PALAVRAS A ALGUÉM
Tu folgas travessa e louca
Sem ouvires meu lamento,
Sonhas jardins d’esmeralda
Nesse virgem pensamento,
Mas olha que essa grinalda
Bem pode murchá-la o vento!
Ai que louca! abriste o livro
Da minh’alma, livro santo,
Escrito em noites d’angústia,
Regado com muito pranto,
E... quase rasgaste as folhas
Sem entenderes o canto!
Agora corres nos charcos
Em vez das alvas areias!...
Deleita-te a voz fingida
Dessas formosas sereias...
Mas eu te falo e te aviso:
- “olha que tu te enlameias!” -
Tu és a pomba inocente,
Eu sou teu anjo-da-guarda,
Devo dizer-te baixinho:
- “Olha que a morte não tarda!
“Mariposa dos amores,
“Deixa a luz, embora arda.
“A chama seduz e brilha
- “Qual diamante entre gazas -
“E tu no fogo maldito
“Tão descuidosa te abrasas!
“Mariposa, mariposa,
“Tu vais queimar tuas asas!”
Conchinha das lisas praias,
Nasceste em alvas areias,
Não corras tu para os charcos
Arrebatada nas cheias!...
- Os teus vestidos são brancos...
Olha que tu te enlameias!...
... - 1858
FOLHA NEGRA
Sinhá
Um outro mancebo
Alegre, poeta e crente,
Soltara um canto fervente
De amor talvez! - de alegria,
E aqui nas folhas do livro
Deixara - amor e poesia.
Mas eu que não tenho risos
Nem alegrias tampouco,
Nem sinto esse fogo louco
Que a mocidade consome,
Nas brancas folhas do livro
Só posso deixar meu nome!
É triste como um gemido,
É vago como um lamento;
- Queixume que solta o vento
Nas pedras duma ruína
Na hora em que o sol se apaga
E quando o lírio s’inclina!...
Grito de angústia do pobre
Que sobre as águas se afoga,
Cadáver que bóia e voga
Longe da praia querida,
Grito de quem n’agonia
- Já morto - se apega à vida!
Vozes de flauta longínqua
Que as nossas mágoas aviva,
Soluços da patativa,
Queixume do mar que rola,
Cantiga em noite de lua
Cantada ao som da viola!...
Saudades do pegureiro
Que chora o seu lar amado,
- Calado e só - recostado
Na pedra dalgum caminho...
Canção de santa doçura
Da mãe que embala o filhinho!...
Meu nome!... É simples e pobre
Mas é sombrio e traz dores,
- Grinalda de murchas flores
Que o sol queima e não consome...
- Sinhá!... das folhas do livro
É bom tirar o meu nome!...
Setembro - 1858
À MORTE DE AFONSO DE A. COUTINHO MESSEDER
Estudante da escola central
É triste ver a flor que desabrocha
Ou quer no prado, ou na deserta rocha,
Pender no fraco hastil!
É bem triste nos anos verdores
Morrer mancebo, no brotar das flores,
Na quadra juvenil!
Meu Deus! tu que és tão bom e tão clemente,
P’ra que apagas, Senhor, a chama ardente
Num crânio de vulcão?
P’ra que poupas o cedro já vestuto
E, sem dó, vais ferir o pobre arbusto
Às vezes no embrião?!...
Pois não fora melhor vivesse planta
Cujo perfume a solidão encanta
No sossego do val?...
- Não veríamos nós neste martírio
Desfalecer tão belo e pobre lírio
Pendido ao vendaval!
Pobre mancebo! Nesse peito nobre
E nessa fronte que o sepulcro cobre
Era funo o sentir!
Agora solitário tu descansas.
E contigo esse mundo de esperanças
Tão rico de porvir!
Oh! lamentemos essa pura estrela
Sumida, como no horizonte a vela
Nas névoas da manhã!
A sepultura foi há pouco aberta...
Mas o dormente já se não desperta
À voz de sua irmã!
É mudo aquele a quem irmão chamamos,
E a mão que tantas vezes apertamos
Agora é fria já!
Não mais nos bancos esse rosto amigo
Hoje escondido no fatal jazigo
Conosco sorrirá!
Mancebo, atrás da glória que sorria,
Sonhou grandezas para a pátria um dia,
E a ela os sonhos deu;
Mártir do estudo, na ciência ingrata
Bebeu nos livros esse fel que mata
E pobre adormeceu!
Era bem cedo! - na manhã da vida
Chegar não pode à terra prometida
Que ao longe lhe sorriu!
Embora desta estrada nos espinhos
Cansado sucumbiu!
Era bem cedo! - Tanta glória ainda
O esperava, meu Deus, na aurora linda
Que a vida lhe dourou!
Pobre mancebo! no fervor dessa alma
Ao colher do fruto a verde palma
Na cova tropeçou!
Dorme pois! Sobre a campa mal cerrada,
Nós que sabemos que esta vida é nada
Choramos um irmão;
E d’envolta c’os prantos da amizade
Aqui trazemos, nos goivos da saudade,
As vozes do coração!
Eu que fui teu amigo inda na infância,
Quando a alma das rosas na fragrância
Bendizem só a Deus -
Hoje venho nas cordas do alaúde
Dizer-te o extremo adeus!
Descansa! se no céu há luz mais pura,
De certo gozarás nessa ventura
Do justo a placidez!
Se há doces sonhos no viver celeste,
Dorme tranqüilo à sombra do cipreste...
- Não tarda a minha vez!
Maio - 1858
BERÇO E TÚMULO
No álbum duma menina
Trago-te flores no meu canto amigo
- Pobre grinalda com prazer tecida -
E - todos os amores - deposito um beijo
Na fronte pura em que desponta a vida.
É cedo ainda! - quando moça fores
E percorreres deste livro os cantos,
Talvez que eu durma solitário e mudo
- Lírio pendido a que ninguém deu prantos! -
Então, meu anjo, compassiva e meiga
Despõe-me um goivo sobre a cruz singela,
E nesse ramo que o sepulcro implora
Paga-me as rosas desta infância bela!
Junho - 1858
INFÂNCIA
O anjo da loura trança,
Que esperança
Nos traz a brisa do sul!
- Correm brisas das montanhas...
Vê se apanhas
A borboleta azul!...
Ó anjo da loura trança,
És criança,
A vida começa a rir.
- Vive e folga descansada,
Descuidada
Das tristezas do porvir.
Ó anjo da loura trança,
Não descansa
A primavera inda em flor;
Por isso aproveita a aurora
Pois agora
Tudo é riso e tudo amor.
Ó anjo da loura trança,
A dor lança
Em nossa alma agro descrer.
- Que não encontres na vida,
Flor querida.
Senão contínuo prazer.
Ó anjo da loura trança,
A onda é mansa,
O céu é lindo dossel;
E sobre o mar tão dormente,
Docemente
Deixa correr teu batel.
Ó anjo da loura trança,
Que esperança
Nos traz a brisa do sul!...
- Correm brisas das montanhas...
Vê se apanhas
A borboleta azul!...
Rio - 1858
A UMA PLATÉIA
O cedro foi planta um dia.
Viço e força o arbusto cria,
Da vergôntea nasce o galho;
E a flor p’ra ter mais vida,
Para ser - rosa querida -
Carece as gotas de orvalho.
Com o talento é o mesmo:
Quando tímido ele adeja
- Qual ave que se espaneja -
Como a flor, também precisa
Em vez de sopro da brisa
O sopro da simpatia
Que lhe adoce os amargores,
Para em hora de cansaço
Na estrada que vai trilhando
Encontrar de quando em quando
Por entre os espinhos - flores.
E vós acabais de ouvi-lo
A suspirar nesse trilo
No seu gorjeio primeiro;
Vós, que viste’ o seu começo,
Dai-lhe essas palmas de apreço
Que é artista e... brasileiro!
Setembro - 1858
NO TÚMULO DUM MENINO
Um anjo dorme aqui; na aurora apenas,
Disse adeus ao brilhar das açucenas
Sem ter da vida alevantado o véu.
- Rosa tocada do cruel granizo -
Cedo finou-se e no infantil sorriso
Passou do berço p’ra brincar no céu!
Maio- 1858
A J. J. C. MACEDO JÚNIOR
Como o índio a saudar o sol nascente,
Co’o sorriso nos lábios, franco e ledo
Aperto tua mão:
Cantor das açucenas, crê-me agora,
Este canto que a lira balbucia
É pobre, mas de irmão!
Quando se sente como eu sinto e sofro,
A mente ferve e o coração palpita
De glórias e de amor:
Se ouço Artur ao piano eu me extasio,
Mas ouvindo teus hinos me arrebato
E pasmo ante o cantor!
Na juventude, no florir dos anos,
Não sei que vozes nos entornam n’alma
Canções de querubim!
Uns perdem, como eu, cedo os verdores,
Mas outros crescem no primor das graças
E tu serás assim!
Oh! mocidade! como és bela e rica!
Hino de amores neste século bruto!
Louvor ao menestrel!
Palmas a ti, cantor das açucenas!
Quatorze primaveras nessa fronte
Semelham-te um laurel!
Quando tão moço, no raiar da vida,
Já doce cantas como o doce aroma
Das lânguidas cecéns,
Podes, criança, erguer a fronde altiva!
Como André-Chénier, no crânio augusto
Alguma cousa tens!
Não desmintas, irmão, este profeta,
Sibarita indolente, sobre rosas
Não queiras tu dormir,
Se ao longe já brilha amiga estrela
Aproveita o talento - estuda e pensa -
É belo o teu porvir!
Não faças como nós; na infância apenas
Solta, poeta, a gorjear de amores,
Que é doce o teu cantar.
Seja a vida p’ra ti só riso e galas
E adormeças a cismar quimeras
Da noite no luar.
Não faças como nós; não desças louco
A buscar sensações na bruta orgia
Das longas saturnais;
Se a lama impura salpica-te as penas,
Sacode as asas, minha pomba casta,
E foge dos pardais.
Não manches, meu poeta, as vestes brancas
No mundo infame; mirra-se a grinalda
E vão-se as ilusões!
A crença se desbota e o nauta chora
Desanimado no vai-vém teimoso
Dos grossos vagalhões!
Foge do canto da gentil sereia
Que engana com sorriso de feitiços
- Tão pálida Raquel!
Não encostes na taça os lábios sôfregos...
O vaso queima e beberás nos risos
Da amargura o fel!
Conserva na tua alma a virgindade,
E tenha o coração na rica aurora
Das rosas o matiz;
Se donzela cuspir nos teus amores
Chora perdida essa ilusão primeira...
Mas vive e sê feliz!
Se a dor for grande não te vergues fraco,
Oh! não escondas no sepulcro a fronte
Aos raios deste sol;
Não vás como Azevedo - o pobre gênio -
Embrulhar-te sem dó na flor dos anos
Da morte no lençol!
Vive e canta e ama esta natura,
A pátria, o céu azul, o mar sereno,
A veiga que seduz;
E possa, meu poeta, essa existência
Ser um lindo vergel todo banhado
De aromas e de luz!
Oh! canta e canta sempre! esses teus hinos,
Eu sei, terão no céu ecos mais santos
Que a terra não dará;
Oh! canta! é doce ao triste que soluça
Ouvir saudoso ao cair da tarde
A voz do sabiá!
Anta! e que teus hinos d’esperança
Despertem deste mundo de misérias
A estúpida mudez;
E dos prelúdios dessa lira ingênua
Em poucos anos surgirá brilhante
Milevoye - talvez!
Maio - 1858
---
Tu folgas travessa e louca
Sem ouvires meu lamento,
Sonhas jardins d’esmeralda
Nesse virgem pensamento,
Mas olha que essa grinalda
Bem pode murchá-la o vento!
Ai que louca! abriste o livro
Da minh’alma, livro santo,
Escrito em noites d’angústia,
Regado com muito pranto,
E... quase rasgaste as folhas
Sem entenderes o canto!
Agora corres nos charcos
Em vez das alvas areias!...
Deleita-te a voz fingida
Dessas formosas sereias...
Mas eu te falo e te aviso:
- “olha que tu te enlameias!” -
Tu és a pomba inocente,
Eu sou teu anjo-da-guarda,
Devo dizer-te baixinho:
- “Olha que a morte não tarda!
“Mariposa dos amores,
“Deixa a luz, embora arda.
“A chama seduz e brilha
- “Qual diamante entre gazas -
“E tu no fogo maldito
“Tão descuidosa te abrasas!
“Mariposa, mariposa,
“Tu vais queimar tuas asas!”
Conchinha das lisas praias,
Nasceste em alvas areias,
Não corras tu para os charcos
Arrebatada nas cheias!...
- Os teus vestidos são brancos...
Olha que tu te enlameias!...
... - 1858
FOLHA NEGRA
Sinhá
Um outro mancebo
Alegre, poeta e crente,
Soltara um canto fervente
De amor talvez! - de alegria,
E aqui nas folhas do livro
Deixara - amor e poesia.
Mas eu que não tenho risos
Nem alegrias tampouco,
Nem sinto esse fogo louco
Que a mocidade consome,
Nas brancas folhas do livro
Só posso deixar meu nome!
É triste como um gemido,
É vago como um lamento;
- Queixume que solta o vento
Nas pedras duma ruína
Na hora em que o sol se apaga
E quando o lírio s’inclina!...
Grito de angústia do pobre
Que sobre as águas se afoga,
Cadáver que bóia e voga
Longe da praia querida,
Grito de quem n’agonia
- Já morto - se apega à vida!
Vozes de flauta longínqua
Que as nossas mágoas aviva,
Soluços da patativa,
Queixume do mar que rola,
Cantiga em noite de lua
Cantada ao som da viola!...
Saudades do pegureiro
Que chora o seu lar amado,
- Calado e só - recostado
Na pedra dalgum caminho...
Canção de santa doçura
Da mãe que embala o filhinho!...
Meu nome!... É simples e pobre
Mas é sombrio e traz dores,
- Grinalda de murchas flores
Que o sol queima e não consome...
- Sinhá!... das folhas do livro
É bom tirar o meu nome!...
Setembro - 1858
À MORTE DE AFONSO DE A. COUTINHO MESSEDER
Estudante da escola central
É triste ver a flor que desabrocha
Ou quer no prado, ou na deserta rocha,
Pender no fraco hastil!
É bem triste nos anos verdores
Morrer mancebo, no brotar das flores,
Na quadra juvenil!
Meu Deus! tu que és tão bom e tão clemente,
P’ra que apagas, Senhor, a chama ardente
Num crânio de vulcão?
P’ra que poupas o cedro já vestuto
E, sem dó, vais ferir o pobre arbusto
Às vezes no embrião?!...
Pois não fora melhor vivesse planta
Cujo perfume a solidão encanta
No sossego do val?...
- Não veríamos nós neste martírio
Desfalecer tão belo e pobre lírio
Pendido ao vendaval!
Pobre mancebo! Nesse peito nobre
E nessa fronte que o sepulcro cobre
Era funo o sentir!
Agora solitário tu descansas.
E contigo esse mundo de esperanças
Tão rico de porvir!
Oh! lamentemos essa pura estrela
Sumida, como no horizonte a vela
Nas névoas da manhã!
A sepultura foi há pouco aberta...
Mas o dormente já se não desperta
À voz de sua irmã!
É mudo aquele a quem irmão chamamos,
E a mão que tantas vezes apertamos
Agora é fria já!
Não mais nos bancos esse rosto amigo
Hoje escondido no fatal jazigo
Conosco sorrirá!
Mancebo, atrás da glória que sorria,
Sonhou grandezas para a pátria um dia,
E a ela os sonhos deu;
Mártir do estudo, na ciência ingrata
Bebeu nos livros esse fel que mata
E pobre adormeceu!
Era bem cedo! - na manhã da vida
Chegar não pode à terra prometida
Que ao longe lhe sorriu!
Embora desta estrada nos espinhos
Cansado sucumbiu!
Era bem cedo! - Tanta glória ainda
O esperava, meu Deus, na aurora linda
Que a vida lhe dourou!
Pobre mancebo! no fervor dessa alma
Ao colher do fruto a verde palma
Na cova tropeçou!
Dorme pois! Sobre a campa mal cerrada,
Nós que sabemos que esta vida é nada
Choramos um irmão;
E d’envolta c’os prantos da amizade
Aqui trazemos, nos goivos da saudade,
As vozes do coração!
Eu que fui teu amigo inda na infância,
Quando a alma das rosas na fragrância
Bendizem só a Deus -
Hoje venho nas cordas do alaúde
Dizer-te o extremo adeus!
Descansa! se no céu há luz mais pura,
De certo gozarás nessa ventura
Do justo a placidez!
Se há doces sonhos no viver celeste,
Dorme tranqüilo à sombra do cipreste...
- Não tarda a minha vez!
Maio - 1858
BERÇO E TÚMULO
No álbum duma menina
Trago-te flores no meu canto amigo
- Pobre grinalda com prazer tecida -
E - todos os amores - deposito um beijo
Na fronte pura em que desponta a vida.
É cedo ainda! - quando moça fores
E percorreres deste livro os cantos,
Talvez que eu durma solitário e mudo
- Lírio pendido a que ninguém deu prantos! -
Então, meu anjo, compassiva e meiga
Despõe-me um goivo sobre a cruz singela,
E nesse ramo que o sepulcro implora
Paga-me as rosas desta infância bela!
Junho - 1858
INFÂNCIA
O anjo da loura trança,
Que esperança
Nos traz a brisa do sul!
- Correm brisas das montanhas...
Vê se apanhas
A borboleta azul!...
Ó anjo da loura trança,
És criança,
A vida começa a rir.
- Vive e folga descansada,
Descuidada
Das tristezas do porvir.
Ó anjo da loura trança,
Não descansa
A primavera inda em flor;
Por isso aproveita a aurora
Pois agora
Tudo é riso e tudo amor.
Ó anjo da loura trança,
A dor lança
Em nossa alma agro descrer.
- Que não encontres na vida,
Flor querida.
Senão contínuo prazer.
Ó anjo da loura trança,
A onda é mansa,
O céu é lindo dossel;
E sobre o mar tão dormente,
Docemente
Deixa correr teu batel.
Ó anjo da loura trança,
Que esperança
Nos traz a brisa do sul!...
- Correm brisas das montanhas...
Vê se apanhas
A borboleta azul!...
Rio - 1858
A UMA PLATÉIA
O cedro foi planta um dia.
Viço e força o arbusto cria,
Da vergôntea nasce o galho;
E a flor p’ra ter mais vida,
Para ser - rosa querida -
Carece as gotas de orvalho.
Com o talento é o mesmo:
Quando tímido ele adeja
- Qual ave que se espaneja -
Como a flor, também precisa
Em vez de sopro da brisa
O sopro da simpatia
Que lhe adoce os amargores,
Para em hora de cansaço
Na estrada que vai trilhando
Encontrar de quando em quando
Por entre os espinhos - flores.
E vós acabais de ouvi-lo
A suspirar nesse trilo
No seu gorjeio primeiro;
Vós, que viste’ o seu começo,
Dai-lhe essas palmas de apreço
Que é artista e... brasileiro!
Setembro - 1858
NO TÚMULO DUM MENINO
Um anjo dorme aqui; na aurora apenas,
Disse adeus ao brilhar das açucenas
Sem ter da vida alevantado o véu.
- Rosa tocada do cruel granizo -
Cedo finou-se e no infantil sorriso
Passou do berço p’ra brincar no céu!
Maio- 1858
A J. J. C. MACEDO JÚNIOR
Como o índio a saudar o sol nascente,
Co’o sorriso nos lábios, franco e ledo
Aperto tua mão:
Cantor das açucenas, crê-me agora,
Este canto que a lira balbucia
É pobre, mas de irmão!
Quando se sente como eu sinto e sofro,
A mente ferve e o coração palpita
De glórias e de amor:
Se ouço Artur ao piano eu me extasio,
Mas ouvindo teus hinos me arrebato
E pasmo ante o cantor!
Na juventude, no florir dos anos,
Não sei que vozes nos entornam n’alma
Canções de querubim!
Uns perdem, como eu, cedo os verdores,
Mas outros crescem no primor das graças
E tu serás assim!
Oh! mocidade! como és bela e rica!
Hino de amores neste século bruto!
Louvor ao menestrel!
Palmas a ti, cantor das açucenas!
Quatorze primaveras nessa fronte
Semelham-te um laurel!
Quando tão moço, no raiar da vida,
Já doce cantas como o doce aroma
Das lânguidas cecéns,
Podes, criança, erguer a fronde altiva!
Como André-Chénier, no crânio augusto
Alguma cousa tens!
Não desmintas, irmão, este profeta,
Sibarita indolente, sobre rosas
Não queiras tu dormir,
Se ao longe já brilha amiga estrela
Aproveita o talento - estuda e pensa -
É belo o teu porvir!
Não faças como nós; na infância apenas
Solta, poeta, a gorjear de amores,
Que é doce o teu cantar.
Seja a vida p’ra ti só riso e galas
E adormeças a cismar quimeras
Da noite no luar.
Não faças como nós; não desças louco
A buscar sensações na bruta orgia
Das longas saturnais;
Se a lama impura salpica-te as penas,
Sacode as asas, minha pomba casta,
E foge dos pardais.
Não manches, meu poeta, as vestes brancas
No mundo infame; mirra-se a grinalda
E vão-se as ilusões!
A crença se desbota e o nauta chora
Desanimado no vai-vém teimoso
Dos grossos vagalhões!
Foge do canto da gentil sereia
Que engana com sorriso de feitiços
- Tão pálida Raquel!
Não encostes na taça os lábios sôfregos...
O vaso queima e beberás nos risos
Da amargura o fel!
Conserva na tua alma a virgindade,
E tenha o coração na rica aurora
Das rosas o matiz;
Se donzela cuspir nos teus amores
Chora perdida essa ilusão primeira...
Mas vive e sê feliz!
Se a dor for grande não te vergues fraco,
Oh! não escondas no sepulcro a fronte
Aos raios deste sol;
Não vás como Azevedo - o pobre gênio -
Embrulhar-te sem dó na flor dos anos
Da morte no lençol!
Vive e canta e ama esta natura,
A pátria, o céu azul, o mar sereno,
A veiga que seduz;
E possa, meu poeta, essa existência
Ser um lindo vergel todo banhado
De aromas e de luz!
Oh! canta e canta sempre! esses teus hinos,
Eu sei, terão no céu ecos mais santos
Que a terra não dará;
Oh! canta! é doce ao triste que soluça
Ouvir saudoso ao cair da tarde
A voz do sabiá!
Anta! e que teus hinos d’esperança
Despertem deste mundo de misérias
A estúpida mudez;
E dos prelúdios dessa lira ingênua
Em poucos anos surgirá brilhante
Milevoye - talvez!
Maio - 1858
---
Fonte:
ABREU, Casimiro de. As Primaveras. São Paulo: Livraria Editora Martins S/A co-edição Instituto Nacional do Livro, 1972. Texto-base digitalizado por Raquel Sallaberry Brião
ABREU, Casimiro de. As Primaveras. São Paulo: Livraria Editora Martins S/A co-edição Instituto Nacional do Livro, 1972. Texto-base digitalizado por Raquel Sallaberry Brião
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