sábado, 22 de outubro de 2011

Wagner Marques Lopes (Trova Ecológica 32)

Trova e imagens enviadas pelo autor. Montagem por José Feldman.

Olga Agulhon (Os Pássaros)


Nascidos ali, germens da terra, aquelas duas crianças, primos de sangue, irmãos de coração e de alma, crsciam felizes, livres, soltos, escapando, nem sempre ilesos, de uma arte atrás da outra.

Naquela fazenda, longe das cidades, nem tanto pela distância, mas pela lama ou poeira das estradas, não havia luz elétrica. Portanto, não conheciam a televisão, o videogame, o computador e todos esses outros instrumentos que, hoje em dia, mantêm as crianças longe da fantasia dos tempos de outrora.

Faziam seu próprios carrinhos, brincavam nos riachos e engoliam peixinhos vivos para aprenderem a nadar, faziam balanços nos galhos mais altos das árvores, percorriam longas distâncias atrás da borboleta mais bela, velavam os bichinhos que matavam durante suas experiências e preparavam-lhes enterros pomposos, com direito a oração e coroa de flores.

Protagonizavam histórias de príncipes e princesas, falavam com os animais, atormentavam os gansos, domavam os bezerros, montavam nos cavalos e fingiam que eles eram dragões.

Percorriam o milharal em busca da boneca mais bonita e escolhiam loiras, ruivas e morenas, que se transformavam em amigas queridas quando a mágica acontecia.

À noite, corajosos e destemidos, exploravam o escuro do terreiro entre as casas da colônia, na expectativa de um encontro com o saci-pererê ou a mula-sem-cabeça.

Entravam em casa só na hora do dormir, sob as ameaças das mães, que sempre lhe juravam a tal surra de vara de marmelo que eles ainda não tinham experimentado.

Noutras noites, mais poéticos que destemidos, buscavam os vagalumes e contavam estrelas, enquanto ouviam a sinfonia dos grilos e dos sapos do mundo do poço.

Quando chovia, ficavam sentados, concentrados, em volta da mesa da cozinha, sob a luz do lampião-de-gás, ouvindo o tio Darcy contar histórias de assombração vivenciadas por conhecidos seus daqueles e de outros tempos.

Um dia, apareceram por lá duas pás-carregadeiras, contratadas para fazerem uma represa nos fundos da fazenda.

Os dois não gostaram da invasão e não sairam de casa com medo daqueles monstros barulhentos, com armadura de aço, que, em plena luz do dia, comeram imensas quantidades de terra e deixaram um grande buraco por onde passaram.

Mas gostaram muito quando, em alguns dias, a chuva encheu o buraco, transformando-no em um grande lago.

Não tiveram dúvida:

- Vamos navegar!

Buscaram o velho caixote de preparar cimento, tocaram-no com a varinha mágica e transformaram-no em um lindo barco viking.

A menina, mais velha, ajudou 0 primo a subir no barco e o seguiu depressa, empurrando a margem com uma das pernas para que se afastassem para longe, com a força do pensamento e do remo improvisado.

Antes de alcançarem o centro do lago, tão grande para eles, a água invadiu rapidamente o barco e, nesse momento, um colono estragou a aventura das crianças, retirando-as, totalmente embarreadas, daquele mergulho até o fundo.

Naquele dia, sem entenderem as razões, experimentaram a varinha de marmelo, enquanto eram lavados com bucha e sabão de coco. Ficaram com marcas na bunda e nas pernas, mas a alma não entristeceu.

- Amanhã vamos voar!

Voaram. Algumas escoriações apenas e um corte na cabeça foi o saldo da primeira vez, mas voaram: e voavam cada dia melhor, mais alto, para mais longe.

Quando chegou a idade de irem para a escola, a família viu-se obrigada a se mudar para a cidade. Era preciso estudar os filhos para que eles tivessem uma vida melhor, pensava o pai.

Foi a cena mais triste que vi ou que vivi em toda a minha vida.

Não queriam ir e não havia espaço suficiente para os dois no caminhão da mudança, pois não conseguiam entrar levando tudo que lhes era imprescindível.

Os pais não pestanejaram. Não tiveram dó nem piedade: cortaram-lhes as longas asas.

Pelo vidro, lado a lado engaiolados, enquanto enxugavam as lágrimas, fitavam o monte de penas que embelezava o chão vermelho.

Mantiveram-se assim enquanto se distanciavam.

Mantiveram-se assim até que o vermelho do chão se misturou ao vermelho do pôr-do-sol, o branco das penas se misturou ao branco das nuvens e tudo se perdeu no horizonte para nunca mais sair da retina daqueles olhos, que um dia foram olhos de pássaros.

Fonte:
AGULHON, Olga. Germens da terra.Maringá,PR: Midiograf, 2004.

Haroldo Lyra (Livro de Sonetos)


COISIFICADAS

Hoje é comum mulher tirar a roupa
Pra revelar nas bancas de jornal,
Despudoradamente o colossal
Segredo da virtude, já tão pouca.

Desnuda-se, aos apelos do mural;
Na crapulosa folha a pose louca
Que a revista conduz de boca em boca
E faz dessa mulher coisa venal,

Que assim exposta nua à sordidez;
Dependurada à espreita do freguês,
Nem percebe aonde e como vai chegar.

Mas chega ao pai, os sonhos carcomidos,
Por ver da filha os garbos preteridos,
E oferecida a quem puder pagar.

AMIZADE

Depois de salpicada uma amizade,
Por leve farpa num fugaz momento,
Traz o fato, humana realidade,
Carência de afeto e entendimento.

Se à prosa que se faz se põe maldade,
Perde, a amizade, o doce encantamento.
Há de perder também sinceridade
E lesto se avizinha o rompimento.

Mas, valham as que têm, irrelevante,
O dardo que feriu por um instante
Involuntariamente a fidalguia.

Nisso, aquela que impõe severa norma,
Inexoravelmente se transforma
Em triste olá de falsa cortesia.

APANIGUADOS I

Tenho pena de quem não é capaz
De sustentar-se pelos próprios meios,
Nos donativos finca os seus esteios
E a propaganda de um viver falaz.

Tenho pena dos que romperam veios
Das batalhas que não enfrentam mais;
Mendigos de padrões oficiais
Classificados sem quaisquer receios.

Que pena!... quando o silo esvaziar-se
E o joio dessa safra esparramar-se
Sobre as mentes que o dolo enfeitiçou.

Será penoso então o amanhecer,
Pois apenas terão para comer:
As sengas do pão que o diabo amassou.

SUBLIME AMOR

Numa clínica, um velho procurava
Rápido curativo à mão doente.
Dizia-se apressado, que era urgente,
Pois tinha um compromisso e se atrasava.

O médico, atendendo ao paciente,
Perguntou por que tanto se apressava!
É que, num certo Asilo, costumava
Tomar café co’a esposa, já demente.

O médico ressalta: “Por descaso,
Não reclamara ela desse atraso?”
E ele: “Nem mais me reconhece, até”.

“Então! É apenas um capricho seu?”
“Oh, não! Ela não sabe quem sou eu,
Mas eu sei muito bem quem ela é”.

DUAS TAÇAS

O álcool sempre vem abrilhantar
Os banquetes em salas requintadas,
Servido nas baixelas prateadas
Que aos olhos serve mais que ao paladar.

O álcool é um prazer bem popular,
Nos bares, nas barracas empalhadas,
Servido n’umas taças mal lavadas,
Agrada à boca, à venta, a quem tomar.

Um drink, salgadinhos de salmão;
Uma cereja adorna a taça à mão
E o fino aristocrata se enaltece.

Um trago, um tira-gosto de buchada;
A banda de um limão, já machucada,
E o jeca deita e rola e a pinga desce.

Fonte:
Efigênia Coutinho. 1000 Sonetos . Academia Virtual Sala de Poetas e Escritores (AVSPE). 2009.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 372)


Uma Trova Nacional

À pergunta formulada,
respondo quase que à-toa:
- Para que boa empregada ?
Eu quero é empregada "boa" !!!
–ANTÔNIO COLAVITE FILHO/SP–

Uma Trova Potiguar

A moça livre afugenta,
democracia futura;
sabendo que um dia enfrenta
regime da “dita dura”.
–ZÉ DE SOUSA/RN–

Uma Trova Premiada

2010 - Curitiba/PR
Tema: PIJAMA - M/H

Dois pijamas, dialogando,
no varal dependurados:
- À noite, estão nos usando...
pra quê, se acordam pelados?
–DORALICE GOMES DA ROSA/RS–

Uma Trova de Ademar

Não peço vaga, nem rogo,
nos “rachas” lá da varzinha;
em toda pelada eu jogo,
mas, porque a bola é minha!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Eu, entre viras e viras,
no boteco, noite e dia,
vou só pescando as mentiras
dos que vão à pescaria.
–COLBERT RANGEL COELHO/MG–

Simplesmente Poesia

GLOSA:
Você querendo ser cão,
no inferno é bom demais!

MOTE:
Todo mundo tem função,
mulher? É só o que tem.
Lá se vive muito bem
você querendo ser cão.
“Transar”, lá é devoção,
cada um que transa mais,
os direitos são iguais,
todo cão tem seu emprego,
toda noite tem chamego...
No inferno é bom demais!
–AUGUSTO MACEDO/RN–

Estrofe do Dia

O meu currículo de garanhão,
eu confesso, até triste, foi modesto,
se eu parar para fazer um aresto,
confesso: Não foi só decepção.
Mulheres lindas, mas também, “canhão”,
umas, só “fiquei”, outras eu amava.
Uma feia de pseudônimo, Java,
era tão feia a danada da “criôla”,
que toda vez que cortava uma cebola,
era a pobre cebola quem chorava.
–FRANCISCO MACEDO/RN–

Soneto do Dia

Barbeiro.
–HAROLDO LYRA/CE–

Eis o barbeiro com afinco e altivez
restaurando a aparência masculina.
Trazendo à destra mão tesoura fina
com que corta a cabeleira do freguês.

Pega da navalha e a cadeira inclina
e a barba faz com muita rapidez,
embora haja um gemido toda vez
quando ele corta a pele e não a “crina”.

Passa talco e o perfume que inebria.
um novo penteado o mestre cria
com o talento que traz o salão cheio.

Chamá-lo de barbeiro é apelido
principalmente quando é compelido
criar feição bonita um macho feio.

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Júlia Lopes de Almeida (Minhas Amigas)


Mês das cigarras e das flores de flamboyant, como diria Fradique Mendes se tivesse de datar em Dezembro uma carta no Rio de Janeiro. Prescindo, como ele, da enumeração do dia. Datas são algarismos sem forças para fazer sentir o violento azul do nosso céu, nem os ramalhões purpurinos das nossas árvores, nem este chiar incessante das cigarras entontecidas de luz, anunciando o calor.

Este lindo mês, em que o ano morre engalanado de cores e de sons, obriga-nos a volver o olhar para o passado, numa inquirição pensativa e saudosa... e logo a querer sondar o futuro impenetrável com a frouxa luz de uma esperança. Nada se descortina bem, visto de longe; e é melhor assim...

O que torna a vida encantadora é o imprevisto; e a prova é que ninguém desejaria recomeçá-la da mesma forma porque a já viveu; nem creio mesmo que, se tal milagre se pudesse cumprir, houvesse alguém, por mais venturosa que lhe houvesse corrido a curta vida, que tivesse coragem de a recomeçar!

Cerre alguém os olhos, pense, siga o curso da sua existência, e ficará convencido de que só alguns dias lhe mereceram o desejo de serem revividos. Dias? Nada mais que momentos, de inolvidável doçura...

Para a gente moça o maior encanto da vida está no que há de vir, no que se ignora; para que transpõe o cabo dos quarenta, está no presente, que passa ligeiro, ligeiro, como a corrente de um rio caudaloso...

Minhas boas amigas, donas e donzelas, velhas e meninas, perdi o endereço de algumas de vós; outras... Rezemos-lhes por alma, estão mortas; de sorte que esta carta, de incerta direção, pretende ir até as portas do céu, na ondulação do acaso e da saudade.

Nós, as mulheres, não temos sempre facilidade de bem exprimir os sentimentos por palavras; eles parecem-nos por demais sutis e complexos; elas insuficientes e fraquíssimas. Dizem que há para todas as coisas expressões precisas, de inquestionável exatidão; a língua modula no som, e inalterada, a essência da mais rara alegria ou do mais terrível desespero. Mas essa é a interpretação dos fortes; a nossa dilui-se, numa gota incolor e inodora, que é como um chuvisqueiro em uma rosa, se nasce da alegria; ou, se vem da dor, como um floco de neve em uma brasa, que apaga a luz e deixa a nu o carvão.

Lembranças de amizade não são como lembranças de amor, que pungem e deliciam; têm outra suavidade, um perfume indistinto, e por isso são mais difíceis de descriminar nas meias tintas do passado; todavia, quanta comoção elas nos trazem na sua nevoenta aparição!

Minhas amigas de outros tempos, supondo que eu enfeixo as graças e virtudes de vós todas em uma só figura, que podereis chamar de Mocidade, ou de Primavera, como vos aprouver.

Para ser suprema a sua formosura ela terá os teus doces olhos azuis, tão cedo fechados, Elvira; e o teu riso alegre, Maria Laura; e a tua voz, Janan; e a tua bondade adorável, Marie; e as linhas do teu corpo, Alice; e a doçura da tua tez, Carlota! Terá da negra Josefa, tão triste por não ser branca, a branca inocência; e de vós todas, com que topei na minha infância, a garrula alegria e a trêfega imaginação.

Não sacudo a uma esfinge o meu lenço saudoso, mas a uma figura tangível, feita de perfeições e que permanece, imutável e risonha, no horizonte que me foge.

De algumas de vós não sei, amigas da meninice; outras vieram depois, na idade das confidências, e ainda hoje eu sinto o calor de simpatias moças que vem vindo como aves anunciadoras do bom tempo, para me dizerem que floresce ainda na Terra a sagrada planta da amizade.

Entre todas, não sois vós, amigas desconhecidas e minhas leitoras, cujo influxo tantas vezes me alento, a quem menos se lança o meu pensamento de mulher, num desejo de felicidade perfeita...

Nesta noite, uma das últimas do fim do ano, que de lembranças suaves me esvoaçam pelo espírito!

Crede, esta carta é um desabafo. Não só vós, minhas queridas, voltejais na minha memória, como nas rondas do colégio; há outros amigos adorados, invisíveis, de poderosa influência, a que me lanço com significativa gratidão: — os autores. O primeiro livro lido; as páginas mais vezes relidas; as músicas que melhor interpretei; os versos que me fizeram estremecer ou sonhar; singulares sensibilidades, acordadas por estranhos que amei como amo o sol que me aquece, ou a flor que me inebria, — tudo renasce e passa pelo meu pensamento, numa irradiação puríssima, de devaneio...

Nestas horas vertiginosas e perturbadoras reconheço todos os meus sonhos e desejos antigos, roçando por mim as suas asas, com tanto arrojo abertas e tão cedo enfraquecidas...

Mas isso que vos importa?

Valerá pena pensar no tempo que passou, bem ou mal?

O ano em que parte da nossa vida discorreu, acaba? Deixa-a acabar! O outro que vier terá as mesmas quatro estações; o sol inflamará a terra no verão, o vento fará cair as folhas no outono, as neves caracterizarão o inverno, e as boninas esmaltarão os campos na primavera...

Assim como o tempo, fosco ou luminoso, os homens serão maus ou serão bons e a vida fará o seu giro imperturbável, desfazendo e criando entre declínios e triunfos.

Para o mundo será assim, mas para nós, queridas?

Fonte:
Júlia Lopes de Almeida. Livro das Donas e Donzelas. Belém/PA: Núcleo de Educação a Distancia da Universidade da Amazonia (UNAMA).

Ialmar Pio Schneider (Homenagens em Soneto VIII)


SONETO A CAMILLE SAINT-SAËNS
– In Memoriam –
Nascimento do compositor em 9.10.1835 - Paris

Posso escutar de Camille Saint-Saëns,
a Sinfonia de número três,
depois vem Sansão e Dalila ardente,
preenchendo o dia claro, resplendente...

Ainda Marcha Militar Francesa,
peça musical de rara beleza,
e Dança Macabra, finalmente,
e o meu lazer se torna transcendente.

Vocação precoce, pois aos dois anos
e meio, interessou-se por pianos,
e como havia um em seu doce lar,

gostava de com as teclas brincar;
aos sete já compunha, com talento,
pequenas peças de enternecimento...

SONETO A GIUSEPPE VERDI
– In Memoriam –
Nascimento do compositor italiano em 10.10.1813

Hoje quero escrever um verso nobre
que celebre o genial compositor;
advindo de uma infância humilde e pobre,
à sua arte dedica todo o amor...

Bem cedo, sua vocação descobre
e põe-se à luta com viril ardor;
por isso, a enfrenta, sem que força sobre
para desempenhar outro labor !

Giuseppe Verdi, de Nabuco e Aída,
Rigoletto e Traviata, Trovatore,
as quais glorificaram sua vida...

Ninguém atinge tanto aos corações,
como essas óperas pienas d´ amore,
suscitando as mais altas emoções...

SONETO A VINÍCIUS DE MORAES
– In Memoriam –
– Nascimento do poeta em 19.10.1913

Quando nasceu Vinícius de Moraes
trouxe consigo a chama da poesia,
pra celebrar as musas, dia a dia,
até o fim com versos geniais...

Poeta da Paixão e da magia
de conquistar mulheres especiais,
compondo seus sonetos sensuais,
viveu intensamente na boemia.

Nesta data do seu aniversário
há que lembrar-se: “Eu sei que vou te amar...”
E assim nesse romântico cenário

ouvir “Soneto da Fidelidade”,
na voz do poetinha a declamar
com tanto romantismo e intensidade !

SONETO A ARTHUR RIMBAUD
– In Memoriam –
– Nascimento do poeta em 20.10.1854 –

Jovem poeta que parou bem cedo
de fazer versos plenos de emoção...
Soneto de “Vogais” em cujo enredo
cada uma tem a significação.

Sua obra não foi simples arremedo
de alguém que pensa apenas na ilusão;
não se sabe do enigma nem do medo
de a poesia dar continuação...

O certo é que depois, quando indagado
se era parente de Rimbaud, dizia:
“Eu nunca ouvi falar !” E assim calado

continuou pelo resta da vida, só,
com sua nova e vã filosofia
em que se sabe que seremos pó !

SONETO A ALPHONSE DE LAMARTINE
– In Memoriam –
– Nascimento do poeta em 21.10.1790 –

Recordo-me do seu poema “Outono”,
que o Irmão Érico, enfaticamente,
lia alto, na aula, com tamanho entono,
que despertava a comoção na gente...

Saudava a natureza, tristemente,
como se a visse ficar no abandono
pela queda das folhas, de repente,
ao reclinar pra o derradeiro sono!

Nesse cálice em que bebia a vida,
talvez, houvesse uma gota de mel,
após ter sorvido néctar e fel...

Na multidão uma alma desconhecida,
quem sabe, o compreendesse com bondade
e lhe desse, afinal, felicidade !...

Fonte:
Sonetos enviados pelo autor

Carlos Leite Ribeiro (Ela e Eles)


Ao contrário do que se possa supor, Ela, é ela; Eles, são a irmã e o cunhado. Seus nomes? Bem, Ela é a Maria; a irmã tem o nome de Sónia e o marido é o Miguel. Como são muito amigos e se compreendem muito bem, o casal convidou a Maria para umas férias na província da Beira Baixa, cujo nome da terra não vem em nenhum mapa.

Como soe dizer, a Maria ficou em “pulgas” (ansiosa) pela chegada do dia em que o casal a ia buscar a sua bela casa, nos confins do Centro de Portugal.

Quando o dia combinado chegou, a Maria começou a fazer (compor) as suas duas enormes malas que sempre a acompanham quando vai de férias. Como sempre, as malas ficaram tão cheias que para as fechar, teve que se pôr aos pulos, em cima delas (malas). Ao fim de muito esforço, lá conseguiu correr os fechos.

Uma hora antes já estava no portão da casa, esperando pela chegada do casal. Lembrou-se que não tinha posto dentro das malas seu estojo de unhas, nem o verniz escuro e nem sequer a tinta para o cabelo, pois, o seu loiro se não fosse pintado (ou retocado), os cabelos tinham a tendência de se tornarem brancos. Subiu as escadas, e meteu isto tudo dentro da mala de mão que, de tão cheia mais parecia um balão.

Maria: - Já passam 5 minutos e aqueles “desalmados” não chegam… Vou telefonar-lhe para começar a ralhar com eles… Já estava à espera de terem o telemóvel (celular) desligado. Que raiva…

Teve de conter (?) a sua “raiva” por mais de hora e meia. Por fim, na curva da rua, lá apareceu o “bendito” carro do casal.

Maria: - Tanto tempo para chegarem cá? Cheguei a pensar que viessem a pé! Já estava a pensar em desistir, porque isso que me fizeram (esperar) é um verdadeiro desaforo para minha pessoa!

Sónia: - Olá querida, como estás? Estou a ver que, como sempre, muito bem-disposta!

Miguel: - O carro está muito sujo. Antes de começar a viagem, temos que o lavar.

Maria: - Podem o lavar à vontade, pois está ali uma mangueira e é só abrir a torneira. Não contem comigo pois, estou vestida para passear e não para lavar carros.

Sónia: - Para evitar mais discussões e partirmos rapidamente para férias, vou buscar a mangueira e lavar o carro. Vou estragar as unhas e o verniz, mas como sou muito boazinha e a bem da boa harmonia, vou lavar o carro.

Já em viagem e quase a chegar ao destino, Sónia pediu ao Miguel para aumentar o volume do som da música de um CD, porque a Maria estava a dormir e a ressonar que até parecia uma locomotiva de comboio, das antigas que trabalhavam a vapor (Maria Fumaça).

Miguel: - Menina, acorda, que já chegámos!

Sónia: - Como ela está pegada no sono, só vai acordar com um balde de água pela cabeça abaixo!

Maria acordando: - O que vocês estão prá aí a dizer?... Já estou acordada…

Miguel: - Até que enfim já chegámos!

Maria: - Já chegámos? Ainda bem porque preciso ir à casa de banho (banheiro).

Miguel: - Hahahahaha! Esta pensa que está na cidade! Aqui, a nossa casa de banho é ali atrás da moita!

Sónia: - Mas antes, tira do poço um balde de água. Mas cheio, que é para chegar para todos.

Maria: - Nem quero acreditar! Vocês tiveram o desplante de convidar “uma personagem” ilustre (como eu) para passar férias num casebre que nem água canalizada tem.

Miguel:- Se fosse só a falta de água canalizada…

Sónia: - A casa também não tem eletricidade, nem esgotos!

Maria: - Ai que a minha alma está parva. Onde você me meteram, melhor, me convidaram…

Começaram a retirar do carro, uma botija de gás, muitas latas de tinta, muitos pincéis de vários formatos, montes de papel higiénico, roupas, etc.

Maria: - Qual é o meu quarto?

Sónia: - Escolhe um qualquer.

Maria: - Mas os quartos não têm armário para arrumar a roupa e a cama é um colchão no chão?...

Miguel:- Deixa-me rir. Esta, pensava que vinha para um hotel de 5 estrelas!

Depois do almoço (uma pizza comprada pelo caminho) e de lavarem a loiça, o Miguel tomou a iniciativa.

Miguel:- Até na altura de começarmos com a limpeza…

Maria: - Limpeza?! Olha que não sou nenhuma faxineira!

Miguel:- Claro que não nem eu pensei numa coisa dessas. Nomeio-te minha secretária! Para começar, lava esta parede com lixívia (água sanitária) para eu começar a pintar um quadro, tipo rupestre… Talvez uma paisagem…

Maria: - Não, cá em Portugal, as secretárias não limpam paredes. Olha lá, porque não lavas tu a parede?

Miguel:- Eu?! Não vês que não posso pois tenho uma dor nos pés e tenho de andar de bengala? Vá lá, começa a merecer ter-te trazido de férias…

Sónia: - Maria, antes de lavares essa parede, lava antes esta para eu começar a pintar um quadro exótico, no Jardim do Éden, com a Eva, o Adão e a Cobra…

Maria: - Uma boa cobra me pareces tu! Não, não e não. Não faço nadinha. Vim para cá (fazendo o favor a vocês) para descansar e não para trabalhar! Vou sentar-me aqui no chão, de pernas traçadas para meditar na minha vida.

E, assim fez. Sentou-se no chão, com os olhos fechados, começou a meditar…

Alguns minutos depois, começou a chover torrencialmente e em breves minutos tudo ficou inundado. O carro começou a ser arrastado em direção ao rio, pela corrente de água que entretanto se formou. Nessa altura, tiveram que subir ao telhado da casa, sempre com receio que este desabasse. Felizmente, a Maria ficou como o telemóvel (celular) no bolso das calças e de lá telefonou aos bombeiros a pedir ajuda, naquela situação tão crítica.

Duas horas depois, um helicóptero da Proteção Civil foi lá resgatá-los do telhado da casa. A Maria, valente como é, quis ser a última a ser içada para dentro do aparelho, sem gritar nem espernear, ao contrário da Sónia que se fartou de gritar. Já dentro do helicóptero viram o telhado da casa ruir.

Já na cidade para onde os bombeiros os levaram, o casal apanhou um comboio (trem) para o regresso a casa. Já a Maria apanhou um “expresso” para o regresso à sua paradisíaca vila.

Quando chegou a casa, a família quis saber se tudo tinha corrido bem e se estava feliz com o passeio.

Maria: - Estou muito contente e feliz. Imaginem que até fizemos desporto radical!

Fonte:
Texto enviados pelo autor

W. J. Solha (Arkáditch)


Recebi ontem o livro “Arkáditch” de W. J. Solha, da Paraíba. Não conhecia seus escritos, mas na página 11, no último parágrafo num diálogo, a frase que transcrevo a seguir já vale a pena a leitura.

“Sabe o que eu acho? A vida já é um filme de arte – complicado, comprido e chato pra burro – com a desvantagem de que a gente nunca recebe a iluminação adequada, o som geralmente é muito ruim, a trilha sonora é uma colcha de retalhos, a história não existe… e vocês ainda ficam … mastigando essa coisa toda e pensando que são melhores do que todo mundo.”

Para não passar em branco aos leitores do blog, coloco uma soma dos textos que obtive no blog do Nilto Maciel e do Correio da Paraíba, para que conheçam Solha e seu trabalho.
José Feldman
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A cellista Drica vem da Espanha desiludida com a música e disposta a abandonar sua arte. Seu pai, Zé Medeiros, um industrial, que também é professor de filosofia, está às vésperas de se aposentar e se vê diante do dilema de não saber o que fazer após o fim das aulas. O emblema desta família de perdidos é Seu Né, pai de Zé Medeiros. Abandonado pela segunda família, sem memória, é acolhido pelos que abandonou. Para complicar este cenário todo, aparece a bela e misteriosa Marion, que vai desestruturar os alicerces da família Medeiros. Assim é Arkáditch (Ideia, 221 páginas), o mais novo romance do escritor e multi-artista W. J. Solha.

Aos 70 anos, completos em maio passado, Solha já colhe boas recepções críticas de seu mais recente trabalho. O curioso é que o autor decidiu não lançar o seu livro. “Sempre me dei mal nos lançamentos, pois não sei ligar para um amigo que mora lá na caixa-prego, ‘convidando-o’ para aguentar alguns discursos e comprar minha ‘obra’”, diz. Como ganhou a bolsa Funarte de Criação Literária, no valor de R$ 30 mil, Solha resolveu não vender esta nova obra. Quem se interessar, pode pedir por e-mail (wjsolha@superig.com.br) e o autor o envia pelos Correios.

O QUE É ARKÁDITCH?

Trata-se de romance de 220 páginas, editado – por encomenda minha – pela Ideia, daqui de João Pessoa, sem prefácio ou coisa parecida, pois – do mesmo modo que me encabula cobrar pela posse de um exemplar dele – chateia-me a simples possibilidade de incomodar algum amigo intelectual para elogiar um trabalho que, talvez, nem lhe entre no goto, comprometendo sua reputação de expert, etc. e tal. Afinal, nenhuma das grandes editoras do país se interessou pela publicação. E talvez tivessem razão, pois confiei seus originais, algum tempo atrás, a dois escritores: Hugo Almeida e Esdras do Nascimento – o primeiro de São Paulo, o outro, do Rio – e, se Hugo o aprovou in totum, do Esdras recebi esta mensagem:

– Não vou permitir que perca um livro importante desse com sua mania de referências e citações!

Quando entreguei os mesmos originais ao Magno Nicolau, da Ideia, sem qualquer releitura, surpreendi-me quando ele me ligou dizendo-me que consertara um bom número de erros de digitação e de outros tipos, mas acabara desistindo da revisão, pois eram muitos.

– É possível?

Só então me dei conta de que escrevera Arkáditch antes da última reforma ortográfica. Mas isso foi o de menos. Botei o computador para substituir todos os “vêem” por “veem”, “pára” por “para”, “ü” por “u”, “éia” por “eia”, etc. E aí me toquei nos “eruditismos” que tanto haviam incomodado o Esdras e saí fazendo um rapa, deles, deixando o Arkáditch com seis páginas a menos. De quebra, de tanto reler o livro, acabei alterando muitos de seus detalhes, amarrando-lhe pontas soltas. Isso é exasperante, porque nos amplia a certeza de que a perfeição, realmente, não existe. Ou, pelo menos, está fora de meu alcance.

MAS DE QUE TRATA O ROMANCE?

Em alguns livros meus, tratei da vida contemporânea aqui no Nordeste. Israel Rêmora, meu primeiro editado, lançado pela Record em 75, registra muito do que vivi em Pombal, no alto sertão paraibano, entre 63 e 70. A Cidade e as Serras, do Eça de Queirós, me motivou a escrever Relato de Prócula (A Girafa, 2009) juntando Pombal e João Pessoa, também nos dias atuais. A Batalha de Oliveiros (Itatiaia, 1989) veio ao mundo para que eu trabalhasse minha angústia de não participar da luta armada, no tempo da ditadura. Passa-se no interior do Pernambuco. E Arkáditch se concentra na capital paraibana. Curioso pensar que, no final do ano passado, trabalhei como ator em dois longas do Recife, com estreias marcadas para o começo de 2012: O Som ao Redor, de Kléber Mendonça Filho, e Era uma vez Verônica, de Marcelo Gomes, ambos também abordando (e pela primeira vez, no cinema) a classe média urbana nordestina contemporânea.

A ação de Arkáditch se passa nos anos 1990, mais precisamente, no período em que o presidente Collor é destituído do cargo por meio de um impeachment. O romance também foi escrito naquele período. Falando sobre o processo Solha diz: “Quando ainda datilografava meus livros, era fácil dizer quantas versões tinham sido necessárias para chegar à versão final”. Ratificando a importância dos detalhes, revela: “Costumo dar meus originais - quando sinto que ainda não estão bons - a pessoas que respeito no ramo e que me sejam, evidentemente, acessíveis”. Todavia, Solha reconhece: “Depois disso tudo, você entrega os originais para a editora, mas não se sente feliz”.

E O ENREDO?

Certa vez, nos anos de chumbo, conheci um casal de jovens brasileiros formados pela Universidade dos Povos, de Moscou, por isso sem direito a exercer suas profissões no Brasil, e vivendo em certa clandestinidade. Por coincidência, eu lera, em Pombal, um calhamaço de cartas amareladas de um tal de Manoelzinho à minha amiga Nena Queiroga, parente de minha mulher e dona do primeiro cartório de lá, em que se via toda uma vida – a do cara que, na ficção, dei o nome de Stiepán Arkáditch (coisa de pai esquerdista, como o de Vladimir Carvalho) – nascido nas brenhas de uma aba de serra dali por perto, de repente com uma guinada surpreendente, pois – analfabeto até os quinze anos – apareceu lendo tudo, pelo que foi encaminhado ao seminário de Cajazeiras, com batinas, livros e tudo mais patrocinado pela “madrinha” Nena, que – refinada e culta – gozava, ainda, do conceito de “muito católica”. Aí Manoelzinho se manda pro Recife, de lá para o Rio, passa nos concursos da Petrobrás, Banco do Brasil e Banespa, escolhe a primeira empresa, é demitido por envolvimentos com comunistas, no tempo de Goulart, ganha bolsas de estudos pra Sorbonne e pra Patrice Lumumba (Universidade dos Povos), sai do país pra Paris e, de lá, se manda pra Rússia, onde se torna seu melhor aluno... até que um tumor cerebral – razão de sua genialidade – o mata.

A partir desse alicerce – o passado – construí o presente de meu romance. “Presente” em termos: comecei a criar o livro depois de participar de uma passeata pelo impeachment do Collor, em 92, evento que me empolgou tanto, que em 94 fiz uma mostra, Caras Pintadas –pra campanha contra a fome, do Betinho – exposição cujo carro-chefe era um quadro, que em seguida reproduzo alguns de seus detalhes.

Bem, os personagens de meu romance são como essas pessoas, cujas fotos reproduzi em tinta acrílica sobre tela. Tudo gira em torno da figura principal – Zé Medeiros – professor da UFPB em seu último dia de aula, quando vem à tona seu passado, que inclui diplomas na Sorbonne, acusação de um assassinato na Patrice Lumumba, etc, etc.

Em texto sem assinatura, nas orelhas do livro, há uma série de aproximações entre os personagens e a vida real de Solha. Ao ser perguntado sobre as relações entre ficção e biografia, Solha recorre a uma característica bem sua: a citação. “Não à toa Flaubert disse que Madame Bovary era ele: ‘Madame Bovary c´est moi’. Como faço meu personagem Zé Medeiros dizer, logo no começo de meu romance, ao dizer que está fazendo um romance, há uma grande verdade na frase do Templo de Delfos: ‘Conhece-te a ti mesmo e conhecereis os deuses e o universo’. O que não significa que faço livros autobiográficos”, informa. Falando sobre as diferenças, o escritor atesta: “Não conheço a Rússia, e graças ao fato de ter estudado lá, Zé Medeiros tem todo seu drama, décadas depois. Nem sou, como ele, professor de filosofia da UFPB, muito menos – também – usineiro”.

Ator, pintor, dramaturgo, escritor. A qual destas áreas Solha mais tem se dedicado? “Não se é possível fazer tudo isso bem. Esse é o problema. Tanto, que deixei o teatro em 1990, a pintura em 2004. Resolvera, também, não mais participar de filmes, quando recebi convites irrecusáveis para testes em filmes de Kléber Mendonça Filho - em que contracenei com Irandhir Santos – e de Marcelo Gomes, no qual sou pai de Hermila Guedes”, explica.

O resultado da overdose é que senti, pela primeira vez na vida, o que é a exaustão total. Somente fui me livrar quase um ano depois. E tive de interromper, quando estive no Recife, envolvido nesses filmes, o poema longo a que me dedico há já três anos”, relata. “Mas a verdade é que tenho feito todas as outras atividades para ter como escrever meus livros com conhecimento de causa. A literatura - há trinta e tantos anos - tem sido minha atividade principal”.

Fontes:
Nilto Maciel. Literatura sem Fronteiras
Correio da Paraíba.

W. J. Solha (1941)


Waldemar José Solha nasceu em Sorocaba, São Paulo, em 1941. Radicou-se na Paraíba desde 1962.

Escreveu os romances:
"Israel Rêmora", Prêmio Fernando Chinaglia 1974, editado pela Record em 1975;
"A Canga", 2º prêmio Caixa Econômica de Goiás, 1975, editado pela Moderna, de São Paulo, em 1978, e pela Mercado Aberto, de Porto Alegre, em 1984
"A Verdadeira História de Jesus", editado pela Ática, de São Paulo, em 1979
"Zé Américo Foi Princeso no Trono da Monarquia", lançado pela Codecri em 1984
"A Batalha de Oliveiros", Prêmio INL 1988,publicado pela Itatiaia, de Belo Horizonte, em 1989
"Shake-up", publicado pela editora da UFPb em 1997

E ainda o poema longo "Trigal com Corvos", publicado pela Palimage, de Portugal, em 2004, Prêmio João Cabral de Melo Neto 2005 como melhor livro de poesia do ano anterior e "História Universal da Angústia", Prêmio Graciliano Ramos 2006 e finalista do Prêmio Jabuti 2006.

W. J. Solha tem passagens também pelo teatro. Escreveu e montou "A Batalha de OL contra o Gígante Ferr" em 1986, e "A Verdadeira História de Jesus" em 1988. Escreveu também "Os Gracos" (inédito), "A Bagaceira" e "Papa-Rabo"(montadas por Fernando Teixeira em 1982 e 1984), "Burgueses ou Meliantes" (montada por Ubiratan de Assis em 1988), "A Batalha de Oliveiros contra o Gigante Ferrabrás", Montada por Ricardo Torres em 1991.

Fez os textos para "Cantata Pra Alagamar", música de José Alberto Kaplan, gravação Discos Marcus Pereira 1980, "Os Indispensáveis", para música de Eli-Eri Moura, apresentada em João Pessoa em 1992.

Trabalhou como ator nos filmes "O Salário da Morte", dirigido por Linduarte Noronha em 1969, "Fogo Morto", dirigido por Marcus Farias, "Soledade", dirigido por Paulo Thiago (ambos de 1975), "A Canga", de Marcus Vilar, em 2001 e "Lua Cambará", dirigida por Rosemberg Cariry em 2002

É autor dos painéis "Homenagem a Shakespeare", de 1997, em exposição permanente no auditório da reitoria da UFPb, e "A Ceia", de 1989, no Sindicato dos Bancários da Paraíba.

Fonte:
Wikipedia

Wofgang Teske (Cultura quilombola tocantinense na 57ª Feira do Livro de Porto Alegre)

foto por Ana Kanitz
artigo por Zacarias Martins

No próximo dia 30 de outubro, professor Wolfgang Teske estará autografando o seu livro “Cultura Quilombola na Lagoa da Pedra – Tocantins”, na 57ª Feira do Livro de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Porém, no dia anterior, ele já tem agendada palestra na Ulbra, em Canoas/RS, onde falará sobre esse importante trabalho desenvolvido em terra tocantinense

Publicada pelo Conselho Editorial do Senado Federal, a obra de Teske possui 295 páginas e é fruto de estudos de caso de processo folkcomunicacional (estudo sobre processos de comunicação através das manifestações folclóricas e suas relações com a mídia), que foram realizados pelo autor durante seu mestrado em Ciências do Ambiente na Universidade Federal do Tocantins (UFT) e trazem uma análise profunda dos rituais, símbolos e rede de significados das manifestações culturais da comunidade.

Segundo Teske, essa obra dá visibilidade e resgata a riqueza e a preservação das características da comunidade, mesmo diante de situações de preconceito. “Esperamos que a obra reforce o respeito e traga políticas públicas para assegurar a cidadania da comunidade”, complementa.

Em 2009, Wolfgang Teske havia lançado o livro “A roda de São Gonçalo na comunidade quilombola da Lagoa da Pedra em Arraias” (Ed. Kelps), que se encontra na sua terceira edição e onde faz um registro dessa importante manifestação cultural no município tocantinense de Arraiais, no Sul do Estado,

Além disso, em 2010, foi publicado o foto-livro Projeto Fotográfico A Roda de São Gonçalo, sendo o primeiro livro dessa natureza no Estado do Tocantins. Ele é parte integrante da exposição fotográfica realizada em parceria com o repórter fotográfico Émerson Silva que acompanhou Teske durante a pesquisa e o fotojornalista Manoel Júnior. O trio foi selecionado no 1º Prêmio Nacional de Expressões Culturais Afrobrasileiras, na área de Artes Visuais, concurso promovido pelo Ministério da Cultura, Fundação Cultural Palmares e do Centro de Apoio ao Desenvolvimento Osvaldo Santos Neves (CADON), patrocinado pela Petrobras

FOLKCOMUNICAÇÃO

Coordenadora do Programa de Mestrado em História da Universidade Federal de Campina Grande, na Paraíba, a professora doutora Juciene Ricarte Apolinário, que assina o prefácio da obra, considera que este trabalho de Teske é provocativo e que toca em questões muito importantes como é o caso das práticas culturais populares no Brasil, especialmente os de origem afro-brasileira.

Apolinário também destaca que a utilização das bases teórico-metodológicas da Folkcomunicação revela a capacidade do autor em trabalhar com uma pesquisa sócio-cultural e as formas como a comunicação, a partir da cultura popular, que permanece e resiste em comunidades quilombolas apesar de toda influência externa, especialmente dos meios de comunicação de massa que direta ou indiretamente deixam suas marcas nefastas.

SOBRE O AUTOR

Wolfgang nasceu em Blumenau, SC, filho de pedreiro e de dona de casa. Graduado em Teologia pelo Seminário Concórdia de Porto Alegre – RS (1981) e Comunicação Social/Jornalismo pelo Centro Universitário Luterano de Palmas – TO (2006) é pós-graduado em Docência do Ensino Superior pela Faculdade Albert Einstein de Brasília – DF. Também é Mestre em Ciências do Ambiente/Cultura e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Tocantins – TO (UFT). Morou em Belém onde coordenou o Centro Integrado de Educação, Saúde, Assistência Social e Evangelização. Em Palmas – TO, como primeiro diretor geral, foi o responsável pela construção e implantação do Complexo Educacional da Universidade Luterana do Brasil (1992 a 1997). Posteriormente, exerceu o cargo de Diretor de Relações Empresariais e Comunitárias da Escola Técnica Federal de Palmas – TO, na sua implantação (2003 a 2004). Integrou a equipe da administração municipal para a implantação do Sistema de Escolas de Tempo Integral e vários Conselhos Municipais (2005 a 2010). É professor universitário e atualmente integrante da Fundação de Apoio Científico e Tecnológico do Tocantins da UFT, atuando em pesquisa de âmbito nacional.

Fonte:
artigo enviado por Zacarias Martins.

Monteiro Lobato (O Presidente Negro) XXI– Uma Dor de Cabeça Histórica


CAPÍTULO XXI
Uma Dor de Cabeça Histórica

— Quando os convencionais deixaram a Casa Branca o último a despedir-se foi o senhor John Dudley, pai da cor numero 8 e autor das 72 invenções.

Era esse Dudley um velhinho de olhar muito vivo e alegre, cuja inteligência tinha fama de ser a mais pronta da América, a mais facetada e contornante. Apreendia tudo instantaneamente, sob todos os aspectos possíveis.

Ao apertar a mão do Presidente Kerlog, disse ele com ar enigmático:

— "Faço votos para que o senhor Presidente descubra a solução pratica com a mesma facilidade com que o senhor Leland descobriu a solução teorica. Isso lhe trará, talvez, uma certa dorzinha de cabeça. Se por acaso se agravar essa dor de cabeça e não ceder a nenhum sedativo, lembre-se deste seu criado e chame-o.
Quero ter a honra de curar uma dor de cabeça histórica...

Disse e saiu a sorrir. Kerlog ficou uns instantes a meditar naquelas palavras enigmáticas, que traziam evidentemente uma intenção oculta. O homem das setenta e duas invenções nada dizia ás tontas.

— "Será que John Dudley possui de sua invenção alguma famosa super-aspirina?" pensou consigo o chefe de estado. Mas o tumulto das preocupações governamentais fez-lo em breve esquecer-se do incidente.

A semana que se seguiu á Convenção foi o pior momento de vida que ainda passou um presidente americano. O ministerio vivia em reuniões continuas, e era de fuga que aqueles homens tomavam algum repouso. A tarefa de manter o país em calma, de evitar a explosão das duas masas prenhes de eletricidades contrarias e suscetíveis de explosão ao menor choque, agravava-se com a premência de solver o caso dentro da formula votada pelos convencionais. Mas entre propor com toda a frieza uma solução daquelas e descobrir os meios de possibiliza-la, ia um abismo.

O ministro da Paz chegou a irritar-se.

— "São facílimas as soluções dessa ordem", disse ele. "Creio até que se em vez de seis velhos lideres reuníssemos aqui seis crianças de escola, o resultado seria o mesmo. É absolutamente impraticável a formula Leland."

O Presidente Kerlog possuía um caráter mais obstinado do que o do seu ministro. Assim foi que objetou:

— "Costumamos chamar impraticável ao que não praticamos ainda. Lembre-se de Colombo com o ovo..."

— "Perfeitamente", contraveio o ministro, "mas já se passou uma semana e não nos ocorre saída. Estou cansado de examinar as sugestões dos nossos tecnicos, todas absurdas, porque em grau maior ou menor implicam o emprego da força, o que seria desencadear a
tormenta. As sugestões de hoje — sete! — parecem-me tão idiotas como as anteriores.

Na realidade assim era. Debaixo do mais absoluto segredo cerca de cinquenta tecnicos do estado, dos mais hábeis que se puderam reunir, davam aos miolos as maiores torturas para afastar do remédio proposto por Leland o termo coação.

Os ministros já manifestavam sintomas de surmenage. Horas e horas perdiam a debater o caso, e nem no sono tinham repouso; o trabalho mental subconsciente os torturava de pesadelos.

No oitavo dia o Presidente apareceu na sala de trabalho a cheirar um frasco de sais. Era a dorzinha de cabeça prevista por John Dudley. No décimo dia essa dor agravou-se de modo a inspirar receio aos ministros. Felizmente a memória do senhor Kerlog funcionou a tempo e fez-lo recordar-se das palavras do convencional Dudley ao despedir-se.

— "A dor de cabeça mata-me", radiou ele para o homem das 72 invenções. "Acuda-me com o remédio, caro Dudley!"

Naquele mesmo dia, á noite, reapareceu John Dudley na Casa Branca, sendo logo introduzido nos aposentos particulares do Presidente.

— "Benvindo seja!" disse este com a mão na testa. "A cabeça estala-me e a dor não cede a sedativo nenhum. Acuda-me com a sua ultra-aspirina."

John Dudley sorriu com malícia.

— "Ouça-me", disse ele, "ouça-me com atenção que sarará dentro de cinco minutos. O seu mal cura-se com um tópico que só eu possuo."

E Dudley começou a falar. Ao cabo do segundo minuto, o Presidente Kerlog tirava a mão da testa. Ao fim do terceiro sorria. Ao quinto, saltava da poltrona e vinha apertar nos braços o terrível velhinho.

– "Maravilhoso!... Mas então é assim absoluto o efeito?”

– "Fiz todas as experiencias e tirei todas as contra provas," respondeu Dudley. "O efeito é absoluto!”

– "Sem dor, sem lesão, sem que o paciente sequer o suspeite?”

– "Exatamente!"

Kerlog sorria, com o olhar distante. O problema que em vão a política tentara solver, a ciência resolvia por um processo mágico.

– "Efeito duplo, então?" insistiu o Presidente.

– "Triplo, aliás", retrucou o malicioso sábio.

O presidente fez cara de surpresa.

— "Sim, pois cura tambem as dores de cabeça históricas..."

Kerlog sorriu e novamente abraçou o homem das 73 invenções,

— Miss Jane, disse eu interrompendo: está a senhora a judiar comigo! Macacos me lambam se percebo qualquer coisa...

— Uma pontinha de mistério é indispensável no tempero dos romances, respondeu a linda criatura. O senhor Ayrton vai ser romancista; deve pois ir aprendendo o sutil segredo da dosagem dos ingredientes...

Miss Jane estava a brincar comigo, não havia duvida. Punha fogo ao estopim de minha curiosidade e deixava-o a arder...

No dia seguinte, continuou ela, reapareceu na Casa Branca o senhor John Dudley, desta vez sobraçando um esquisito embrulho — um embrulho fofo, como se contivesse cabelos humanos.

Entrou e passou uma boa hora em conferência com o Presidente e mais os seus ministros.

O que lá houve ninguém conseguiu saber. Só se soube que, finda a reunião, ao descerem a escadaria, disse o ministro da Paz ao da Equidade:

– "O eterno ovo de Colombo! Bem dizia o Presidente que era necessário teimar...”

– "E que lindos ficam os cabelos!" comentou o da Equidade. "Não só se alisam, como afinam e se tornam sedosos. O peixe morrerá pela carapinha, não ha que ver...”

– Miss Jane... comecei eu, interrompendo-a nesse ponto.

A moça, porém, tapou-me a boca e deu o sinal do chá.

Fiz a cara de compunção com que sempre recebia o tal ponto e vírgula. Mas errei.

— Não faça esse bico de criança, disse miss Jane com a sua finura habitual. O chá é apenas virgula. O senhor Ayrton está convidado a jantar aqui.

Meu coração deu cabriolas dentro do peito, e arrastado por um impulso incoercível tomei... a mão da minha amiga e beijei-a. A mão! Apenas a mão! Timidez — teu nome era Ayrton Lobo!…

– Mas o enigma dos cabelos, miss Jane? Decifre-mo logo, que estou a arder de curiosidade, pedi-lhe logo depois do chá.

Uma história muito simples, senhor Ayrton. John Dudley dedicava-se, havia longo tempo, ao estudo do cabelo negro, esperançado em descobrir o meio de alisa-lo e torna-lo sedoso e absolutamente igual ao da raça branca — e muito se falou na América, alguns anos antes, nos admiráveis resultados das suas experiencias. Até 2228, porém, o sábio não havia tornado publica essa invenção, que seria a 73.a. E ninguém mais pensava no caso quando, dois dias depois da sua conferência particular com o Presidente Kerlog, esvoaçou pelos Estados Unidos uma noticia de sensação: John Dudley havia enfim resolvido o difícil problema capilar.

Os raios Omega, de sua descoberta, tinham a propriedade miraculosa de modificar o cabelo africano. Com três aplicações apenas o mais rebelde pixaim tornava-se não só liso, como ainda fino e sedoso como o cabelo do mais apurado tipo de branco. Os raios Omega influíam no folículo e destruíam nele a tendencia de dar forma elíptica ao filamento capilar. Vencido este pendor para a forma elíptica, cessava o encarapinhamento, que não passa de mera consequência mecânica.

Como é de supor, imensa foi a repercussão da noticia. Cem milhões de criaturas reviravam para o céu os olhos agradecidos. Os negros chegaram a tomar-se de puro êxtase, convictos de que das Alturas descera a pugnar por eles alguma alta divindade, como outrora os bons deuses do Olimpo. Mal repostos ainda da emoção consequente á vitoria de Jim Roy, outra os empolgava agora — e esta mais fecunda, pois redundaria num aperfeiçoamento físico da raça. Já o pigmento fora destruído e, embora o esbranquiçado da pele não se revelasse cor agradável á vista, tinham esperança de obter com o tempo a perfeita equiparação cutânea. Vir agora, e assim de chofre, o resto, o cabelo liso e sedoso, a supressão do teimoso estigma de Cam, era, não havia duvida, sinal de um fim de estágio. Reduzidas desse modo as duas características estigmatizantes da raça, o tipo africano melhorava a ponto de em numerosos casos provocar confusão com o ariano. Entre a miss naturalmente branca e loura e a negra despigmentada e omegada pelo processo Dudley, era quasi nula a diferença.

– Mas a cor dos cabelos? perguntei eu, sempre curioso de minúcias.

– Cor de cabelo bem sabe o senhor Ayrton que não é coisa que dependa da natureza e sim da moda. Hoje, por exemplo, é moda o louro, e nas ruas só vemos louras — louras que amanhã aparecerão de cabelos negros como asas de corvo, se assim o determinar a moda.

Logo em seguida á noticia, estupefaciente como pitada de cocaína, incorporou-se a Dudley Uncurling Company, que estabeleceu em todas as cidades, e nestas em todos os bairros, Postos Desencarapinhantes, como hoje vemos surgir Postos de Vacinação nos anos em que irrompe a varíola. Esses postos multiplicaram-se ao infinito e de um modo mágico, como se uma força oculta empurrasse a Dudley Uncurling Company ao desencarapinhamento da América negra ao menor espaço de tempo possível.

Era dos mais simples o processo. Três aplicações apenas, de três minutos cada uma. Tais facilidades juntas ao custo mínimo — dez centavos por cabeça — fizeram que os negros acorressem aos postos como cães famintos a bofes fumegantes. A vida americana chegou a sofrer um colapso. Só se falava em raio Omega, em folículo, em seção elipsiforme e mais capilotecnicas. A principio irritaram-se os brancos com o que chamavam a segunda camouflage do negro, por fim passaram a divertir-se com o espetáculo deveras curioso da súbita transformação capilar de cem milhões de criaturas. As fabricas de pentes, grampos, loções, shampoos, brilhantinas, tinturas, etc, trabalhavam dia e noite sem conseguirem atender á subitanea procura de tais produtos. Cabeleireiros novos surgiam em todos os cantos e por mais que trabalhassem não davam conta do recado. As negras, sobretudo, viviam num perpetuo sorrir-se a si próprias, metidas dentro de um céu aberto. Passavam os dias ao espelho, muito derretidas, penteando-se e despenteando-se gozosamente. O seu enlevo ao correrem as mãos pelas macias comas omegadas levava-as a esquecer o longuíssimo passado da humilhante carapinha. Brancas, afinal! Libertas afinal do odioso estigma!

Neste ponto da narrativa um raio de luz chofrou-me o cérebro.

— Adivinho tudo agora, miss Jane! gritei batendo na testa. Adivinho a verdadeira solução do problema negro na América! Nem expatriação, nem divisão do país. Apenas branqueamento do negro, igualificação com o branco! decifrei eu, contentíssimo com a minha
tacada.

Mas vi logo que errara de novo. No sorriso com que ela esfriou o meu entusiasmo percebi uma pontinha de piedade pela minha argúcia — pela minha pobre argúcia... Mas era tão boa miss Jane que não teve animo de humilhar-me, como devia. Disse apenas, delicadamente:

— Quasi, quasi adivinhou! Está pertinho...

Como um caramujo cutucado, encolhi-me na poltrona donde me erguera no assomo de ardor divinatorio, e para disfarçar a rata estranhei aquele desvio do assunto principal:

— Mas a que vem esse incidente dos raios Omega no nosso romance, miss Jane?

A moça respondeu de lado:

— Joga xadrez, senhor Ayrton?

Eu só jogava no bicho, mas menti, corando de leve:

– Assim, assim.

Pois nesse caso deve saber que nas partidas bem jogadas um humilde movimento de peão tem tanta importancia para o xeque-mate como um espetaculoso movimento de rainha. Considere este capitulo capilar um movimento de peão e ouça agora o que vou dizer de miss Astor.

— Movimento de rainha... rosnei.

Miss Jane aprovou com um olhar a minha agudeza.

— E de rainha amorosa!completou.

— Amor em 2228? Ainda haverá semelhante coisa em tempo tão recuado?

— O amor é eterno, senhor Ayrton e além de eterno invariável. O que Dafnis sussurrou ao ouvido de Cloé lá nos fundos da Grécia de Longus, sussurraria miss Elvin a um "gorila pelado" de 2228, se porventura descresse do sabino e aderisse ao Homo, como suas companheiras o fizeram.

Pus em miss Jane os meus olhos de carneiro flechado e suspirei. Seria capaz de "sussurrar" ao meu ouvido uma criatura que assim tão cientificamente falava do amor?
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continua… XXII– Amor! Amor!

Fonte:
Monteiro Lobato. O Presidente Negro. Editora Brasiliense, 1979.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Francisco Neves Macedo (Livro de Sonetos e Trovas)


“PAZ”

Na rapidez da informática,
meu sonho dura um segundo,
numa proposta automática
Paz, ponto com, ponto mundo.

ESTAÇÕES

Nós, duas almas que desabrochavam,
começavam viver os bons momentos,
cheios de grande amor, encantamentos
que em arroubos de ardor se enamoravam.

Braços, que ao sabor, já se entrelaçavam,
seguindo, os corações, os batimentos,
a mesma comunhão de sentimentos,
desnudos, nossos corpos que se amavam.

Primaveras, outonos... Estações,
velhos costumes,, sem as emoções
dia a dia a verdade que me ensina.

Nosso futuro, que nos corações,
se anunciavam, cheios de paixões.
agoniza no chão desta rotina

EU CULTIVO UMA FLOR

No segundo semestre de setembro,
plantas se vestem das mais lindas cores
que eclodem no campo em forma de flores,
tantas, que os nomes, não sei ou não lembro.

No ar, toda a embriaguez, na qual relembro,
as festas, os buquês e os meus amores,
a doce inspiração e os trovadores,
e dos Jogos Florais e cada membro.

Primavera, Poética Estação,
que faz esparramar, pelo sertão,
as chananas, orquídeas, lindas rosas!

Eu cultivo uma flor... Mulher, “Rainha”...
Mulher amada que será só minha.
Pétalas de emoções miraculosas!

ICONOCLASTAS DO MEIO AMBIENTE

As árvores são tanta e já floridas,
e são milhares, todas importantes,
mas sei também de muitas ressequidas,
que a moto serra, fez agonizantes.

Árvores tombam, tantas, tanta vidas,
por mãos e mentes, as mais ignorantes,
nas ambições nefastas desmedidas,
o que lhes tornam torpes ruminantes.

Do apocalipse, a “besta” da ambição,
com a maldita, moto serra à mão,
destruindo as irmãs da nossa gente.

Vem a mortal desertificação,
morte virá também ao falso irmão:
Iconoclasta do Meio Ambiente.

AMIGO! UM IRMÃO QUE A GENTE ESCOLHE...

Fazer escolhas, nesta minha vida,
é o dia a dia que se faz dever,
e quando eu erro vem todo um sofrer,
mas, se a escolha é banal, fica esquecida.

Um carro, um disco, um anel, uma bebida,
uma mulher, um livro para ler,
a nossa fé, time para torcer,
uma viagem, um som, uma comida.

Fiz tantas vezes essa escolha errada,
usei o livre-arbítrio para nada!
mas, quem está na chuva, que se molhe...

Há uma escolha que é definitiva,
e eu me baseio nesta afirmativa:
Amigo é aquele irmão que agente escolhe.

CRÍSTICO ABRAÇO

Um momento maior de devoção,
de desespero e dor, fé incontida,
onde, não mais que a força da oração ,
era capaz de dar sentido à vida!

Na igreja, porta aberta, contrição...
Buscava ali, minha última guarida,
e genuflexo, fiz uma oração
com a minha alma em dor estremecida.

Nunca sentira, nunca tinha visto,
tanta empatia olhando para o Cristo,
a quem olhava com um olhar fixo...

Neste momento de êxtase senti,
o seu abraço e “despertando” vi...
Seus braços, já voltando ao crucifixo!

SOU O NÚMERO 300

Sou número trezentos deste autor,
que dedica-se à mim de coração
e que faz a maior divulgação,
tentando resgatar o meu valor...

São tantos temas... Da vida, do amor,
sonho, saudade, lágrimas, paixão.
Sou sua vida eivada de emoção,
sou a celebração por onde for.

Sou o soneto que está em sua alma,
carente de leitor, aplauso e palma!
Sou despertar do verso que dormia!

Um sentimento para declamar
que enternecendo, quer se propagar...
Sou em verdade a própria poesia!

...E AMOR SE FEZ SONETO

Sono esquecido, a acolho, nos meus braços,
ouço o teu respirar, lindo, ofegante,
nos seus carinhos, mil beijos e “amassos”,
instante lindo, não mais que um instante!

Tomo-te, assim, vasculho teus espaços,
orgasmos loucos, sonhos fascinantes!
Por tudo que fizemos, os cansaços,
se fazem adrenalina nos amantes.

Respiração... O som que enleva a gente,
agora se faz terna, mas, ardente.
Voz que em louco prazer se faz dueto.

Onde estiver, é certo estar presente,
cada suspiro, que trará na mente,
este momento, que se fez soneto!

ADEUS A CHICO MOTA

Irmão Francisco Mota, o trovador,
partiu sem avisar e nós ficamos:
A decisão de Deus, nós aceitamos,
mas, com muita saudade e muito amor.

No momento do adeus do trovador,
sua vida em flashback repassamos
e um mundo de poesias encontramos,
nos repentes repletos de esplendor

Chico Mota, poeta rei da rima,
no seu novo habitat no andar de cima
com Castro Alves, Luiz, entre outros astros…

Miríades de versos mundo a fora,
no momento maior dele ir embora,
o Chico Mota, deixa como rastros!

BOM DIA EMOCIONAL...

Receba, neste dia, meu Bom dia!
Em um arroubo, assim, feito um lampejo,
eu não apenas digo, mas, desejo,
e espero que ele encontre sintonia.

Até concordo que a tecnologia,
faz máquina dizer e com gracejo,
no impessoal e sem nenhum traquejo,
um bom dia, qualquer, sem energia...

Bom dia!... Não apenas cumprimento,
mas que traduza todo um sentimento,
e o dia será bom, se for assim...

Meu “Bom dia” tem forma de oração...
É um desejo que vem do coração,
Com a fé neste Deus que habita em mim!...

*****************************
Faça de um simples Bom dia,
um ato de comunhão...
Levando “ao outro” a energia
que está no seu coração!
*****************************

“CAMINZA”

Folião pela própria natureza,
sexta-feira e eu curtindo essa folia,
já estou embriagado de alegria,
ressaca quinta feira é uma certeza

Grande “momo” na sua realeza,
assinou minha carta de alforria
eu vou extravasar minha euforia
vou esquecer de vez minha pobreza

No carnaval, brincar, sei que é preciso,
curtindo muita zorra com juízo:
Ainda ontem eu ouvi de um folião.

De hoje até a quarta-feira, que é de cinza,
para amar só se usar uma “caminza”:
Diz ao filho o “bebum” “chei” de razão!

ÊXODO RURAL

Certa noite eu sonhei, quando dormia,
que os campos e os roçados do sertão,
tristes estavam, sem um só irmão!
E quanto mais olhava, menos via.

Que ninguém mais plantava nem colhia,
nada, nem uma fruta, nem um grão,
quase um deserto em vez da plantação...
Brotou dentro de mim uma agonia.

Cidades, vi em sonho, no momento,
o seu povo a clamar por alimento...
Desespero total... Não tinha nome!

Pelo êxodo rural que acontecera,
grande parte dos homens já morrera...
Pelo maior flagelo... A negra fome!

*************************
Filho, agora vá buscar,
os gravetos, não demore.
Se a fome te torturar...
Sê forte, filho, não chore!
**************************

BEIJO – O DESPERTAR

Encantamento, mais que encantamento!
Um lindo despertar, de duas vidas,
em emoções, que vão, enlouquecidas,
vivendo o novo, com deslumbramento!

Os quatro braços, prendem, libertando,
corpos e almas, agora, ensandecidas,
são emoções em bocas hoje unidas...
Primeiro beijo, fogo crepitando!

Dois lábios, sensações, loucas, plurais,
quase uma dor, nirvanas divinais,
num corpo só, unindo os corações.

Nós dois envoltos: Sonho multicor...
Ir adiante, em êxtase de amor,
no inevitável fogo das paixões.

**********************
Os lábios, num beijo, unidos,
despertam grande paixão...
Tornam um só, dois sentidos,
de dois, um só coração!
***********************
Fontes:
Efigênia Coutinho. 1000 Sonetos . Academia Virtual Sala de Poetas e Escritores (AVSPE). 2009.
http://chicomota.com/tag/francisco-neves-de-macedo/
http://www.satelitefm.com.br/
http://academia-alace.com.br/eventos2.html
http://www.sardenbergpoesias.com.br/aniversario_2008/primavera/primavera.htm

Francisco Neves de Macedo (1948)


Francisco Neves de Macedo, natural de Natal–RN, nasceu no “emadrugadecer” do dia 14 de janeiro de 1948. É o vigésimo filho do casal sertanejo Lauro e Nobília Macedo.

Foi durante 25 anos, o representante das Editoras, IBEO e da Cia. Editora Nacional/SP, para todo o Rio Grande do Norte.

Cursou Letras na Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN . Foi talvez este curso e o seu trabalho na Livraria Universitária, de Walter Pereira, que fizeram emergir, o seu “eu poeta / escritor”. Na Livraria conviveu com os “maiores” da literatura potiguar.

Tem quatro livros publicados e mais quatro no prelo. Além de um grande número de cordéis publicados e punhado a espera de publicação.

Em termos de trovas e poesias já conseguiu emplacar muita vitórias em concursos locais e nacionais... E algumas em Portugal.

È sócio efetivo da Academia de Trovas do Rio Grande do Norte - ATRN e integrante da União Brasileira de Trovadores - UBT de Natal-RN.

Fonte:
http://academia-alace.com.br/eventos2.html

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 371)


Uma Trova Nacional

É tão presente o passado
quando te amei de verdade,
que não aceito o recado
escrito pela saudade.
–LARISSA LORETTI/RJ–

Uma Trova Potiguar

Meu coração em bonança,
diante da aurora deduz,
que predomina a esperança
onde há prenúncio de luz...
–PAULO ROBERTO/RN–

Uma Trova Premiada

2011 - ATRN-Natal/RN
Tema: VERTENTE - 12º Lugar

Se a aridez do dia a dia
se põe a roubar-me a calma,
na vertente da Poesia
revelo as vertentes d’alma!
–JOÃO FREIRE FILHO/RJ–

Uma Trova de Ademar

Sem ter fé, sem ter mais nada,
vi um poeta ao relento
compondo na madrugada
seus versos de sofrimento.
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Sendo a vida vela acesa
dos ventos maus te acautela,
que o destino, de surpresa,
apaga a chama da vela.
–JOSÉ MARIA M. DE ARAÚJO/RJ–

Simplesmente Poesia

Sou
–RACHEL RABELO/PE–

Uma pele não dourada,
mas que guarda o calor do sol...
meus seios possuem o tamanho,
e a firmeza do querer...
meus lábios macios,
o néctar da entrega...
não sou lince,
sou sensibilidade...
recepção de grandes seres,
toque de almas especiais,
entrega sem receios...
a essência que dança o ritmo da verdade...
sou querer e viver liberdade...
sonho com perfume de realização...
o prazer que "arde", deleita...
sente o pulsar de um coração.

Estrofe do Dia

Eu perdi meu poeta cantador,
minha alma em tristeza continua,
vou dormir, perco o sono, saio a rua
implorando a Jesus meu salvador:
ressuscite Chudu, grande pastor
ou me leve daqui para amplidão
para dele eu ouvir a oração
e relembrar-me da hora derradeira;
a viola é a única companheira
nos momentos de minha solidão.
–DINALVA/PB–(Viúva de Manoel Chudu)

Soneto do Dia

Brasil – 500 Anos
–SOLANGE RECH/SC–

Quem, como a gente, escancarou os braços
a acolher todo povo e toda raça?
Somos todos irmãos, fraternos laços
nos unem e não há quem os desfaça.

No passado houve falhas, embaraços
(A escravidão – remorso que não passa)...
Assumamos, humildes, os fracassos
– maneira de evitar nova desgraça.

Quinhentos anos de um país-menino
que precisa vencer os empecilhos
pois é assim que a realidade muda...

Pátria querida, assume o teu destino
de ser a mãe zelosa dos teus filhos
e de acolher a quem te pede ajuda.

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

VI Concurso de Trovas Alternativo Navegando nas Poesias (Prorrogação)

Jangada em Alto Mar - de Oscar Araripe
Por motivo da greve nos Correios o Alternativo Navegando nas Poesias estará outorgando até dezembro de 2011, Diplomas de Honra ao Mérito a personalidades, pela passagem do seu 24º aniversário.

O VI Concurso de Trovas tem como tema: presença - Lírica/Filosófica, direcionada a importância no meio literário do Alternativo Navegando na Poesia.

Uma única trova, âmbito nacional, sistema de envelope.

Enviar para a Caixa Postal (abaixo) com término em 28 de novembro de 2011.

Resultado 15 de dezembro de 2011 .

Premiação: Março de 2012 com direito a
Diploma e Medalha para os cinco [5] Vencedores e
Diploma para cinco [5] Moção Honrosa.

Não haverá Diploma de Participação.

O participante ao enviar sua trova, aceita em caráter irrevogável, as condições da comissão julgadora, composta de três membros literatos.

A premiação será encaminhada via correio.

Agostinho Rodrigues
Caixa Postal 114566
Campos/RJ –
CEP. 28001-970

Fonte:
Mifori

Nemésio Prata Crisóstomo (Triste Insônia)


Já é madrugada!
Minha alma padece
a espera do sono
que tarda chegar!

Já é madrugada!
A mente amortece
a espera do sono
que tarda chegar!

Já é madrugada!
Meu corpo fenece
a espera do sono
que tarda chegar!

Eu ligo a TV!
O olho vidrado,
a espera do sono
que tarda chegar!

Eu volto pra cama,
já desesperado,
a espera do sono
que tarda chegar!

Eu beijo a mulher!
Desperta, me chama!
O sono chegou,
oh Deus, quanto azar!
(Fortaleza/CE)

Fontes:
Poesia enviada pelo autor
Imagem = http://www.saude.culturamix.com

Hermoclydes S. Franco (Destino de Poeta)


Em meu destino de poeta,
faço da vida a colheita
mais preciosa e bendita!...
E vou, por aí, colhendo
flores mortas pela estrada
e as rosas rubras do amor...
O mel dos lábios da amada
e as pérolas de um sorriso...
As flores de cada dia,
que se espalham nos canteiros...
Os valores da alegria
e uma lágrima incontida...
Os abraços de amizade
e uma cantiga de paz...
Uma emoção que desperta,
ao cantar do Irapurú...
Sons perdidos no silêncio
das noites universais...
Gotas do orvalho sutil,
em cada noite de lua...
Palavras na voz do vento,
à luz das constelações...
O afago, no rosto frio,
da brisa que vem do mar,
e o saudar, renovador,
das manhãs ensolaradas!...
..........................................................

Ungido por tantas graças
que as sensações me despertam,
vou rezar santa oração
no seio da catedral...
Dar graças ao Deus Supremo
pela infinita colheita
que o viver me proporciona,
em meu destino de poeta!...

Fonte:
Poema enviado pelo autor

Júlia Lopes de Almeida (Para a Morte!)


Dizem que não há na mesma árvore duas folhas iguais e que as próprias flores, bem comparadas, divergem entre si, ou na forma, ou no colorido, ou no aroma.

É uma diferença quase imperceptível e só apreendida pela vista e o olfato argutos de um botânico estudioso e observador.

Quer isto dizer que no fundo da sua natureza misteriosa, a própria planta tem também os seus desacordos impenetráveis...

Como as folhas da mesma árvore, irmãs! somos todas dissemelhantes, e como as folhas somos levadas ou pela aragem doce que nos atira para a veludosa alfombra aos pés da própria árvore; ou pela lufada do temporal, que nos impele para a terra em torvelinho ou para as águas torrenciais!

Que culpa temos nós de ficarmos aqui ou irmos para além, se somos levadas pelo vento?

Nos tempos antigos, a mulher era calma, submissa, pacífica e retraída; mas seria tudo isso por ter mais bom senso, mais felicidade e menos ambição? Não me parece. O motivo devia ser outro; o motivo devia de estar na atmosfera que a envolvia e em que não existia nenhum elemento agitador. Não somos nós que mudamos os dias, são os dias que nos mudam a nós.

Tudo se transforma, tudo acaba, tudo recomeça, criado pelo mesmo princípio, destinado para o mesmo fim. Nascemos, morremos e no intervalo de uma e outra ação, vivemos a vida que o nosso tempo nos impõe.

O que ele impõe hodiernamente à mulher é o desprendimento dos preconceitos, a meta, sempre dolorosa pela existência, o assalto às culminâncias em que os homens dominam e de onde a repelem.

Mas, seja qual for a guerra que lhe façam, o feminismo vencerá, por que não nasceu da vaidade, mas da necessidade que obriga a triunfar.

A vida é cada vez mais exigente, absorve todas as aptidões; quem a pode servir, serve-a, e com isso só se enobrece, porque o trabalho nunca aviltou ninguém. Desde as classes inferiores, em que as mulheres queimam as mãos nas barrelas e carregam fardos, ou passam noites dobradas sobre as costuras. estragando os olhos e os pulmões, até às professoras, as médicas, as negociantes, qual não terá a consciência de sacrificar ao dever a sua alegria, o seu corpo, a sua mocidade?

Eu só não posso reprimir um movimento de estupefação diante da mulher que liga o seu nome a uma propaganda de extermínio e de sangue. Quando há tempos li o de Emma Galdman, acusada de instigar a morte de Mac Kinley senti uma revolta n'alma e a suspeita de que cometiam uma injustiça. Se em vez desse, viesse no mesmo lugar um nome de homem eu não vibraria ao mesmo estremecimento.

Não leio todos os dias notícias de mortes, de assassinatos e de crimes com igual direito à minha compaixão? E tremo por isso? E atordôo com ela os ouvidos do meu vizinho?

Absolutamente!

A intenção de Emma, de bem fazer às classes oprimidas e de só abater os grandes para mais livremente fazer circular os pequenos; a sua fé divina em um futuro de pacificação e de harmonia, em que a fraternidade dos homens não seja uma palavra vã, toda a generosidade do sonho em que ela afoga a sua alma de alucinada, não lograram, ai de mim! convencer-me de que há desculpa para uma mulher que só por via do mal procure fazer o bem.

Nem creio que ela o propagasse assim. O papel mais difícil é e será sempre

o da conciliação, e é esse que todas as mulheres, mesmo as mais extremadas nos seus ideais, deveriam desempenhar. O mundo está farto de sangue e de ódios, e à espera de um bem, que tarda, e que o pacifique sem que para isso se amontoem cadáveres nem se acrescente o número dos encarcerados. Oh! Se para o triunfo do sonho anarquista, os fanáticos não quisessem a destruição; se a sua obra libertadora não exigisse o dilúvio do sangue e a devastação das cidades, como ele seria sedutor e desejado!

Como todas as revolucionárias, Emma esgotava-se em escritos e em conferências, levando de terra em terra a chama da sua palavra incendiada; pregando as suas doutrinas pelas cidades e vilas da União, perturbando os cérebros espessos de operários, sujeitos, até ao dia nefasto de a ouvirem, com maior ou menor resignação, às privações da sua dura sorte. Entretanto, ela, querendo iluminá-los, plantava-lhes n'alma o descontentamento e a dor. A infelicidade que se ignora, não é infelicidade.

No dia em que foi executado o assassino de Mac Kinley alguma mulher o chorou como mulher; e Emma sem consolar essa desconhecida, mãe, amante ou irmã do homem que perdeu, sentiu naturalmente subir às suas pupilas ressequidas pela febre das vigílias e do trabalho, uma lágrima de inexprimível inquietação.

A sua alma de mulher pressentiu a outra mulher, aquela que não sabe ser no mundo outra coisa, e que da vida só tem uma noção — a do amor!

A escritora anarquista compreendeu que é bem espinhoso e duro o caminho por onde ela busca a felicidade; mas acharia tarde para voltar, sentindo medo do caminho percorrido. Assim, haja o que houver e sinta o que sentir, ela continuará...

Continuará, lavada em lágrimas, ao sopro erradio do seu destino, com a folha ao vento espalhando o seu aroma venenoso pelos caminhos das fábricas e os carreadouros dos campos de lavoura. Ela continuará pregando e profetizando um bem irrealizável.

Ela continuará, e outros correrão a ouvi-la, e morrerão por cumprirem os seus mandamentos, e serão chorados por mulheres que ainda não saibam ser outra coisa no mundo... E na face serena da terra a inundação do sangue e das lágrimas não mudará nunca a essência das coisas nem a dos seres!

Sim, a culpa é do tempo; é ele que obriga as mulheres a olharem para a vida com uma atenção tão rude e tão penosa. Sentem-se muito sós, precisam trabalhar, para elas e para as que nascem delas, porque a onda da miséria cresce, e mesmo as que não se afogam nela, sentem-lhe os respingos amargos e a sua sombra pavorosa.

Oh, certamente que não foi por mera e caprichosa fantasia que a mulher se despojou das suas atribuições de ornamento para endurecer a alma e calejar as mãos na lufa-lufa do trabalho angustioso e viril.

Elas protestam, porque vão para ele de rastos, obrigadas pela necessidade urgente ou atraídas pela corrente que puxa as demais para a mesma voragem dolorosa.

De resto, bem sabem que nessa lida perdem a formosura a que renunciam, não sem tristeza, porque o enleio da formosura é sedutor, mas com altiva resignação. Pois bem, que tudo se arruíne e se perca no mundo, menos a bondade da mulher, o seu acoroçoamento para o bem e as suas expressões materiais e pacificadoras!

De que nos serve, febril Emma Galdman, aturdir-nos e criar-nos infinitas visões de futuros impossíveis, se no fim de qualquer caminho por onde o destino vário nos leve, vamos todos bater à mesma porta negra?

Fonte:
Júlia Lopes de Almeida. Livro das Donas e Donzelas. Belém/PA: Núcleo de Educação a Distancia da Universidade da Amazonia (UNAMA).

Casimiro de Abreu (As Primaveras) Parte 10, final


LIVRO NEGRO

HORAS TRISTES
I

Eu sinto que esta vida já me foge
Qual d’harpa o som final,
E não tenho, como o naúfrago das ondas,
Nas trevas um fanal!
Eu sofro e esta dor que me atormenta
É um suplício atroz!

E p’ra contá-la falta à lira cordas
E aos lábios meus a voz!
Às vezes, no silêncio da minh’alma,
Da noite na mudez,
Eu crio na cabeça mil fantasmas
Que aniquilo outra vez!
Dói-me inda a boca que queimei sedento
Nas esponjas de fel,
E agora sinto no bulhar da mente
A torre de Babel!
Sou triste como o pai que as belas filhas
Viu lânguidas morrer,
E já não pousam no meu rosto pálido
Os risos de prazer!
E contudo, meu Deus! eu sou bem moço,
Deverá só me rir,
E ter fé e ter crença nos amores,
Nas glórias e no porvir!
Eu devera folgar nesta natura
De flores e de luz,
E, mancebo, voltar-me pr’o futuro,
Estrela que seduz!
Agora em vez dos hinos d’esperança,
Dos cantos junvenis,
Tenho a sátira pungente, o riso amargo,
O canto maldiz!
Os outros, - os felizes deste mundo,
Deleitam-se em saraus;
Eu solitário sofro e odeio os homens,
P’ra mim todos são maus!
Eu olho e vejo... - a veiga é de esmeralda,
O céu é todo azul.
Tudo canta e sorri... só na minh’alma
O lodo dum paul!
Mas se ela - a linda filha do meu sonho,
A pálida mulher
Das minhas fantasias, dos seus lábios
Um riso, um só me der;
Se a doce virgem pensativa e bela,
- A pudica vestal
Que eu criei numa noite de delírio
Ao som da saturnal;
Se ela vier enternecida e meiga
Sentar-se junto a mim;
Se eu ouvir sua voz mais doce e terna

Que um doce bandolim;
Se o seu lábio afagar a minha fronte
- Tão férvido vulcão!
E murmurar baixinho ao meu ouvido
As falas da paixão;
Se cair desmaiada nos meus braços
Morrendo de languidez,
De certo remoçado, alegre e louco
Sentira-me talvez!...
Talvez que eu encontrasse as alegrias
Dos tempos que lá vão,
E afogasse na luz da nova aurora
A dor do coração!
Talvez que nos meus lábios desmaiados
Brilhasse o seu sorrir,
E de novo, meu Deus, tivesse crença
Na glória e no porvir!
Talvez minh’alma ressurgisse bela
Aos raios desse sol.
E nas cordas da lira seus gorjeios
Trinasse um rouxinol!
Talvez então que eu me pegasse à vida
Com ânsia e com ardor,
E pudesse aspirando os seus perfumes
Viver do seu amor!
P’ra ela então seria a minha vida,
A glória, os sonhos meus;
E dissera chorando arrependido:
- Bendito seja Deus! -
Abril - 1858

DORES
II

Há dores fundas, agonias lentas,
Dramas pungentes que ninguém consola,
Ou suspeita sequer!
Mágoas maiores do que a dor dum dia,
Do que a morte bebida em taça morna
De lábios de mulher!
Doces falas de amor que o vento espalha,
Juras sentidas de constância eterna
Quebradas ao nascer;
Perfídia e olvido de passados beijos...
São dores essas que o tempo cicatriza
Dos anos no volver.

Se a donzela infiel nos rasga as folhas
Do livro d’alma, magoado e triste
Suspira o coração;
Mas depois outros olhos nos cativam
E loucos vamos em delírios novos
Arder noutra paixão.
Amor é o rio claro das delícias
Que atravessa o deserto, a veiga, o prado,
E o mundo todo o tem!
Que importa ao viajor que a sede abrasa,
Que quer banhar-se nessas águas claras,
Ser aqui ou além?
A veia corre, a fonte não se estanca,
E as verdes margens não se crestam nunca
Na calma dos verões;
Ou quer na primavera, ou quer no inverno,
No doce anseio do bulir das ondas
Palpitam corações.
Não! a dor sem cura, a dor que mata,
É, moço ainda, e perceber na mente
A dúvida a sorrir!
É a perda dura dum futuro inteiro
E o desfolhar sentido das gentis coroas,
Dos sonhos do porvir!
É ver que nos arrancam uma a uma
Das asas do talento as penas de ouro,
Que voam para Deus!
É ver que nos apagam d’alma as crenças
E que profanam o que santo temos
Co’o riso dos ateus!
É assistir ao desabar tremendo,
Num mesmo dia, d’ilusões douradas,
Tão cândidas de fé!
É ver sem dó a vocação torcida
Por quem devera dar-lhe alento e vida
E respeitá-la até!
É viver, flor nascida nas montanhas,
Para aclimar-se, apertada numa estufa
À falta de ar e luz!
É viver tendo n’alma o desalento,
Sem um queixume, a disfarçar as dores
Carregando a cruz!
Oh! ninguém sabe como a dor é funda,
Quanto pranto s’engole a quanta angústia
A alma nos desfaz!
Horas há em que a voz quase blasfema...
E o suicídio nos acena ao longe
Nas longas saturnais!

Definha-se a existência a pouco e pouco,
E o lábio descorado o riso franco
Qual dantes, já não vem;
Um véu nos cobre de mortal tristeza,
E a alma em luto, despida dos encantos,
Amor nem sonhos tem!
Murcha-se o viço do verdor dos anos,
Dorme-se moço e despertamos velho,
Sem fogo para amar!
E a fronte jovem que o pesar sombreia
Vai, reclinada sobre um colo impuro,
Dormir no lupanar!
Ergue-se a taça do festim da orgia,
Gasta-se a vida em noites de luxúria
Nos leitos dos bordéis,
E o veneno se sorve a longos tragos
Nos seios brancos e nos lábios frios
Das lânguidas Frinés!
Esquecimento! - mortalha para dores -
Aqui na terra é a embriaguez do gozo,
A febre do prazer:
A dor se afoga no fervor dos vinhos,
E no regaço das Marcôs modernas
É doce então morrer!
Depois o mundo diz: - Que libertino!
A folgar no delírio dos alcouces
As asas empanou! -
Como de ele, algoz das esperanças,
As crenças infantis e a vida d’alma
Não fosse quem matou!...
Oh! há dores tão fundas como o abismo,
Dramas pungentes que ninguém consola
Ou suspeita sequer!
Dores na sombra, sem carícias d’anjo,
Sem voz de amigo, sem palavras doces,
Sem beijos de mulher!...
Rio - 1858
***

III

Pobre criança que te afliges tanto
Porque sou triste e se chorar me vês,
E que borrifas com teu doce pranto
Meus pobres hinos sem calor, talvez;
Deus te abençoe, querubim formoso,
Branca açucena que o paul brotou!
Teu pranto é gota de celeste gozo
Na úlcera funda que ninguém curou.

Pálido e mudo e do caminho em meio
Sentei-me a sombra sofredor e só!
Do choro a baga umedeceu-me o seio,
Da estrada a gente me cobriu de pó!
Meus tristes cantos comecei chorando,
Santas endechas, doloridos ais...
E a turba andava! Só de vez em quando
Lânguido rosto se volvia atrás!
E a louca turba passou sorrindo
Julgava um hino o que eu chamava um ai!
Alguém murmurava: - Como o canto é lindo! -
Sorri-se um pouco e caminhando vai!
Bendito sejas, querubim de amores,
Branca açucena que o paul brotou!
Teu pranto é gota que mitiga as dores
Da úlcera funda que ninguém curou!
Há na minh’alma alguma cousa vago,
Desejos, ânsias, que explicar não sei:
Talvez - desejos - dalgum lindo lago,
- Ânsias - dum mundo com que já sonhei...
E eu sofro, oh anjo; na cruel vigília
O pensamento inda edobra a dor,
E passa linda do meu sonho a filha,
Soltas as tranças a morrer de amor!
E louco sigo por desertos mares,
Por doces veigas, por um céu de azul;
Pouso com ela nos gentis palmares
À beira d’água, nos vergéis do sul!...
E a vrigem foge... e a visão se perde
Por outros climas, noutro céu de azul;
E eu - desperto do meu sonho verde -
Acordo e choro carregando a cruz!
Pobre poeta! na manhã da vida
Nem flores tenho, nem prazer também!
- Rosto mendigo que não tem guarida -
Tímido espreito quando a noite vem!
Bendita sejas, querubim de amores,
Branca açucena que o paul brotou!
Teu doce pranto me acalenta as dores
Da úlcera funda que ninguém curou!
A minha vida era areal despido
De relva e flor e na estação louçã!
Tu foste o lírio que nasceu, querido,
Entre a neblina de gentil manhã.

Em ondas mortas meu batel dormia,
Chorava o pano à viração sutil,
Mas veio o vento no correr do dia
E, leve, o bote resvalou no anil.
Eu era a flor do escalavrado galho
Que a tempestade no passar quebrou;
Tu foste a gota de bendito orvalho
E a flor pendida a reviver tornou.
Teu rosto puro restitui-me a calma.
Ergue-me as crenças, que já vejo em pé;
E teus olhares me derramam n’alma
Doces consolos e orações de fé.
Não serei triste;
se te ouvir a fala
Tremo e palpito como treme o mar,
E a nota doce que teu lábio exala
Virá sentida ao coração parar.
Suspenso e mudo no mais casto enlevo
Direi meus hinos c’os suspiros teus.
E a ti, meu anjo, a quem a vida devo
Hei de adorar-te como adoro a Deus!
... - 1858

FRAGMENTO

IV

O mundo é uma mentira, a glória - fumo,
A morte - um beijo, e esta vida um sonho
Pesado ou doce, que s’esvai na campa!
O homem nasce, cresce, alegre e crente
Entra no mundo c’o sorrir nos lábios,
Traz os perfumes que lhe dera o berço,
Veste-se belo d’ilusões douradas,
Canta, suspira, crê, sente esperanças,
E um dia o vendaval do desengano
Varre-lhe as flores do jardim da vida
E nu das vestes que lhe dera o berço
Treme de frio ao vento do infortúnio!
Depois - louco sublime - ele se engana,
Tanta enganar-se p’ra curar as mágoas,
Cria fantasmas na cabeça em fogo,
De novo atira o seu batel nas ondas,
Trabalha, luta e se afadiga embalde
Até que a morte lhe desmancha os sonhos
Pobre insensato - quer achar por força
Pérola fina em lodaçal imundo!
- Menino louco que se cansa e mata
Através da borboleta que travessa
Nas moitas do mangal voa e se perde!...
Dezembro - 1858

ANJO
M.


Eu era a flor desfolhada
Dos vendavais ao correr;
Tu foste a gota dourada
E o lírio pode viver.
Poeta, dormia pálido
No meu sepulcro, bem só;
Tu disseste: - Ergue-te, Lázaro! -
E o morto surgiu do pó!
Eu era sombrio e triste...
Contente, minh’alma é;
Eu duvidava... sorriste,
Já no amor tenho fé.
A fronte que ardia em brasas
A seus delírios pôs fim
Sentindo o roçar das asas,
O sopro dum querubim.
Um anjo veio e deu vida
Ao peito de amores nu:
Minh’alma agora remida
Adora o anjo - que és tu!
Julho - 1858

ÚLTIMA FOLHA

Meu Deus! Meu Pai! Se o filho da desgraça
Tem jus um dia ao galardão remoto,
Ouve estas preces e cumpre o voto
- A mim que bebo do absinto a taça!
- “Feliz serás se como eu sofreres,
“Dar-te-ei o céu em recompensa ao pranto”-
Vós o dissestes. - E eu padeço tanto!...
Que novos transes preparar me queres?
Tudo me roubam meus cruéis tiranos:
Amor, família, felicidade, tudo!...
Palmas de glória, meus lauréis do estudo,
Fogo do gênio, aspiração dos anos!...
Mas o teu filho já se não rebela

Por tal castigo, pelas mágoas duras;
- Minh’alma of’reço às provações futuras...
Venha o martírio... mas - perdão p’ra ela!...
A doce virgem se assemelha às flores...
O vento a quebra no seu verde ninho.
- Velai ao menos pelo pobre anjinho,
- Pagai-lhe em gozo o que me dais em dores!
Maio – 6

Fonte:
ABREU, Casimiro de. As Primaveras. São Paulo: Livraria Editora Martins S/A co-edição Instituto Nacional do Livro, 1972. Texto-base digitalizado por Raquel Sallaberry Brião.