sábado, 12 de junho de 2010

Emilio Germani (O Velho)


Sol poente, crepúsculo calmo e sereno,
Na varanda em sua cadeira de balanço sentado,
Cabelos brancos, olhar perdido no horizonte pleno,
O velho sozinho meditava com seus botões, calado.

Pensando nas ansiedades da juventude,
As rocambolescas idéias de melhorar o mundo,
Voar às alturas com sentimentos de virtude,
Amizade, tolerância, coragem e valor fecundo.

Aprendera na rude escola da vida a peleja
De abominar a injustiça como uma meta;
Quis distância do ódio, do orgulho e da inveja,
Sempre pelo caminho mais curto, a linha reta.

Depois da labuta de uma vida quase consumida,
Remédios contínuos, ouvidos curtos, visão menos clara,
Dentes de pôr e tirar e energia reduzida,
Meditou que a crise moral no mundo piorara.

De repente uma luz interior o iluminou,
Levantou o rosto sulcado pelo tempo;
Lembrando das venturas que teve, acordou,
Na alegria da linda família que criou.
Seu tristonho semblante se iluminou.

Apareceu diante dele a visão de uma figura radiante,
Cheia de doçura, recordações, conforte e bondade,
Companheira daquele que não tem acompanhante,
O velho lagrimoso a reconheceu: era a Saudade!
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Fonte:
Emílio Germani. Folhas Esparsas: ensaios, poesias. Maringá: Edição do Autor, 2009.
Foto = por Gi Pinto, disponível em http://olhares.aeiou.pt/

Simpósio Afro-Cultura, Literatura e Educação, em Frederico Westphalen/RS



A Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - URI, Campus de Frederico Westphalen convida:

O Departamento de Lingüística Letras e Artes e o PPGL- Mestrado em Letras- Literatura Comparada da URI de Frederico Westphalen, RS, promovem, de 18-20 de agosto de 2010, o Simpósio Afro-Cultura, Literatura e Educação. O Simpósio é um evento paralelo do Curso de Extensão Novos Olhares, evento anual através do qual o Curso de Letras e o PPGL buscam despertar, tanto na comunidade acadêmica como no público em geral, o interesse quanto a autores, obras e seus mecanismos de circulação e recepção. No ano corrente, o Curso de Extensão Novos Olhares tem como temática Afro-Culturas e Literaturas Africanas.

O Simpósio Afro-Cultura, Literatura e Educação tem caráter multidisciplinar e destina-se a estudar as relações entre conhecimento, discurso e poder, especialmente no âmbito das expressões de minorias, com destaque para a produção literária e cultural da diáspora africana.

EIXOS TEMÁTICOS

- conhecimento, discurso e poder;

- educação e inclusão;

- identidade, nacionalidade, cultura;

- literatura e ensino;

- literatura e etnicidade;

- literatura e cultura da diáspora africana;

- expressões literárias de minorias e margens da história.

INSCRIÇÕES NO SITE:
http://www.fw.uri.br/site/eventos/index.php?evento=76&pg=inscricoes

APRESENTADOR (Comunicações e/ou Pôsteres): de 1 de junho a 9 de agosto de 2010.

PARTICIPANTE: de 1 de junho a 18 de agosto de 2010.

Certificados de 30 horas (freqüência mínima para expedição do certificado: 75%)

Vagas limitadas a 100.

PROGRAMAÇÃO

18/08/2010

8h-10h - Recepção aos Participantes, distribuição de pastas
10h-11h30min - Sessão de Comunicação
14h-17h - Sessão de comunicação
18h-Sarau Literário
19h – Conferência de abertura "O Ébano e o Marfim" – Prof. Ms. Giancarlo Cerutti Panosso

19/08/2010

8h-12h – Minicurso: Língua, Literatura, Etnicidade e Educação - Maria da Conceição Evaristo de Brito
13h30min-17h30min – Minicurso - Continuação
19h30min – Conferência: Literatura e Educação Segundo uma Perspectiva Afro-Brasileira - Maria da Conceição Evaristo de Brito

20/08/2010

8h-12h – Minicurso - Continuação
12h30min – Almoço por adesão
14h - Entrega dos certificados aos participantes.
Minicurso - Língua, Literatura, Etnicidade e Educação - Maria da Conceição Evaristo de Brito (12h)

Objetivos:

- Discutir a relação língua, literatura e etnicidade tendo como perspectiva a educação;

- Visibilizar parte de uma produção literária afro-brasileira.

- Propor o ensino/aprendizagem da literatura afro-brasileira como prática pedagógica que propicie a assunção de uma identidade afro-brasileira.

- Propiciar a discussão de ações pedagógicas que possam levar a uma educação que rejeite qualquer tipo de discriminação.

Ementa: Procurando problematizar a literatura como espaço de criação de identidade e de diferença, serão observados modos de representação do negro e da cultura afro-brasileira no interior de textos literários.

Tópicos: - Linguagem e poder; - O negro como objeto do discurso; - O negro como sujeito do discurso; - Vozes quilombolas na literatura brasileira; - Poética da irmandade – algumas aproximações entre criações literárias africanas e afro-brasileiras.

NORMAS

COMUNICAÇÕES

1. A proposta deverá estar articulada a um dos eixos temáticos do evento.

2. A organização e distribuição das sessões de apresentação dos trabalhos aprovados ficará a critério da Comissão Organizadora.

3. Os trabalhos individuais ou em grupo (máximo três autores) deverão ser resultantes de pesquisas concluídas ou de pesquisas em andamento que já apresentem análises preliminares.

4. Cada trabalho deve ser acompanhado do texto completo com um mínimo de cinco (05) páginas e um máximo de oito (08) páginas, excetuando-se as referências e os anexos. O texto poderá ser enviado juntamente com a inscrição, ou, alternativamente, preencher no momento da inscrição apenas o título, palavras-chave e resumo e entregar o texto em CD no dia da apresentação. Neste último caso, quando o sistema pedir o arquivo do trabalho, enviar arquivo dizendo: TRABALHO A SER ENTREGUE NO DIA DA APRESENTAÇÃO.

Formatação do Trabalho:

Os trabalhos submetidos deverão seguir a formatação abaixo:

Língua: português, espanhol ou inglês.
Folha: tamanho A4; Margens: superior- 3 cm; inferior- 2 cm; esquerda- 3 cm; direita- 2 cm.
Fonte: Times New Roman, tamanho 12
Editor de texto: Word for Windows 6.0 ou posterior.
Parágrafo: espaçamento: nenhum; entre linhas: 1,5; alinhamento justificado.
Citações e referências: seguir normas da ABNT. Citações parentéticas no corpo do texto. Notas de fim, apenas explicativas.
Número de páginas: mínimo de cinco (05) páginas e um máximo de oito (08) páginas, excetuando-se as referências e os anexos.
Disposição do texto: Somente serão aceitos para publicação artigos com o formato descrito abaixo:
Título e identificação do autor: título centralizado, em negrito; linha em branco; nome do autor, à direita, em negrito, acompanhado de chamada numérica para nota de rodapé contendo sua titulação e filiação institucional.
Linha em branco.
Resumo e palavras-chave: resumo de 100-150 palavras, em português (ou Resumen, Abstract caso escritos em, respectivamente, espanhol ou inglês), seguido de 3-5 palavras-chave (Keywords/Palabras Clave), separadas por ponto, e iniciadas por maiúscula, na língua em que o artigo foi escrito. Digitado em espaço simples.
Linha em branco.
Corpo do artigo
Linha em branco
Abstract/Resumen
, seguido de Keywords/Palabras Clave (3-5 palavras, separadas por ponto, e iniciadas por maiúscula).
Notas de fim ( se houver)
Referências

PÔSTERES

1. O pôster deverá estar articulado a um dos eixos temáticos do evento.

2. Os trabalhos individuais ou em grupo (máximo três autores) deverão ser resultantes de pesquisas concluídas ou de pesquisas em andamento que já apresentem análises preliminares.

3. A apresentação gráfica dos pôsteres deverá conter os seguintes itens: título, nome(s) do(s) expositor(es) e da Instituição a que está vinculado, objetivos, metodologia, contribuições da pesquisa ou da experiência com resultados ou considerações preliminares, referências, (fotos e tabelas se houver). A medida proposta é de 1,00m de largura por 1,20m de comprimento.

ANAIS DO SIMPÓSIO

Todos os trabalhos serão publicados em e-livro, devidamente registrado no ISBN, a ser publicado em setembro de 2010.

A correção e formatação do texto de acordo com as normas acima é de responsabilidade dos autores.

INSCRIÇÃO
Apresentador – Comunicação e Pôster .........................R$ 50,00
Apresentador – Comunicação e Pôster (da URI) ........R$ 45,00
Apresentador – Comunicações .......................................R$ 45,00
Apresentador – Comunicações (da URI) ......................R$ 40,00
Apresentador – Pôster ....................................................R$ 45,00
Apresentador – Pôster (da URI) ...................................R$ 40,00
Ouvintes ............................................................................R$ 35,00
Ouvintes (Alunos URI/ Inscrito Novos Olhares) ........R$ 30,00

CONTATO E INFORMAÇÕES: http://www.fw.uri.br/site/eventos/?evento=76

Fone: 55 3744 9285 – 55 3744 9231 – 55 3744 9243; Fax: 55 3744 9265
E-mail: mestradoletrasurifw@gmail.com , novosolhares@fw.uri.br

Secretaria do Mestrado em Letras
Rua Assis Brasil, 709 - CEP: 98400-000
Frederico Westphalen, RS
--
Denise Almeida Silva - Coordenadora do Curso de Mestrado em Letras
Magali de Pellegrin Reinheimer - Secretária do Curso de Mestrado em Letras
URI - Campus de Frederico Westphalen

Fonte:
Delasnieve Daspet

A. A. de Assis (A Língua da Gente) Parte 22


21. Defeitos de estilo (IV)

VERBORRAGIA (logorreia, palavras inúteis, prolixidade, tagarelice) – Uma das boas normas da etiqueta é a que nos recomenda poupar o tempo alheio. Falando ou escrevendo, é ótimo hábito concentrar no mínimo de palavras aquilo que se quer dizer.


Em vez de “aos 22 dias do mês de maio do ano de 1999, na cidade de Maringá, estado Paraná...”, basta dizer “a 22 de maio de 1999, em Maringá – PR...”


Em vez de “chefe do executivo municipal”, basta dizer “prefeito”. Em vez de “capital do estado do Paraná”, basta dizer “capital do estado”, “capital do Paraná”, ou simplesmente “Curitiba”.


Em vez de “Através do presente instrumento, venho solicitar a Vossa Senhoria a especial gentileza de remeter-me dois exemplares do livro Os lusíadas, de autoria do escritor português Luís Vaz de Camões”, é muito mais prático escrever assim: “Solicito-lhe a remessa de dois exemplares de Os lusíadas”.


Há uma piadinha que em diferentes versões costuma circular nas redações de jornais. O aprendiz de repórter apresentou este belo texto: “O ilustre e inimitável pianista foi atentamente observado e entusiasticamente aplaudido pela seleta, elegante e empolgada plateia que superlotava o amplo e confortável teatro”. O editor “enxugou” os adjetivos e outras palavras supérfluas. Veja o que sobrou: “O pianista foi entusiasticamente aplaudido”. O “entusiasticamente” foi mantido para não desestimular o rapaz...

INCOERÊNCIA – Sempre é útil reler cuidadosamente o que escrevemos. Se possível, é bom pedir também que outra pessoa confira. Um “minuto de bobeira” é bastante para deixar escapar preciosidades como estas:

* “Meu pai nasceu num ranchinho de palmito, que ele construiu com as próprias mãos.” (Construiu o rancho antes de nascer?...)

* “Tão violenta foi a seca de 1905, que o capim chegou a crescer no leito estorricado dos antigos riachos. Assolou tudo, matou tudo.” (Se a seca matou tudo, como foi que o capim cresceu?...)

* “Para que a obra seja concluída no prazo previsto, as máquinas da prefeitura têm trabalhado dia e noite, com chuva ou com sol.” (Sol de noite?...)

GÍRIA – Em textos formais, é melhor evitar. Na linguagem coloquial, respeitadas as circunstâncias, nada contra; é até simpático descontrair um pouco o vocabulário. O inconveniente da gíria é que ela, na maioria dos casos, tem vida curta, sai logo de moda. Se você abusa da gíria, por exemplo, numa crônica, corre o risco de rever o texto após alguns meses e sentir enfado. Muitas delas, que em época recente fizeram grande sucesso, estão hoje inteiramente cafonizadas. Aliás, esse próprio cafona cafonizou: em lugar dele entrou o sinônimo brega (concorrendo com o velho jeca, que vira e mexe volta à crista da onda). Tudo joia, bicho, é uma brasa, morou, o fino, são algumas das muitas gírias que chegaram no sopro do vento e que em seguida o mesmo vento levou...
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Fonte:
A. A. de Assis. A Língua da Gente. Maringá: Edição do Autor, 2010

Folclore Frances (O Galo e o Rei)



Era uma vez uma mulher que tinha um galo. Ela era tão pobre que não pod¡a nem comprar uma galinha para fazer companhia a ele. Mas tratava multo bem o galo, preferindo passar fome a deixar de alimentá-lo.

Certo d¡a, quando ciscava pela rua, o galo achou uma bolsa repleta de moedas de ouro. "vou levar desse tesouro uma querida parte", pensou.

Mas, no caminho de casa, encontrou o re¡, que, ao ver a bolsa no seu bico, ordenou ao pajem:

- Apanhe já aquele galo para mim.

O pajem rapidamente pegou o galo e lhe arrancou a bolsa do bico, entregando-a ao re¡. O galo, furioso, disse consigo mesmo: "Amanhã irei até o palácio real. Tenho que recuperar a bolsa com o tesouro! Custe o que custar!".

No caminho para o palácio, o galo encontrou a raposa, que, ao saber do acontecido, se ofereceu para acompanhá-lo. Mas, pouco depois, a raposa sentiu-se cansada e o galo se propôs a carregá-la sob a asa.

O galo e a raposa iam pela estrada quando encontraram uma abelha.

- Aonde vão vocês? - ela quis saber.

Quando o galo e a raposa lhe contaram sobre a bolsa roubada pelo re¡, a abelha decidiu acompanhá-los. Mas logo se cansou de voar e pediu ao galo que a levasse debaixo de sua asa. Assim, o galo, a raposa e a abelha prosseguiram viagem até que chegaram a um riacho.

- Aonde vão vocês? - quis saber o riacho.

Quando lhe contaram sobre a bolsa roubada pelo re¡, o riacho decidiu acompanhá-los. No meio do caminho ele se cansou, e o galo o guardou debaixo da asa. Finalmente chegaram ao palácio.

- Vim recuperar a bolsa que Sua Majestade tirou de mim! declarou o galo.

- Amanhã eu a devolvo - disse o re¡, e mandou-o para o galinheiro.

Acontece que as galinhas do re¡ tinham recebido ordens para matá-lo a bicadas. Avançaram contra o pobre galo, mas ele pediu:

- Socorro, raposa!
A raposa saiu de sob a asa do galo e rapidamente comeu as galinhas.

Quando o re¡ viu que o galo tinha sobrevivido, ficou furioso e investiu contra ele para matá-lo com as próprias mãos. Mas o galo pediu:

- Socorro, dona abelha!

A abelha saiu picando o re¡, que, chamando seus lacaios, gritou:

- Matem esse galo!

E o galo pediu:

- Socorro, meu amigo riacho!

O riacho saiu de sob a asa do galo, inundou o palácio e salvou a vida dele.

O re¡ percebeu que havia perdido a parada. Devolveu a bolsa ao galo e o libertou.

O galo correu para sua dona e entregou-lhe o tesouro. E foi assim que uma mulher tão pobre, que não pod¡a nem comprar uma galinha, ficou multo rica com a ajuda de um galo que venceu um re¡ com a ajuda de uma abelha, uma raposa e um riacho!

Fontes:
http://www.esnips.com
Imagens = Galo: http://lucianotasso.blogspot.com e
Rei: http://contos.poesias.nom.br

Cássio Pantaleoni (As Falácias do Livro Digital)


Protagonistas da revolução digital como a Amazon e a Google estão investindo pesado nos dispositivos de leitura eletrônicos. A denominação comercial é o e-book – espécie de acrônimo derivado da expressão Eletronic Book ou, se preferirmos o bom português, “livro eletrônico” ou “livro digital”.

A Amazon demarca este mês de junho para a disponibilização dos primeiros dispositivos do Kindle DX, a nova versão do leitor eletrônico que pode se conectar a internet para permitir ao usuário o download de textos literários através da tecnologia wireless. Alguns afirmam ser este o novo paradigma que promete deslocar a obra escrita para longe do livro na forma com a qual estamos tão acostumados – o papel.

Já a Google, por sua vez, quer entrar no jogo e prepara-se para vender livros eletrônicos por meio de um sistema em que os editores possam definir o preço a ser cobrado dos consumidores por cada e-book. A ideia é competir com a Amazon no modelo de negócios conhecido como comércio eletrônico.

Evidentemente, os movimentos desses dois gigantes da era da internet aquecem o debate no setor editorial sobre como tirar proveito dos e-books sem prejudicar a comercialização de obras impressas, a exemplo das gravadoras que empenham laboriosos esforços no combate à pirataria de músicas. As editoras estão preocupadas com o que as gravadoras experimentaram no advento da música digital: incontáveis processos para combater os espaços de distribuição livre de músicas, ao mesmo tempo em que tentam lucrar com isso.

Os editores estão preocupados? O que dizer então dos autores de obras literárias? Acaso estes não deveriam nutrir maior preocupação que os editores? Embora revestidas de grande importância, estas não são as questões que me proponho a pontuar aqui. Antes disso, há uma interrogação fundamental: existe tal coisa denominada “livro digital”?

É incontestável que o mercado não se importa com a precisão dos conceitos. Antes, vale o apelo comercial, ou seja, a psicologia de consumo (ou para quem é versado, o buying behavior). Os pensadores do marketing sabem que descuidos conceituais possibilitam interpretações favoráveis ao fortalecimento das vendas, mesmo que ocasionalmente os benefícios imaginados não sejam concretizáveis. Mas o que isso tem em comum com o tema do “livro digital”?

Não faz muito tempo que testemunhamos um fenômeno de vendas – o IPod da Apple. Esse dispositivo de reprodução de música digital contagiou primeiramente os jovens e depois os consumidores de todas as idades. A razão é simples: não importa o nível cultural de uma pessoa, a música é, em grande medida, coisa de que todo o mundo gosta. Ela serve de adorno aos estados de humor enquanto nos distrai da passagem do tempo. A música digital é a democratização de um conteúdo que sensibiliza mesmo o mais primitivo dos espécimes humanos. O IPod é o repositório prático para ela, bem como outros tocadores de MP3 portáteis, pois nos livra dos acessórios que de nada servem senão para ocupar espaço.

O “livro digital” aposta em fenômeno semelhante, crendo nas tendências do mundo virtual para fabricar um novo sucesso de vendas, como o Kindle DX da Amazon (uma espécie de Ipod para textos escritos). Contudo, há uma diferença fundamental entre música digital e livro digital. Enquanto a música é um conteúdo, o livro é um objeto, uma mídia, o meio pelo qual se acessa o texto escrito. A mídia para escutar a música é o Ipod, o CD, o rádio, os já quase extintos discos de vinil. Mas imaginar uma mídia para o livro é um equívoco. A mídia deve prover acesso aos textos escritos, que podem ser veiculados através de mídias como jornais, revistas, blogs, muros da cidade, dispositivos eletrônicos de leitura e até mesmo, pasmem, livros! Isso confere uma diferença brutal entre música digital e livro digital. É preciso compreender que a música não foi substituída por outra coisa senão a sua versão digital, e mesmo as mídias das músicas continuam aí, algumas mais usadas do que as outras. Mas no caso do livro, estamos tratando de outro objeto.

Se compreendermos essa distinção, então poderemos prever o modo como nos comportaremos diante da nova mídia. Por conta disso, ensaiei uma espécie de pesquisa rudimentar, visando identificar alguma preferência entre a nova mídia e a mídia impressa. Pergunto: o que você, enquanto leitor, prefere? Ter 1.500 livros ou 1.500 textos digitalizados? Aqueles para quem propus a questão não hesitaram: 1.500 livros! Diante dessa resposta é natural que se pergunte as razões dessa preferência. O curioso é que mesmo a geração acostumada ao mundo digital argumenta que ler um texto no computador ou na tela de um dispositivo eletrônico cansa! É comum observar que muitos mantêm a prática de imprimir aquilo que desejam ler com maior cuidado. As respostas obtidas reafirmam, em grande medida, a observação de Chris Anderson, editor-chefe da revista Wired. Anderson admite que a internet quebrou o modelo tradicional de distribuição física de músicas e que a mesma coisa está acontecendo agora com o mercado editorial, no entanto a popularidade do formato MP3 é acompanhada por uma rejeição do público aos CDs. "A diferença é que não há nada de errado com os livros", ele acrescenta.

As motivações do “livro digital” são crucialmente comerciais. A criação de um novo dispositivo (nova mídia), aproveitando o modismo da tecnologia, abre as portas para um novo mercado, mas em nenhuma hipótese esse dispositivo concede ao livro o caráter de objeto obsoleto. Não se pode falar do e-book como algo que promove a substituição indiscriminada do texto escrito. A mídia não substitui conteúdo – esta é a primeira das falácias.

Outro aspecto relevante é a experiência do leitor diante do objeto. Bastante apropriado é o exemplo da arte em pintura. A imagem digitalizada de um quadro não corresponde, em valor, ao quadro em si. A digitalização de um quadro apenas possibilita o acesso a uma idéia do quadro, em hipótese alguma corresponde à sensação que se tem ao estarmos diante da obra em si. Quando estive no Museo del Prado, em Madrid, por exemplo, eu já tinha uma boa idéia da obra “As Meninas”, do pintor espanhol Velasquez. Entretanto, ao me deparar com a obra em si, a experiência se deu de modo totalmente diverso. Constatei, no quadro original, detalhes que nem mesmo o processo de ampliação das imagens digitais me permitiu descobrir. A fotografia de um quadro não é o quadro, assim como a digitalização de um texto não corresponde ao livro impresso (edição). A edição do livro, o livro enquanto objeto, é algo cuja versão digital não é capaz de reproduzir, pois a textura do papel, a textura da capa, o esmero da encadernação, o cheiro do papel, o tamanho da obra, tudo isso (ainda) não é “digitalizável” (e será que um dia poderá ser?). O exemplo do quadro ilustra aquilo com o qual a música digital não conflita. A música é o objeto e suas exigências perceptivas estão restritas ao âmbito da audição. Há uma bela diferença entre as exigências perceptivas da audição e aquelas da visão. Mas isso remeteria para uma discussão adjacente que não pretendo incluir aqui.

Certo que devemos assumir que a nova mídia terá o seu espaço no mercado. Não há por que resistir às mudanças proporcionadas pela tecnologia, sobretudo em tempos de avanços tão significativos. O que não podemos esquecer, contudo, é que os apelos comerciais associados a certas tecnologias nem sempre correspondem à realidade.

Diante da contestação que ora desenvolvo, muita contra-argumentação já foi preparada. Os argumentos em favor da nova mídia, entretanto, também gravitam em torno de falácias que passam despercebidas ao senso comum. Vejamos alguns exemplos:

1. O “livro digital” é mais ecologicamente correto que o livro impresso.

Concebida desde uma perspectiva que assume o desmatamento como processo irrecuperável, a premissa aposta que o consumo indiscriminado de insumos derivados das árvores – tais como o papel – macula o meio ambiente. O livro impresso consome papel, que por sua vez consome árvores, que por sua vez cumprem função importante no sistema ambiental. Evidentemente, não podemos deixar de admitir que a irresponsabilidade extrativista é uma realidade, contudo políticas e práticas de reflorestamento concedem reversibilidade à situação de abate das árvores. De outra sorte, os dispositivos de leitura digital também causam prejuízos ao meio ambiente, na medida em que operam através de baterias. Estes dispositivos eletroquímicos, quando em contato com a água e outros organismos vivos, produzem reações químicas que promovem uma cadeia de contaminação do meio ambiente. Para evitar isso, as baterias devem ser recicladas por entidades especializadas nesse procedimento. Ou seja, em ambos os casos os efeitos negativos são reais e precisam estar incluídos em práticas de reciclagem.

2. O “livro digital” é mais prático que o livro impresso.

Experimente ler um texto em qualquer dispositivo com tela de LCD ao ar livre em um dia claro e ensolarado. O desconforto é notório. A portabilidade do dispositivo é razoável. Não se pode esquecer ainda que os dispositivos necessitam ter suas baterias recarregadas regularmente. Contudo, nem este ou aquele aspecto é determinante na avaliação da praticidade de uma ou outra mídia. Precisamos prestar atenção é na experiência de leitura. Não conheço tecnologia capaz de repetir sem prejuízo a experiência de leitura do texto impresso.

3. O “livro digital” é capaz de simular certos recursos utilizados pelos leitores de textos impressos.

Bem, precisamos entender, de início, que recursos são esses. Alguns leitores costumam marcar trechos ou páginas, escrever comentários nas margens, voltar e avançar páginas rapidamente, segurar uma página enquanto leem outra e depois voltar para refinar o entendimento, acessar o índice remissivo etc. É bem verdade que os recursos dos dispositivos que permitem ler textos digitais assemelham-se àqueles usados no trato do livro impresso. A grande maioria desses “hábitos” dos leitores é simulável no dispositivo de leitura digital. Contudo, a experiência do livro tradicional vai muito além. Ela começa na livraria. Quando estamos diante das estantes, passando os olhos pelos títulos, observando capas, manuseando as páginas impressas, sentindo o peso do livro, muita coisa influencia a nossa decisão de ler o livro. E, enquanto o lemos e o marcamos com nossos comentários ou sublinhamos alguma passagem, deixamos um rastro de um momento de nossas vidas, como se fotografássemos as ideias de certa época. Isso sem falar na experiência de ser presenteado com um livro adornado por uma dedicatória. O próprio envelhecimento do livro promove a sua beleza, como o vinho. O sabor do livro envelhecido é totalmente diferente. Isso tudo pode soar como romantismo exagerado, mas observe que o dispositivo digital, devido a um mal funcionamento ou uma quebra inesperada, torna todo e qualquer texto armazenado em suas trilhas digitais apenas um texto. Não há rastro de vida em um texto digital. Há apenas o texto.

4. O “livro digital” promove a cultura na medida em que dá acesso a textos de grandes obras com preço mais acessível.

De todas as falácias, esta é a mais obtusa. O apelo da promoção cultural certamente não é, nem de longe, algo que possa ser emprestado à ideia do “livro digital”. Se você não ler o texto, para que serve tê-lo armazenado em um dispositivo de leitura eletrônico? Isso vale também para o livro impresso. Para promover a cultura, é necessário incentivar a leitura. O acesso às grandes obras já é possibilitado pelas bibliotecas físicas, tanto quanto algumas bibliotecas virtuais. Ler é o que promove a cultura.

É possível explorar dezenas de novas falácias associadas ao tema do “livro digital”. Contudo, não estamos dispostos a resistir ao advento de tecnologias ao modo de quem pretende a nostalgia dos velhos tempos. É inevitável que cada objeto cumpra a sua função na linha da história humana. O objeto livro e o objeto de leitura digital não concorrem entre si. O texto é sempre o mesmo, não importa a mídia onde ele reside. O que devemos desejar é que a boa leitura seja prática constante. Apenas para concluir, gostaria de fazer remissão à frase de um dos maiores ícones da indústria digital, o fundador da Microsoft, Bill Gates:

“É claro que meus filhos terão computadores, mas antes terão livros”.

Acho que isto é suficiente.

Fontes:
Artistas Gauchos.
http://www.artistasgauchos.com.br/portal/?cid=290

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Trova 153 - Istela Marina Gotelipe Lima (Bandeirantes/PR)

Montagem da trova sobre charge de Ivan Cabral

Ernane Gusmão (Poemas Avulsos)


ITAPUÃ

(poema premiado em primeiro lugar no Concurso Literário do Jubileu de Ouro da Associação Bahiana de Medicina)

Minha mulher não sabe , mas
...às vezes,vou sòzinho a Itapuã

Às vezes de dia,
quando o sol faísca
sobre a espuma

Aqueles cardumes cintilantes,
falsos peixinhos prateados,
feitos de luz

Outras vezes, de noite.
Digo que vou ao plantão
E lá vou eu prá Itapuã

A Lua verte sobre as águas,
as comportas do seu clarão - e,
mansa, passeia à tona,
seu manto dourado e morno,
tecido de serenidade e paz

A brisa vôa,
diáfana gaivota,
vem beijar-me sem decoro
E as pedras bramem ,
entre as ondas,
como búzios
e conchas ressonantes
Um canto provocante de sereias.

Ouço a magia das fadas,
vejo o vento sussurrar
Vem,poeta,
vem comigo,sentir
o enlevo do mar
A sereia de pedra,
da praia de Itapuã

A todo mundo
graficamente saúda:
bem-vindo,
wellcome,
bienvenuto,
soyez
bienvenu

Mas a mim,
faceiramente me disse:
eu não sou de pedra,
isso é pura fantasia
E,garanto,me cantou!

Desde então eu volto lá –
sinto um gozo de adultério,
ouço a magia das fadas,
vejo o vento sussurrar
Vem poeta,
vem comigo,
ter as sereias do mar.

Desde então eu volto lá.
Minha mulher não sabe...
Mas,às vezes,
vou sòzinho a Itapuã.

Este poema foi escrito há muitos anos,quando eu ainda não morava em Itapuã.Hoje tenho este privilégio e não mais preciso de subterfúgios.Estou a 100 metros da praia de Itapuã,muito feliz com minha mulher,casadinho há mais de 40 anos,com 04 filhos e 06 netinhos.

versão de Itapuã é dedicada a duas figuras imortais deste paraíso:
Dorival Caymi e Vinicius de Morais,os poetas que a imortalizaram pela presença e pela difusão de seus encantos e belezas,de toda a poesia e eternidade que ela encerra.

LICOR DE ANIS

Licor de anis,azul,embriagante,
A cada gole meus desejos trais.
O vulto da singela e doce amante,
Fluidos perfumes, densas espirais.

Eu sorvo a tona desse anil bacante
E me inebrio em delírios tais...
Ouço o murmúrio dela, soluçante,
Em sintonia com meus mudos ais.

A timidez me prende, relutante
O coração reclama-segue avante,
Por que não quebras o temor e vais?

E quêdo embora, bafejou-me a graça,
Licor de anis sumiu da minha taça,
Mas ela... dos meus olhos... nunca mais!

AMORES DE POETA

A namorada do poeta cisma
e sofre longa noite no pensar...
se os versos que ele escreve sao mensagens
a outras tantas que deseja amar.

E como a noiva do poeta pena,
quantas lamurias penitente diz...
pressente em cada estrofe, sorrateiras
as outras noivas que o poeta quis.

A esposa do poeta tem pressagios,
tantos ciumes nao lhe ficam bem.
Descobre num soneto as mil pegadas
das aventuras que o poeta tem.

Mas a noiva, esposa, ou namorada,
melhor faria se o deixasse em paz
lá no reino dos sonhos e quimeras
das fantasias que o poeta faz.

E sentiria melhor a alegoria,
flagrante, bela, facil de se ver...
se existe nela própria a poesia
para a eleita de um poeta ser!...

O SUMIÇO DE BULE-BULE

I
Abro o jornal e me espanto
numa nota ali no canto
tomo um susto de lascar:
−;;;; Bule-Bule está sumido
e é preciso por sentido
para o poeta encontrar.

II
Diz a nota: −;;;; Foi em junho,
−;;;; invocando o testemunho
da companheira fiel −;;;;
que a caminho de brumado
destino mudou o fado
do famoso menestrel.

III
Refeito o susto me ponho
ante o relato medonho
a mim mesmo inquirir:
−;;;; Quando foi que vi o amigo
ou quando esteve comigo
antes da tela sumir?

IV
Mês de junho, tão distante,
festa, licor, tão bacante,
mês de fogueira e São João
...será que Bule-Bule se deu
a beber com Zebedeu
e queimou com um tição?

V
Ou será que foi bem longe
...converteu-se ...hoje é monge,
e talvez não volte mais?
Tem a barba de eremita
ar de profeta, recita
salmos, cantos e jograis.

VI
Será que Bule foi pêgo
por algum malvado nêgo
numa madrugada qualquer?
Depois da festa o dinheiro
exala do bolso um cheiro
que todo malandro quer.

VII
Ou será que simplesmente
Bule-Bule tão somente
cansou-se de tudo aqui
...arranjou uma loura chique,
tomou um chá de se pique
e mudou pro Havaí?

VIII
Mas... não! ...não! não é possível...
fora tudo isso crível
se me fugisse a memória
lembro porém, com presteza,
agora tenho certeza,
e a verdade é outra estória.

IX
Na Semana do Cavalo
Bule-Bule fez um calo
de tanto e tanto tocar.
Tenho o som cá na cachola
das coras da sua viola
para o mistério aclarar.

X
Isto foi no mês de agosto
fica portanto suposto
que o sumiço foi de um mês.
Outros dois, curtiu na cana
e em Feira de Santana
apareceu de uma vez.

XI
Apareceu de repente
mas só não disse pra gente,
como foi que ele sumiu
a companheira "deu parte"
mas a manha dessa arte
só ela mesma não viu.

XII
Todo poeta é boêmio
repentista é sempre gêmeo
do vento que o faz refém.
do vento que tomba e apára,
corre mundo, açoita, pára,
vai e volta, some e vem.

O BAR

O Bar, é o Bar ! ...
Não, o Bar não é somente Bar!
É profusão de sons,
e de cores
e de cheiros
e de gostos!
O Bar é um encontro dos anônimos,
dos sinônimos
e dos antônimos!

O Bar é a sinfônica do acaso,
um caso único de sintonia de luzes,
fumaças, goles, vozes,
tristezas, delírios, aplausos!
O Bar é um caleidoscópio
de vida urbana!
Pedaços de idéias,
pedaços de doutrinas,
pedaços de filosofia
pedaços de consciência.
Imanência, transcendência!

O Bar é um fragmento
e ao mesmo tempo um todo!
O silêncio dos deprimidos,
o alarido dos eufóricos.
A louçania da vida,
a introjeção do sofrer!
Um saco! Um balão!
O Bar é solo, espaço,
subterrâneo, atmosfera,
sufoco e respiração.
Agonia, exaltação!
entranhas e erupação.
É magma, é lava!
É quente, é frio.
É poeira das estrelas,
é profundeza da Terra.
Há tanta gente no Bar ...
Há tanto Bar na gente ! ...

... tenho ido pouco ao Bar.
Cada vez mais, o Bar vem menos a mim
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Fonte:
Stammtisch Confrarias e Patotas http://www.stmt.com.br/mural.novembro.3.2008.html

Ernane Gusmão (1941)



Nasce em 1 de Junho de 1941, em Pedra Azul/MG. Médico, professor aposentado, criador de cavalos, poeta e astrônomo amador. Especializado em Nefrologia, Ernane foi o pioneiro na Bahia e no Nordeste na realização de hemodiálise, procedimento feito em 1968 no Hospital Universitário Professor Edgard Santos, e que fez parte da equipe que implantou, em 1977, o Serviço de Hemodiálise do Hospital Português.

Casado com Elzeni, pai de 4 filhos e avô de 4 netos, as suas poesias foram alguns dos destaques do I Festival de Cultura e Arte (24 de novembro a 1º de dezembro de 2003) e emocionaram colaboradores e clientes nas suas diversas apresentações durante o evento.

A sua verdadeira paixão é a Medicina. Formado em 1964, no auge do Golpe Militar, foi o caçula da turma - tinha 23 anos na época - e eleito orador oficial da cerimônia de formatura. Devido ao período, foi conduzido ao Quartel General da VI Região antes da Solenidade como medida preventiva para que as suas palavras durante o discurso não fossem de encontro aos ideais políticos do governo militar. O texto original foi mantido.

A Literatura está presente em sua vida desde a adolescência. "Gosto de escrever tanto poesia quanto prosa e já tenho sete livros publicados, sendo três de autoria própria e quatro de participação e co-autoria", conta o médico. Dos seus livros, o que em breve será lançado é o seu preferido. "Ursa Maior Ensaios é o que acho que mais se parece comigo, é o mais "eu" no momento atual, vem de uma fase mais amadurecida", explica.

Além da Literatura, Dr. Ernane tem mais dois hobbies - a criação de cavalos da raça Mangalarga Marchador e a Astronomia. Há 30 anos ele cria cavalos e é um dos fundadores do Equus Clube do Cavalo. Apreciador e estudioso dos astros, atualmente preside a Associação de Astrônomos Amadores da Bahia.

O seu grande sonho, o de ser professor, também se concretizou. Ele dava aulas das disciplinas Clínica Médica e Nefrologia na Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia. "É muito bom ter a satisfação de saber que participei da formação da grande maioria dos nefrologistas da Bahia, inclusive de muitos médicos que hoje trabalham em nosso Serviço", comemora Dr. Ernane.

"Considero a arte de um modo geral um dos mais importante meios de humanização da Medicina. É muito gratificante, através dela, aprimorar o relacionamento médico-paciente". (Dr. Ernane Gusmão)

Fontes:
Stammtisch Confrarias e Patotas http://www.stmt.com.br/mural.novembro.3.2008.html
Foto obtida em http://www.revistamuito.atarde.com.br

Josué Guimarães (A Ferro e Fogo)


O realismo triunfaria de maneira total em A ferro e fogo. A saga da colonização alemã, particularizada na luta pela sobrevivência e na identificação com as condições históricas rio-grandenses por parte da família Schneider, lembra como processo narrativo O tempo e o vento, de Erico Verissimo. Porém o sopro épico que anima as páginas do escritor de Cruz Alta é substituído por uma preocupação maior com o prosaico, com a mesquinha luta cotidiana, com a tarefa inglória de resistência em meio a uma terra estranha. A grandeza semi-ociosa dos dominadores cede aqui lugar ao ramerrão do trabalho. Aos gestos de intrepidez do capitão Rodrigo Cambará contrapõe-se o buraco onde, por largo tempo, Daniel Abrahão se esconderá; aos papéis de comando militar de Licurgo e do Dr. Rodrigo, a função subalterna do oficial Phillip Schneider; ao agnosticismo dos Cambarás, a religiosidade primitiva que aproxima a família alemã de Jacobina Maurer, futura líder dos Mucker, único ponto comum: a força recôndita das mulheres, já que a imigrante Catarina tem muito de Ana Terra, mais ainda de Bibiana, com seu senso prático e seu desassombro.

A história é virada pelo avesso. As atribulações, as guerras, os confrontos pelo poder descem dos céus sem que os imigrantes possam compreender o significado dos mesmos. Nada de ufanismo ou cantos laudatórios. Quando Phillip Schneider volta para casa, depois de ter lutado na Revolução Farroupilha e na Guerra do Paraguai (em A ferro e fogo - Tempo de Guerra ), ele não ganhou nada e seu único desejo é dormir. Mais uma vez a metáfora da paz e do esquecimento. "Quando Jacob saiu, ele ficou afofando o travesseiro com as mãos, alisando os alvos lençóis e pala sua cabeça desfilaram todos aqueles bons companheiros que haviam ficado para trás. Mas quando assoprou a chama do lampião de bela manga lavrada e afundou a cabeça nos panos macios, dormiu logo, como se fizesse aquilo pela primeira vez na vida." Sempre chamou a atenção o carinho de Josué para com as suas personagens femininas. Você lê A ferro e fogo e descobre uma mulher como aquela Catarina. Pronto. Nunca mais as mulheres que você conhecer serão as mesmas. Mudaram também aquelas que você já conhecia antes de ler sua ficção. Nenhum escritor percebeu tão profundamente a índole da alemã imigrante quanto Josué. Quer dizer, a literatura brasileira deu a um Guimarães a tarefa de desvendar a alma tedesca num exílio optativo - o Brasil.

A narrativa se passa no Rio Grande do Sul ( abrangendo as terra que hoje correspondem ao Chuí, Santa Vitória do Palmar, São Leopoldo, Porto Alegre, Rio Grande e Portão), no tempo do Império, num ambiente hostil, pobre e violento durante e após a guerra da Cisplatina, onde os personagens principais vivem em meio a bugres, negros, castelhanos, gaúchos, soldados e alemães.

Fonte:
CD Digeratti CEC 003

Josué Guimarães (1921 – 1986)



1921
Em 7 de janeiro, nasce em São Jerônimo, JOSUÉ Marques GUIMARÃES, o penúltimo de nove irmãos, filho de José Guimarães, telegrafista de profissão e pastor leigo da Igreja Episcopal Brasileira, e de Georgina Marques Guimarães:

"Josué não tinha bem um ano quando a família mudou-se para Rosário do Sul.
Ele lembrava com detalhes os dez anos que viveu nessa cidade.
Lembrava a praça, a casa, as distâncias, o hotel, o cinema Globo, a igreja, a escola de D. Pepinha com seus castigos, sua palmatória, tudo nas enormes proporções do olhar de um menino.
Toda a sua memória e muitas passagens de seus livros são dessa época. Ele costumava dizer que a sua memória atingia até os dez anos."

1930
A família muda-se para Porto Alegre e Josué passa e estudar no Grupo Escolar Paula Soares.

1934
Inicia o curso secundário no Ginário Cruzeiro do Sul, onde funda Grêmio Literário Humberto de Campos. Escreve de cinco a seis artigos por número no jornal do colégio e é o autor das peças teatrais encenadas a cada fim de ano.

1938
Formado no Ginásio, faz o pré-médico, mas, após as primeiras aulas de anatomia, resolve abandonar o curso.

1939
Vai para o Rio de Janeiro e inicia sua carreira de jornalista na revista O Malho e Vida Ilustrada. É declarada a II Guerra Mundial e Josué retorna a Porto Alegre. Nesse mesmo ano inicia-se no rádio-teatro da Rádio Farroupilha, trabalhando com Estelita, Peri, Capitão Erasmo Nascentes e Walter Ferreira.

1940
Aos dezenove anos casa-se com Zilda Marques.
Desse casamento nascem quatro filhos: Marília, Elaine, Jaime e Sônia.

1942
Lança em Porto Alegre a revista de rádio Ondas Sonoras.

1944
Inicia suas atividades no Diário de Notícias.
Em sua carreira jornalística, exerce as funções de repórter e secretário de redação, diretor, colunista, comentarista, cronista, editorialista, ilustrador, diagramador, analista político e correspondente internacional.

É no Diário de Notícias que mantém a coluna "de alfinetadas políticas" assinada como "D. Xicote", onde ele mesmo faz as ilustrações, desenhos e caricaturas.

Alguns anos depois a coluna "D. Xicote" reaparece no jornal A Hora, de Porto Alegre, explorando modernos recursos gráficos e montagens fotográficas.

1948
Deixa o Diário de Notícias para tornar-se repórter exclusivo e correspondente da revista O Cruzeiro no Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Uruguai e Argentina.

1949
Colabora na Revista Quixote 4, fevereiro de 1949, com a crônica "Sangue e Pó de Arroz". Esta publicação de Porto Alegre divulgou por longo período, nomes da literatura rio-grandense.

Lança o jornal D. Xicote: "- Não é um jornal humorístico como poderá parecer à primeira vista, mas também não é um jornal sério."

1951
É eleito vereador em Porto Alegre, pelo PTB, ocupando, na oportunidade, a vice-presidência da câmara. Como vereador batiza o largo próximo à praça da Alfândega de "Largo dos Medeiros", em homenagem aos irmãos proprietários do Café e Confeitaria Central.

1952
Assina a coluna "Ronda dos Jornais no semanário carioca FLAN.

É o primeiro jornalista brasileiro a ingressar na China Continental e URSS como correspondente especial da Ultima Hora do Rio de Janeiro.

Escreve o livro de viagem As muralhas de Jericó que continua inédito.

1954
Assina a coluna "Um dia depois do outro" no Jornal Última Hora do Rio de Janeiro.

Lança coluna política no jornal Folha da Tarde, com pseudônimo de D. Camilo.

Passa a exercer as funções de subsecretário do Jornal A Hora, de Porto Alegre, onde deixa marcante passagem por ter revolucionado a imprensa gaúcha, ao lado do então diagramador Xico Stockinger.

1956
Trabalha como redator na MPM Propaganda.

Assume como diretor-secretário do semanário Clarim Sete Dias em Porto Alegre.

1957
É chamado por Assis Chateaubriand para reformular o vespertino carioca Diário da Noite, órgão dos Diários Associados.

1960
Funda a sua própria agência de propaganda, dissolvida um ano depois para assumir a Direção da Agência Nacional sob o governo João Goulart.

1961
Ocupa a direçao geral da Agência Nacional, hoje Empresa Brasileira de Notícias, até 1964.

Durante o governo João Goulart integra a 1a Comitiva de Jornalistas Brasileiros em viagem à China e União Soviética.

1964
Deposto o presidente João Goulart, refugia-se em Santos, São Paulo, onde passa a viver na clandestinidade sob o nome de Samuel Ortiz.

Nesse período trabalha em dezesseis publicações diferentes e abre uma livraria.

1969
Descoberto, finalmente, pelos órgãos de segurança, responde a inquérito em liberdade e retorna a Porto Alegre.

É premiado no II Concurso de Contos do Estado do Paraná pelo conjunto de três contos - "João do Rosário", "Mãos sujas de terra" e "0 principio e o fim" - que viriam a integrar, posteriormente, o livro Os ladrões.

1970
Publica Os ladrões, coletânea de contos, pela Fórum Editora do Rio de Janeiro. Com esta obra, Josué Guimarães inicia sua produção literária que irá se compor de 24 obras, entre romances, novelas, coletânea de artigos e de contos, literatura infantil, além da participação em várias antologias.

1971
Com o pseudônimo de Philleas Fog mantém a coluna "A Volta ao Mundo", no jornal Zero Hora, fazendo entrevistas imaginárias, de marcante conteúdo crítico, com personalidades internacionais.

Passa a colaborar no jornal Pato Macho de Porto Alegre, com artigos de crítica política.

Mantém a coluna "Seção de Livros" no jornal Zero Hora.

1972
Publica seu primeiro romance: A ferro e fogo - Tempo de Solidão, editado pela Sabiá (José Olympio) do Rio de Janeiro, A obra trata da colonização alemã no Rio Grande do Sul e é a primeira de uma trilogia. O segundo volume é lançado três anos depois, A ferro e fogo - Tempo de Guerra.

1974
É correspondente da Empresa Jornalistica Caldas Júnior até 1976 na Africa e em Portugal, onde acompanha a Revolução dos cravos.

1976
Lança em Lisboa o Jornal CHAIMITE - "o único jornal que venceu antes de sair" (legenda da capa do número I - 26.2,76)

Retorna ao Brasil e implanta no Rio Grande do Sul a sucursal da Folha de São Paulo, que dirigiu e onde atuou como comentar político do sul até seu falecimento.

1977
O romance Tambores silenciosos é agraciado com o 1º Prêmio Érico Veríssimo da Editora Globo que, posteriormente, publica a obra.

1981
Depois de obter o divórcio do primeiro matrimônio, casa-se com Nídia Moojen Machado.

"Não considero o casamento uma instituição falida. Eu institucionalizei o meu após trinta anos de convivência." (Zero Hora, 28 de fevereiro de 1982).

Dessa união nasceram Rodrigo e Adriana.

1986
23 de março: Morre em Porto Alegre o escritor Josué Guimarães.

Publicação de "Amor de perdição" - L&PM Editores.

Sessão solene em sua homenagem prestada pela Câmara Municipal de Porto Alegre, por iniciativa do Vereador Isaac Ainhorn.

1987
Lançamento (maio) de A última bruxa, último livro de Josué dedicado às crianças, L&PM.

A Biblioteca Pública Municipal, do centro Municipal de Cultura de Porto Alegre, passa a denominar-se Biblioteca Pública Municipal Josué Gumarães(julho).

Lançamento da 3' edição do livro de contos O cavalo cego, L&PM Editores (1' edição 1979)

LIVROS
Os ladrões, Contos., 1970
A ferro e fogo, I: tempo de solidão. Romance. 1972
Depois do último trem. Romance, 1973
A ferro e fogo, II: tempo de guerra. Romance, 1975
Lisboa urgente. Coletânea de artigos, 1975
É tarde para saber. Romance, 1977
Os tambores silenciosos. Romance, 1977
Dona Anja. Romance, 1978
Pega pra kapput! Novela c/Moacyr Scliar, Luís Fernando Veríssimo e Edgar Vasques, 1978
Enquanto a noite não chega. Novela, 1978
O cavalo cego. Contos, 1979
A casa das quatro luas. Infantil, 1979
Camilo Mortágua. Romance, 1980
Era uma vez um reino encantado. Infantil, 1980
A onça que perdeu as pintas. Infantil. As incríveis histórias do tio Balduíno., 1981
Doña Angela, Romance. Trad. Stela Mastrangelo, 1981.
Xerloque da Silva em "0 rapto da Dorotéia". Infantil 1982
O gato no escuro. Contos, 1982
Meu primeiro dragão. Infantil, 1983
Xerloque da Silva em "Os ladrões da meia-noite". Infantil, 1983
Um corpo estranho entre nós dois. Teatro - Peça em três atos, 1983
História do agricultor que fazia milagres. Infantil, 1984
O avião que não sabia voar. Infantil, 1984
Amor de perdição. Novela., 1986
A última bruxa. Infantil,. 1987

Fonte:
http://www.paginadogaucho.com.br/escr/jg.htm

A. A. de Assis (A Língua da Gente) Parte 21


20. Defeitos de estilo (III)

CACOFONIA (cacófato) – Nem mesmo os grandes escritores estão livres de cochilos desse gênero. É famosa, por exemplo, a “alma minha” de Camões, o poeta máximo. O primoroso Bilac desafinou no “só quem ama...” E o genial Vieira deixou escapulir o célebre “busca pão”. Mas não será por isso que vamos abusar. Encontros sonoros “impudicos”, ou simplesmente “engraçados”, podem comprometer a seriedade de um texto. Com a devida moderação (para não cair na cacofatomania), anote alguns que podem muito bem ser evitados:
acerca dela,
álbum da moça,
a lei teria,
amo ela,
a roupa daria,
a rota,
chegou ao auge (ao-au?...),
cinco cada,
começou a cavá-lo,
como a concebo,
confisca gado,
conforme já,
da nação,
ela tinha,
ela trina,
eles o são (ossão?...),
embarca nela,
em busca dela,
escapa nela,
estoca brita,
estraga linha,
fé demais,
fica nisso,
haja manta,
havia dado,
intrínseca validade,
levanta manco,
má madeira,
marca dela,
marca gol,
mas ela,
mesma mão,
nunca ganha,
o café deu,
o time já,
paraninfo da turma,
por cada,
por razões,
prima minha,
reclama mais,
só sobraram,
tarefa fácil,
toca a gansa,
triunfo da equipe,
uma mata,
um barco meu,
vez passada (vespa assada?...),
vi a dona...

PALAVRAS “DIFÍCEIS” (eruditismo, sofomania) – Escrever ou falar “difícil” não significa escrever ou falar bem. Ao contrário, porque o leitor/ouvinte acaba não entendendo coisa alguma. Imagine a reação da moça que recebesse do namorado um bilhete assim: “As tessituras traumáticas dos invólucros cardíacos de minha caixa torácica palpitam por ti”... Vale lembrar o sábio conselho de Paul Valéry: “Entre duas palavras, escolha sempre a mais simples; entre duas palavras simples, escolha a mais curta”.

TERMOS TÉCNICOS (economês, gramatiquês etc.) – O problema é semelhante ao que vimos no item anterior. Claro: de advogado para advogado, de economista para economista, de gramático para gramático, de médico para médico, o emprego de termos técnicos é natural; às vezes é até indispensável. Mas, no relacionamento com o público geral, quanto mais simples o vocabulário, tanto mais eficiente a comunicação. Sempre há de ser possível “trocar em miúdos” os adimplementos, os fluxogramas, as antonomásias, as esplenomegalias... Em vez de oftalmotorrinolaringologia, é muito mais fácil dizer “clínica de olhos, ouvidos, nariz e garganta”. E veja se você entende que coisa é isto: dinâmica estrutural totalizada; flexibilidade logística inusitada; mobilidade opcional balanceada; retroação dimensional sistemática... Numa de suas deliciosas crônicas, Fernando Sabino brinca com essa história de falar difícil. Diz ele, dando uma caprichada receita de como não se deve escrever: “Para direcionar o questionamento dos problemas que afetam determinado segmento da sociedade, acionando o dispositivo de uma logística que atinja os estratos sociais emergentes, faz-se mister equacioná-los em módulos abrangentes, que otimizem a operacionalização, segundo parâmetros impostos pela cooptação da proposta contida no discurso de nossa casuística”.
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Fonte:
A. A. de Assis. A Língua da Gente. Maringá: Edição do Autor, 2010

Moacyr Scliar (A Noite em que os Hotéis estavam Cheios)


O casal chegou à cidade tarde da noite. Estavam cansados da viagem; ela, grávida, não se sentia bem. Foram procurar um lugar onde passar a noite. Hotel, hospedaria, qualquer coisa serviria, desde que não fosse muito caro.

Não seria fácil, como eles logo descobriram. No primeiro hotel o gerente, homem de maus modos, foi logo dizendo que não havia lugar. No segundo, o encarregado da portaria olhou com desconfiança o casal e resolveu pedir documentos. O homem disse que não tinha, na pressa da viagem esquecera os documentos.

— E como pretende o senhor conseguir um lugar num hotel, se não tem documentos? — disse o encarregado. — Eu nem sei se o senhor vai pagar a conta ou não!

O viajante não disse nada. Tomou a esposa pelo braço e seguiu adiante. No terceiro hotel também não havia vaga. No quarto — que era mais uma modesta hospedaria — havia, mas o dono desconfiou do casal e resolveu dizer que o estabelecimento estava lotado. Contudo, para não ficar mal, resolveu dar uma desculpa:

— O senhor vê, se o governo nos desse incentivos, como dão para os grandes hotéis, eu já teria feito uma reforma aqui. Poderia até receber delegações estrangeiras. Mas até hoje não consegui nada. Se eu conhecesse alguém influente... O senhor não conhece ninguém nas altas esferas?

O viajante hesitou, depois disse que sim, que talvez conhecesse alguém nas altas esferas.

— Pois então — disse o dono da hospedaria — fale para esse seu conhecido da minha hospedaria. Assim, da próxima vez que o senhor vier, talvez já possa lhe dar um quarto de primeira classe, com banho e tudo.

O viajante agradeceu, lamentando apenas que seu problema fosse mais urgente: precisava de um quarto para aquela noite. Foi adiante.

No hotel seguinte, quase tiveram êxito. O gerente estava esperando um casal de conhecidos artistas, que viajavam incógnitos. Quando os viajantes apareceram, pensou que fossem os hóspedes que aguardava e disse que sim, que o quarto já estava pronto. Ainda fez um elogio.

— O disfarce está muito bom. Que disfarce? Perguntou o viajante. Essas roupas velhas que vocês estão usando, disse o gerente. Isso não é disfarce, disse o homem, são as roupas que nós temos. O gerente aí percebeu o engano:

— Sinto muito — desculpou-se. — Eu pensei que tinha um quarto vago, mas parece que já foi ocupado.

O casal foi adiante. No hotel seguinte, também não havia vaga, e o gerente era metido a engraçado. Ali perto havia uma manjedoura, disse, por que não se hospedavam lá? Não seria muito confortável, mas em compensação não pagariam diária. Para surpresa dele, o viajante achou a idéia boa, e até agradeceu. Saíram.

Não demorou muito, apareceram os três Reis Magos, perguntando por um casal de forasteiros. E foi aí que o gerente começou a achar que talvez tivesse perdido os hóspedes mais importantes já chegados a Belém de Nazaré.

Fonte:
Contos para um Natal brasileiro. RJ: Editora Relume: IBASE, 1996.

Ângela Maria Pelizer de Arruda (Humor Contemporâneo: Uma Análise de Contos de Moacyr Scliar)



RESUMO: Há de se reconhecer o vasto mundo que se criou de manifestações que nos fazem rir. Em várias expressões artísticas, há uma procura incessante, tanto por parte de quem produz, quanto por parte de quem as procura, pelo trabalho que envolve a comicidade. Nesse sentido, o presente estudo terá como alvo um breve estudo histórico ligado ao riso, dentro da literatura, focalizando, principalmente, as expressões atuais como representantes de um movimento que ganha forças na contemporaneidade, representado aqui pelo contista Moacyr Scliar.

Segundo Viana Moog, em Heróis da decadência (1964), não há vestígios de textos ou obras literária humorísticas na Antigüidade, haja vista que existem dois elementos próprios da atualidade que não era possível de serem encontrados na antigüidade: “a ânsia doentia de tudo compreender e a dúvida torturada” (MOOG,1964:26). Os antigos, diz o autor, tiveram o privilégio de não se torturarem com a dúvida que assola a contemporaneidade e que é a grande geradora do humor.

O momento inicial provável para o aparecimento do humor na literatura é a época da decadência de Roma. Tempo em que os escritores começaram a destilar seu cepticismo e a se ocupar das coisas em geral, tanto do passado quanto do presente, com um certo ar de enfado, de incredulidade, de zombaria e de irreverência.

Na primeira fase da Idade Média não havia também espaço para o humor, já que a Inquisição condenava à fogueira qualquer manifestação desse tipo. A literatura dessa época gira em torno de duas entidades: os santos e os cavaleiros. Não se poderia fazer humor sobre nenhuma das duas, haja vista que, em ambos os casos,o únicos sentimentos possíveis era o orgulho e a admiração.

Esse tipo de literatura tem seu fim com Orlando Furioso, de Ariosto, permitindo um repontar do humor na literatura. Alguns nomes europeus com Chaucer e Rabelais marcaram essa época como bons humoristas. Porém, é no século XVI que surge na Espanha um humorista insuperável, talvez o maior de todos os tempos: Cervantes. “Com ele o humour se integra em todos os caracteres com que ainda hoje se apresenta. Antes, ninguém foi igual, depois, ninguém o excede”. O autor continua dizendo que Cervantes serve como marco divisório na literatura humorística: “Até então só se conheciam humoristas como os da decadência romana, que riam do mundo, mas como simples espectadores, sem incorporar a própria pessoa ao número de sêres aproveitáveis como matéria prima de humour [...]. no Cervantes, há, porém, mais que isso: há o que Pirandello denomina o sentimento do contrário” (ibid:74).

Ainda num período de transição entre a decadência do trovadorismo e o advento do “Século de Ouro Português” (séculos XIV a XVI), destaca-se o nome do escritor português Gil Vicente, que fez uso do humor através da sátira social em seus Autos. Usando o texto escrito em versos, o escritor fez uso de uma variedade de sugestões e tendências anteriores e/ou contemporâneas do teatro – milagres, mistérios, moralidades, a farsa, entre outros –, retratando o cotidiano português da Alta Idade Média e denunciando as práticas abusivas de grupos sociais como o clero, a nobreza e a justiça. Por isso, Gil Vicente teve sua obra bastante prejudicada pela repressão exercida pelos tribunais da Santa Inquisição.

Na literatura brasileira, os primeiros vestígios da produção humorística talvez estejam na segunda geração dos poetas românticos, também chamada de “cancioneiro alegre” pelas produções que, juntamente com os temas relacionados à solidão, à morte, à melancolia, aos enganos amorosos, também faziam surgir a paródia, a sátira e a pornografia. “Tais poemas formam um conjunto impressionante (...) não só pelo volume, que não é pequeno, mas também e principalmente pela qualidade literária” (FRANCHETTI, 1987:7).

Outro momento importante para o humorismo brasileiro deu-se no período transitório do regime monarquista para o republicano. Dentro da história literária, esse período corresponde ao movimento da Belle Époque, que, concomitantemente com as mudanças políticas e sociais por que passava o país, propunha mudanças no âmbito estético-literário, como forma de igualar o Brasil aos países desenvolvidos através da cultura. Nesse período, os humoristas encontraram um vasto campo de atuação e, ao mesmo tempo, uma intolerância muito grande por parte dos circuitos da cultura culta e da crítica literária.

Inserido num contexto em que emergia a racionalidade política da nação e em que se questionava a respeito do conceito de nacionalismo, o humor encontra nas arestas deixadas tanto pelos políticos quanto pelos literatos, seu corpus de trabalho, contra o qual expressava sua rebeldia, sua sátira e rechaçamento.

Diante desses meios de expansão da comicidade, os humoristas da época provaram sua capacidade de trânsito e de experimentação através de inúmeras formas cômicas, “adaptando-as à rapidez e à variedade dos modos de difusão e, por extensão, às formas peculiares de representação da história brasileira”. A paródia apresentou-se como a mais peculiar de todas e também a mais amplamente utilizada, revelando-se “um mecanismo ou uma técnica de representação da própria realidade brasileira” (SALIBA,2002:96). Seus autores parodiavam os versos parnasianos ou simbolistas, imitando seus formatos, porém de forma a ironizar o regime republicano de uma forma menos polida e mais direta que os seus antecessores.

Estando sempre à margem da literatura oficial e sendo reconhecido num grau menor, o humorista da virada do século mostrou-se competente e hábil para bem representar a realidade brasileira de uma época tão conturbada como essa. Dessa forma, pode-se dizer que, além dessa representação histórica brasileira, o humorismo também deu espaço para que o indivíduo pudesse afirmar-se diante de uma espécie de vazio que pairava sobre todos.

Através desses humoristas anônimos, de certa forma, no que concerne a um reconhecimento da corrente literária vigente, é que, como que num movimento de eco, o riso pôde expandir-se de tal forma que transformou o que era margem em centro: surge o Modernismo. Suas formas de representação – concisão, brevidade, circunstancialidade e subitaneidade – já estavam presentes nas expressões humorísticas de algumas décadas anteriores, apesar de não reconhecidas como literárias.

Então, com a chegada do modernismo, o humor realmente se expandiu nos diversos gêneros literários; o uso da paródia, da sátira, do exagero em suas várias nuances mudaram a cara da literatura séria e sisuda dos séculos anteriores. Muitos são os nomes brasileiros que se engendraram por esse caminho. E muito maior ainda é o número dos que ainda o fazem. O humor literalmente alastrou-se pelo mundo literário.

Surgindo como o movimento da inovação estética, o Modernismo caracterizou-se primeiramente pelo anarquismo e pela atitude desafiadora. Dentro de suas manifestações artísticas está a instauração do “feio” e a suspensão do “belo”. Dessa forma, o cômico e o grotesco foram também incluídos nessa fase, principalmente pelo gênero lírico. Foi através do humor que os modernistas desmistificaram muitos conceitos até então vistos como sérios e intocáveis; trouxeram, no lugar do academicismo sério ou metafísico, a ingenuidade, o culto da infância, o primitivismo, a simplicidade do cotidiano.

Nesse contexto, o humor foi usado, em sua maioria, como repúdio às formas artísticas anteriores e como expressão da consciência crítica acerca dos acontecimentos sociais. Um dos maiores exemplos dessa criticidade é Macunaíma, de Mário de Andrade. É através da figura do anti-herói e suas aventuras que o autor revela sua consciência crítica e seu engajamento no tocante à identidade nacional – tema muito trabalhado nessa época – de forma alegre e bem humorada.

Outro recurso largamente utilizado pelos modernistas, principalmente na poesia, é a paródia, que “aponta um caminho para a poesia criativa e acaba por caracterizar satiricamente o ‘status quo’ literário”. Parodiar para os modernistas era revelar “uma consciência prática a ironizar a linguagem poética anti-funcional” (COSTA, 1982:103). O poema mais parodiado nessa época é “Canção do Exílio”, de Gonçalves Dias, revelando elemento de destruição e de reconstrução e como exemplo de um novo jeito de falar num e para um novo tempo.

Trazendo o humor e a irreverência como herança do Modernismo, as várias manifestações artísticas contemporâneas usam e abusam desses recursos em suas obras.Ao contrário, esse fenômeno não se restringe apenas a uma ou outra arte, ou em uma ou outra obra; o humor está impregnado em (quase) tudo, e tudo é passível de se transformar em objeto do riso.

Atentemo-nos para os diversos programas televisivos. Boa parte deles se dedica ao humor: “A praça é nossa” (SBT), “Casseta e Planeta” (GLOBO), “A escolinha do professor Raimundo” (GLOBO), “Os normais” (GLOBO), “Sai de baixo” (GLOBO), “A grande família” (GLOBO), “Pânico” (REDE TV), entre outros. Observemos as piadas, as crônicas e os quadrinhos inseridos em jornais e revistas; muitos filmes no cinema ou na televisão; alguns programas de rádio; a tempestade de charges que surgiram em quase todos os meios de comunicação; a Internet, que está carregada de páginas dedicadas somente ao humor. Notamos, nesse contexto, uma tendência muito forte a satirizar tudo e todos. Não há o que escape das garras da comicidade (nem os seres supremos de antes); desde acontecimentos banais do cotidiano até grandes tragédias, como guerras, desastres, atentados terroristas. É só o momento de passar a comoção do acontecido que já aparecem as piadas, as charges, uma tirada sobre o assunto. Então, o que era trágico passa a ser cômico.

Esse fenômeno já foi descrito por Bergson quando afirma que o riso depende da indiferença do espectador. Afirma ainda que numa “sociedade de puras inteligências provavelmente não mais se choraria, mas ainda se risse” (BERGSON,2001:3), já que o riso se liga à inteligência pura. É a inquietação do saber e a falta de comoção que gera o riso. Podemos perceber na sociedade contemporânea esses dois aspectos: nunca se descobriu tanto e nunca se importou tão pouco com o próximo. A correria diária e a luta com uma concorrência acirrada por um lugar ao sol levam o homem a se isolar em seu micro-mundo, deixando a coletividade (macro-mundo) e seus problemas, seus dissabores ou suas alegrias para segundo plano. Além disso, há, no nosso tempo, uma genérica descrença em uma solução grandiosa para as diversas agruras que invadem a sociedade. A dúvida é o mal da contemporaneidade. Duvida-se do caráter de uns, do amor de outros. Duvida-se dos políticos, da igreja, dos pais, dos filhos, do professor e do aluno. Para Slavutzky (apud KUPERMANN,2003:15), a contemporaneidade seria caracterizada pelo espectro da derrota do sujeito: “em lugar das paixões, a calmaria, em lugar do desejo, a ausência do desejo, em lugar do sujeito, o nada, e em lugar da história, o fim da história”.

Diante de todos esses conflitos que se cercam do homem moderno, resta-lhe rir de tudo e de todos, e mais: fazer também os outros rirem. Como se a ordem fosse: “Já que não podemos vencê-los, rimos deles”. A procura pela comicidade em suas várias manifestações aumenta a cada dia, talvez como uma forma de defesa, como já se referiu Freud, no que se refere a não ter soluções para os diversos problemas. Rir para não chorar. Do mesmo modo também afirma Gilles Lipovetsky, em A era do vazio (1989), que vivemos em uma “sociedade humorística”, em que há um desenvolvimento generalizado do código e do estilo humorístico. Esse fenômeno é claramente percebido em campos bastante heterogêneos: na publicidade, nos slogans de manifestações políticas, na moda, na arte, nos meios de comunicação de massa e, sobretudo nas relações interpessoais; o clima de irreverência e espontaneidade passa a ter um valor privilegiado, como se nada devesse ser levado a sério.

Daniel Kupermann, em Ousar rir (2003:15-16) diz que, à medida que uma fase de depressão, de um “mau humor crônico” assola a sociedade contemporânea (acompanhada por decepções nos diversos campos possíveis ao longo de sua história e sem uma aparente esperança também diante do futuro), é bastante natural que se tenha tantas manifestações humorísticas. “Trata-se agora de evitar qualquer litígio, em nome do bem-estar definido por uma cultura na qual a adaptação e o sucesso pessoal são os alvos almejados”. Assim, o humor passa a dominar as várias instâncias da sociedade com a mesma tônica: “ausência de conflitos; impossibilidade de revolta;descrença”; é o humor descontraído que se apresenta, quando ninguém acredita na importância das coisas. Ele se apresenta, de acordo com as idéias de Kupermann (2003:16-17) como um humor acrítico e gratuito, ‘humor de massa’ próprio da sociedade hedonista na qual é o instrumento privilegiado para a promoção de uma proximidade cordial e de uma atmosfera de comunhão liberta de tensões. O humor pós-moderno é, assim, uma espécie de lubrificante social.

Ainda segundo o psicanalista, essa descontração generalizada remete-se e é proporcional “à falência de projetos comuns e ao desinteresse das possibilidades de transformação social” (KUPERMANN,2003:17), ou seja, ele é a prova da descrença pós-moderna perante as mudanças coletivas. Nesse sentido, diz ele, o humor contemporâneo é, acima de tudo, cínico, pois reflete alguém que ri de si mesmo e de suas próprias desgraças; é um riso amarelo, constrangido. É o humor da “descontração e do cinismo desencantado”, em que vigora “a desvitalização e a banalização esterilizante”. Por isso, o homem pós-moderno tem dificuldades em “rebentar de riso”, em sair de si, em sentir-se entusiasmado perante aos acontecimentos. “O humor de massa seria, assim, a pálida atualização da risada entusiasmante que, da Antigüidade ao Renascimento, acompanhou festividades populares, e na qual o Romantismo buscou inspiração para a libertação do espírito” (KUPERMANN,2003:21).

Sob uma outra perspectiva, Luiz Carlos Travaglia (1990:55), aponta o humor contemporâneo como crítico e engajado, usado como uma espécie de arma de denúncia, de instrumento de manutenção do equilíbrio social e psicológico; uma forma de revelar e de flagrar outras possibilidades de visão do mundo e das realidades naturais ou culturais que nos cercam e, assim, de desmontar falsos equilíbrios.

Segundo o lingüista, partindo do ponto de vista social e político, o humor desempenha um papel fundamental na sociedade no que concerne ao ataque à censura, ao que é pré-estabelecido, ao controle social e ao estabelecimento de outras possibilidades nesses mesmos âmbitos. Com o intuito de desafiar a autoridade do discurso oficial, através de críticas e de denúncias depreciativas, o humor torna possível o que pela via do sério seria considerado “crime” e desacato.

Mesmo o humor veiculado pelos meios de comunicação de massa não é visto por Travaglia como alienado e “pálido” como afirma Kupermann. Ele é, ao contrário, uma forma criativa, uma arma, um meio utilizado em todas as sociedades para “descobrir (através da análise crítica do homem e da vida) e revelar verdades escondidas e falsificadas, permitindo uma visão especial da vida, uma nova visão do mundo pela transposição de conceitos, uma ampliação dos contatos com nossas realidades.” O mesmo autor ainda coloca o humor como responsável por ser “o senso das proporções e da verdade escondida” e por revelar “a alegria da descoberta” de forma “não-convencional, sinuosa, intuitiva” gerando um compromisso entre humor e riso, e entre esses e a sociedade (TRAVAGLIA,1990:67).

Em meio a essa divergência de idéias a respeito do humor contemporâneo, resta-nos refletir a respeito do conceito de engajamento e de crítica social utilizada pelo movimento Pós-moderno e em que temática o humor dos nossos dias estaria inserido, sem no entanto enquadrá-lo em sistemas e características pré-estabelecidos. Para exemplificar essa reflexão, dois contos do autor Moacyr Scliar foram selecionados. Dessa forma, podemos pensar a questão da criticidade ou passividade de uma forma mais concreta.

O primeiro deles é “Ofertas na Casa Dalila”; conto narrado em primeira pessoa, que relata a inquietação do filho de um comerciante perante o concorrente de seu pai, com uma loja igualmente pequena a sua, desarrumada, mas com uma clientela muito maior. A proprietária da loja é descrita pelo narrador como “uma velha de cabelos oxigenados e olhos pintados que, da porta, me encara desafiadora” (SCLIAR, 1976: 49). A partir desse questionamento, o narrador se propõe a ser, ele mesmo, o investigador para descobrir a causa do grande movimento na loja de sua concorrente.

Entende rapidamente o que se passa: “as notas de compra dão direito à freqüência de certas sessões cinematográficas realizadas nas noites de sexta-feira, no fundo da própria Casa Dalila” (SCLIAR,1976: 50). Com o intuito de resolver esse mistério, o narrador obtém algumas notas e vai disfarçado à sessão da sexta-feira. Já no ambiente improvisado entre as caixas e manequins, vê o título do filme “Aventura de Dalila” e percebe que se trata de um antigo filme pornográfico de terceira categoria, com uma mulher muito bonita.

Quando o filme termina, e todos saem, o filho do comerciante tenta destruir a fita, mas desiste perante um pedido da velha de rever o filme mais uma vez. Enquanto os dois assistem, ela revela ao rapaz que é Dalila e ele percebe que os traços realmente são os mesmos. Ele, rendido aos encantos da velha, mantém uma relação sexual com ela e convence seus pais a venderem a loja para ela. Promete nunca mais voltar ali.

Nesse conto, a presença do cinema é marcante. Primeiramente, não se trata aqui de um lugar específico e até apropriado para uma sessão cinematográfica. Antes, era um ambiente com poucos recursos, em meio a um depósito da loja.

“(...) sou conduzido a uma sala mal iluminada nos fundos da loja. Ali, entre manequins sorridentes e caixotes de mercadoria, estão os espectadores.” (SCLIAR,1976:50).

Outro dado bastante interessante é o preço do ingresso, ou mesmo, como este era conseguido. Em razão da propaganda que a velha Dalila queria fazer de sua loja, numa promoção muito sutil, só entrava no “cinema” quem obtivesse notas de compras do seu estabelecimento. Como a loja era exclusivamente masculina, não foi difícil induzir os espectadores para as sessões da sexta-feira. Esse fato marca no conto o poder da propaganda que é, como dizem: “a alma do negócio”. Foi a partir dela e, conseqüentemente do prêmio concedido através da compra que a proprietária conseguiu vencer seus concorrentes, que até então “era a única loja da zona, com sua fiel clientela de funcionários públicos e pequenos comerciantes” (SCLIAR, 1976: 49).

Quando o narrador-personagem vai à sessão cinematográfica nos fundos da “casa Dalila”, percebe que se trata de um filme pornográfico. Esse tipo de filme era muito comum no final da década de 60, época em que o cinema teve um dos maiores incentivos governamentais. Porém, sua qualidade era muito baixa e se baseava em roteiros pornográficos e pornochanchadas. Este que nos anos 40 e 50 simbolizava uma manifestação de afirmação cultural da burguesia, com a importação do cinema americano, decai consideravelmente por não conseguir acompanhar a tecnologia estrangeira.

Dalila se orgulha de ter sido atriz “pornô”, dizendo já ter feito muito sucesso na Europa. Esse orgulho é comum entre os brasileiros. O sucesso no estrangeiro parece ter mais peso do que a fama nacional, mesmo que seja para ser um artista de filmes de baixa categoria. Ser aceito pelo público internacional representa um respaldo muito grande. Como se fosse uma espécie de aprovação globalizada. Isto é, como se um continente pudesse dar conta da preferência de um grupo muito maior.Como ela mesma diz: “Eu mesma, na Europa fui muito famosa...”

Dizer que foi famosa na Europa, pressupõe sucesso em todos (ou a grande maioria) os países que a compõem. Talvez isso não seja tal verdadeiro quanto aparenta ser. Além disso, a frase pode ter um tom irônico no que se refere à questão da nacionalidade ou brasilidade, já que “fazer sucesso” significa para muitos ser conhecido em outros países.

Além disso, percebemos uma entronização da cultura européia em nosso meio. A existência desse fenômeno muito deve à presença dos meios de comunicação que tornam os espaços menores por seu poder de rapidez e de expansão geográfica.

Afirmar a existência de uma memória internacional-popular é reconhecer que no interior da sociedade de consumo são forjadas referencias culturais mundializadas. Os personagens, imagens, situações, veiculadas pela publicidade, historias em quadrinhos, televisão, cinema constituem-se em substratos desta memória (ORTIZ,1996: 126).

No conto aqui mencionado, percebemos exemplos da cultura mundializada. No primeiro, a atriz que fez sucesso na Europa fazendo filmes pornográficos. Essa globalização não se dá de forma desinteressada pois, quando se importa um produto, importa-se também a cultura nele embutida. Ainda mais em se tratando de bens culturais, muita da ideologia do exportador vem juntamente com o produto importado. Nesses casos, os países desenvolvidos têm uma grande vantagem sobre os subdesenvolvidos, visto que são os provedores da maior parte das importações.

“Ofertas na Casa Dalila” traz um outro aspecto muito importante: o simulacro. Isso porque, se entende simulação por uma reconstrução da realidade. Segundo Jean Baudrillard (1991:9) “trata-se de uma substituição no real dos signos do real, isto é, de uma operação de dissuasão de todo o processo real pelo seu duplo operatório (...). O real nunca mais terá oportunidade de se produzir”. Continua dizendo que:

A simulação parte, ao contrário da utopia, do princípio de equivalência, parte da negação radical do signo como valor, parte do signo como reversão aniquilamento de toda a referência (BAUDRILLARD,1991:13).

De acordo com as idéias acima, os meios de comunicação podem ser vistos com veiculadores do simulacro, pois reinventam a realidade e a transmitem uma versão distorcida da mesma, transformando o mundo em mera imagem, pseudo-eventos e espetáculos (JAMESON, 1996).

No conto aqui analisado, o simulacro se evidencia pela imagem que o narrador-personagem vê na tela.

De fato, a primeira cena já mostra uma cama; e dentre peles e plumas emerge o rosto da devassa: olhos pintados de pretos, boca em coração – linda, a diaba, apesar de tudo (SCLIAR, 1976: 50).

Mais adiante ele se depara com o real e o simulacro frente a frente. Isso acontece quando o filho do comerciante aceita ver o filme novamente, por intermédio da suplica da velha Dalila. Enquanto assistem à tela, a mulher lhe confessa ser ela a bela moça do filme.

Olho-a. De fato, parece-me reconhecer no rosto gordo os traços da mulher da tela.

(...)
Não há dúvida: os mesmos olhos, a mesma boca
” (SCLIAR,1976:52).

Nesse momento, as duas Dalilas (a atual velha e a antiga jovem), se fundem e o espectador se confunde com as duas. Nesse momento, ele se deixa seduzir (ou seduz) por ela e caem no chão, ali mesmo, entre os manequins. O jovem concorrente se entrega à velha comerciante. Cede ao modelo ou ao simulacro ? Isso não é possível saber, pois o rapaz não deixa transparecer se ficará fascinado por uma das duas. Ou seria pelas duas ao mesmo tempo ? O que se pode afirmar que a fascinação somente se deu quando reviu o modelo (a velha), a partir do simulacro (a jovem).

O segundo conto é intitulado “O clube dos suicidas” e narra um programa de entrevistas numa estação pobre de rádio. O objetivo dessas entrevistas era saber o motivo pelo qual as pessoas que ali estavam tentaram suicídio. Assim, o entrevistador passa o programa todo perguntando os detalhes das tentativas de morte e orientando cada participante a não pisar no fio do microfone.

A fragmentação do conto acima é um aspecto bastante interessante e comumente encontrado na ficção contemporânea. No caso de “O clube dos suicidas” esse recorte chega ao extremo de não apresentar narrador, nem uma forma tradicional da prosa ficcional. O que se tem aqui é o próprio programa de rádio. Como se o leitor estivesse ouvindo (lendo) a uma entrevista. A única diferença é que não há a voz do entrevistado. O entrevistador (narrador) fala por ele, relatando as ações os motivos que as desencadearam: “A senhora – o que foi que tomou? Valium. Muitos? (...) Quantos comprimidos de Valium? Doze? (...)” (SCLIAR, 1995:426).

Ainda em relação à estrutura, nota-se que o conto é apresentado num único parágrafo, marcando, além da brevidade da narrativa, o recorte de apenas um instante, assemelhando-se a uma fotografia, como se referiu Julio Cortázar. O enfoque em um único instante transmite a idéia de velocidade do conto (e do programa de rádio). Além disso, em se tratando do programa, a rapidez com que as pessoa são entrevistadas, faz o leitor imaginar que há no estúdio fictício muitos outros à espera do locutor: “O próximo quem é? O senhor? O primeiro homem de hoje, pessoal. Palmas! Mais palmas! (...) Senta ali, meu caro, junto com as mulheres” (SCLIAR,1995:427).

Como já foi dito, as entrevistas são interrompidas com pedidos e orientações do entrevistador para que não pisem no fio. Primeiramente, pode-se observar que se trata de uma estação de rádio muito pobre, como ele mesmo diz: “Cuidado com o microfone. A rádio é pobre, não tem dinheiro para comprar microfone sem fio, então tem que cuidar” (SCLIAR,1995:426).

Esse tipo de rádio existiu ( e ainda existe) num imenso esforço para sobreviver em meio as grandes redes. Para isso, inventa programas absurdos para chamar a atenção do público. Programas sensacionalistas com “artistas” anônimos e suas adversidades. Note-se que nenhum dos entrevistados possui nome, nem mesmo entrevistador, retomando novamente a idéia que Jameson faz do anonimato, ou seja, indivíduos sem nome representando grupos coletivos.

"O grotesco(...) é apresentado como signo excepcional, como um fenômeno desligado da estrutura da sociedade – é visto como o signo do outro. A intenção do comunicador é sempre colocar-se diante de algo que está entre nós, mas que ao mesmo tempo é exótico, logo sensacional”(SODRÉ, 1983:73).

Até o locutor se irrita com a situação precária em que trabalha. E essa irritação se dá de forma gradativa, criando a tensão do conto. Chega a um momento, em que não se sabe se o assunto principal do conto são os suicídios não realizados, ou se é o medo do entrevistador de quebrarem o fio do microfone. No início ele diz:

“Cuidado com o fio, pelo amor de Deus.”
“Cuidado com o fio, minha amiga, cuidado com o fio”
(SCLIAR,1995:426).

Mais adiante, ele continua:

Cuidado com o fio, diabo!”
“Olha o fio merda! Desculpe
” (SCLIAR,1995:427).
(...)
E a senhora tão velhinha? Quis se enforcar? Com o fio de ferro elétrico? (...) e dá? Dá para se enforcar? Mostra para gente. Pode usar o fio do microfone (SCLIAR,1995:427).

Esse objeto tão mencionado pelo entrevistador representa não só a precariedade da rádio, mas também pode ser visto como o fio condutor da narrativa, em que o apresentador vai expondo as histórias dos outros e a sua própria história. Esse fio vai denotando uma tensão muito grande tanto no entrevistador quanto no leitor, marcando uma especificidade do conto: a intensidade.

A tensão vai crescendo, à medida em que o conto (programa) vai se apresentando. Ao fim, as histórias dos entrevistados e a história do entrevistador se fundem. Essa fusão é mais evidente na última frase do conto: “Pode usar o fio do microfone”; quando pede a uma senhora para demonstrar o enforcamento mal-sucedido com o fio do ferro elétrico.

O exótico presente em “O clube dos suicidas” está exatamente na criação de um programa, em que a grande atração são os suicidas em potencial, porém, decepcionados com suas tentativas fracassadas. São as pessoas comuns que estão ali, na expectativa de sair do anonimato através de histórias grotescas.

Por outro lado, vê-se um veículo da comunicação de massa aproveitando-se desse desejo para conseguir o que quer: o consumidor/ouvinte. Esse, por sua vez, tem verdadeiro fascínio por fatos catastróficos, em que as mazelas humanas são colocadas em pauta.

Esse fenômeno de intenções tripartidas resulta em programas de baixa qualidade, onde o que parece ser aos olhos humanos uma atrocidade, passa a significar apenas mais um espetáculo que os mesmos olhos aplaudem num programa de entrevistas.“A reciclagem de matrizes tradicionais como o melodrama, o cômico e o grotesco é o que muitas vezes permite a interação íntima dos produtos midiáticos com o cotidiano das classes populares”(BORELLI, 1994:34).

São histórias relacionadas a problemas comuns entre as pessoas. E essa predileção por programas de sensacionalismo pode ser justificada pelo fato de que o ser humano tem uma tendência a se atrair pelas agruras do outro, talvez para minimizar seu próprio sofrimento.

Nesse caso, o programa vai ao encontro das necessidades das classes menos privilegiadas, pois torna público o drama de muitos: desemprego, violência, etc. Além das formas que cada um encontra para fugir de seus próprios problemas: o suicídio.

A senhora o que tomou mesmo? Valium.
E o que foi que ela tomou? Querosene? Mas que coisa, tão novinha, tão miúda. Ah, tomou porque a senhora batia nela?
O que foi que tomou? Raticida? (...) E por quê? (...) Porque está desempregado.
E essa moça? Se jogou na frente do carro?
E a senhora, tão velhinha? Quis se enforcar? Com o fio do ferro elétrico?

E assim o locutor vai expondo os motivos e as formas das tentativas dos suicídios não bem sucedidos. O melodrama dos detalhes é o que fascina o ouvinte que ele quer atingir. Mesmo que para conseguir os entrevistados a rádio tenha que dar pequenos brindes em troca da divulgação das histórias.

Percebe-se, explicitamente, como as pessoas procuram cada vez mais os veículos comunicativos para conseguir o que não encontram nas instituições mais tradicionais, como a igreja , os sindicatos , a escola. O espectador procura ser ouvido, ser importante, aprender coisas da vida, se informar, ou até encontrar algo (ou alguém) que se assemelhe a ele – em suas aflições, anseios ou alegrias. E isso, encontrará na comunicação massiva, como foi observado por Beatriz Sarlo (1997: 102): “Onde quer que cheguem os meios de massa, não passam incólumes as crenças, os saberes e as lealdades”.

Esse fato é visto claramente no conto, pois o próprio entrevistador revela de forma implícita que o clube dos suicidas é um lugar de desabafo, onde as pessoas se lamentam por não terem conseguido sucesso nas tentativas. Ele próprio lamenta. Talvez porque a morte fosse proporcionar à rádio maior audiência, já que é isso que o público espera ver e ouvir dos meios de comunicação social; o drama passado de forma mais realista e grotesca possível, como são suas vidas na realidade. Eis o fascínio do espectador.

Crítico ou não, o humor está presente nos diversos gêneros e formas de lazer (cinema, teatro, televisão, etc.), e nesse contexto, a literatura também dá sua contribuição; são diversos autores que incluem em suas obras uma pequena parcela de comicidade ou ainda trabalham exclusivamente com ela. Um gênero estreitamente relacionado com o aspecto cômico e que também surgiu com maior ênfase na contemporaneidade é a crônica. Vários são os cronistas e, quase sem exceção, todos usam o humor para se referirem ao aspecto social que objetivam. Temos vários nomes como: Rubem Braga, Sergio Porto (Stanislaw Ponte Preta), Luiz Fernando Veríssimo (que também utiliza o humor em seus contos), Moacyr Scliar, entre outros.

Em outros gêneros, percebemos também algumas passagens ou até obras completas dedicadas ao humorismo. Contistas como Rubem Fonseca, que se caracteriza pelo apelo à violência nua e crua, recorre à ironia como recurso cômico; romancistas como Inácio de Loyola Brandão usam o humor para fazer suas críticas ao sistema social e político vigente; poetas como José Paulo Paes também buscam no humor uma forma de expressar seus pensamentos; enfim são muitos os autores que, através do recurso humorístico, procuram permear suas obras com originalidade e criatividade, convergindo para um movimento que faz do humor uma de suas características básicas.

Fonte:
SOUZA, E.N.F.; TOLLENDAL, E.J.; TRAVAGLIA, Luiz Carlos (orgs.). Literatura: Caminhos e descaminhos em perspectiva. Uberlândia: UFU, 2006.