quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

Varal de Trovas n. 194


Lima Barreto (Numa e a Ninfa)


Na rua não havia quem não apontasse a união daquele casal. Ela não era muito alta, mas tinha uma fronte reta e dominadora, uns olhos de visada segura, rasgando a cabeça, o busto erguido, de forma a possuir não sei que ar de força, de domínio, de orgulho; ele era pequenino, sumido, tinha a barba rala, mas todos lhe conheciam o talento e a ilustração. Deputado há bem duas legislaturas, não fizera em começo grande figura; entretanto, surpreendendo todos, um belo dia fez um "brilhareto", um lindo discurso tão bom e sólido que toda a gente ficou admirada de sair de lábios que até então ali estiveram hermeticamente fechados.

Foi por ocasião do grande debate que provocou, na câmara, o projeto de formação de um novo estado, com terras adquiridas por força de cláusulas de um recente tratado diplomático.

Penso que todos os contemporâneos ainda estão perfeitamente lembrados do fervor da questão e da forma por que a oposição e o governo se digladiaram em torno do projeto aparentemente inofensivo. Não convém, para abreviar, relembrar aspectos de uma questão tão dos nossos dias; basta que se recorde o aparecimento de Numa Pompílio de Castro, deputado pelo Estado de Sernambi, na tribuna da câmara, por esse tempo.

Esse Numa, que ficou, daí em diante, considerado parlamentar consumado e ilustrado, fora eleito deputado, graças à influência do seu sogro, o Senador Neves Cogominho, chefe da dinastia dos Cogominhos que, desde a fundação da república, desfrutava empregos, rendas, representações, tudo o que aquela mansa satrápia possuía de governamental e administrativo.

A história de Numa era simples. Filho de um pequeno empregado de um hospital militar do Norte, fizera-se, à custa de muito esforço, bacharel em direito. Não que houvesse nele um entranhado amor ao estudo ou às letras jurídicas. Não havia no pobre estudante nada de semelhante a isso. O estudo de tais coisas era-lhe um suplício cruciante; mas Numa queria ser bacharel, para ter cargos e proventos; e arranjou os exames de maneira mais econômica. Não abria livros; penso que nunca viu um que tivesse relação próxima ou remota com as disciplinas dos cinco anos de bacharelado. Decorava apostilas, cadernos; e, com esse saber mastigado, fazia exames e tirava distinções.

Uma vez, porém, saiu-se mal; e foi por isso que não recebeu a medalha e o prêmio de viagem. A questão foi com o arsênico, quando fazia prova oral de medicina legal. Tinha havido sucessivos erros de cópias nas apostilas, de modo que Numa dava como podendo ser encontradas na glândula tireóide dezessete gramas de arsênico, quando se tratam de dezessete centésimos de miligrama.

Não recebeu distinção e o rival passou-lhe a perna. O seu desgosto foi imenso. Ser formado já era alguma coisa, mas sem medalha era incompleto!

Formado em direito, tentou advogar; mas, nada conseguindo, veio ao Rio, agarrou-se à sobrecasaca de um figurão, que o fez promotor de justiça do tal Sernambi, para livrar-se dele.

Aos poucos, com aquele seu faro de adivinhar onde estava o vencedor - qualidade que lhe vinha da ausência total de emoção, de imaginação, de personalidade forte e orgulhosa -, Numa foi subindo.

Nas suas mãos, a justiça estava a serviço do governo; e, como juiz de direito, foi na comarca mais um ditador que um sereno apreciador de litígios.

Era ele juiz de Catimbau, a melhor comarca do Estado, depois da capital, quando Neves Cogominho foi substituir o tio na presidência de Sernambi.

Numa não queria fazer mediocremente uma carreira de justiça de roça. Sonhava a câmara, a Cadeia Velha, a Rua do Ouvidor, com dinheiro nas algibeiras, roupas em alfaiates caros, passeio à Europa; e se lhe antolhou, meio seguro de obter isso, aproximar-se do novo governador, captar-lhe a confiança e fazer-se deputado.

Os candidatos à chefatura de polícia eram muitos, mas ele, de tal modo agiu e ajeitou as coisas, que foi o escolhido.

O primeiro passo estava dado; o resto dependia dele. Veio a posse. Neves Cogominho trouxera a família para o Estado. Era uma satisfação que dava aos seus feudatários, pois havia mais de dez anos que lá não punha os pés.

Entre as pessoas da família, vinha a filha, a Gilberta, moça de pouco mais de vinte anos, cheia de prosápias de nobreza, que as irmãs de caridade de um colégio de Petrópolis lhe tinham metido na cabeça.

Numa viu logo que o caminho mais fácil para chegar a seu fim era casar-se com a filha do dono daquela "comarca" longínqua do desmedido império do Brasil.

Fez a corte, não deixava a moça, trazia-lhe mimos, encheu as tias (Cogominho era viúvo) de presentes; mas a moça parecia não atinar com os desejos daquele bacharelinho baço, pequenino, feio e tão roceiramente vestido. Ele não desanimou; e, por fim, a moça descobriu que aquele homenzinho estava mesmo apaixonado por ela. Em começo, o seu desprezo foi grande; achava até ser injúria que aquele tipo a olhasse; mas, vieram os aborrecimentos da vida da província, a sua falta de festas, o tédio daquela reclusão em palácio, aquela necessidade de namoro que há em toda a moça, e ela deu-lhe mais atenção.

Casaram-se, e Numa Pompílio de Castro foi logo eleito deputado pelo Estado de Sernambi.

Em começo, a vida de ambos não foi das mais perfeitas. Não que houvesse rusgas; mas, o retraimento dela e a gaucherie dele toldavam a vida íntima de ambos.

No casarão de São Clemente, ele vivia só, calado a um canto; e Gilberta, afastada dele, mergulhada na leitura; e, não fosse um acontecimento político de certa importância, talvez a desarmonia viesse a ser completa.

Ela lhe havia descoberto a simulação do talento e o seu desgosto foi imenso porque contava com um verdadeiro sábio, para que o marido lhe desse realce na sociedade e no mundo. Ser mulher de deputado não lhe bastava; queria ser mulher de um deputado notável, que falasse, fizesse lindos discursos, fosse apontado nas ruas.

Já desanimava, quando, uma madrugada, ao chegar da manifestação do Senador Sofonias, naquele tempo o mais poderoso chefe da política nacional, quase chorando, Numa dirigiu-se à mulher:

— Minha filha, estou perdido!...

— Mas que há, Numa?

— Ele... O Sofonias...

— Que tem? que há? por quê?

A mulher sentia bem o desespero do marido e tentava soltar-lhe a língua. Numa, porém, estava alanceado e hesitava, vexado em confessar a verdadeira causa do seu desgosto. Gilberta, porém, era tenaz; e, de uns tempos para cá, dera em tratar com mais carinho o seu pobre marido. Afinal, ele confessou quase em pranto:

— Ele quer que eu fale, Gilberta.

— Mas, você fala...

— E fácil dizer... Você não vê que não posso... Ando esquecido... Há tanto tempo... Na faculdade, ainda fiz um ou outro discurso; mas era lá, e eu decorava, depois pronunciava.

— Faz agora o mesmo...

— E... Sim... Mas, preciso ideias... Um estudo sobre o novo Estado! Qual!

— Estudando a questão, você terá ideias...

Ele parou um pouco, olhou a mulher demoradamente e lhe perguntou de sopetão:

— Você não sabe aí alguma coisa de história e geografia do Brasil?

Ela sorriu indefinidamente com os seus grandes olhos claros, apanhou com uma das mãos os cabelos que lhe caíram sobre a testa; e depois de ter estendido molemente o braço meio nu sobre a cama, onde a fora encontrar o marido, respondeu:

— Pouco... Aquilo que as irmãs ensinam; por exemplo: que o rio São Francisco nasce na serra da Canastra.

Sem olhar a mulher, bocejando, mas já um tanto aliviado, o legislador disse:

— Você deve ver se arranja algumas ideias, e fazemos o discurso.

Gilberta pregou os seus grandes olhos na armação do cortinado, e ficou assim um bom pedaço de tempo, como a recordar-se. Quando o marido ia para o aposento próximo, despir-se, disse com vagar e doçura:

—Talvez.

Numa fez o discurso e foi um triunfo. Os representantes dos jornais, não esperando tão extraordinária revelação, denunciaram o seu entusiasmo, e não lhe pouparam elogios. O José Vieira escreveu uma crônica; e a glória do representante de Sernambi encheu a cidade. Nos bondes, nos trens, nos cafés, era motivo de conversa o sucesso do deputado dos Cogominhos:

— Quem diria, hein? Vá a gente fiar-se em idiotas. Lá vem um dia que eles se saem. Não há homem burro - diziam -, a questão é querer...

E foi daí em diante que a união do casal começou a ser admirada nas ruas. Ao passarem os dois, os homens de altos pensamentos não podiam deixar de olhar agradecidos aquela moça que erguera do nada um talento humilde; e as meninas olhavam com inveja aquele casamento desigual e feliz.

Daí por diante, os sucessos de Numa continuaram. Não havia questão em debate na câmara sobre a qual ele não falasse, não desse o seu parecer, sempre sólido, sempre brilhante, mantendo a coerência do partido, mas aproveitando ideias pessoais e vistas novas. Estava apontado para ministro e todos esperavam vê-lo na secretaria do Largo do Rossio, para que ele pusesse em prática as suas extraordinárias ideias sobre instrução e justiça.

Era tal o conceito de que gozava que a câmara não viu com bons olhos furtar-se, naquele dia, ao debate que ele mesmo provocara, dando um intempestivo aparte ao discurso do Deputado Cardoso Laranja, o formidável orador da oposição.

Os governistas esperavam que tomasse a palavra e logo esmagasse o adversário; mas não fez isso.

Pediu a palavra para o dia seguinte e o seu pretexto de moléstia não foi bem aceito.

Numa não perdeu tempo: tomou um tílburi, correu à mulher e deu-lhe parte da atrapalhação em que estava. Pela primeira vez, a mulher lhe pareceu com pouca disposição de fazer o discurso.

— Mas, Gilberta, se eu não o fizer amanhã, estou perdido!... E o ministério? Vai-se tudo por água abaixo... Um esforço... E pequeno... De manhã, eu decoro... Sim, Gilberta?

A moça pensou e, ao jeito da primeira vez, olhou o teto com os seus grandes olhos cheios de luz, como a lembrar-se, e disse:

— Faço; mas você precisa ir buscar já, já, dois ou três volumes sobre colonização... Trata-se dessa questão, e eu não sou forte. E preciso fingir que se tem leituras disso... Vá!

— E os nomes dos autores?

— Não é preciso... O caixeiro sabe... Vá!

Logo que o marido saiu, Gilberta redigiu um telegrama e mandou a criada transmiti-lo.

Numa voltou com os livros; marido e mulher jantaram em grande intimidade e não sem apreensões. Ao anoitecer, ela recolheu-se à biblioteca e ele ao quarto.

No começo, o parlamentar dormiu bem; mas bem cedo despertou e ficou surpreendido em não encontrar a mulher a seu lado. Teve remorsos. Pobre Gilberta! Trabalhar até àquela hora, para o nome dele, assim obscuramente! Que dedicação! E - coitadinha! - tão moça e ter que empregar o seu tempo em leituras árduas! Que boa mulher ele tinha! Não havia duas... Se não fosse ela... Ah! Onde estaria a sua cadeira? Nunca seria candidato a ministro... Vou fazer-lhe uma mesura, disse ele consigo. Acendeu a vela, calçou as chinelas e foi pé ante pé até ao compartimento que servia de biblioteca.

A porta estava fechada; ele quis bater, mas parou a meio. Vozes abaladas... Que seria? Talvez a Idalina, a criada... Não, não era; era voz de homem. Diabo! Abaixou-se e olhou pelo buraco da fechadura. Quem era? Aquele tipo... Ah! Era o tal primo... Então, era ele, era aquele valdevinos, vagabundo, sem eira nem beira, poeta sem poesias, frequentador de chopes; então, era ele quem lhe fazia os discursos? Por que preço?

Olhou ainda mais um instante e viu que os dois acabavam de beijar-se. A vista se lhe turvou; quis arrombar a porta; mas logo lhe veio a ideia do escândalo e refletiu. Se o fizesse, vinha a coisa a público; todos saberiam do segredo da sua "inteligência" e adeus câmara, ministério e - quem sabe? - a presidência da república. Que é que se jogava ali? A sua honra? Era pouco. O que se jogava ali eram a sua inteligência, a sua carreira; era tudo! Não, pensou ele de si para si, vou deitar-me.

No dia seguinte, teve mais um triunfo.

Fonte:
Biblioteca Virtual de Literatura

Vivaldo Terres (Poemas Escolhidos) XIII


CANSEI DOS TEUS BEIJOS E DO TEU PERFUME
Hoje me separo de ti gentil senhora,
Cheia de caprichos e ciúmes,
Jamais vais obrigar-me a sofrer sem necessário ser.
Cansei dos teus beijos...
E do teu perfume!

Chega de viver na ilusão de teus carinhos,
E dos teus queixumes,
Pois já percebi que não adianta,
Pois mentes e não te redimes.
E desse jeito é melhor ficar sozinho.

Não quero mais saber dos teus clamores
Dos chamados em qualquer lugar,
Ou fora de hora.
O que me importa
É o que tu já sabes, o que mais quero.
É que vais embora

Isso porque já não me interessa
Os teus desejos ou lamentos em vão
O que mais quero é que partas hoje...
Para acalmar-me a alma e o coração

Partas contente, nesta triste noite!
E que não amanheças aqui e sejas feliz...
Onde estiveres, estejas contente!
E sempre te lembres, que hoje não te quero...
Mas ontem te quis.
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FALAR COM ALMA

Quando te vejo na rua!
Esperando a condução,
Com aquele olhar triste!
Dos que lutam...
E sofrem sem explicação.

Talvez seja a tua vida!
Um mar de desilusão,
Mas continuas vivendo...
Com mágoa no coração!

Com a alma em frangalhos.
Lembrando-se do que passou!
Em casa vendo o teu filho!
Implorando o teu amor.

Te ajoelhas de mãos postas...
Pedindo auxílio ao Senhor.

Falas com a alma,
E o coração!
Com os olhos a lacrimejar.
Mas espera com paciência,
Que esse auxilio chegará!
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RAJADAS FRIAS

A minha alma é triste como vento frio,
Que enregela o coração dos grandes marinheiros.
Os quais singrando os mares bravios,
Levam o progresso
Para o mundo inteiro.

E eu tristonho quase que parando,
Levando açoite ao decorrer da vida.
Que já não tendo onde se agarrar,
Espera a morte como uma saída.

Porque o vento singular revés,
Bate-me tanto com rajadas frias,
Porque o pranto em minha triste vida,
Porque um triste em noite já tão fria.
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SUAS FRASES

Como foi triste aquela despedida,
Quando chorando ela me disse adeus.
Não sei por que daquela atitude,
Sem se dar conta dos sofrimentos meus.

Ainda sofro com a sua falta,
Daquelas tardes de sol de verão.
Em que andávamos de mãos dadas...
Conversando e sorrindo,
Mostrando a todos nossa satisfação.

Faz tanto tempo que isso passou,
Tempos felizes que não voltam mais.
Ai! Que saudade do seu riso puro.
E de suas frases...
Que nas minhas horas de angustias
Trazia- me paz.
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TEUS OLHOS VERDES
Para Fá Butler Rodríguez

Teus olhos verdes, cor de esmeralda...
Teus lábios vermelhos, cor de carmim,
Expiram-me desejos dos mais tentadores,
Eu sei que não queres que seja,
Mas eu vejo assim.

És toda perfeita, de corpo atraente,
Tua pele clara te faz linda demais,
Faz que eu morra de amores por ti,
Pois nunca tinha visto alguém igual.

Tua simplicidade teu jeito de ser,
Faz-te não querer ser notada ou amada,
Mas quero que saibas que mesmo não tendo.
Este direito eu tive a felicidade de entrares,
No meu peito e fazeres morada.
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VIVO A LEMBRAR

Vivo há lembrar momentos divinos,
Em que nossos corpos vibravam no amor!
Era tanta a volúpia que o mesmo exercia...

Que nos excedia de tanto calor!
Como posso esquecer-me,
De tão belas lembranças...
Que estão toda hora na minha retina!
Eram momentos tão maravilhosos,
E horas tão divinas.

Por que ainda sinto e trago no peito...
Momentos assim,
Só sei que não posso viver deste jeito,
Mas como viver se não me esqueço de ti!
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VIVO CONDENADO

Ah! Que este amor!
Desencanta-me...
E me tira a alegria de viver.
É toda a causa do meu padecer!

Pois vivo a sofrer...
Desesperado!
Sem um alento, vivo condenado.
A amar!
Quem não nunca me quis...
Deixando-me toda vida infeliz.

Mas coração, por favor...
Pensa em mim!
Esquece ela,
Até porque fazes parte.
Do meu ser e não do dela!

Tenha pena de mim!
Por piedade.
Manda para bem longe,
Esta saudade...
Que em meu peito...
Se instalou!
Retira do meu coração este amor.

Fonte:
Poemas enviados pelo poeta.

José de Alencar (Diva) Resumo da obra

Foi publicado em 1864. Não é uma continuação da obra Lucíola, ao contrário do que muitos pensam. A história de Lucíola se encerra na própria obra. O que liga as duas obras é um detalhe curioso. O narrador de Lucíola, Paulo, se torna amigo do narrador de Diva, Amaral, como é possível depreender da epígrafe de Diva. Então, o livro Diva é composto por cartas que Amaral teria enviado a Paulo, como confissões a um amigo. No final do Capitulo III, a personagem Emília é comparada a uma Vênus moderna, a diva dos salões, explicando assim o título do livro: Diva. (3)

No imaginário social do século XXI ainda predominam fortemente as características do amor-romântico. As antigas definições de amor, paixão e maturidade psicoafetiva (transição do afeto infantil para o adulto) ainda circulam nas atuais conversas íntimas, literaturas, novelas e meios de comunicação, por exemplo. Mesmo assim, sabe-se que tais definições tem sido modificadas pelas novas configurações dos relacionamentos na era pós-moderna. (2)

Lembrando que Augusto é o narrador e, portanto, mentor da visão idealizada de Emília (pois é ele quem afirma várias vezes a maturidade afetiva dela) é de se esperar que o arquétipo social feminino de Alencar, fale mais alto sobre um processo de amadurecimento, que na realidade, não ocorreu. (2)

Emília não progrediu psicoafetivamente só porque passou a amar Augusto, o que ela conseguiu foi o título de amadurecimento conforme o imaginário de maturação feminino do século XIX. (2)

RESUMO:


Quando doutor Augusto conheceu Emília ela era ainda uma menina por volta dos seus catorze anos, feia e recatada. Ele iniciava sua carreira de médico e ela recebeu toda sua dedicação, incluindo horas sem dormir para que a menina fosse curada do mal que quase lhe levou a vida. Mas desde esse período Emília tratava o médico com uma grande hostilidade. Ele, que se dedicara tanto ao caso, nem quis receber, afinal valia mais o mérito de ter salvado a vida da filha de uma, até mesmo, importante família. E assim o pai da menina deixou em aberto essa dívida que tinha para com Dr. Augusto.

Anos mais tarde, Emília já se tornara uma moça e, por mais inesperado que fosse, era a mais bela da corte. Sua chegada no baile desanimava as demais moças que não podiam com a beleza dela e inspirava nos rapazes inúmeros galanteios. A família dela sempre insistia em uma reconciliação da menina com o seu salvador, no entanto, ela satisfazia-se em humilhar e constrangê-lo.

Se ele, por insistência dos demais, vinha lhe pedir o prazer de uma quadrilha, ela negava dizendo já ter parceiros para a quantia de danças que pretendia ter e seguidamente, ainda na frente dele, concedia a quarta ou a sexta valsa a outro cavalheiro.

Porém todo o desprezo da menina despertou no médico um grande amor. Mas ao mesmo tempo em que ele a amava, sentia seu orgulho muito mais que ferido... Entretanto ele continuava a lhe pedir valsas e ela a negá-las. Foi nesse contexto que ele, extremamente aniquilado pelos maus tratos da moça, decidiu por fim vingar-se e esquecê-la de vez.

A sua sorte foi que Geraldo, irmão de Emília, tinha que ajudar a uma órfã por pedido da irmã que tinha um bom coração tratando-se de caridades. Geraldo, sem ânimo nenhum para a boa ação, pediu ajuda ao doutor, que viu a sua chance e se disponibilizou a ajudá-lo.

O dinheiro para ajudar a menina era uma quantia pequena, e ele foi pedí-la ao pai de Emília como pagamento pela vez que salvara a vida da menina. Ele chegou a lhe oferecer maior quantia e até mesmo a recusar-se a pagar tão pouco, mas ali estava a vingança do médico. Visto que Emília estava presente afirmou que era aquela singela quantia que era merecida pelo seu trabalho, o que implicitamente era dar o mesmo valor à vida da moça.

Recebendo o dinheiro, foi embora satisfeito e decidido a abandonar de vez o convívio com aquela família. Mandou a ajuda à órfã no nome de Geraldo e assim concretizou sua ação. Porém logo depois desse ato foi chamado à casa de Emília. Surpreendentemente ambos e mais a tia da menina seguiram em um passeio que acabou mais cedo para a tia dela intencionalmente, por parte de Emília.

A sós a moça abriu-lhe o coração. Tratava-o com tamanho desprezo e indiferença por temê-lo. Desconhecia em seu coração o amor e o único sentimento que nutria era uma gratidão e admiração imensa pelo médico, mas o tratava de tal forma porque temia que o conhecendo pudesse frustrar o coração quanto a esses sentimentos. Mas quando notou o quanto o feria resolveu dizer-lhe toda a verdade.

Assim, de pazes feitas passaram ao convívio. Já nos bailes ela lhe concedia danças e até mesmo fazia da quadrilha com ele a última da noite. Ela ainda não o amava, ele só sentia o amor crescer-lhe e assim também o ciúme, este último fez em certa ocasião os dois brigarem, pois a ela não faltavam admiradores e declarações.

No entanto, eles acabavam por superá-las. Dr. Augusto chegou a se mudar para a vizinhança da moça e durante a noite os dois a sós se encontravam nos jardins e conversavam. Ele chegou a se declarar e ela pedia-lhe calma, pois ainda não o amava, mas o sentimento com o caminhar do tempo estava mais prestes a nascer do que nunca.

No entanto o amor de Emília que não nascia frustrava o médico, a essa altura os admiradores já haviam sido afastados e ela diferente da menina orgulhosa que era já se dobrava a uma submissão. No entanto um se submetia à vontade do outro trazendo para a relação, no ponto de vista dela, uma terrível monotonia.

Foi em uma tarde que o médico, chegando à casa dela, a encontrou pronta para uma ida ao teatro, o ciúme instantaneamente vibrou no peito de Augusto, e ele lhe pediu que finalmente, até mesmo para acalmá-lo, ela dissesse que o amava. Porém, segundo ela ainda era cedo, mas o doutor não suportou e rompeu definitivamente o romance – pelo menos era o que pensava.

Um mês depois se reencontraram e ela lhe questionou sobre o amor que ele tinha por ela, ele negou sua atual existência. Três dias depois estavam na chácara da família dela um grande grupo a passear, Emília se afastou e logo Augusto foi ter com ela. Ali tiveram sua conversa fatal.

Ele declarou a ela que todo o amor que afirmava sentir, crescera e apenas vivera devido ao sucesso econômico do pai de Emília e que só por isso ele se interessava por ela, nada mais que os benefícios que o ganhador da mão dela teria. Ela, depois de tal declaração, afirmou que aquilo não passava de uma confirmação do seu amor. Augusto, enfurecido, concordou, mas disse que o amor adorador que sentia agora tinha sido substituído por uma vontade de possuí-la contra a própria vontade dela.

Feito isso, a menina o desprezou. Ele tentou-lhe dar um beijo, mas ela esquivou-se e quando Augusto percebeu tinha posto a menina a seus pés. Vendo a sua ação pediu-lhe perdão e recebeu em troca uma declaração de amor. Sua resposta foi ir embora.

No dia seguinte recebeu de Emília uma carta afirmando todo o seu amor e devoção que só agora ela percebera. O médico ainda tentou resistir a ela, mas foi inútil. Amavam-se e naturalmente o passo seguinte foi o casamento.

Fontes:
– (1) Resumo por Rebeca Cabral, disponível em Brasil Escola
– (2) Rayssa Perreira Amorim (Univ. Estadual do Amapá), disponível em Academia.Edu
– (3) Wikipedia

IV Concurso da UBT Seção de São José dos Campos (Prazo: 30 de Maio)

Trofeu: Diva Ricco. Uma homenagem a Maria Diva Fontes Ricco

Biografia:
MARIA DIVA FONTES RICCO – Escritora, poetisa, trovadora; mãe de dez filhos, trocou o violino pela vida doméstica, mas não abandonou a poesia. Tem textos publicados em livros da Faculdade da 3ª Idade do Vale do Paraíba. Tem livro solo e em parceria com Mifori sua 3ª filha, publicados na Internet e, também impressos. Aos seus 92 anos, embora lúcida, já não escrevia mais, por motivos de saúde...
Veio a falecer em 02/08/2019 e foi sepultada 03/08/2019, dia em que completaria 94 anos.

TEMA: - VIOLINO

CALENDÁRIO: DE 01/O3/2020 à 30/05/2020

RESULTADO E ENTREGA DE DIPLOMAS: a partir de 01/08/2020


CRITÉRIOS:

TEMA: - VIOLINO - O Tema tem que constar no corpo da trova: ABAB, conforme regras da UBT Nacional Brasileira.

Uma trova inédita por trovador. Serão contemplados 10 trovadores. Os cinco primeiros receberão troféu e diploma. Os outros 05 receberão medalha e diploma.

A Inscrição pode ser por e-mail ou por envelope (dentro do envelope grande, endereçado ao responsável pelo recebimento, virá um envelope menor, lacrado, com os dados do trovador – “Endereço” - tendo na frente do envelopinho a trova colada)

Endereço:
Nome e Sobrenome e/ou nome artístico.
Cidade:
País:
E-mail;
( Só)

Não haverá separação entre veteranos e novos.

Será cobrada a taxa de R$ 50,00 (cinquenta reais) aos premiados, a título de ajuda de custo para o envio dos prêmios por correio.

Serão dois grupos:

Grupo 1: NACIONAL - em Língua Portuguesa;

Grupo 2: INTERNACIONAL - em Língua Espanhola

COORDENADORES:

A) LÍNGUA PORTUGUESA:

1)Inscrição por e-mail:
enviar para: fiel depositário =
Helio Castro: helio.castro@techsearch.com.br (helio sem acento)

2) Inscrição por envelope:
A/C de Glória Tabet Marson
Rua Major Dietrich Ott, nº 71 – Jardim das Colinas.
CEP: 12242-111 = São José dos Campos, SP.

 
B) LÍNGUA ESPANHOLA:
1) Inscrição por e-mail: enviar para:
Coordenadora e Fiel Depositária: Cristina Oliveira Chávez
<CoLibriRoseBeLLe@aol.com>

2) Inscrição por envelope:
A/C de Maria Luiza Walendowsky
Rua Clementina D. Sgrot, 110 – São Luiz
CEP. 88350-708 - Brusque, SC.


JULGADORES:
A Comissão de Julgadores é soberana. Serão três julgadores no mínimo por concurso. Os mesmos não participarão com suas trovas neste concurso em que for julgador.

1. Arlindo Tadeu Hagen
2. Therezinha Brizolla
3. Amilton Monteiro
4. Myrthes Mazza
5. Nadir Giovanelli
6. Lourice Saliba

JUECES CALIFICADORES EN ESPAÑOL
1. Jaime Hoyos Forero<hoyosforero@hotmail.com>
2. Andrik Bannack Alvarez<ILoveMyPlanetToo@aol.com>
3. Amayel Flores Rosas<Aquavelle@aol.com>

COORDENAÇÃO GERAL
Maria Inez Fontes Ricco
Presidente da União Brasileira de Trovadores
Seção de São José dos Campos - SP – Brasil

Fonte:
Mifori

terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Varal de Trovas n. 193


Luiz Poeta (O Menino que Lia Olhos)



- Você pode parar de piscar, por favor ?

- Como ?

- Estou lendo seus olhos.

- Lendo meus olhos ? – Espantou-se.

- Só um instantinho... há uma frase que diz que você está triste.

- Triste ? Eu ? ...como sabe ?

- Pelo brilho.

- Brilho ?

- Sim, um brilho úmido.

- Úmido ?

- É. Você estava querendo chorar.

- Ora, seu...como é seu nome ?

- Não importa. Sou apenas um menino.

- Quantos anos você tem, menino ?

- Dez. Vou fazer onze amanhã.

- Você é muito novo.

- E o seu nome ? Como é ?

- Ué... você não sabe ler olhos ? ...deveria saber o meu nome.

- ...não cheguei a esse estágio ainda. É todo um processo visual, mas eu sou meio míope.

- Ora, mas você vê os olhos de perto. O míope não enxerga é de longe.

- É verdade, mas mesmo assim, não enxergo muito bem também de perto.

- Pois devia enxergar. Como descobriu que estou triste ?

- É uma história muito longa. Mas... como é o seu nome ?

- Marta.

- Puxa, quase que eu acerto.

- Como ?

- Até que eu tinha visto o M, mas acho que você foi esperta e não quis pensar com os olhos. Ficou meio embaçado. Eu ia até arriscar Maria. Acho que você piscou quando eu ia ler o resto.

- Você é muito espertinho. Como soube que eu ia chorar ?

- Tá vendo ? Você ia chorar. Eu acertei.

- Você é muito esperto mesmo. Mas não me respondeu. Como soube que eu ia chorar ?

- É fácil. Na verdade o livro engloba também os lábios.

- Que livro ?

- O livro da vida reflete-se nos olhos.

- Então...

- Então ele estava aberto no capítulo da página do choro.

- Está ficando interessante a nossa conversa. E o que os lábios têm a ver com isso ?

- É que quando você vai chorar, os lábios fazem a diferença porque você aprisiona o sorriso e a lágrima é comprimida. É como se você espremesse uma toalha molhada e as gotas caíssem.

- Interessante...mas porque você resolveu ler logo os meus olhos, com tanta gente nesta lanchonete ?

- Ué, porque você olhou para mim.

- E... quem ensinou isto para você?  Foi sua mãe, seu pai...ou alguma cigana dessas que andam por aí ?

- Ninguém me ensinou. Eu sou autodidata.

- Além do mais, você tem um bom vocabulário.

- É... eu leio muito.

- Eu sabia.

- Mas, voltando ao assunto: Vai me dizer que você não ia chorar ?

- Claro, isto é... bem...

- Tá vendo ?Você ia chorar.

- Está bem, ia. E daí ?

- Nada. Acho bom eu parar a leitura. Viu ? Agora você vai sorrir.

- Você está me sugestionando.

- Não disse ? Você sorriu !

Já sei – pensou – ele deve querer algum dinheiro. Afinal, chegou aqui do nada e puxou assunto.

- Espere aí um pouquinho.

Marta virou-se para a bolsa, revirou-a, pegou a carteira, examinou as cédulas, retirou dela dois reais e...

- Ué ? Cadê o garoto ?

Olhou cuidadosamente em volta e não viu mais o menino.

- Que coisa...

Dentro dos seus olhos, a toalha secava ao sol de um novo dia e não havia lágrimas para serem espremidas.

Ela agora sorria inefável e nebulosamente para o espelho dos olhos especialíssimos de um menino sem nome...sem casta... e sem endereço.
___________________
(Primeiro Lugar no concurso de contos da União Brasileira de Escritores – Rio de Janeiro - Concurso interno)

Fonte:
Recanto das Letras do escritor

Vanice Zimerman (Poemas Escolhidos) 3


CORES NA PRAÇA

Manacás floridos fazem companhia aos bancos vazios da praça...
O colorido das flores embeleza a manhã de quem passa…
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ESCRITO NO CORAÇÃO...

Na capa do disco antigo
escreveu uma declaração de amor.
O tempo, quase apagou as palavras, a data...
Mas, no coração ainda permanece lindo o amor!
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GOTAS DE EMOÇÃO

Em cada lágrima, retratos de emoção...
Em cada retrato:
um rosto, lembranças e sonhos,
desenhados pela saudade:
nas telas pequenas  e mágicas das lágrimas…
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HÁ DIAS ASSIM...

A lembrança do seu olhar,
Do perfume permanece.
A música da última dança...
E a saudade insiste!
Há dias assim
E noites também…
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JANELAS...

Das janelas vejo as estações dos anos...
A lua e as estrelas.
Admiro as gotas de chuvas...
Folhas secas, flores...
Da janela, ouço os pássaros.
Sonho...
De uma dessas janelas vi o Amor chegar!
Janela mágica que encantou e inspirou o brilho no olhar,
Com as cores da felicidade...
Da janela do Tempo veio a despedida
E com ela, a saudade a espreitar...
Fecho a cortina e finjo que não a vejo.
A Janela da Saudade, tento fechar...
Mas ela é intensa, e mais forte que minhas mãos,
Desisto e deixo-a entrar...
Empresto da janela da Primavera, às flores.
Enfeito a saudade, que iluminada  e decidida
Desenha lembranças nas janelas do meu coração…
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NUM PISCAR DE OLHOS

Num piscar de olhos...
Um amor se conhece,
Abraços e beijos...
Num piscar de olhos,
Sonhos são desenhados,
Aquarelados.
Num piscar de olhos,
A despedida acontece.
A saudade permanece...
Refletido nas lágrimas,
Vejo seu rosto,
Num piscar de olhos...
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O DESPERTAR DA NATUREZA

Os sons da casa ao acordar...
Indicam que um novo e belo dia irá começar!

O sol que entra pela janela,
Na sala, aquece três lindos  e sonolentos gatos...

E lá fora...
Deixa as flores das floreiras, mais belas!
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O ÚLTIMO OLHAR...

Impossível foi evitá-lo...
Não havia mais como fugir, fingir sua ausência.
O último olhar se fez necessário.

A despedida de cor cinza com gosto de saudade,
Como entender e aceitar o fim do amor,
A sensação de vazio, de tempo perdido...

De um amor  que não pode ser esquecido?
Como viver sem seu olhar?
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POSES DE GATO

    Atento
Sentado
    Brincando
  Deitado
   Dormindo
     Espreguiçando...
         Lambendo a patinha.
            Gato preto em sete poses
        deixa linda e misteriosa a caneca branca: encanta!
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REFLEXOS EM MEU OLHAR...

Ao olhar-me no espelho vejo um pouco dos seus olhos...
Ainda lembro-me do dia do seu aniversário, do seu signo,
Do seu doce preferido, de como gostava do café…
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TRAÇOS DA TUA AUSÊNCIA

Tua ausência tem nome, perfume e cor.
Além de senti-la posso até desenhá-la...
Às vezes, tão real é o desenho que quase acaricio teu rosto…
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TRISTE ROTINA

O relógio na parede marca as horas e observa silencioso,
o encontro dos camponeses à mesa,
depois de um dia exaustivo de trabalho, a rotina continua,
a vida prossegue sem a esperança de um futuro mais digno...

O cômodo rústico revela as poucas posses, poucos direitos.
As roupas escuras e gastas pelo constante uso, se completam
com as mãos grandes, ideais para trabalhar a terra...
Olhares sem brilho, revelando tristeza e conformismo.

Cada personagem perdido em seu próprio mundo: como se
seus destinos estivessem traçados muito antes de nascerem.
Olhares sem brilho, refletindo almas sem vida, sem cores,
faltando-lhes vontade e coragem de mudar.

Liberdade, alegria, dignidade para os trabalhadores da terra,
só em sonhos...

* Poesia inspirada no quadro “Os Comedores de Batata”, de Vincent Van Gogh (1885)

Fonte:
Recanto das Letras da Poetisa

Rachel de Queiroz (Os Passarinhos)

    

De manhã, com escuro, é o trocado da graúna, bem debaixo da janela. Canta cristalino, dobrado e redobrado, como polca de piano, daquelas do tempo de Chiquinha Gonzaga. Mas aí a graúna para e quem faz o solo são os cabeças-vermelhas que outros chamam de galos-de-campina. Eu disse solo mas não é um só que canta; são duetos e tercetos, com primeira voz, segunda e terceira. A graúna vem então e faz o contraponto e por trás de tudo os golinhas sustentam o coro.

Isso é a alvorada. Depois do primeiro café é a vez dos canários que fizeram ninho nos frechais da casa. São dois ninhos no frechal e outro no pé de jucá que dá sombra ao alpendre. Mas esses já são cantores líricos, não se metem com amadores. Esperam que haja silêncio, não toleram nem o rádio. Vem um, se acomoda no galho do jasmim-laranja, verifica a assistência, vira a cabeça para trás e solta o gorjeio. Os demais passarinhos raramente se metem — salvo outro colega canário. E aí temos desafio de tenores e só não tem soprano porque canário faz discriminação de sexo: fêmea não canta. Depois do desafio lírico eles saem mesmo para o duelo e brigam até fazer sangue; chegam a rolar feridos no terreiro. Uma vez apanhei um morto. Canário leva ópera a sério.

O rouxinol daqui que, segundo penso, é a garrincha daí, vem logo depois dos canários; tem uma cantiguinha afinada, mas leve, assim como quem trabalha assobiando. Esse rouxinol uma vez me quebrou um espelho com ciúme do sósia que lhe aparecia no vidro. Bicava o cristal com tanta fúria que ensanguentava o bico. Botei um pano por cima do espelho e ai o rouxinol vinha devagarinho, enfiava a cabeça por baixo do pano, espiava — e lá estava o desgraçado de olho arregalado para ele! O rouxinolzinho avançava para o espelho com uma fúria matadora; e de tanto bater deslocou o prego e o espelho foi se arrebentar no chão. E ele, do parapeito da janela, olhava os cacos de vidro, vingado.

Pelas dez e onze da manhã tem uma calma; a juriti aproveita e fica de longe: vu ... vuu ... vuuu ... ! ... E a rolinha fogo-pagou responde mas há sempre então um bem-te-vi mal-educado que interrompe e estraga a poesia das duas.

Na hora da sesta aparece, mas não é todo dia, um sabiá cantador. Vem por ali, senta no cajueiro, solta o canto. Mas assim que a gente se aproxima, embelezada, ele sai para mais longe, nas algarobas; esse tem temperamento e não gosta de estranhos,

Saindo pelo mato, depois que o orvalho enxuga, a gente vai descobrindo. Se tem sorte até avista corrupião, mas é raro. Os vem-vem são por toda parte: e um passarinho de cabeça encarnada e cantiguinha moderna, por nome abre-e-fecha. Papa-arroz toma voo do capim de lagoa em bandos tão compactos que chega o ar a ficar encaroçado deles; e o pai-luís não levanta do chão e enfrenta a gente zangado, resmungando.

De repente se escuta um tarrafeado, aquela zoada curiosa, meio estridente, meio abafada: é bando de cancão acuando bicho. Acuam cururu, cobra, cachorro. Ficam aos saltos em redor do inimigo, a pena azul furtacor, o bico cor de fogo, os olhos que são como uma joia amarela. Cancão é bonito mas é sem-vergonha. Ladrão de roçado e plantador de milho. Plantam de doidos, porque já no fim das águas, quando tem semente seca, é que eles plantam. Nasce tudo, chega a crescer dois palmos de altura, mas daí não medra, porque é o fim do inverno. Raro é o roçado que não tem pelas beiras de cerca suas carreiras de milho de cancão.

Agora, quando a tarde cai é que é triste. Do outro lado do açude a mãe-da-lua, que já foi moça, ainda espera pelo noivo embarcado e fica chamando e se lastimando:

— Paulo, ôô Paaulo! Foi-se! Foi-se! Foi-se!

E mais triste é a coã, que em outros lugares também chamam acauã, Minha ama me embalava com uma cantiga que imitava o cantar da coã; e ainda recordo um verso que dizia assim: “Adeus, coã, que me vou! / Saudades, coã, de amor!...”

Ah, são muitos passarinhos. E sempre tem um cantando, as mais das vezes nem se identifica qual é.

Fonte:
Rachel de Queiroz. As Menininhas e outras crônicas. RJ: J. Olympio, 1976.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

Varal de Trovas n. 192


Monteiro Lobato (O Pito do Reverendo)


Itaoca é uma grande família com presunção de cidade, espremida entre montanhas, lá nos confins do Judas, precisamente no ponto onde o demo perdeu as botas. Tão isolada vive do resto do mundo que escapam à compreensão dos forasteiros muitas palavras e locuções de uso local, puros itaoquismos. Entre eles este, que seriamente impressionou um gramático em trânsito por ali: Maria, dá cá o pito!

Usado em sentido pejorativo para expressar decepção ou pouco-caso, e aplicado ao próprio gramático, mal descobriram que ele era apenas isso e não “influência política”, como o supunham, descreve-se aqui o fato que lhe deu origem. E pede-se perdão aos gramaticões de má morte pelo crime de introduzir a anedota na tão sisuda quão circunspecta ciência de torturar crianças e ensandecer adultos.

O reverendo tomou do estojo os velhos óculos de ouro, encavalgou-os no batatão nasal e leu pausadamente a carta do compadre, que dava notícias, pedia-as, e comunicava a próxima ida para ali do doutor Emerêncio do Val, “nosso ministro em Viena d’Áustria, homem de muito saber e distinção de maneiras, um desses diplomatas à antiga, como já os não há nesta república que etc. etc.”, em viagem de recreio pelo interior, a matar saudades do país.

O reverendo coçou o toitiço com dedos sornas e releu a carta demorando o pensamento nos trechos que pintavam o alto figurão itinerante, em via de honrar-lhe a casa com a sua nobilíssima presença.

Verdade é que dispensava tal honraria, boa seca à pacatez do seu viver abacial, repartido entre missinhas de cinco mil-réis (mais um frango), cachimbadas de muito bom fumo de corda e os pitéus (senão ainda a ternura, como propalavam as más-línguas) da ótima caseira e afilhada, a Maria Prequeté. Culpa toda sua, aliás. Quem lhe mandara a ele possuir a melhor casa de Itaoca e ser, modéstia à parte, um homem de luzes notórias, autor de vários acrósticos em latim?

Já doutra feita hospedara um eloquente inspetor agrícola e, logo depois, o tal sábio que colecionava pedrinhas — grande falta de serviço! Um diplomata agora... Ahn! A coisa variava…

Que viesse, respondeu ao compadre, mas não esperasse encontrar na roça desses “confortos e excelências de vida que é de hábito nas grandes terras”.

Escrita a resposta, foi o reverendo à cozinha conferenciar com a caseira sobre a hospedagem e longamente confabularam sobre o pato a sacrificar-se (se o patão de peito branco ou aquele mais novo com que a viúva do João das Bichas lhe pagara a missa, a gatuna); sobre a toalha de mesa e a roupa de cama; sobre o tratamento a dispensar — Vossa Excelência, Vossa Senhoria ou Vossa Diplomacia.

Após longo bate-boca, salpicado de injúrias em calão e algum latim, assentaram no pato da missa, na toalha de renda e no Vossa Excelência. Combinadas essas minúcias, uma nuvem de nostalgia ensombrou a nédia cara do reverendo. Os olhos penduraram-se-lhe no vago, saudosos, e de lá só desciam para envolver, com ternura viciosa, o velho pito de barro que lhe fedia na mão.

Notou a Prequeté aquelas sombras e:

— Acorda, boi sonso! Amode que está ervado?...

O reverendo abriu-se. Era o pito. Eram já saudades do velho pito... Pois não ia privar-se desse amigo de tantos anos durante a estada do “empata”? Tinha educação. Não desejava impressionar mal a um homem de raro primor de maneiras. E o pito, se é bom, é também plebeu e, mais que plebeu, chulo.

Reconhecia-o, reconhecia-o…

Entretanto, três, quatro dias — sabia lá a quantos iria a seca? — de abstenção forçada, sem que a boca sentisse o bendito contato do saboroso canudo amarelo de sarro?... Doloroso…

E o reverendo sorveu com delícia uma baforada maciça. Tragou-a. Depois, recostada a cabeça ao espaldar, semicerrados os olhos, semiaberta a boca, deixou-se fumegar gostosamente, como piúca de queimada. Coisas boas da vida!...

Mas que remédio? O homem fora diplomata e em Viena d’Áustria!

Confabulara com arquiduques e cardeais. Homem de requintes, portanto. Era forçoso transigir com o pito, o rico pito, o amor do pito. Sim, porque a dignidade do clero antes de tudo! Lá isso…

Uma semana depois nova carta anunciava que “o tal das Europas” em tal data repontaria por ali.

Grande alvoroço de saia e batina. A Prequeté arregaçou as mangas — braços a Machado de Assis tinha a morena! — e pôs de pernas para o ar a casa. Varreu, esfregou, escovou tudo, demoliu teias de aranha, limpou o vidro do lampião, matou o pato e desfez com decoada os muitos pingos de gema de ovo que constelavam a batina do padrinho.

— Arre, que até parece uma gemada! — reguingou ela, entre repreensiva e caçoísta. Depois, relanceando-lhe o olhar pelo alto da cabeça:

— Chi!... A coroa está que é uma tapera! — exclamou.

E, expedita, zás! zás! deu nela uma alimpa de tesoura.

— E o breviário? — inquiriu de súbito o padre.

Andava de muito tempo sumido, o raio do livro; procura que procura, descobrem-no afinal no quarto dos badulaques, feito calço duma cômoda capenga. A Prequeté — maravilhosa caseira! — com uma dedada de banha pô-lo escorreito e envernizado, a fingir com tanta perfeição uso diário que nem Deus desconfiaria da marosca.

— Que mais? — disse ela depois, plantando-se a distância para uma vista de conjunto no seu restaurado padrinho. E como de alto a baixo tudo estivesse a contento: “Está mesmo pshut!”, concluiu, brejeira, borrifando-lhe por cima um chuvilho de Água Florida, para disfarçar o ranço.

Ficou o padre um amor de reverendo, liso e bem amanhado como cônego de oleografia. Ele próprio o reconheceu ao espelho e, nadando nas delícias daquele carinho sem par — e muito agradável a Deus, pois não! —, sorriu-se babosamente, acariciando-a no queixo:

— Esta marota!

Conclusa a arrumação, da coroa do padre à cozinha, postou-se a Prequeté de vigia à janela, indagando os extremos da rua, enquanto o reverendo, lindo como no dia da sua primeira missa, passeava pela saleta a chupar as derradeiras cachimbadas.

Súbito:

— “Evem” vindo o reis! — exclamou a atalaia.

O reverendo meteu o pito na gaveta, passou a mão no breviário e assumindo cara de circunstância rumou para a porta da rua. Instantes depois defrontava-o um cavaleiro. O padre correu a segurar-lhe a rédea e o estribo.

— Queira apear-se vossa excelência, que esta choupana é de vossa excelência. Sou o padre vigário de Itaoca, humilde servo de vossa excelência.

O diplomata, como que ressabiado com tão respeitosa acolhida, deixou-se descavalgar. Mas sem garbo, esquerdão e reles, como aí um pulha qualquer. Entrou. Trocaram-se rapapés, palacianos da parte do reverendo, mal achavascados (quem o diria?) da parte do cortesão que conversara arquiduques e cardeais. Houve etiquetas revividas, sempre claudicantes do lado diplomático. Houve cerimônia.

Mas o doutor não era positivamente o que se esperava. Já no físico desiludia. Em vez duma fina figura de mundano, saíra-lhes um magrela de barba recrescida, roupa surrada, chambão e alvar. Enfim, pensou lá consigo o reverendo, o hábito não faz o monge. Quem sabe, sob aquelas aparências vulgares e talvez rebuscadas, não luzia o espírito de um Talley rand ou as manhas dum Metternich?

Foram para a mesa e no decurso do jantar acentuou-se a desilusão. O homem comia com a faca, baforava no copo, chupava os dentes. Um puro pai da vida.

Observando-o por cima dos óculos, o reverendo piscava para a caseira, que, da cozinha, pela fresta da porta, torcia o nariz à pífia excelência excursionista. Ao trincar o pato, desastre. O doutor deixou cair no chão um osso, que logo apanhou, muito encalistrado. Depois, às voltas com a asa do palmípede, falseou-se-lhe a faca, resultando espirrar-lhe à cara um chuvisco de arroz. A Prequeté por sua vez espirrou lá dentro uma risadinha de mofa, acompanhada dum mortificante ché!...

O reverendo entrou-se de dúvidas. Era lá possível que o doutor Emerêncio do Val fosse um estupor daqueles?

À sobremesa caiu a conversa sobre a política, e o doutor desmanchou-se em bobagens graúdas. Enquanto asneava, o padre ia matutando lá consigo: “E eu com cerimônias, e eu com bobices, e eu querendo até privar-me do pito por amor a um cretino destes! Fumo-lhe nas ventas e já!”

Nisto veio o café. Enquanto o ingeriam, o doutor entrou a falar de remédios, farmácias e projetos de estabelecimento. O reverendo, decifrando o mistério, deteve a xícara no ar.

— Mas... mas então o senhor...

— Sou farmacêutico, e vim estudar a localidade a ver se é possível montar aqui uma botica. Portei em sua casa porque…

O padre mudou de cara.

— Então não é o doutor Emerêncio, o diplomata?

— Não tenho diploma, não senhor, sou farmacêutico prático...

O padre sorveu dum trago o café e refloriu a cara de todos os sorrisos da beatitude; desabotoou a batina, atirou com os pés para cima da mesa, expeliu um suculento arroto de bem-aventurança e berrou para a cozinha:

— Maria, dá cá o pito!

Fonte:
Monteiro Lobato. Cidades Mortas.

José Maria de Heredia (Poemas Recolhidos)


A CONCHA

Depois de tanto inverno, a que gelado oceano
foste, quem saberá, ó concha nacarada?
Das correntes do mar ao poder soberano,
no abismo verde andaste sempre abandonada?

Um leito agora tens sobre a areia dourada,
sob o infinito céu, longe do horror insano;
mas, esperança vã, geme desesperada
em ti, da voz do mar, o misterioso arcano.

Minha alma se tornou uma prisão sonora:
como no seio teu ainda suspira e chora
ecoando sem cessar todo o antigo clamor,

assim no coração, que por ela palpita,
como a voz que há em ti, surda, lenta, infinita,
ruge em mim tempestuoso o longínquo rumor.

(Tradução de  Luís Franco)
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A FEITICEIRA

Em toda parte, até nos altares sagrados,
vejo-a que por mim chama e alvos braços me lança.
Pai venerável! Mãe que me embalou criança!
De uma execrável raça expio hoje os pecados?!

O Eumólpide* não quis na sede de vingança
os mantos sacudir ao solo, ensanguentados.
E eu fujo, sem querer, exausto, os pés cansados;
e dos sagrados cães o rude uivar me alcança.

Aonde vá, sinto, aspiro, a mim mesmo odioso,
o sinistro feitiço, o encanto tenebroso
com que, dos Deuses ainda, a cólera me esmaga,

pois puseram-lhe os céus, como supremo encanto,
esses olhos de sombra e essa boca que embriaga,
armando contra mim seus beijos e seu pranto.

(Tradução de Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça)
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* Eumólpide ou hierofante = é o termo usado para designar os sacerdotes da alta hierarquia dos mistérios da Grécia e do Egito. É o sacerdote supremo, que pode ser chamado também de Sumo Sacerdote.
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A FLAUTA

A tarde já chegou. Revoam pombos no ar.
Não dá nenhum encanto à paixão amorosa,
cabreiro! a gaita com que estás a acompanhar
a água que, entre juncais, desliza sonorosa.

Deste plátano à sombra, onde viemos deitar
a relva é mais macia. Amigo, a cabra ociosa
surda a seu cabritinho a fim de o desmamar,
deixa que aos morros trepe e aos brotos busque, ansiosa.

A minha flauta de sete hastes de cicuta
feita, unidas a cera aguda, ou grave, escuta!
Ou chore, ou gema, ou cante, é sempre ao meu sabor.

Vem conosco aprender a arte do deus Sileno!*
Deste sagrado tubo irão pelo ar sereno
como aladas canções, teus suspiros de amor!

(Tradução de  Freitas Guimarães)
_______________________________ 
* Deus frígio, companheiro de Dionísio. Atribuíram-lhe a invenção da flauta.
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O BANHO DAS NINFAS

N'um canto da floresta escura e densa
por sobre a fonte curva-se um loureiro.
Nua, à ramada a Oréade suspensa sobre
a água dependura o corpo inteiro.

Ao banho, as ninfas; rápido e ligeiro!
E ei-las, as manchas de brancura intensa
dos corpos nus, levípedes; e o cheiro
que nuvem de ouro do cabelo incensa! . . .

Lançam-se a nado as deusas em peleja
mas súbito, rompendo os negros flancos
do bosque, o olhar de um Sátiro flameja. . .

E, nuas, elas trepam-se aos barrancos...
Tal à vista de um corvo que fareja
debanda a multidão dos cisnes brancos!

(Tradução de  João Ribeiro)
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O ESCRAVO

Escravo sujo e nu, sem teto, esfomeado,
no meu corpo há sinais flagrantes do que digo.
Livre, ao fundo nasci do belo golfo antigo,
onde reflete o Hibla o píncaro azulado.

Deixei meu lar feliz, eu! Se fores amigo,
ao mel de Siracusa e ao ninho embalsamado
pelo bando vernal de cisnes transportado,
procura essa que traz meu coração consigo.

De novo os olhos seus verei, de azul tão puro,
sorrindo ao sol natal que neles se reflete
sob o arco triunfal do supercílio escuro.

Ai, tem piedade, parte; e à meiga Cleariste
que vivo a ver, só para a ver, repete;
hás de saber quem é, porque está sempre triste.

(Tradução de  Melo Leitão)

SEGUINDO PETRARCA
                                                                 
Saíeis de uma igreja e, num gesto apiedado
as vossas nobres mãos abriram-se à pobreza;
à sombra do portal vossa clara beleza
mostrava o ouro dos céus ao mendigo extasiado!

E quando, humilde como um cortesão curvado,
eu vos saudei com toda a graça e gentileza,
puxastes a mantilha aos olhos, com presteza,
desviando-vos de mim, com ar de desagrado.

Mas, Amor, que domina o peito mais altivo,
- menos terna que linda - ah! não quis que uma graça
me não desse a piedade, um doce lenitivo! -

porque fostes tão lenta o véu baixando, oh bela!
Que entre os cílios passou um clarão como passa
dentre a folhagem negra o raio de uma estrela!

(Tradução de Álvaro Reis)
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O grande sonetista de “Les Trophées” livro que lhe abriu as portas da Academia Francesa, nasceu em Cuba, descendendo de sangue francês, em 22 de novembro de 1842, e morreu em 2 de outubro de 1905 na França, no castelo de Bourdonné. Viveu desde os 8 anos na França. Fez parte do grupo dos “parnasianos” sob a chefia de Leconte de Lisle. Seus sonetos, obra de puro artesanato, verdadeiros medalhões, mereceram de François Coppée, a designação de “a legenda dos séculos em sonetos”, parafraseando Victor Hugo.
É talvez dos poetas franceses, ao lado de Hugo e Baudelaire, um dos mais traduzidos.

Fonte:
J. G. de Araujo Jorge. Os Mais Belos Sonetos Que O Amor Inspirou. Poesia Universal.  Européia e Americana. Vol. III. Ed. Theor, 1970.

Arthur C. Clarke (Não Haverá Outra Manhã)


– Isto é terrível! – exclamou o Cientista Supremo. – Certamente poderemos fazer algo!

– Sim, Seu Conhecimento, mas será extremamente difícil. O planeta se acha a mais de quinhentos anos luz e é difícil manter contato. Entretanto, acreditam poder estabelecer uma cabeça de ponte. Por desgraça, não é este o único problema. até agora não conseguimos nos comunicar com os seres. Seus poderes telepáticos são extremamente rudimentares... talvez inexistentes. E se não podermos falar com eles, não poderemos lhes ajudar.

Houve um comprido silêncio mental enquanto o Cientista Supremo analisava a situação e chegava, como sempre, à resposta correta.

– Uma raça inteligente tem que possuir alguns indivíduos telepáticos – murmurou. – Teremos que enviar centenas de observadores, sintonizados para captar o primeiro espionar de pensamento, Quando acharem uma só mente sintonizada, que concentrem nela todos seus esforços. Temos que lhes transmitir nossa mensagem.

– Muito bem, Seu Conhecimento. Assim se fará.

No outro lado do abismo, no outro lado do golfo que a mesma luz demorava quinhentos anos em cruzar, os intelectos inquisitivos do planeta Taar estenderam seus tentáculos do pensamento, procurando desesperadamente um só ser humano cuja mente pudesse perceber sua presença. E, felizmente, encontraram o William Cross.

Ao menos, no primeiro momento o consideraram uma sorte, embora depois já não estiveram tão seguros. De todos os modos, não ficava outra eleição. A combinação de circunstâncias que abriram a mente do Bill a eles só durou uns segundos e não é fácil que voltem a ocorrer neste lado da eternidade.

O milagre constou de três ingredientes e é difícil dizer que agente foi mais importante que o outro. O primeiro foi o acidente de posição. Um frasco cheio de água, ao incidir em cima da luz do sol, pode converter-se em uma lente tosca, concentrando a luz em uma pequena zona. Em escala muitíssimo maior, o núcleo denso da Terra fazia convergir os feixes de ondas procedentes do Taar. Na forma ordinária, a radiação do pensamento não fica afetada pela matéria, já que aquela passa através dele com a mesma facilidade com que a luz atravessa o cristal. Mas em um planeta há muita matéria e toda a Terra atuou como uma lente gigantesca. Parece que isto situou o Bill em seu foco, ali onde os débeis impulsos mentais do Taar se concentravam as centenas.

Não obstante, outros milhões de homens estavam igualmente bem situados, mas não receberam nenhuma mensagem. Claro que não eram engenheiros de foguetes nem tinham acontecido anos pensando e sonhando com o espaço, até formar esta ideia, parte de seu próprio ser.

Nem estavam, como Bill, totalmente bêbados, vacilando já no último bordo da consciência; tratando de escapar da realidade para um mundo de sonhos onde não existissem desalentos nem fracassos.

Naturalmente, compreendia a opinião do Exército.

–... lhe pagam, doutor Cross – tinha dito o famoso general Potter, com uma ênfase inútil  – para planejar foguetes, não... ah... naves espaciais. Faça o que queira em suas horas livres, mas tenho que lhe rogar que não utilize os instrumentos de nosso estabelecimento para seus caprichos. A partir de agora, eu mesmo comprovarei todos os projetos da seção de cálculo. Nada mais.

Naturalmente, não podiam lhe despedir; era muito importante. Mas ele não estava seguro de querer ficar. Em realidade, não estava seguro de nada, salvo do trabalho que lhe tinham atribuído e de que Brenda se largou definitivamente com o Johnny Gardner... para pôr os sucessos em sua ordem de importância.

Cambaleando ligeiramente, Bill apoiou o queixo entre suas mãos e olhou a parede de tijolos caiados ao outro lado da mesa. O único intento de adorno era um calendário da Lockheed e uma foto seis por oito de um aerojet mostrando o “Li'l Abner Mark I” efetuando um atrevido separe. Bill olhava tristemente o espaço compreendido entre ambos os adornos e esvaziou sua mente de todo pensamento. As barreiras caíram...

Naquele momento, os intelectos do Taar lançaram um inaudível grito de triunfo e o muro que Bill tinha diante se dissolveu lentamente em uma forma de redemoinhos de névoa. Ao Bill pareceu estar olhando dentro de um túnel que se alargava até o infinito. E isto é o que fazia em realidade.

Bill estudou o fenômeno com escasso interesse. Era uma novidade, embora não chegasse à altura de alucinações anteriores. E quando a voz começou a falar em sua mente, ressonou algum tempo antes de que entendesse algo. Inclusive bêbado, Bill possuía um preconceito antiquado a respeito de conversar consigo mesmo.

– Bill – murmurou a voz – ouça atentamente. Temos grandes dificuldades para contatar com vós e isto é extremamente importante.

Bill duvidava desta declaração sobre princípios gerais. Não há nada tremendamente importante.

– Falamo-lhe de um planeta muito distante – prosseguiu a voz em tom amistoso. – Você é o único ser humano com o que conseguimos entrar em contato, de modo que tem que compreender o que dizemos.

Bill se sentiu algo inquieto, embora de maneira impessoal, posto que agora resultava mais difícil concentrar-se em seus próprios problemas. Às vezes a gente está muito grave, se começar a ouvir vozes. Bom, era melhor não excitar-se. “Doutor Cross, disse, pode tomá-lo ou deixá-lo. Tomarei até que resulte incómodo.”

– De acordo –- respondeu com indiferença. – Adiante, me fale. Embora seja longo, sempre pode resultar interessante.

Houve uma pausa. Logo a voz continuou em forma um pouco preocupada.

– Não entendemos. Nossa mensagem não é só interessante. É vital para toda sua raça e deve notificá-lo imediatamente a seu governo.

– Estou esperando – assentiu Bill – Isto me ajuda a passar o tempo.

A quinhentos anos luz de distância, os taars conferenciaram apressadamente entre si. Parecia passar algo inoportuno, mas ignoravam exatamente o que era. Não havia dúvida de que tinham estabelecido contato, mais não era esta a reação que esperavam. Bem, não tinham mais remédio que prosseguir e esperar o melhor.

– Escuta, Bill. Nossos cientistas têm descoberto que seu sol está a ponto de estalar. Isto acontecerá dentro de três dias a partir de hoje... dentro de setenta e quatro horas, para ser exatos. Nada pode impedi-lo. Mas não têm que lhes alarmar. Nós podemos lhes salvar, se fizerem o que diremos.

– Adiante – repetiu Bill.

A alucinação era engenhosa.

– Podemos criar o que se chama uma ponte... uma espécie de túnel através do espaço, como este pelo que agora olha. É difícil explicar uma teoria tão complicada, inclusive para um de seus matemáticos.

– Um momento! – protestou Bill. – Eu sou matemático, terrivelmente bom, inclusive quando estou sereno. E tenho lido todas estas coisas nas revistas de ficção científica. Suponho que se refere a certa classe de atalho através de uma dimensão mais elevada do espaço. Isto já era velho, na época anterior ao Einstein.

Na mente do Bill se introduziu uma sensação de enorme surpresa.

– Não sabíamos que estivessem tão avançados cientificamente – responderam os taars. – Mas agora não há tempo para discutir essa teoria. Só isto importa: se te introduzires pela abertura que há diante de ti, instantaneamente te acharias em outro planeta. Como disse, é um atalho, neste caso, através da dimensão trinta e sete.

– E isto conduz a seu mundo?

– Oh, não, não poderia viver aqui. Mas no universo há muitos planetas como a Terra e achamos o que lhes convém. Estabeleceremos cabeças de ponte como esta em toda a Terra, de modo que a gente só terá que entrar nelas para se salvar. Claro está, terão que voltar a forjar uma civilização em sua nova pátria, mas esta é sua única esperança. Tem que transmitir esta mensagem e lhes dizer o que têm que fazer.

– Já lhes vejo me escutando – resmungou Bill – por que não falam vós com o Presidente?

– Porque só pudemos entrar em contato com sua mente. As outras estão fechadas para nós; embora não entendamos por que.

– Eu lhes poderia contar isso –  respondeu Bill olhando a garrafa vazia que tinha diante de si.

Certamente, valia o que custava. Que notável era a mente humana! Naturalmente o diálogo não era original e era fácil ver de onde procedia a ideia. Na semana anterior tinha lido um relato sobre o fim do mundo e todos estes pensamentos a respeito de pontes e túneis através do espaço era só uma compensação para todo aquele que levava cinco anos lutando com os recalcitrantes foguetes.

– Se o sol estalar – perguntou Bill bruscamente, tratando de pilhar por surpresa a sua alucinação – o que acontecerá?

– Seu planeta se fundirá instantaneamente. Em realidade, todos os planetas até Júpiter.

Bill teve que admitir que esta era uma concepção grandiosa. Deixou que seu cérebro jogasse com a ideia e quanto mais a considerava, mais gostava.

– Minha querida alucinação – observou piedosamente – se te acreditasse, sabe o que diria?

– Tem que nos acreditar! - foi o grito desesperado através de quinhentos anos-luz.

Bill ignorou o grito. Estava gozando com o tema

– Dir-te-ei uma coisa. Seria o melhor que poderia ocorrer. Sim, economizaria muitos pesares. Ninguém teria que preocupar-se com os russos, a bomba atômica ou o elevado índice da vida. Oh, seria maravilhoso! É justamente o que todos desejam. Obrigado por nos haver isso dito, e agora volte para casa e leve essa ponte.

No Taar reinou a consternação. O cérebro do Cientista Supremo, flutuando como uma grande massa em sua tanque de solução nutritiva, amarelou ligeiramente pelas bordas... coisa que não tinha ocorrido da invasão Xantil, cinco mil anos atrás. Ao menos quinze psicólogos sofreram desenquadramentos nervosos e jamais se recuperaram. O principal computador da Faculdade da Cosmofísica começou a dividir cada número de seus circuitos de cor por zero e não demorou para danificar todos seus fusíveis.

E na Terra, Bill Cross expôs seus pontos de vista.

– Me olhe – dizia apontando seu peito com um dedo vacilante – passei muitos anos tentando construir foguetes que fossem úteis para algo e agora me dizem que só posso desenhar projéteis dirigidos, a fim de podermos destruir uns aos outros. O sol poderá, então, fazê-lo melhor e mais depressa e se nos entregasse outro planeta, voltaríamos a começar com o mesmo afã destruidor.

Fez uma triste pausa, acariciando seus mórbidos pensamentos.

– E Brenda partiu da cidade sem me deixar nenhuma nota. De modo que tem que perdoar minha falta de entusiasmo por sua amável oferta.

Bill compreendeu que não podia pronunciar a palavra “entusiasmo” em voz alta. Mas ainda podia pensá-la, o qual era um interessante descobrimento científico. À medida que se embebedasse talvez só acertasse a pensar palavras monossílabas.

Em um intento final, os taars enviaram seus pensamentos pelo túnel formado entre as estrelas.

– Não pode falar a sério, Bill! Todos os seres humanos são como você?

Vá, uma pergunta filosófica muito interessante Bill a considerou atentamente... ou ao menos com a atenção de que era capaz em vista do quente e rosado resplendor que começava a lhe envolver. Ao fim e ao cabo, as coisas poderiam ser piores. Podia achar um novo emprego, embora só fosse pelo prazer de lhe dizer ao general Potter o que podia fazer com suas três estrelas. E quanto a Brenda... bom, as mulheres eram como os bondes: cada minuto passa um.

Mas o melhor era que havia uma segunda garrafa de uísque na gaveta de MÁXIMO SECRETO. Oh, maravilhoso dia! Ficou em pé com dificuldade e cambaleou pela habitação.Pela última vez, os intelectos do Taar se comunicaram com a Terra.

– Bill! Todos os seres humanos não podem ser como você!

Bill se voltou para o túnel do tempo. Era estranho... parecia iluminado por pontos estrelados... era realmente magnífico. Sentiu-se orgulhoso de si mesmo; poucas pessoa podiam imaginar tal coisa.

– Como eu? – repetiu. – Não, não o são.

Sorriu através dos anos luz, ao tempo que a maré crescente de euforia apagava seu desalento.

– Pensando bem – acrescentou – há muitos indivíduos muito piores que eu. Sim, acredito que, apesar de tudo, eu ainda sou um dos felizes.

Piscou levemente surpreso, já que o túnel acabava de voltar-se sobre si mesmo e ali estava de novo a parede caiada, exatamente igual a sempre. Os taars sabiam que estavam derrotados.

– Adeus, alucinação – murmurou Bill. – Vejamos como será a próxima.

Em realidade, não houve nenhuma mais, porque cinco segundos mais tarde perdeu o conhecimento, enquanto estava marcando a combinação da gaveta do arquivo.

Os dois dias seguintes resultaram vagos e injetados em sangue e Bill esqueceu todo o referente à alucinação.

Ao terceiro dia algo começou a envenenar a mente, como se tivesse recordado a advertência dos taars, e não ter tornado a ver Brenda, lhe pedindo perdão.

Naturalmente, não houve um quarto dia.

Fonte:
Arthur C. Clarke. Histórias de dez mundos. In Biblioteca Sem Limites.

domingo, 23 de fevereiro de 2020

Varal de Trovas n. 191


Contos e Lendas do Mundo (Inglaterra: A História da Pequena Pic-Pic)


Quando a jovem Pic-Pic foi, um dia, ao bosque, caiu-lhe na cabeça uma bolota e supôs que o céu estava a desmoronar-se.

- Tenho de procurar o rei a todo o custo, para lhe comunicar que o céu está a cair. - decidiu imediatamente.

Deu meia volta e, pouco depois, cruzou-se com a senhora Put-Put.

- Aonde vai, senhora Put-Put?

Esta respondeu com prontidão:

- Ao bosque, procurar comida.

E a jovem Pic-Pic replicou:

- Não pense mais nisso. Eu estava lá, quando o céu começou a cair-me na cabeça, pelo que vou já informar o rei.

Em face disso, a senhora Put-Put deu meia volta, e acompanhava a jovem Pic-Pic, quando encontraram o senhor Quiquiriqui.

- Aonde vai, senhor Quiquiriqui?

E este respondeu:

- Ao bosque, procurar comida.

- Eu também ia lá com a mesma intenção, mas encontrei a jovem Pic-Pic, em cuja cabeça acabava de cair um pedaço do céu - explicou a senhora Put-Put. - Agora, vamos comunicá-lo ao rei.

O senhor Quiquiriqui deu meia volta e cruzou-se com a senhora Pil-Pil.

- Bom dia, senhora Pil-Pil. Aonde vai?

- Ao bosque, procurar comida.

- Eu também ia lá com essa intenção, mas encontrei a senhora Put-Put, que se tinha cruzado com a jovem Pic-Pic, a qual vinha do bosque, onde lhe tinha caído um pedaço do céu na cabeça - informou o senhor Quiquiriqui. - Agora, vamos comunicá-lo ao rei.

A senhora Pil-Pil deu igualmente meia volta e cruzou-se com o senhor Quac-Quac.

- Bom dia, senhor Quac-Quac. Aonde vai?

- Ao bosque, procurar comida.

E ela anunciou:

- Volte para trás, pois eu estava animada de idêntica intenção, mas encontrei o senhor Quiquiriqui, que, por sua vez, tinha encontrado a senhora Put-Put e esta a jovem Pic-Pic, em cuja cabeça caiu um pedaço do céu, fato que vamos agora comunicar ao rei.

O senhor Quac-Quac apressou-se a dar meia volta e, um pouco adiante, cruzou-se com a senhora Chis-Chis.

- Aonde vai tão cedo, senhora Chis-Chis?

- Ao bosque, procurar comida.

- Deixe-se disso, pois eu tinha a mesma intenção, mas encontrei a senhora Pil-Pil, que encontrara o senhor Quiquiriqui, este a senhora Put-Put e esta, por sua vez, a jovem Pic-Pic, que esteve no bosque, onde lhe caiu um pedaço do céu na cabeça, pelo que vamos todos procurar o rei para o informar.

A senhora Chis-Chis também deu meia volta e em breve se cruzou com Sir Graj-Graj.

- Pode saber-se aonde Vossa Excelência vai?

- Ao bosque, procurar comida - disse ele.

E a senhora Chis-Chis informou-o:

- Eu também ia lá, mas encontrei o senhor Quac-Quac, que tinha encontrado a senhora Pil-Pil, esta por sua vez o senhor Quiquiriqui, este a senhora Put-Put e esta, finalmente, a jovem Pic-Pic, que vinha de lá, onde lhe caiu um pedaço de céu na cabeça. Por conseguinte, vamos comunicar o fato ao rei.

Sir Graj-Graj apressou-se a dar meia volta e não tardou a deparar-se-lhe o senhor Cuá-Cuá.

- Bom dia, senhor Cuá-Cuá. Aonde vai?

- Ao bosque, buscar comida.

E Sir Graj-Graj revelou-lhe:

- Dê já meia volta, porque eu também ia para lá, mas encontrei o senhor Chis-Chis, que tinha encontrado o senhor Quac-Quac, que por sua vez se encontrara com a senhora Pil-Pil, que se cruzou com o senhor Quiquiriqui, que havia falado com a senhora Put-Put, a qual lhe comunicou que a jovem Pic-Pic estivera no bosque, onde lhe caíra um pedaço do céu na cabeça, fato que vamos transmitir ao rei.

O senhor Cuá-Cuá deu também meia volta e acompanhou Graj-Graj, Chis-Chis, Quac-Quac, Pil-Pil, Quiquiriqui, Put-Put e Pic-Pic. Enquanto percorriam a estrada surgiu o senhor Raposo-Raposo, que perguntou:

- Onde vão estas belas damas e distintos cavalheiros?

E eles responderam:

- A jovem Pic-Pic esteve o bosque, onde lhe caiu um pedaço do céu na cabeça, pelo que vamos informar o rei.

Em face disso, o senhor Raposo-Raposo indicou:

– Venham comigo, que lhes mostrarei o caminho. No entanto, conduziu-os ao seu covil, onde ele e os seus distintos filhos comeram a jovem Pic-Pic, a senhora Put-Put, o senhor Quiquiriqui, a senhora Pil-Pil, o senhor Quac-Quac, a senhora Chis-Chis, Sir Graj-Graj e o senhor Cuá-Cuá, os quais não tiveram, pois, a oportunidade de se avistar com o rei para lhe comunicar que o céu se estava a desmoronar.

Fonte:
Ulf Diederichs, Palácio dos Contos. Lisboa/Portugal: Círculo de Leitores, 1999.

A. A. de Assis (Trovas do Mestre Trovador) 3


A idade é, por excelência,
a grande mestra do amor.
– É no outono da existência
que a paixão tem mais calor!
*
A mais bonita homenagem,
concede-a Deus, qual troféu,
a quem completa a viagem,
sem mancha, do berço ao céu!
*
Aos bons sonhos agradeço,
mas às insônias também...
– Ah, quantos versos eu teço
enquanto o sono não vem!
*
A saudade sintetiza
sonhos, glórias, sentimentos,
como um filme que eterniza
nossos melhores momentos.
*
Brilha sempre em nossa vida
alguma luz: a do sol
ou no mínimo a emitida
por um mínimo farol.
*
Com que ternura e altivez
luta a mãe pobre e sem brilho
para ao fim de cada mês
pagar os sonhos do filho!
*
Corações apaixonados
não aceitam repressão.
Explodem, se condenados
a engaiolar a emoção!
*
Cuidemos, irmãos, da imagem;
sem exagero, contudo.
– Muito mais do que a embalagem,
o que conta é o conteúdo.
*
Densas nuvens ameaçam
o futuro da criança.
Mais que as da chuva, que passam,
as nuvens da insegurança.
*
Dê-se ao jovem liberdade
para sem medo ele ousar.
– É no ardor da mocidade
que o sonho aprende a voar!
*
Doce, amigo e generoso,
quis Deus se configurar
no abraço do pai saudoso
no filho que torna ao lar.
*
Entre a inocência e a esperteza,
é da inocência o troféu.
O esperto ganha a riqueza,
o inocente ganha o céu.
*
Feliz o povo que pensa
e que se expressa à vontade.
– Onde amordaçam a imprensa
morre à míngua a liberdade.
*
Há de, enfim, vir o momento
da correção dos papéis:
mais valor terá o talento
que os diplomas e os anéis!
*
Mantenha a esperança alerta,
por mais que lhe pese a cruz.
– Há sempre uma porta aberta
para quem procura a luz.
*
Minha amada é meiga e doce,
dela emana a luz do bem.
Ela é assim como se fosse
minha estrela de Belém!
*
Na era do “ponto.com”,
voa o sonho mais ligeiro:
– um clique... e, qual vento bom,
chega a trova ao mundo inteiro!
*
Não chamem de mundo-cão
o feio mundo do mal.
No cão pulsa um coração
melhor que o nosso, em geral.
*
Nos passos do bailarino,
na garganta do cantor, 
em cada tango argentino
geme uma história de amor.
*
Por mais singela, a pessoa
terá sempre algo a doar.
– A Lua é uma rocha à-toa;
nos dá, no entanto, o luar!
*
Que bom que ninguém mais usa
consagrar heróis de guerra...
– Hoje herói é quem recusa
macular com sangue a Terra!
*
Quer sonhar?... Faça turismo
no coração de um poeta.
É o refúgio onde o lirismo
seus enredos arquiteta!
*
Se as moquecas saem boas,
vão para o “chef” os louvores.
– Nunca ouvi cantarem loas
ao labor dos pescadores…
*
Seca e enchente são recados
aos povos de toda a Terra:
– alerta contra os pecados
do fogo e da motosserra!
*
Solitário coração
abandonado num canto...
Ninguém com um lenço à mão
para lhe enxugar o pranto!
*
Ter mil bens sem ser do bem,
que triste prazer produz...
– É ter tudo, sem, porém
ter nada que leve à luz.
*
Vênus, Marte, o Sol e a Lua
talvez sejam mais vizinhos
que os que compõem na rua
a multidão dos sozinhos.

Fonte:
Vida, Verso e Prosa.