cada dia) “Mão de Vaca”

A expressão idiomática MÃO-DE-VACA indica pessoa egoísta, extremamente apegada ao dinheiro e que faz de tudo para economizar até os centavos nas compras mais insignificantes. É também conhecido como avarento, sovina, unha de fome, miserável, agarrado, cobiçoso, forreta, cúpido ou casquinha. Tem origem no formato da pata da vaca, que é fechada como a mão do indivíduo pão-duro, que não admite gastar dinheiro nem que a “vaca tussa”. 

Tem o mesmo significado de “mão fechada” se refere especificamente a alguém que mesmo dispondo de recursos, não solta a grana, não gasta, se escora nos outros, não contribui com nada e por vezes atrasa ou não honra suas obrigações financeiras como taxas condominiais, mensalidades escolares, de clubes e associações, foge de despesas com festas, passa longe de restaurantes ou confraternizações entre amigos, das quais, quando raramente vai, sai sorrateiramente antes que peçam a conta.

Há uma ligeira diferença entre as expressões ser “muquirana” e “mão-de-vaca”. Enquanto aquela se refere a quem não gosta de emprestar dinheiro a terceiros, esta retrata o tipo miserável, mesquinho, forreta e pão-duro. Tal expressão ganhou até mesmo uma série na Discovery denominada “OS MÃOS DE VACA” narrando a saga de quatro famílias que chegam ao limite de vasculhar o lixo e reformar a casa com as próprias mãos para economizar, levando assim vida monástica, com o mínimo de desembolso ou sofisticação. 

A propósito, todo aglomerado humano tem os seus mão-de-vaca e sobre eles, contam-se episódios quase inacreditáveis, mercê de sua costumeira aversão a qualquer gasto, embora não dependam disso para viver. Ficou famoso entre familiares e vizinhos, o sujeito que tapava vários orifícios do chuveiro elétrico, para economizar na conta de energia elétrica. Mas há situações até histriônicas, que vão da alimentação à higiene pessoal, nenhuma despesa passando ilesa pelos que adotam artifícios até bizarros, contanto que resultem na economia de alguns trocados. 

Tem gente muito criativa concebendo métodos para não gastar, como aprender a reformar casa para não contratar pedreiro, consertar o carro para não chamar o mecânico e até arriscar levar choques reparando a fiação elétrica para não contratar eletricista. Outras situações, por hilárias, merecem registro. 

Na década de 60 as compras ainda eram feitas nas mercearias da esquina. Vizinho de uma delas, um conhecido forreta ia até lá comprar leite Ninho, àquela época ainda vendido em latas. Ele colocava de duas em duas latas nos pratos da balança e ficava observando qual delas era mais pesada que a outra. Repetia sistematicamente a experiência e só depois pagava e ia embora, levando a que lhe parecia conter alguns gramas a mais de leite que as outras.

A forretice dos “mão-de-vaca” inspirou um dos quadros mais engraçados na célebre Escolinha do Professor Raimundo, exibida na TV Globo até maio de 1995, programa criado por Chico Anysio e Haroldo Barbosa, reunindo um seleto grupo de humoristas, dentre os quais o comediante Marcos Plonka (26/09/1939 - 06/09/2011) que encarnava a personagem "Samuel Blaustein", comerciante avarento que usava o bordão “fazemos qualquer negócio”. Errava todas as respostas da arguição e quando recebia nota “zero” do professor, comemorava dizendo “mas antes zero na nota do que prejuízo na bolsa”.

Segundo a gozação popular, quando o rei Roberto Carlos compôs em 1978 o grande sucesso que foi “Café da Manhã”, na verdade tinha em mente um apaixonado “mão-de-vaca”, que em vez de presentear sua amada com uma sofisticada cesta de café da manhã, optou por algo bem mais barato, achando que apenas um café dava para os dois, que ainda ficou esfriando na mesa: 

AMANHÃ DE MANHÃ
VOU PEDIR O CAFÉ PARA NÓS DOIS
TE FAZER UM CARINHO E DEPOIS
TE ENVOLVER EM MEUS BRAÇOS

Fazendeiro afortunado, senhor de terras e gado, o Major Salustiano - oficial da antiga Guarda Nacional - no fastígio da borracha adquiriu uma imponente embarcação para visitar seus vastos seringais no alto Rio Purus e para se auto homenagear, resolveu batiza-lo com o seu próprio nome e sua patente militar, da qual muito se orgulhava. Porém, vítima de atávica sovinice, o mão-de-vaca mudou de ideia quando soube que o serviço de pintura era cobrado por cada letra desenhada no casco da embarcação. Depois de muita barganha com o pintor, de “MAJOR SALUSTIANO” o majestoso barco passou a se chamar simplesmente de “SALU”, obviamente bem mais barato para o dono. 

Episódios como esse evidenciam que os mão-de-vaca são facilmente identificáveis em quaisquer grupos sociais, pela psicótica aversão que tem a qualquer desembolso, mesmo quando o gasto se mostra absolutamente necessário, pois é sabido que eles jamais abrem a mão para nadar, dar adeus aos poucos amigos ou mesmo para cigana ler a sorte...
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CÉLIO SIMÕES DE SOUZA é paraense, advogado, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho, escritor, professor, palestrante, poeta e memorialista. Membro da Academia Paraense de Letras, membro e ex-presidente da Academia Paraense de Letras Jurídicas, fundador e ex-vice-presidente da Academia Paraense de Jornalismo, fundador e ex-presidente da Academia Artística e Literária de Óbidos, membro da Academia Paraense Literária Interiorana e da Confraria Brasileira de Letras. Foi juiz do TRE-PA, é sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, fundador e membro da União dos Juristas Católicos de Belém e membro titular do Instituto dos Advogados do Pará. Tem seis livros publicados e recebeu três prêmios literários.

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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

Célio Simões ("O nosso português de cada dia") "Sem eira nem beira"

 
“Eira” é um terreno de chão batido ou rusticamente cimentado onde, em Portugal, os grãos da colheita ficavam ao ar livre para secar. A palavra “eira” vem do latim "área", significando um espaço de terra batida, lajeada ou cimentada, próximo às casas, nas aldeias portuguesas, onde se malhavam, trilhavam, limpavam e secavam cereais. Depois da colheita, os cereais ficavam ao ar livre expostos ao sol, a fim de serem preparados para a alimentação ou para serem armazenados. Quem possuía uma eira era considerado proprietário e produtor, com terras, casa, bens, riqueza, poder e influência social.

E “beira” é a beirada da eira, é a aba da casa, aquela extensão do telhado que serve para proteger da chuva. Quando uma eira não tem beira, o vento leva os grãos e o proprietário suporta o prejuízo. Há regiões em que este ditado tem o mesmo significado, porém com outra e curiosa explicação. Qual seria? 

Antigamente, como dito acima, as casas dos cidadãos endinheirados tinham esse tipo de telhado triplo: a eira, a beira até mesmo a tribeira, como era chamada a sua parte mais alta. E como a camada pobre da população não tinha condições de fazer tal telhado, rebuscado e dispendioso, se limitavam a construir somente a “tribeira”, ficando, por conseguinte, "sem eira nem beira". 

Por aqui, a expressão surgiu no Brasil Colônia, em referência tanto ao estilo arquitetônico como à condição social das pessoas, incorporando-se à linguagem coloquial, pois até hoje se refere a quem é despido de bens materiais, posses ou dinheiro, que vive na condição de extrema pobreza.

Dizer que determinado indivíduo não tinha “eira nem beira”, significava e ainda significa ser ele economicamente carente, despido de patrimônio pessoal, que não tem onde cair morto, que alguns dizem que “não tem onde cair vivo”, porque morto ele cai em qualquer lugar... A rima contida na expressão tem forte conteúdo discriminatório, pois implícita e jocosamente evidencia a condição de grande parte da população do Brasil que infelizmente é muito pobre, daí ser prudente sua não utilização, mesmo que a título de gracejo.

Na música popular brasileira a expressão marcou presença no DVD “PRA TOMAR CACHAÇA”, do cantor, músico e compositor “Luan Estilizado”, ritmo brega forte e marcante, de sugestiva letra:

“Perdeu o seu cobertor
Não tem mais seu lugar
Tá do lado de fora do meu coração.
Tá no frio e não tem fogueira
No relento, sem eira e nem beira
Sem meus braços pra te aquecer
Sem ninguém pra ficar com você (...)”

O sacerdote, evangelizador, escritor, poeta, compositor e cantor brasileiro, José Fernandes de Oliveira, nacionalmente conhecido como Padre Zezinho, um dos maiores nomes da nossa música cristã, atualmente com mais de três mil músicas em seu extenso repertório, também utilizou a expressão vinda de Portugal em uma de suas composições, que ele denominou “SEM EIRA NEM BEIRA”, cujo texto poético alude à vida despojada de Jesus Cristo: 

“José trabalhava na carpintaria,
cuidando zeloso da sua Maria.
Maria esperava chegar sua hora,
no ventre levava seu filho e Senhor.
Mas eis que um decreto os arranca do teto
que foi testemunha do mais puro amor.
E assim foi que antes de haveres nascido,
te vistes banido pelo imperador.
Por longas estradas que ainda não vias,
sem eira nem beira calado seguias (...)”.

Na literatura, o escritor Jorge Menezes lançou o livro “SEM EIRA, NEM BEIRA” (Editora Jorge Menezes, 92 páginas, ano 2020), no qual, em um momento de fantasia, a personagem Antônio lembra de seu passado, invocando momentos de sua via, tanto os bons, como aqueles marcados pela carência de quem nada tinha para chamar de seu.

Outra escritora, Efigênia Zeferina Costa, também nos legou o excelente livro “MINHA INFÂNCIA SEM EIRA NEM BEIRA” (Editora Efigênia Zeferina Costa, 75 páginas, ano 2020) em que narra com leveza, sem mágoas e de maneira quase poética, as vicissitudes de sua infância e a vida social transcorridas na primeira metade do Século XX em Itapecerica, minúsculo vilarejo no interior de Minas Gerais (hoje município), incursionando numa seara modestamente explorada na literatura, mas com relevante papel na cultura brasileira. 

Pode-se dizer que a expressão “SEM EIRA NEM BEIRA” deixou sua marca indelével na poesia, na música, na literatura, nas rodas de conversas em família ou entre amigos, tantas foram as obras que dela se ocuparam desde que aqui chegou de caravela com os portugueses, e de tão utilizada que continua sendo, acabou “dando panos pras mangas”. Opa! Sem querer, acabamos de mencionar outra expressão idiomática do nosso linguajar de cada dia, que bem poderá vir á lume numa terça-feira qualquer...
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CÉLIO SIMÕES DE SOUZA é paraense, advogado, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho, escritor, professor, palestrante, poeta e memorialista. Membro da Academia Paraense de Letras, membro e ex-presidente da Academia Paraense de Letras Jurídicas, fundador e ex-vice-presidente da Academia Paraense de Jornalismo, fundador e ex-presidente da Academia Artística e Literária de Óbidos, membro da Academia Paraense Literária Interiorana e da Confraria Brasileira de Letras, em Maringá (PR). Foi juiz do TRE-PA, é sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, fundador e membro da União dos Juristas Católicos de Belém e membro titular do Instituto dos Advogados do Pará. Tem seis livros publicados e recebeu três prêmios literários.

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quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Célio Simões (O nosso português de cada dia) “Casa da Mãe Joana”

A conhecida expressão "Casa da Mãe Joana", usada quando se quer evidenciar um ambiente marcado pela permissividade, daqueles onde se entra e sai sem controle, todo mundo manda e ninguém obedece, espécie de babel sem qualquer organização, carente de regras mínimas de convivência civilizada. Hodiernamente, trata-se de um local onde todos fazem o que bem entendem, em ambientes presenciais ou virtuais, como acontece, neste último caso, com certos grupos de WhatsApp, com suas postagens repetitivas e impertinentes, sem qualquer interesse para os demais que dele fazem parte.  

A expressão remonta à época de Joana I, rainha de Nápoles e Condessa de Provença (que viveu de 1326 até 1382, quando morreu assassinada), uma jovem linda, inteligente, endinheirada e com atitudes à frente de seu tempo, pois bancava do próprio bolso, boêmios, artistas e intelectuais, dos quais se arvorou ser uma espécie de protetora. Joana levou uma vida desregrada, vivendo de forma conturbada, tanto que foi uma das protagonistas da trama envolvendo o rei francês Felipe IV, que resolveu impor tributos aos bens da Igreja, que a ela também pertenciam - e por esse motivo foi excomungado pelo papa Bonifácio VIII.

Na flor da idade, ao completar seus 21 anos em 1347, Joana I achou por bem normatizar o funcionamento dos bordéis da cidade Avignon, onde vivia refugiada por ter sido acusada de participação no assassinato do seu marido, tendo criado regras para impedir que frequentadores violentos agredissem as prostitutas ou saíssem sem pagá-las. E num desses decretos, foi determinado que os prostíbulos deveriam ter uma porta única, por onde todos poderiam entrar sem pagar ingresso e sair quando quisessem. Tais locais de tolerância no país vizinho passaram a ser conhecidos também em Portugal com o nome de “Paço da Mãe Joana”, deixando claro o sentido afetivo concebido na cidade francesa, de pousada acolhedora e receptiva a qualquer um. 

Sua ousada iniciativa lhe rendeu a pena de exílio imposta pela Igreja, inconformada, em tempos de costumes tão austeros, com a vida publicamente permissiva que Joana I levava, demonstrando seu desprezo às convenções sociais de então, conduta que ela provocativamente nunca deixou de ostentar, até quando, em 1382, foi assassinada por seu sobrinho Carlos, movido pela cobiça de sua herança. Mesmo após a sua morte, seus feitos em Avignon continuaram na boca do povo, onde ela era tida, vista e considerada como  protetora dos seus prostíbulos e das suas meretrizes.

Daquela retrógada Portugal do século XIV, o “Paço da Mãe Joana” chegou naturalmente ao Brasil, só que ligeiramente modificado, pois sendo a palavra “paço” pouco usual, por força da praticidade foi aos poucos sendo substituída por “casa”, consagrando-se assim a expressão “Casa da Mãe Joana” em definitivo, representativa de um lugar onde cada qual faz o que bem entende, sem respeitar nenhuma convenção social, uma casa onde impera a bagunça, o hedonismo, o desregramento, a farra sem limites e a pândega. De tão utilizada na linguagem cotidiana, ganhou até música interpretada pela saudosa cantora Marília Mendonça, com que lhe atribuiu esse mesmo título: 

“Meu coração 
não é Casa da Mãe Joana
pra você bagunçar igual
cê faz na minha cama
respeita quem te ama
cê acha que me ilude
ou vaza ou me assume” (...)

Em 2008, referida expressão idiomática batizou uma comédia de sucesso (da Globo Filmes) sob a direção de Hugo Carvana com um elenco espetacular, integrado pela nata do humor e da dramaturgia brasileira, como José Wilker, Agildo Ribeiro, Juliana Paes, Pedro Cardoso, Laura Cardoso, Mièle, Cláudio Marzo, Paulo Betti, Arlete Salles e Malú Mader, abordando situações inusitadas, com suspense e muita expectativa. Traduzido para o espanhol como “La Casa de la Madre Joana”, o filme conta a história de três amigos de longa data que dividem um amplo e velho apartamento de classe média, do qual precisam sair por dívida hipotecária, impasse cuja pretensa solução ocorreu do modo mais atabalhoado possível. 

No Brasil existem dezenas de lanchonetes, pizzarias, "fast-foods", dançarás, pousadas e mafuás ostentando em suas fachadas essa famosa expressão idiomática, como ponto de referência para deleite da população local. 

Dentre eles, uma acanhada baiúca numa cidade da região do nordeste paraense, inaugurada há alguns anos com o tosco nome de “Bucho Cheio”, que mudou mais tarde para “O Moscão” (enfatizando sua falta de compromisso com a higiene) e finalmente passou a se chamar de “Casa da Mãe Joana” talvez por coerência pois lá, dezenas de pescadores se reúnem nos finais de semana para comer e encher a cara, quando correm soltos os jogos de purinha e o bilharito, as piadas indecentes, a troca de sopapos pelas rivalidades no futebol, as fofocas generalizadas, sendo que ao fim e ao cabo, a exemplo de Avignon, ninguém é impedido de sair mesmo deixando as contas penduradas, que são quitadas somente na semana seguinte, isso quando a sorte torna a pescaria farta e altamente promissora para todos eles...
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CÉLIO SIMÕES DE SOUZA é paraense, advogado, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho, escritor, professor, palestrante, poeta e memorialista. Membro da Academia Paraense de Letras, membro e ex-presidente da Academia Paraense de Letras Jurídicas, fundador e ex-vice-presidente da Academia Paraense de Jornalismo, fundador e ex-presidente da Academia Artística e Literária de Óbidos, membro da Academia Paraense Literária Interiorana e da Confraria Brasileira de Letras, em Maringá (PR). Foi juiz do TRE-PA, é sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, fundador e membro da União dos Juristas Católicos de Belém e membro titular do Instituto dos Advogados do Pará. Tem seis livros publicados e recebeu três prêmios literários.

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quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Célio Simões (O nosso português de cada dia) “Chato de galocha”

É o famigerado “mala sem alça”, “dose pra elefante”, “dose pra cavalo”, que não tem “simancol”, termo popular utilizado quando alguém não se toca, não se manca, não percebe que está sendo impertinente, inconveniente, sem senso se oportunidade, de comportamento social desagradável, que se insinua sem ser chamado, é repetitivo, insiste em assuntos desinteressantes ou que só a ele interessam e por isso todo mundo dele quer distância.

O pior é que esse tipo de pessoa, independentemente do nível de escolaridade, nem se dá conta de quão inconveniente é. Os “CHATOS DE GALOCHA” tem um status mais elevado na escala mundial da chatice, formam uma categoria especial, pois de tão inoportunos, conseguem chatear o chato, dizem anedoticamente que chegam a dar dor de dente em serrote.

Quanto à origem da expressão, acredita-se que ela tenha surgido em meados da década de 50, quando o uso de galochas era um costume típico entre homens e mulheres. Galochas são botas usadas para proteger os pés do contato com a água, preservando-os da umidade, principalmente durante o inverno, onde prevalecem ambientes alagados e de muita lama. São feitas de material muito resistente, normalmente de borracha sintética e são calçadas por cima dos sapatos normais, servindo-lhes de proteção e mantendo os pés aquecidos.

A expressão se firmou porque, durante o período invernoso, antigamente o indigesto cidadão calçava suas galochas e entrava na residência de pessoas conhecidas, emporcalhando a casa do anfitrião, que naturalmente achava aquilo um despautério, porém ficava inibido de esboçar qualquer reclamação, em razão do vínculo de amizade, compadrio, vizinhança, relação de negócios ou de parentesco que geralmente existia entre a vítima e o chato. Quando finalmente iam embora, seguia-se a faina da família para a limpeza, não sem muitos impropérios contra o abominável visitante.

Atualmente, a expressão continua sendo usada para descrever pessoas com especial talento para aporrinhar a paciência alheia, encher o saco, mesmo que hoje não mais usem galochas, cada vez mais raras de serem vistas, por terem caído em franco desuso, sendo substituídas pela bota de plástico em PVC, largamente utilizada nas obras da construção civil, postos de gasolina, lojas de autopeças, agroindústrias, atividades agrícolas, pesca, etc. 

É muito difícil para alguém nunca ter encontrado esse tipo irritante de pessoa ou dela ter sido eventual vítima predileta. Em qualquer situação, “CHATO DE GALOCHA” é uma expressão idiomática muito usada entre os brasileiros para descrever uma pessoa inconveniente, irritante, pegajosa e que se comporta de forma inapropriada, constrangendo os demais presentes ou convidados.

Ouve-se, comumente desabafos do tipo: “fulano é um chato de galochas, não deixa ninguém falar”. Ou, “o meu dia até que estava ótimo até aquele chato de galochas infelizmente aparecer”. E ainda situações marcadas pelo radicalismo: “eu não vou sair com vocês hoje, porque o sicrano vai e ele é um chato de galochas, vai estragar a nossa noite”.

A verdade é que gente chata costuma ter algumas características em comum, por isso são facilmente identificáveis e a partir daí, abertamente evitadas. São polêmicas, raivosas, reclamam de tudo, insistentes, rudes, manipuladoras, sarcásticas, rancorosas e parecem padecer de uma deficiência que se torna o denominador comum entre todas elas: – nunca percebem que são chatas. 

Um traço importante da personalidade desses indivíduos é que eles costumam discordar de tudo, não possuem sendo de humor, são mesmo “do contra”. É evidente que a percepção da chatice tem nítidas consequências sociais, afetando a cordialidade que as pessoas devem merecer em circunstâncias normais de convívio social e de relações interpessoais. 

Conta-se que um conhecido e notório “CHATO DE GALOCHA” de uma pequena cidade ribeirinha, daqueles que entra numa conversa para ter o prazer de discordar e ser contrário à opinião da maioria, ao fazer a travessia de barco para a margem oposta enfrentou uma ventania, naufragou e pereceu afogado.

Vários dias foram gastos pelas equipes de resgate, que vasculharam rio abaixo atrás do corpo e nada encontraram. Até que alguém lembrou que ele passara a vida sendo contra tudo, mesmo aquelas iniciativas mais louváveis dos amigos eram por ele contestadas. E a partir desse “estalo” passaram a procurar o corpo do náufrago rio acima, onde ele finalmente foi encontrado. Ou seja, fiel à sua própria chatice, até depois de morto seu corpo deslocou-se contra a correnteza...  
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Célio Simões de Souza é paraense, advogado, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho, escritor, professor, palestrante, poeta e memorialista. Membro da Academia Paraense de Letras, membro e ex-presidente da Academia Paraense de Letras Jurídicas, fundador e ex-vice-presidente da Academia Paraense de Jornalismo, fundador e ex-presidente da Academia Artística e Literária de Óbidos, membro da Academia Paraense Literária Interiorana e da Confraria Brasileira de Letras, em Maringá (PR). Foi juiz do TRE-PA, é sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, fundador e membro da União dos Juristas Católicos de Belém e membro titular do Instituto dos Advogados do Pará. Tem seis livros publicados e recebeu três prêmios literários.

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