terça-feira, 25 de outubro de 2011

Cruz e Souza (O Livro Derradeiro) Parte II


FILETES
A J. L.

De cravos, de rosas,
De lírios, perfumes,
De beijos, ciúmes,
De coisas formosas;
De cantos suaves
De músicas, vinhos
De aromas, arminhos
Dos trinos das aves;

Das cismas radiadas,
De esperanças aladas
Por vagos escombros,
São feitos, são feitos
Teus olhos perfeitos,
Repletos de assombros.

OUTROS SONETOS

SONETO


(Oferecido e dedicado ao llmo. Sr. M. Bernardino A. Varela pelo autor.)
Vir bonus dicendi peritus laudandum est.

Senhor de nobre alma, tão
D’entre os sábios conhecido,
De pais excelsos nascido,
Aceitai a minha canção.

Probo pai, bom cidadão,
Sois dos seres melhor ser
Por saber tão profundo ter,
Sois ilustre qual Catão.

Recebei esta prova mesquinha
De penhor e de oração,
Produto da pena minha.

Perdoai, mui digno varão,
Se na mente eu pobre tinha
Cometer-vos indiscrição.

SONETO

"Minha vida é um montão de ruínas em árido deserto
Um abismo de ais e de suspiros".

Da mundana lida, eis que cansado,
Co’a lira toda espedaçada,
A alma de suspiros retalhada,
Cumpre o infeliz seu triste fado.

Ai! que viver mais desgraçado!...
Que sorte tão crua e desazada!...
Quem assim tem a vida amargurada
Antes já morrer, ser sepultado.

Só eu triste padeço feras dores,
Imensas e de fel, sem terem fim,
Envolto no véu dos dissabores.

Oh! Cristo eu não sei se só a mim
Deste essa vida d’amargores,
Pois que é demais sofrer-se assim!

SONETO

(24 dez. 1880)

Dieu a fait la mer, les oiseaux, les cieux,
Toute la nature enfin; mais les hommes
ont découvert les sciences, les arts et les
lettres qui les élèvent jusqu'à même Dieu.

De Mayseder gentil o vulto ingente
De Corelli, de Spohr e de Nardini,
De Ole Bull supernal, de Veracini
Inspirados por Deus c'o plectro ardente;

Dessa lira febril, áurea, potente
Do artista sem par, de Paganini;
De Viotti dinal, do herói Tardini,
De Lafont, de Baillot, Eck e Laurenti:

Sois rival feliz! e nesse crânio
Há em jorros, oh céus! extravasando
O ardor musical, o ardor titâneo...

Já bem cedo, veloz, ides galgando
Lá da glória os degraus, o supedâneo
Sobre um trono de luz rindo e cantando.

SONETO

Por ocasião dos festejos em homenagem ao sexagésimo primeiro aniversario natalício do eloqüentíssimo tribuno sagrado, Joaquim Gomes d'Oliveira Paiva.

Há vultos tamanhos que não
Cabendo no globo, vão quedos
Mas solenes, refugiar-se na campa.
D'aí embuçam-se n'um manto infinito

De glórias?...
Minh’alma está agora penetrando
Lá na etérea plaga, cristalina!
Que música meu Deus febril, divina
Nos páramos azuis vai retumbando!

Além, d’áureo dossel se está rasgando
Custosa, de primor, esmeraldina
Diáfana, sutil, longa cortina
Enquanto céus se vão duplando!

Em grande pedestal marmorizado
De Paiva se divisa o busto enorme
Soberbo como o sol, de luz croado

De um lado o porvir -- Antheu disforme
Dos lábios faz soltar pujante brado
Hosanas! não morreu! apenas dorme.

SONETO

Por ocasião da comemoração do sexagésimo primeiro aniversario natalício do ilustre pregador catarinense Joaquim Gomes d'Oliveira Paiva.

Rompeu-se o denso véu do atroz marasmo
E como por fatal, negro hebetismo
De antro sepulcral, de fundo abismo
O povo ressurgiu com entusiasmo!

O Zoilo mazorral se queda pasmo
Supõe quimera ser, ser cataclismo
Roga, já por dobrez, por ceticismo
De néscio, vil truão solta o sarcasmo.

Perdão, Filho da Luz, minh'alma exora,
Porém, a pátria diz, somente agora
Os grilhões biparti de atroz moleza!

E ele, o nosso herói já redivivo
De pé, sem se curvar, sereno, altivo
Co'as raias do porvir mede a grandeza!

SONETO

(5 dez. 1882)

Embeberam-me a pena em fel!
Antônio (Mendes Leal)

Deixai que deste álbum na folha delicada
Eu venha difundir meus rudes pensamentos
Deixai que as pobres rimas, uns nadas poeirentos
Eu possa transudar da mente entrenublada!...

Deixai que de minh’alma na fibra espedaçada
Eu busque inda vibrar uns cantos tardos, lentos!...
Bem cedo os vendavais, aspérrimos, cruentos
Ai! Tudo arrojarão à campa amargurada!

Porém qu’importa isso! dos mares desta vida
Nos pávidos, estranhos, enormes escarcéus
Se alguma coisa val, és tu, ó luz querida!...

Rasguemos do porvir os áditos, os véus!...
Riamos sem cessar, embora em dor sentida!...
Também as nuvens negras conglobam-se nos céus!

SONETO

(28 nov. 1882)

A mocidade é a alavanca do templo da ciência, no futuro; só ela tem o direito de ser a força motriz dos fenômenos intelectuais das grandes revoluções do pensamento.
(Do Autor)

Alçando o livro colossal ardente
Traças no crânio um sulco luminoso,
E vais seguindo o remontar garboso
Do sol fagueiro lá no espaço ingente!

Ergues a fronte juvenil potente
Já como herói ou lutador famoso
E c’uma forma de pensar honroso
Fazes-te esperança da brasílea gente!

Seis vezes astro de maior grandeza
Enfim lá surges nos exames belos
Enfim triunfas na brilhante empresa!

Seis vezes quebras da ignorância os elos,
Seis vezes vives com mais sã firmeza,
Gemem seis vezes a louvar-te os prelos!...

SONETO

Chegou enfim, e o desembarque dela
Causou-me logo uma impressão divina!
É meiga, pura como sã bonina,
Nos olhos vivos doce luz revela!

É graciosa, sacudida e bela,
Não tem os gestos de qualquer menina:
Parece um gênio que seduz, fascina,
Tão atraente, singular é ela!

Chegou, enfim! eu murmurei contente!
Fez-se em minh’alma purpurina aurora,
O entusiasmo me brotou fervente!

Vimos-lhe apenas a construção sonora,
Vimos a larva, nada mais, somente
Falta-nos ver a borboleta agora!

NA MAZURKA

Morava num palácio -- estranha Babilônia
De arcadas colossais, de impávidos zimbórios,
Alcovas de damasco e torreões marmóreos,
Volutas primorais de arquitetura jônia.

Assim, quando surgia em meio aos peristilos
Descendo, qual mulher de Séfora, vaidosa,
Envolta em ouropéis, em sedas, luxuosa,
Cercam-na do belo os místicos sigilos!

E quando nos saraus, assim como um rainúnculo,
O lábio lhe tremia e o olhar, vivo carbúnculo,
Vibrava nos salões, como uma adaga turca,

Ou como o sol em cheio e rubro sobre o Bósforo,
-- nos crânios os Homens sentiam ter mais fósforo...
Ao vê-la escultural no passo da Mazurka...

O FINAL DO GUARANI

(Santos, 15 jul. 1883)

Ceci -- é a virgem loira das brancas harmonias,
A doce-flor-azul dos sonhos cor de rosa,
Peri -- o índio ousado das bruscas fantasias,
O tigre dos sertões -- de alma luminosa.

Amam-se com o amor indômito e latente
Que nunca foi traçado nem pode ser descrito.
Com esse amor selvagem que anda no infinito.
E brinca nos juncais, -- ao lado da serpente.

Porém... no lance extremo, o lance pavoroso,
Assim por entre a morte e os tons de um puro gozo,
Dos leques da palmeira a note musical...

Vão ambos a sorrir, às águas arrojados,
Mansos como a luz, tranqüilos, enlaçados
E perdem-se na noite serena do ideal!...

Fonte:
Cruz e Sousa, Poesia Completa, org. de Zahidé Muzart, Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura / Fundação Banco do Brasil, 1993.

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