sexta-feira, 22 de abril de 2011

Paulo Leminski (Atraso Pontual)


Ontens e hojes, amores e ódio,
adianta consultar o relogio?
Nada poderia ter sido feito,
a não ser o tempo em que foi lógico.
Ninguém nunca chegou atrasado.
Bençãos e desgraças
vem sempre no horário.
Tudo o mais é plágio.
Acaso é este encontro
entre tempo e espaço
mais do que um sonho que eu conto
ou mais um poema que faço?

Trova 190 - Lisete Johnson (Porto Alegre/RS)

Montagem da trova sobre foto obtida em http://weheartit.com/

Fábio Rocha (O Canto da Noite)


Ouvia a brisa gelada fazer sons estranhos nos becos, entre as casas antigas. Costumava chamar aquele som etéreo, poético de "O Canto da Noite" quando era mais novo. Quanto tempo ele morou ali? Não lembrava ao certo... Uns cinco, dez anos? Deitou-se e pôs as mãos atrás da cabeça. Lembrou do quanto gostava de subir naquele telhado bem tarde da noite, observar o céu, o silêncio cortado apenas pelos sons do vento, sentir o sereno frio na pele... Quando deu por si, já estava subindo as escadas. Lá em cima de novo, tanto tempo depois... E... O que tinha de errado? Já não era a mesma coisa...

Lembrou do que ele sempre pensava quando subia ali: "Tudo pode mudar, mas sempre haverá estrelas no céu." Mas ele nunca imaginou tanta mudança em sua vida. Que voltaria ali adulto, e não mais ouviria o canto de sua mãe ecoar pelas paredes agora descascadas da velha casa. Uma lágrima escorreu pela face, mas ele não teve ânimo pra secá-la. Deixou-a correr até a boca e sentiu seu gosto salgado. Jamais pensou que teria que vender aquela casa, outrora tão cheia de vida, agora tão vazia. Que saudades da época mágica da infância... Das brincadeiras de esconder com seu avô no quintal, da paz na sua casa na árvore, do beija-flor que vinha beber a água com açúcar que ele pendurava na goiabeira... Foi a melhor época de sua vida. Duvidou que algum dia fosse tão feliz de novo.

Viu um meteoro e lembrou dos versos que fazia, já adolescente. Falava sempre do céu... Adorava os ares noturnos. Muitos versos ele fez para conquistar sua esposa. Ela não ligava muito pra poemas, mas gostava. E sempre agradecia com um beijo. Um singelo sorriso cortou a tristeza. Mas por pouco tempo... Lembrou que os anos de convivência deles juntos não deram certo. Não conseguiam ter os filhos que ela sempre quis, mas isso não foi o pior. Os dois erraram, e o amor foi se transformando num veneno. Raiva, ciúmes, vingança... Maldito seja o tempo... Seria ele o culpado? Estavam enjoando um do outro? Os dois sabiam que estavam a um passo do divórcio. Ele lembrou da sua teoria das estrelas e pensou que ela estava incompleta: "Tudo pode mudar pra pior, mas sempre haverá estrelas no céu."

Aquela era uma noite sem lua. Ele adorava noites sem lua. As estrelas pareciam brilhar mais. Sentou-se no telhado. Dali ele via quase toda a rua... Todas as casas antigas, os jardins maltratados, os terreno baldios. Não era assim antigamente. Pelo menos o lugar sagrado onde se passa a infância devia ser proibido de mudar. Já não passava ninguém àquela hora. As ruas cheias de crianças jogando bola e soltando pipa agora estavam sem viva alma. Nem os velhinhos varrendo as folhas das calçadas e fazendo fogueiras, enfumaçando as casas vizinhas, apareciam àquela hora. Só alguns cães de rua ainda estavam acordados, vagando soberanos no silêncio quase total... E um gato miava distante, como o choro de um bebê faminto.

Então sentiu as telhas sob ele estalarem... Viu que estavam molhadas com o orvalho, e ele já não era mais tão leve quanto nos velhos tempos de vigílias noturnas. Sentiu o jato de adrenalina invadir suas veias. Mais estalos... Qualquer movimento agora e ele afundaria no telhado. O que fazer? Só faltava essa... Um morcego passou bem perto. Mas ele nem se moveu. Achou que se deitasse de novo o peso se espalharia melhor e ele poderia ir rolando até a escada por onde subiu. As telhas cederam e os planos dele foram interrompidos pelo tombo.

Na laje empoeirada, sentiu uma dor imensa na perna. Não dava pra ver o que era, então procurou com as mãos. Sentiu o calor do seu sangue e que tinha algo cravado, atravessado na sua coxa direita. Estava quase desmaiando... Mas se isso acontecesse, ia sangrar até a morte. Que final idiota! Gritou por socorro e lembrou que ia ser muito difícil alguém ouvir. A única casa mais próxima que não estava abandonada era a da dona Amélia, que já era mais surda do que uma porta quando ele era um menino! Mas ele continuou gritando. Era a única coisa que podia fazer mesmo... E, por mais que se esteja reclamando da vida, nessas horas todos nós tiramos forças de não sei onde para continuar... Nessas horas, a vida se torna o bem mais precioso imaginável. Todas as preocupações e problemas parecem menores.

O pânico começava a dominá-lo. A sensação era a mesma que ele tinha quando criança, no escuro do quarto, acordava apavorado após um pesadelo e via faces medonhas nas paredes. Sentia aquele suor gelado pelo corpo, mas, mesmo assim, se cobria com o lençol para se proteger. O coração batia tão forte que parecia estar no seu pescoço. E ele, sem aguentar mais, gritava pela ajuda paterna. Queria gritar de novo, mas seu corpo não respondia. Olhava através das telhas quebradas para a casa vizinha com esperança. Sentiu que ia desmaiar. Seus sentidos quase se apagavam e voltavam. Viu uma luz se acender na casa da velha surda e alguém pequeno aparecer na janela. Alucinação? Foi seu último pensamento.

Só acordou, todo enfaixado, sendo levado pra uma ambulância. Procurou por seu salvador e viu, na porta da casa da dona Amélia, uma moça bonita, abraçada com uma garotinha, acenando. Vai ver a velhinha tinha morrido ou se mudado... Se mudado... Se não fossem as mudanças das quais ele sempre reclamava, ninguém ouviria seus gritos. Que alívio... Sentiu vontade de rir e de sentir o abraço de sua esposa de novo. Com certeza, ela o visitaria no hospital. Talvez ainda houvesse uma chance para eles.

Fonte:
A Magia da Poesia.

Fábio Rocha (1976)


FABIO José Alfredo Santos da ROCHA vive no Rio de Janeiro, onde nasceu, em 04 de junho de 1976. Cursou Engenharia Elétrica na Universidade Federal do Rio de Janeiro (mas não concluiu o curso)* e se formou em Administração de Empresas na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Hoje, estuda Filosofia também na UERJ e é funcionário público. FABIO é FABIO mesmo - como MARIO, o Quintana, é MARIO - sem acento, o que ele explica em versos:

ESCOLHA
(Para Drummond)

O meu Fábio é Fabio.
Nem nasci, tropeçavam em mim.

Tive então duas escolhas:
Ser pedra ou poeta.
-

Fora isso, é muito pouco o que ele diz de si mesmo:

"Quanto a falar de mim, é a parte mais difícil (sorri, disfarçando). Acho que comecei a escrever por dois motivos: sempre gostei demais de ler e admirava os escritores (de prosa ou verso) que conseguem transmitir pros leitores algo que inspire, emocione ou faça pensar. O outro motivo é que falo pouco (sorri, certo de que está justificado). Então, alguns anos depois de começar a escrever poemas, comecei a fuçar na Internet e aprendi a fazer páginas. E como não tinha nada melhor para colocar na homepage, pus uns poemas. Eu não esperava, mas deu certo. Hoje já são mais de um milhão de visitantes no total, com uma média de quase cinco mil visitas diferentes por dia. Além disso, o site ganhou vários prêmios. Foi o que me estimulou a escrever mais e participar de concursos. Também tive várias surpresas boas e conheci pessoas maravilhosas e cheias de talento, graças a ele. Pessoas que, infelizmente, a mídia em geral não mostra, mas que estão a apenas um clique de distância".

Deu certo mesmo. Ao longo de um tempo historicamente curto - ele começou a escrever em 1994, aos 18 anos de idade - FABIO ROCHA publicou vários livros e juntou um monte de premiações em concursos. Seus poemas estão nos seus livros (de papel e eletrônicos), em vários sites de língua portuguesa, são notícia de jornal e até andam de ônibus. Como foi o caso do seu poema "A Magia da Poesia" que circulou no Busdoor colocado na traseira dos veículos de Blumenau, no período de outubro a dezembro de 2000. Foi este poema que deu nome ao seu primeiro livro, publicado em janeiro de 2001. Depois, vieram mais vários, eletrônicos, todos disponíveis gratuitamente para leitura no seu site pessoal [ www.fabiorocha.com.br ]. Em 2004, lançou seu mais novo livro em papel "Corte - 10 anos de poesia". Em 2010, foi um dos 46 poetas considerados como mais representativos da poesia nacional, na década de 2000 (a 2010), sendo selecionado para fazer parte do volume "Anos 2000" da coleção "Roteiro da Poesia Brasileira", da Global Editora. Também teve alguns poemas selecionados para livros escolares e outros traduzidos para o russo. Atualmente o autor publica pelo menos um poema inédito por dia no seu blog [ www.dabusca.blogspot.com ].

Fonte:
A Magia da Poesia

Fabio Rocha em Xeque


Entrevista concedida a Rodrigo de Souza Leão em 2002. Revista Eletrônica Balacobaco (http://intermega.globo.com/seomario/index.htm)

1. Em Drummond você diz: "Ser Pedra/Ou ser poeta". Por que escolheu ser poeta?
(OBS: O nome do poema é "Escolha", dedicado a Drummond, e é "Ser pedra ou poeta" num só verso - o último)

Na verdade, não sinto que um belo dia decidi ser poeta... Foi algo que começou meio por acidente, depois eu insisti no erro e gradualmente cheguei a isso que sou hoje: nada, uma pedra no caminho. Sempre gostei de fazer as pessoas tropeçarem em suas certezas.

2.Qual influência tem de Quintana?

Acho que o que mais aprendi com Quintana é que podia escrever de modo simples, sem hermetismos, na linguagem e no conteúdo... E que um pouco de ironia e humor não vão mal na poesia. Para mim, a obra-prima dele é o "Poeminha do contra" (Todos estes que aí estão / Atravancando o meu caminho, / Eles passarão. / Eu passarinho!). É belo, conciso, simples e com uma mensagem forte.

3.Como foi ganhar o prêmio do site POEMAS AZUIS?

Sem dúvida foi o meu prêmio mais importante, porque além de eu ter conseguido o primeiro lugar, foi julgado por um poeta consagrado, a quem aprecio muito, o Affonso Romano de Sant'Anna. Foi uma satisfação dupla.

4.Quem é o poenauta brasileiro?

É o poeta vivo e atuante, que consegue ser lido sem gastar um dinheirão. E, geralmente, não se perde no hermetismo, que é quase a regra da poesia não virtual contemporânea.

5.Qual poema seu personifica melhor a sua obra? Fale sobre.

Realmente não sei responder a essa pergunta. Eu escrevo muito, quase um poema por dia, e mudo muito também, juntamente com o que escrevo... Hoje adoro um poema, amanhã acho horrível. Aí fica difícil ter um poema único que consiga personificar tudo o que escrevo.

6.Como é manter o site A MAGIA DA POESIA?

É um prazer tão grande que vicia... É muito bom ter alguém me lendo,mandando comentários e trocando idéias... Saber que é possível emocionar pessoas, mesmo as muito distantes, é algo precioso. A net é o melhor instrumento que conheço para isso. Um livro editado custa muito caro, com público reduzido e, pra completar, a distribuição em livrarias é uma droga. Por isso acho que a internet é a mídia mais eficiente para divulgar trabalhos escritos para autores novos. Pensando nisso é que lancei o concurso de poesias do site, onde o primeiro prêmio ganha uma página sob medida para divulgar seus trabalhos, feita por mim mesmo.

7.Qual é a magia da poesia?

Misturar palavras, rimas, imagens, lógica e emoção de modo diferente em cada um que lê. O poema se transformar de leitor para leitor é o que acho mais mágico na poesia.

8.Tem algum mote?

"Para ser grande, sê inteiro: nada Teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és No mínimo que fazes. Assim em cada lago a lua toda Brilha, porque alta vive." Ricardo Reis (heterônimo de Fernando Pessoa) - 14/2/1933

9.Qual o aspecto mais importante dentro de um poema? Fale-me de um aspecto teórico e um aspecto teórico ou não que faça ou seja característica da sua poesia?

Para mim ainda é o conteúdo o mais importante. Minha poesia não tem uma base teórica, vai saindo. Às vezes dou uma aparada aqui e ali, às vezes deixo como vem originalmente. Quem sabe, se eu tiver sorte, anos após a minha morte, não haverá teses de mestrado ou doutorado nas faculdades de Letras do país explicando detalhadamente os porquês do que escrevo hoje? :)

10.Qual o papel do escritor na sociedade?

Escrever de modo a fazer o leitor sentir algo novo ou velho de modo diferente. Emocioná-lo, chocá-lo, desafiá-lo, fazê-lo duvidar de si mesmo e do mundo, inspirá-lo.

Fonte:
A Magia da Poesia.

Ialmar Pio Schneider (Soneto para Hilda Hilst – In Memoriam)


(no dia do aniversário de nascimento da poeta: 21.4.1930)

Ao conhecer Vinícios de Moraes,
no tempo que era jovem sedutora,
quem sabe, lhe escreveu madrigais,
e teve uma paixão abrasadora...

Nada, porém, a vida lhe desdoura,
nos conciliábulos sentimentais,
porquanto a linda musa inspiradora,
fiel aos seus princípios ideais...

Ela vê dois Vinícius no poeta:
um sensível, mas outro já nem tanto,
nem se comove ao choro de um carneiro...*

Hilda Hilst, tão romântica e discreta,
procura discernir um doce encanto,
de um amor eternal e verdadeiro !

Porto Alegre – RS, 21 de abril de 2011-04-21, às 12h28min. olhando as águas do Rio Guaíba, em manhã ensolarada.

*cfe O livro O POETA DA PAIXÃO – Uma Biografia – de José Castello, 1994 – pgs. 298, 300

Fonte:

Colaboração de Ialmar Pio Schneider
Imagem
Centro Literario de Piracicaba.

Hilda Hilst (Poesias Avulsas II)


PRELÚDIOS-INTENSOS PARA OS DESMEMORIADOS DO AMOR

I

Toma-me. A tua boca de linho sobre a minha boca
Austera. Toma-me AGORA, ANTES
Antes que a carnadura se desfaça em sangue, antes
Da morte, amor, da minha morte, toma-me
Crava a tua mão, respira meu sopro, deglute
Em cadência minha escura agonia.

Tempo do corpo este tempo, da fome
Do de dentro. Corpo se conhecendo, lento,
Um sol de diamante alimentando o ventre,
O leite da tua carne, a minha
Fugidia.
E sobre nós este tempo futuro urdindo
Urdindo a grande teia. Sobre nós a vida
A vida se derramando. Cíclica. Escorrendo.

Te descobres vivo sob um jogo novo.
Te ordenas. E eu deliquescida: amor, amor,
Antes do muro, antes da terra, devo
Devo gritar a minha palavra, uma encantada
Ilharga
Na cálida textura de um rochedo. Devo gritar
Digo para mim mesma. Mas ao teu lado me estendo
Imensa. De púrpura. De prata. De delicadeza.

II

Tateio. A fronte. O braço. O ombro.
O fundo sortilégio da omoplata.
Matéria-menina a tua fronte e eu
Madurez, ausência nos teus claros
Guardados.

Ai, ai de mim. Enquanto caminhas
Em lúcida altivez, eu já sou o passado.
Esta fronte que é minha, prodigiosa
De núpcias e caminho
É tão diversa da tua fronte descuidada.

Tateio. E a um só tempo vivo
E vou morrendo. Entre terra e água
Meu existir anfíbio. Passeia
Sobre mim, amor, e colhe o que me resta:
Noturno girassol. Rama secreta.
(...)

DEZ CHAMAMENTOS AO AMIGO

Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse

Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.

Te olhei. E há tanto tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta

Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.
(I)

DA NOITE

III

Vem dos vales a voz. Do poço.
Dos penhascos. Vem funda e fria
Amolecida e terna, anêmonas que vi:
Corfu. No mar Egeu. Em Creta.
Vem revestida às vezes de aspereza
Vem com brilhos de dor e madrepérola
Mas ressoa cruel e abjeta
Se me proponho ouvir. Vem do Nada.
Dos vínculos desfeitos. Vem do Nada.
Dos vínculos desfeitos. Vem dos ressentimentos.
E sibilante e lisa
Se faz paixão, serpente, e nos habita.

IV

Dirás que sonho o dementado sonho de um poeta
Se digo que me vi em outras vidas
Entre claustros, pássaros, de marfim uns barcos?
Dirás que sonho uma rainha persa
Se digo que me vi dolente e inaudita
Entre amoras negras, nêsperas, sempre-vivas?
Mas não. Alguém gritava: acorda, acorda Vida.
E se te digo que estavas a meu lado
E eloqüente e amante e de palavras ávido
Dirás que menti? Mas não. Alguém gritava:
Palavras... apenas sons e areia. Acorda.
Acorda Vida.

V

Águas. Onde só os tigres mitigam a sua sede.
Também eu em ti, feroz, encantoada
Atravessei as cercaduras raras
E me fiz máscara, mulher e conjetura.
Águas que não bebi. Crespusculares. Cavas.
Códigos que decifrei e onde me vi mil vezes
Inconexa, parca. Ah, toma-me de novo
Antiqüíssima, nova. Como se fosses o tigre
A beber daquelas águas.

VI

O que é a carne? O que é esse Isso
Que recobre o osso
Este novelo liso e convulso
Esta desordem de prazer e atrito
Este caos de dor dobre o pastoso.
A carne. Não sei este Isso.

O que é o osso? Este viço luzente
Desejoso de envoltório e terra.
Luzidio rosto.
Ossos. Carne. Dois Issos sem nome.

Fontes:
HILST, Hilda. Poesia: 1959-1979/ Hilda hilst. - São Paulo: Quíron; (Brasília): INL.

HILST, Hilda. Do Desejo. RJ: Rocco.

Ruth Silviano Brandão (O Pássaro e a Flor)


Primeiro foi o pássaro, não o da janela, o que apareceu na manhã daquele dia embaçado, mas o da memória, como num retrato em sépia, resto de dias perdidos, cópia inexata, em sépia também. Uma lembrança já metáfora, pois foi num dia tão antigo que o vermelho do pássaro lhe incutiu o desejo claro de escrever. E passaram-se muitos anos em que a figura do pássaro, desde sempre virtual, já que não havia pássaro nenhum, volteava como figura viva. Uma lembrança do que não existia como história.

Anos mais tarde, uma frase passou-lhe nos olhos, pousou–lhe na tecla como música. Coisa assim: escrever o pássaro, tirá-lo do espaço, com pena. Tão impulsiva a frase como se tivesse vontade própria. E outras frases vieram como se fossem ditadas e o pássaro se impôs como uma síntese, como um senhor em suas páginas.

Os livros-poemas se multiplicaram com vida própria, mas era segredo que não revelava o fato de que as palavras vinham de outro espaço, impositivas, em horas imprevistas, como um comando. Sofria por ele, o pássaro, em algum lugar, estar preso numa gaiola estúpida que balançava com o vento da sala que não havia. Se havia, não lhe dizia respeito, eram lugares-comuns os pássaros e as gaiolas. Depois vieram outros animais
para atormentá-la com sua prisão e soube que o amor podia ser cruel. Talvez a pior coisa do mundo, já que impunha uma ordem louca que era a covardia do amado em relação à amante.

Sabia que as fábulas nem sempre eram verossímeis, imaginou que era possível o cordeiro ser feliz. E o lobo inocente. E os animais felizes por obterem comida ao preço pequeno de lamberem as mãos do dono. Odiou os cachorrinhos por sua fragilidade, como odiou a maldade das crianças que pintavam de amarelo os pintinhos que acabavam morrendo. O que era uma impressão, uma janela para ver o mundo, tornou-se um sentimento mais forte e mais incômodo com o qual não sabia o que fazer, já que estava tomando dimensões desproporcionais em sua vida.

Queria amar como as mulheres amam e conhecem o fascínio e todas as delícias da espera, o gozo de um corpo amado, os sustos da perda, a dor do ciúme e viu que era assim. E quis também amar, o que não demorou muito e aconteceu na figura do homem que a fez conhecer o amor e deliciou-se com tudo. Amou o amor, perdeu o rumo de suas idéias tão bem cimentadas.

Prendeu todos os pássaros nas gaiolas da memória, criou um viveiro com pássaros azuis, vermelhos de todos os tons. Chamou o viveiro de creatório e cuidou dos pássaros como de filhos que iria ter e teve. E fez com eles a mesma coisa e amou-os com amor total, tirânico como o das criancinhas por seus pintinhos amarelos e o das meninas que cuidavam de passarinhos na gaiola, dando-lhes alpiste, água e um mínimo espaço de onde podiam ver a imensidão do céu azul.

O homem que a fez conhecer o amor era também um poeta sem o saber e, um dia, lhe contou, que tinha ficado, enquanto regava suas plantas, sua grama, suas árvores, suas flores, diante de um pássaro, um beijaflor que beijava uma flor que não existia mais. A flor fora podada, a flor já não existia, era inexistente. E o pássaro insistia em seu vôo trêmulo diante do que não havia mais. O homem não se espantou, pois já tinha ficado, um dia, transido de dor, diante de uma flor que já não existia. Mas a dor persistia. A dor não tinha caído do chão de sua alma.
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Mestre e doutora em Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pós-doutora pela Universidade de Paris VIII, escritora, tradutora. É autora do texto de Aporias de Astérion (2004) e coautora, com Lucia Castello Branco, de A mulher escrita (2004), ambos da Lamparina.
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Fontes:
Colaboração da Secretaria de Estado da Cultura de Minas Gerais. In Suplemgnto Literário. N. 1333. Novembro/dezembro 2010.

Imagem = http://connect.in.com/passaro-beija-flor/

Carlos Roberto Pellegrino (A Viúva)

Ilustração de Sebastião Miguel
Ivonaldo de Castro era da melhor cepa de Capinópolis. Sexagenário de respeito, família tradicional, gente rica. Descendia de família abastada, um senhor de muitos escravos, cuja lembrança o tinha como manso e humilde de coração, pai dos pobres, era como lhe convinha nos comentários dos amigos. Na linhagem comum gabava-se do avô médico, pai médico, filho médico e finalmente neto médico, residente na Santa Casa. Quanto a si, durante a vida fora artista da relojoaria pelo que cultivara o exercício da pontualidade até a morte inopinada na hora precisa em que Deus o chamou.

Durante a vida não houve Patek Philippe ou Omega-Ferradura que o desalentasse. Apesar de bons relógios, Ivonaldo lhes superava na qualidade das horas. Passados por suas mãos, os engenhos assumiam tal rigor que não derrapavam um segundo sequer, nem para mais ou para menos, a hora H. Corria a lenda que ao menor desgoverno dos ponteiros celestiais um mensageiro recomendava limpeza e ajuste acurado na máquina das horas. Assim os dias pareciam mais ligeiros e as noites longas na proporção dos minutos e segundos.

Numa tarde de calor intenso, antes que o anjo viesse recomendar novos encargos, Ivonaldo atendeu à irrecusável convocação para prestar– Lhe contas da vida. Não houve meio de escapatória, e lá se foi, sem que lhe tivesse sido concedido o benefício da recusa. Solícito e sem alternativa, acomodou-se definitivamente à troca do endereço ou, como costumava dizer com saudável ironia: desta para melhor. Morreu de síncope.

Na bagagem da herança, além dos amores jurados e prometidos incluía o afeto à Dorotéia, que o manteve o mesmo durante os longos anos de convivência. Amante ciumenta de marido fiel, a viúva assumiu, corajosa, a economia da casa. O cuidado com os filhos moços, todos bem arranjados, o que significava preocupação a menos. Na conta do zelo a atenção especial ao neto já rapaz, que mostrava formosura ao vestir o jaleco branco de futuro médico.

Das moças juradas no amor do pai, Isaurinha era a caçula. Guardava fiel o compromisso de casar-se com Manuel Espinho, filho de um fazendeiro de tantas cabeças quantas fossem os bois a perder de vista na invernada. Gláucia se mantinha na solteirice recatada, na diversão única de ensinar música no conservatório, ao que dedicara toda a vida. Virgininha, a mãe do médico residente, casara-se com um capitão da Força. Já Dorotéia mantinha-se incansável na faina de mãe extremosa e viúva piedosa.

Na manhã seguinte ao passamento, ajaezaram o finado com o melhor que havia; terno escuro folgado, gravata amarela de seda pura, e o depuseram sobre a mesa da sala ao lamento de rosários e ladainhas. Decoraram a morte com um lençol de flores brancas e a toalha de renda da Madeira, lembrança amarelecida do casamento, conforme recomendação da viúva desconsolada Tudo o mais houve para despertar a contrição dos amigos. As fitas bentas de amarração foram dispostas em cada canto da sala e deveriam ser reverenciadas somente com a menção de beijo para mantê-las limpas.

Desfiaram-se jaculatórias e ladainhas chorosas, velas e louvações ocasionais em torno do caixão. As beatas se engabelavam no gemido modorrento de um canto arrastado como portas rangedeiras. Ivonaldo merecia as homenagens do amigo dos amigos, pai exemplar e marido fiel.

O jornal noticiou o passamento do pai, marido, sogro e avô, estando convidados os amigos para o seu sepultamento a realizar-se às quinze horas, saindo o féretro da rua das Acácias número tal para a necrópole municipal. Antecipavam-se agradecimentos por quantas houvessem sido as manifestações de pesar, carinho e solidariedade recebidas. Descansasse em paz. O pequeno anúncio, com moldura de nojo, convinha à ocasião, nada mais se comentou.

Amparada pelas filhas, Dorotéia encontrava forças para prantear o finado. Respirou coragem para entrar na sala pela porta da frente. Ao dar com o semblante do marido conteve o soluço na borda do lencinho de cambraia como recomendado por Isaurinha. A viúva guardava as lágrimas em boa compostura.

Tudo correu conveniente até o instante de fecharem o caixão. Dorotéia então buscou um soluço mais forte. Um adeus pungente. Sem dar tempo a mais sofrimento, logo aplicaram as tarraxas em cada extremo do caixão. Ivonaldo assumia solitário o destino incerto e não sabido, de onde jamais retornaria.

No tom da toada houve o gemido de uma voz pequena que reverberou entre os circunstantes. Para Dorotéia foi mais um lamento pelo finado. Um amigo, quem sabe. O risco era de alguém indesejável, mesmo que privasse da intimidade do morto. Ou uma amiga. Uma amante! Passou-lhe pala cabeça atordoada.

Uma amante? – a grita veio retumbante.

Sim ou não, a questão estava lançada, conquanto. Ivonaldo sempre foi pessoa discreta, de hábitos morigerados. Estaria a salvo dos amores furtivos. Nas filhas, veio à imaginação da mulher alta, vistosa, peitos grandes e pontudos, pernas torneadas e o que mais lhe sobressaísse: a bunda. Roliça e insinuante mantinha-se reservada às investidas clandestinas, ainda que poucos ousassem.

Rei morto rei posto, alguém sentenciou. Não haveria de ser assim tão fácil beliscar a bunda da suposta amante de Ivonaldo. Antes era preciso desvendá-la, nudificar, como propôs Adamastor, fiel escudeiro e confidente do falecido. Mas, quem haveria de ser amante de Ivonaldo àquela altura?

Nos três lances de escada da varanda que levavam à sala onde haviam colocado os despojos do amantíssimo, um grupo de senhoras conversava. Nenhuma delas era amante, pelo menos nada que denunciasse qualquer delas. Respeitáveis e assíduas frequentadoras das rezas vespertinas. Definitivamente não tinham cara de amante.

A garantia dessa afirmativa assim peremptória relançou a dúvida: mas qual haveria de ser a cara de amante? Talvez um olho menor que o outro, orelha de abano, a verruga saliente numa das bochechas, lábios finos, sobrancelha circunflexa, e o que mais? Eram dúvidas que não se ousava comentar, receosos da cumplicidade confessa. Segundo Adamastor, cioso das virtudes do amigo, era preciso preservá–la. Haveria de ser igual a todas, em qualquer lugar. Sim, mas como, e onde? Antes de tudo tinha de ser bonita, atraente, vistosa. Gostosa, arrematou um mais irreverente, que, de pronto, mereceu discreto olhar de apoiamento. Amante tem que gostar; gostar de quê? Daquilo. Daquilo o quê? Indagavam com nervosismo crescente. Do amante, ora, tratou de afastar a malícia. Amante é amante e pronto, sentenciou o cunhado do morto com autoridade insuspeita de parente postiço. Temia-se que o assunto descambasse para detalhes inconvenientes, sobretudo naquela circunstância.

Entre os conhecidos, o assunto deu panos pra mangas. No espichamento do debate, acrescentaram comentários insolentes sobre o desempenho do Ivonaldo no reservado dos seus aposentos. Um atleta, exagerou o tipo que trazia um bigodinho recalcado a lápis. Coisas do arco-da-velha, meu amigo. Do velho, só ele mesmo, bradou o outro exigindo respeito ao amigo morto. Tudo dito e assim feito, Adamastor chamou à ordem. A partir de então, decidiu-se que o pranteado receberia os lauréis dos amantes.

Na sala respiravam incerteza entre os grupos. Fecha? Não fecha? Fecha o que? O caixão, ora! À boca pequena, expunha-se Ivonaldo à execração pública.

Dorotéia ignorou a sentenças. Reforçou as orações com o vozerio troante. Louvaram-se o quanto era santo. Atônitos, os amigos se entreolhavam, acusadores. Quando eu morrer, vou só, comentavam os mais mordazes. Olhos nos olhos, desconfiavam de todos. Entretidas, as senhoras beatas cofiavam as recomendações do catecismo com súplicas por um lugar nos céus.

No passo lento desfilaram pela última vez diante de Ivonaldo. Persignaram-se circunspetos, desenhando com a ponta dos dedos um sinal rápido e mal espalhado no peito, ao que todos resmungavam amém. Estava confirmada a presença.

Rapidamente ganhou fama a versão de que certa senhora ali presente, ao acariciar respeitosamente o rosto do finado, depositara furtivamente um bilhete num dos bolsos do terno de encomendação. Foi o bastante para reaquecer o fogo das maldades. O derradeiro recado, um adeus definitivo. A autenticidade do bilhete haveria de ser a chave que desvendaria a identidade da traidora. Dito e feito. Mas onde? Como? Quando? Era preciso buscar a evidência, e mais gritava a curiosidade alheia por conta da suposta ofensa ao marido. Afinal era a fama sobre a cabeça.

Na passagem da fila pelo morto fizeram questão de tocar-lhe o peito com a palma da mão, como prova de estreita amizade. Aproveitaram a oportunidade para enxerir nos bolsos do defunto buscando o bilhete. E tanto foi assim que muitos que já haviam passado, repassavam, agora com a curiosidade à flor da pele.

Agora não dava mais para esperar; fechariam o esquife. De pronto, alguns reagiram à idéia aos gritos de que ainda não era a hora. Deixa disso, erguiam os braços, contrariados e temerosos pela surpresa iminente. Na peleja a que se dispuseram, chegou Isaurinha e aos sete sóis de espanto entregou à mãe o recado que havia encontrado no sapato do pai ao aprontá-lo horas antes. Desabou um grande silêncio na sala. Não se ouviu nem mesmo o piar do coleirinha. Entreolharam-se mudos, as mulheres pela fama, os maridos na cumplicidade aturdida.

Dorotéia leu a mensagem e não se conteve. Escapou o grito lancinante contrariando as recomendações da filha para que se contivesse. Suportou a mãe. Tinha razão. Espera um pouco, recomendou Dorotéia. Ainda não.

Vagarosamente tornou a dobrar o bilhete, beijou-o e o depositou entre as mãos de Ivonaldo. Vai, meu querido.

Nada mais foi dito nem se soube do escrito e o seu nome.

Fonte:
Colaboração da Secretaria de Estado da Cultura de Minas Gerais. In Suplemgnto Literário. N. 1333. Novembro/dezembro 2010.

Carlos Roberto Mota Pellegrino (1945)


(Belo Horizonte, 1945) é um autor, jornalista, jurista e chef brasileiro. Primo-irmão do escritor Hélio Pellegrino.

Formou-se em direito e letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Tem também estudos avançados em Direito Privado e Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Fez cursos de especialização em Direito Internacional pela Academia de Direito Internacional de Haia, obteve mestrado em Estudos Aprofundados em Direito Público e o grau de Docteur D'Etat pela Universidade de Nice sob a orientação do festejado internacionalista francês René-Jean Dupuy, tendo alcançado a menção suma cum laude e elogios da banca examinadora.

Foi professor visitante da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR), onde lecionou 'Teoria Política' para o doutorado e 'Teoria do Estado' para o mestrado. Foi também conferencista nas universidades de Lisboa (Portugal), Madri (Espanha), Saarbrücken (Alemanha) e Roma (Itália).

Foi professor titular da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), onde lecionou 'Direito Internacional Público', 'Direito Administrativo' e 'História das Idéias Jurídicas' (para graduação), 'Prática Jurídica' e 'Sociologia Jurídica' (para pós-graduação), entre outras disciplinas. Foi diretor da faculdade e sub-chefe do Departamento de Administração da universidade.

Foi também professor do Instituto Rio Branco, do Ministério das Relações Exteriores.

É filiado a diversas sociedades de Direito Internacional, como a American Society of International Law. Desenvolve intensa pesquisa sobre os aspectos jurídicos e institucionais das relações internacionais.

Como jornalista, trabalhou em Bauru e São Paulo, nos jornais Última Hora e O Globo.

Foi redator da Revista Minas Gerais e do Suplemento Literário de Minas Gerais, onde publicou contos, críticas, entrevistas e reportagens a partir de 1967. Colaborou com publicações literárias no Brasil e no exterior.

Foi funcionário internacional da ONU em Nova York em 1979. Retornou ao Brasil para lecionar na UnB. Desde então, foi advogado da Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes (GEIPOT) e do Instituto de Planejamento Econômico e Social (IPEA). Foi assessor do Ministro Oscar Dias Corrêa no STF e ocupou o cargo de Consultor Jurídico chefe do Ministério da Justiça e da Secretaria de Planejamento e Coordenação da Presidência da República (SEPLAN/PR).

Atualmente trabalha como advogado junto aos tribunais superiores em Brasília.

Livros jurídicos
"Estrutura Normativa das Relações Internacionais" (2008) Editora Forense
"Estruturas Constituicionais do Município" (2000) Editora Del Rey
"Da Guerra Marítima e o Direito Internacional" (1989) Ministério da Marinha
"História da Ordem Internacional" (1988) Editora Brasiliense

Produção ficcional
"Porta:" (1966) Edições Palavra
"Corpo Inteiro" (1968) não-editado
"Do Lado De Lá" (1970) Editora Oficina das Letras

Outras atividades relevantes

Integrante do grupo de trabalho interministerial para estudar e propôr medidas visando ampliar os mecanismos existentes de apoio e assistência consular aos brasileiros no exterior (2002)
Integrante do conselho editorial da revista Arquivos do Ministério da Justiça (2002)
Integrante do grupo de trabalho para propor reforma do ordenamento jurídico brasileiro em visitas à ratificação do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (2002)
Integrante da delegação brasileira para o comitê ad hoc para negociação da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção (2002)
Supervisor na Comissão da Organização dos Poderes e Sistemas de Governo da Assembléia Nacional Constituinte (1987)
Integrante do Conselho Direito do Fundo da Marinha Mercante do Ministério dos Transportes (1985)

Fonte: Saber

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 193)


Uma Trova Nacional

– Que lição de amor profundo
aos homens legou Jesus,
trocando os sonhos do mundo
por três cravos e uma cruz!
–ANTÔNIO JURACI SIQUEIRA/PA–

Uma Trova Potiguar

Redimindo os pecadores,
conduzindo-os para a luz,
o maior dos sonhadores
morreu pregado na cruz!
–APARÍCIO FERNANDES/RN–

Uma Trova Premiada

2000 - Niterói/RJ
Tema :PARTILHA - M/E

Na terra viveu tão pouco
partilhando amor e luz;
e o mundo descrente e louco,
pôs o próprio Deus na cruz.
ADILSON MAIA/RJ–

...E Suas Trovas Ficaram

Pureza eu vejo na cruz
onde um cordeiro morreu,
para dar ao mundo a luz
que o mundo não mereceu.
–LUIZ RABELO/RN–

Simplesmente Poesia

–HELOISA CRESPO/RJ–
Sexta-Feira Santa

Toda sexta-feira santa
de tantas outras iguais,
revive-se um sofrimento
de muitos anos atrás:
o Cristo crucificado
sofrendo por nós mortais.

Tão logo ao amanhecer
nos jornais saem em seqüência
as notícias do suplício,
denunciando a existência
da cruz do cotidiano,
da verdadeira vivência.

de sofrimento do povo,
humilhado, com urgência
de paz, de uma vida digna,
com emprego, sem violência,
não buscando mais no lixo
a sua sobrevivência.

Estrofe do Dia

O povo não entendia
Cristo ali crucificado.
Pilatos lavando as mãos
no seu ato acovardado,
encheu o mundo de luz,
crucificando Jesus
pra nos livrar do pecado.
–ADEMAR MACEDO/RN–

Soneto do Dia

–DINIZ VITORINO/PB–
A C r u z

Nunca quis carregar, de alguma forma,
a tantálica cruz da dor que aflige,
mas a lei de Deus pai não foge à norma;
a sentença é lavrada, o tempo exige.

Sofre o corpo, o espírito se conforma,
o amor para o calvário me dirige.
O tormento é brutal, mas não transforma
filho pródigo algum que Deus corrige.

Mas, se o próprio Messias foi no horto
coroado de espinhos, preso e morto,
tendo vindo dos céus pra nos amar,

se eu, tão frágil, morrer como Jesus
pregar cada pecado numa cruz,
dez mil cruzes não dão pra me matar!

Fonte:
Colaboração de Ademar Macedo

Marcelo Spalding (História da leitura) V: o Livro na Era Digital

Kindle (Amazon)
Atravessar o milênio foi como atravessar a fronteira entre o presente e o futuro, chegando finalmente ao tal futuro das roupas cinzas e naves espaciais. É verdade que a frustração foi grande para a maioria das pessoas, não estamos pilotando carros voadores, sendo teletransportados para lugares distantes nem foi descoberta a fórmula da juventude (sem falar que não foram dizimadas a fome, a miséria, a desigualdade, a opressão, as ditaduras), mas a era pós-2000 traz consigo uma revolução rápida e silenciosa, a revolução dos bits.

Nicholas Negroponte, em livro de 1995, já afirmava que a melhor maneira de avaliar os méritos e as consequencias da vida digital era refletir sobre a diferença entre bits e átomos. Ele lembra que à época, apesar de já estarmos numa era da informação, a maior parte das informações chegavam até nós em forma de átomos. Aos poucos, porém, previa o pesquisador, "todas as indústrias, uma após a outra, olham-se no espelho e se perguntam sobre seu futuro; pois bem, esse futuro será determinado em 100% pela possibilidade de seus produtos e serviços adquirirem forma digital". Assim, como não seria mais física, a informação em bits poderia ser transmitida em um tempo e espaço cada vez menores, ultrapassando os limites da informática e estando ainda mais presentes na vida das pessoas.

No campo cultural, foi a partir do desenvolvimento da internet e suas múltiplas possibilidades que a era digital popularizou-se e revelou todo o seu poder transformador, ainda que já houvesse alguns experimentos com a técnica digital nas mais variadas linguagens: na arte visual, por exemplo, a exposição Luz e Movimento, organizada por Frank Popper em 1967, na França, trouxera obras que se utilizavam de meios tecnológicos; na música, Karlheinz Stockhausen abrira em 1953 o que seria o mais famoso estúdio de música eletrônica do mundo em Colônia, Alemanha, berço da Elektronische Musik; no cinema, George Lucas, em 1977, lançara Star Wars, transformando os efeitos visuais em principal atração de Hollywood e criando o blockbuster.

Com a internet, entretanto, não apenas a produção dos bens culturais mudou, como também seu consumo e distribuição. Emblemática nesse sentido foi a revolução causada pela troca de arquivos no mercado da música a partir do MP3, que fez a venda de CDs nas lojas despencar, ainda que, como bem salienta Chris Anderson, nunca se tenha ouvido tanta música. Hoje, além da venda de CDs, existe a venda de músicas em formato digital por sites autorizados pelas gravadoras e, claro, a própria troca de arquivos, que estimula o consumo da música e, o mais importante, abre espaço para uma enormidade de músicos e bandas que não teriam acesso aos meios de distribuição tradicionais, criando o que Anderson chama de "cauda longa".

É natural, diante desse quadro, que pensemos no que a era digital pode fazer com o livro e seu respectivo mercado, o mercado editorial, ainda que por muito tempo se tenha pensado que o livro fosse "como a colher, o martelo, a roda ou a tesoura: uma vez inventados, não podem ser aprimorados", palavras deUmberto Eco. Ocorre que, embora desde meados do século o mercado editorial tenha se utilizado das tecnologias digitais para desenvolver sua produção, com avanços gráficos que permitiram livros de melhor qualidade e significativamente mais baratos, até o início do terceiro milênio, dos anos 2000, parecia que o livro enquanto objeto permaneceria incólume a essa revolução dos bits. Pesquisando mais a fundo, porém, veremos que ainda no século XX havia instituições preocupadas em digitalizar livros impressos para conservá-lo nos novos formatos, e empresas que vislumbraram no livro o produto ideal para vendas online.

Comecemos pelo nobre projeto de conservação. Já em 1971 foi criado por Michael Hart, um estudante da Universidade de Illinois, o Projeto Gutenberg, um esforço voluntário para digitalizar, arquivar e distribuir obras culturais através da digitalização de livros. O primeiro texto digitalizado foi uma cópia da Declaração de Independência dos Estados Unidos e hoje são mais de 33 mil livros eletrônicos digitalizados para leitura online ou nos leitores digitais. O catálogo é composto basicamente de livros em domínio público, e há uma versão em inglês e outra em português, acessível em http://www.gutenberg.org/wiki/PT_Principal.

O Projeto Gutenberg lançou uma tendência de digitalização e disponiblização de diversos livros em domínio público ao redor do mundo. No Brasil, o governo brasileiro lançou em 2004 o Portal Domínio Público, inicialmente com 500 obras, incluindo a obra completa de Machado de Assis e José de Alencar, por exemplo, além de documentos importantes para a história nacional. Hoje são 186.740 obras cadastradas na forma de textos, sons, imagens e vídeos, um acervo que recebe em torno de 500 mil visitas por mês, segundo estatísticas disponibilizadas pelo próprio site.

O Google, porém, foi além desse projeto de digitalização de obras em domínio público e em outubro de 2004 lançou o Google Books, com o objetivo de digitalizar em massa acervos inteiros de bibliotecas, como a da Universidade de Michigan, Harvard, Stanford, Oxford e da Biblioteca Pública de New York, disponibilizando em uma década 15 milhões de volumes para acesso e transformando-se em uma verdadeira Biblioteca de Alexandria da era digital. Robert Darnton, em A questão dos livros, revela parte dos bastidores dessa negociação do Google com as bibliotecas:

Embora sofra alguns processos por monopólio e quebra de direitos autorais, especialmente na comunidade europeia, o projeto segue a pleno vapor, disponibilizando milhões de livros, revistas, trabalhos acadêmicos, entre outros, nas mais variadas línguas. A maioria dos livros são escaneados usando uma câmera Elphel 323 que permite um ritmo de mil páginas por hora, tornando possível, se não do ponto de vista comercial, pelo menos do ponto de vista técnico, a realização do sonho borgeano de uma Biblioteca universal contendo todos os livros em todas as línguas.

Afora a experiência do Google, a digitalização de livros logo mostrou-se, também, um negócio extremamente rentável para a maior vendedora de livros do mundo, a loja eletrônica Amazon.com. Jeff Bezos fundou a Amazon em 1995 com o intuito de vender livros pela internet. O grande diferencial da empresa, com sede de Seattle, era poder vender livros de nicho, já que não havia necessidade de ter todos os livros expostos numa prateleira física, o que a tornou a maior livraria do planeta. Dois anos depois, a companhia abriu capital na bolsa de valores NASDAQ, e, em 1999, Bezos foi eleito a "Personalidade do Ano" pela revista Time por popularizar a compra online.

A Amazon, apesar do sucesso comercial, ainda era uma empresa que vendia átomos, ou seja, o usuário comprava via internet um livro (posteriormente a loja passou a vender CDs, DVDs e outros produtos eletrônicos), a empresa postava esse livro e o cliente o recebia em casa. Com o objetivo de transferir o livro de forma digital e praticamente zerar os custos de distribuição, a Amazon lançou em 19 de novembro de 2007 o Kindle, primeiro leitor de livros digitais a se tornar popular no mundo tudo, embora já houvesse outros leitores utilizando o chamado "papel eletrônico" no mercado.

O Kindle pode ser definido como um hardware, um software e uma rede que utiliza conexão sem fio para que os usuários comprem, baixem e leiam livros, jornais, revistas ou blogs. Seu grande diferencial, já na primeira versão, foi a utilização do chamado papel eletrônico, uma tecnologia que torna a leitura em sua tela muito mais agradável do que nos microcomputadores.

Além do papel eletrônico, o modelo de negócios adotado pela Amazon foi fundamental para popularizar o aparelho e o transformar num grande negócio para a empresa: o usuário compra o aparelho por um valor relativamente baixo (hoje ele está anunciado a US$ 139,00 na versão wi-fi e US$ 189,00 na versão 3G + wi-fi) e tem acesso livre à rede, sem precisar contratar um plano de telefonia. Na loja virtual, o usuário encontra mais de 630 mil livros, como best-sellers a US$ 9,90 e uma grande quantidade de clássicos disponíveis gratuitamente.

Além de acessar a loja, a rede mundial gratuita permite que o usuário faça backup (cópia de segurança) dos livros adquiridos nos servidores da Amazon para o caso de perda ou dano no aparelho. Também é possível acessar a Wikipedia, ler blogs, jornais e revistas.

A leitura em si é como a de um livro tradicional, com páginas exibidas sequencialmente e botões para avançar ou retroceder. Nas configurações, o usuário pode escolher o tamanho da fonte, o contraste e a rotação da tela. Também é possível fazer anotações, assinalar trechos do livro e visualizar quais foram os trechos mais assinalados pelos leitores daquele livro. Além disso, a função Text-to-Speech transforma textos escritos em textos falados, ou seja, lidos em voz alta pelo aparelho para o leitor.

Na terceira versão do aparelho, lançada após o surgimento dos tablets, em julho de 2010, o Kindle tornou-se ainda mais fino e leve, melhorou seu contraste, criou a possibilidade de o usuário reproduzir um trecho de sua leitura nas redes sociais (Facebook ou Twitter), incorporou novos tipos de fontes, integrou um dicionário para os textos em inglês, ampliou seu armazenamento para até 3500 livros e a autonomia da bateria para até cinco dias, reforçando a ideia de que um leitor de livros digitais deve ser extremamente portátil, rápido e capaz de carregar toda uma biblioteca em poucas gramas. Há projetos, ainda, de criar uma rede social entre os leitores, permitindo que se divida com amigos as impressões sobre as obras lidas no Kindle e se acesse observações e destaques feitos por eles.

Embora num primeiro momento o leitor habituado com o livro tradicional estranhe a espessura e a forma de passar as páginas com cliques desse tipo de e-reader, estudiosos como Robert Darnton afirmam que é uma questão de treino: "se você foi treinado a guiar uma caneta com seu indicador, observe a maneira como os jovens usam o polegar em seus celulares e perceberá como a tecnologia penetra o corpo e a alma de uma nova geração".

Com o sucesso do Kindle, outras grandes livrarias passaram a adotar um modelo de negócios semelhante em busca desse mercado digital. A tradicional livraria nova-iorquina Barnes&Noble, maior livraria varejista dos EUA, lançou em 30 de novembro de 2009 o Nook, e um ano mais tarde o Nook Color, leitor de livros digitais com tela sensível ao toque, visor colorido e capacidade de armazenamento de 6000 livros. Diferentemente do Kindle, que só suporta arquivos adquiridos na Amazom (e posteriormente arquivos em PDF), o Nook é compatível com os formatos PDF e EPUB, sendo este último um formato de arquivo de livro digital que tem se tornado o preferido do mercado.

O formato EPUB (Electronic Publication) é um padrão aberto para livros digitais instituído pela IDPF - International Digital Publishing Forum. O ePub foi desenvolvido para que o conteúdo se adapte a qualquer aparelho, o que significa que a visualização do texto pode ser otimizada para diferentes modelos. Hoje diversos leitores de e-books são compatíveis com o EPUB, a Sony inclusive abandonou seu formato proprietário (o BBeB) para ficar só no padrão ePub. Diferentemente do PDF, que é lido pelos aparelhos como uma imagem fechada, um arquivo EPUB tem cada letra reconhecida, o que permite ao leitor configurar tipo e tamanho da fonte, fazer anotações, copiar um texto, consultar determinada palavra no dicionário ou fazer buscas dentro do livro. O autor, por sua vez, pode criar um livro com texto, imagens e hiperlinks, abrindo um enorme leque de possibilidades.

No Brasil, as Livrarias Saraiva e Cultura, que saíram na frente na comercialização de livros digitais, optaram por vender os livros nos formatos EPUB e PDF com DRM, não ficando vinculadas a um ou outro aparelho. Ainda assim o grupo Positivo lançou, em meados de 2010, o Positivo Alfa, primeiro leitor de livros digitais brasileiro. O Alfa é aberto, assim como o Nook, tem 8,9 milímetros de espessura, pesa 240 gramas, tem tela sensível ao toque e memória para 1500 livros.

É nesse cenário de consolidação do livro digital como possibilidade de negócio, com editores reunidos em Frankfurt preocupados com o avanço da tecnologia, escritores consagrados publicando versão impressa e digital, livrarias tradicionais pedindo falência e grandes grupos de mídia anunciando projetos de publicação de e-books que a Apple entra no mercado com seu iPad, lançado em 27 de janeiro de 2010. Mas o iPad já inaugura outro capítulo dessa história.

Fonte:
Colaboração de Marcelo Spalding (Artistas Gaúchos)

Grupo Projetos de Leitura participa com a Caravana da Leitura no Festival Literário de Votuporanga – FLIV


O município de Votuporanga vive grande expectativa para celebração do Festival Literário, organizado pela Secretária da Educação, Cultura e Turismo, que acontecerá de 25 de abril a 1º de maio, na Praça Santa Luzia, Centro.

Na ocasião a cidade abrirá suas portas para um amplo evento cultural que irá reunir muitas atrações, dentre elas a presença de consagrados escritores e artistas que prometem torna o Festival inesquecível.

Dentre as importantes atrações, destaca-se a Caravana da Leitura, que montará sua “tenda” na cidade, de 26 a 28 de abril, e, irá disponibilizar diversas obras literárias por R$ 1.00. O projeto que é coordenado pelo escritor Laé de Souza conta com o patrocínio da ZF do Brasil e não possui fins lucrativos. A ideia da tenda é aproximar as pessoas de forma livre e sem compromisso, permitindo que elas sintam-se parte integrante desse grande movimento em prol da leitura.

Na tenda da Caravana da Leitura uma equipe multidisplinar auxilia os leitores na escolha das obras e fornece informações sobre os projetos de leitura do grupo.

Palestra para professores

Além de passar com a Caravana da Leitura pela cidade disponibilizando as suas obras por valor simbólico, o escritor Laé de Souza é um dos palestrantes do FLIV. O autor fará a sua palestra no dia 27, às 15h, no no auditório da Paróquia Santa Luzia e trará como tema, “Experiências no Incentivo à Leitura”, no qual irá abordar sua trajetória de 13 anos a frente do grupo de incentivo a leitura “Projetos de Leitura” e ainda traçar um panorama de como criar mecanismos que estimulam estudantes a ter intimidade com os livros e prazer pela literatura. “ A FLIV representa uma oportunidade para que os alunos tenham acesso a diversas obras, além de fomentar a troca de ideias entre profissionais da educação. O Festival Literário de Votuporanga, com certeza, trará muitas novidades e oportunidades a população”, acredita Laé de Souza

Sobre a Caravana da Leitura

O projeto é aplicado desde 2004, em parceria com as prefeituras, apoio do Ministério da Cultura, patrocínio da ZF do Brasil, parceiros e envolvimento de professores. Em 2011 a Caravana da Leitura deverá passar por mais de 40 cidades com previsão de distribuição de cerca de 120 mil livros.

Interessados podem conhecer outros projetos de incentivo à leitura, de Laé de Souza e o roteiro da Caravana da Leitura, em "Agenda", no site http://www.projetosdeleitura.com.br/

Fonte:
Colaboração de Laé de Souza

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 192)


Uma Trova Nacional

A liberdade é bandeira
sempre erguida em mãos de um bravo,
que lhe entrega a vida inteira
para não morrer escravo!
–CAROLINA RAMOS/SP–

Uma Trova Potiguar

Enquanto a ambição nos traça
um caminho amargo e velho,
Jesus nos legou de graça
os tesouros do Evangelho!
–APARÍCIO FERNANDES/RN–

Uma Trova Premiada

1982 - Niterói/RJ
Tema : SILÊNCIO - M/H

O mundo, às vezes, parece
a cela escura e sem grade
onde, em silêncio, padece
um grito de liberdade!!!
–IZO GOLDMAN/SP–

...E Suas Trovas Ficaram

A glória dos homens brilha
com fulgor de eternidade,
toda vez que uma Bastilha
tomba aos pés da Liberdade!
–WALDIR NEVES/RJ–

Simplesmente Poesia

Quando eu curvo o joelho aos pés da cruz,
vejo o quanto Jesus Cristo sofreu,
eu pergunto a mim mesmo, por que foi,
que este filho inocente, assim morreu?

Peço a Deus, rogo a Deus, vertendo pranto,
que não deixe eu na vida sofrer tanto,
sendo um bom pecador como sou eu.
PROF. GARCIA/RN–

Estrofe do Dia

A quaresma é período de preparo
para a Páscoa bendita do Senhor,
penitência é a prática de louvor
que renova o espírito e dar-lhe amparo,
quem rezar e viver no mundo claro
por Jesus vai ser sempre abençoado,
tem um novo caminho iluminado
por um facho de fé que brilha aceso
-Na quaresma o jejum é contrapeso
que enfrenta os repuxos do pecado.
PEDRO ERNESTO FILHO/BA–

Soneto do Dia

–ALICE DE PAULA MORAIS/SP–
Os Olhos de Maria

Eram azuis os olhos de Maria!
Eram dois pedacinhos de turquesa
cheios de luz e plenos de beleza
mansa e sutil do declinar do dia...

Quando ao meigo Jesus ela sorria
tinha uns fundos toques de tristeza
e a clara transparência da pureza
e um misto de amargura e de poesia.

Lembravam os miosótis debruçados
junto à margem dos lagos sossegados,
doce Mãe do Senhor, Santa Judia!

E as lágrimas de dor dos vossos olhos
transformaram em flores os abrolhos
pelos caminhos que Jesus seguia.

Fonte:
Colaboração de Ademar Macedo

Monteiro Lobato (Histórias de Tia Nastácia) XVI – João Esperto


Havia um casal muito pobre, que tinha um filho de nome João, bastante espertinho; mas apesar disso sua mãe, mulher de beiço rachado e muito má, não gostava dele. João vivia só, sem ter com quem brincar. Seu único amigo era uma cachorrinha que sua avó lhe dera — a Pita.

Quando ficou moço, João saiu um dia a passear longe de casa. Pelo caminho encontrou um viajante com quem puxou prosa. Soube que no reino das Três Princesas, que era perto, ia haver o casamento de uma das moças. Para isso estava o rei dando uma festa de quinze dias, a fim de que os pretendentes à mão da princesa lhe propusessem uma adivinhação. Se ela adivinhasse, o pretendente ia para a forca; mas se não adivinhasse, então o felizardo se casaria com ela. Nas forcas já estavam pendurados diversos pretendentes que apareceram com adivinhações que a princesa adivinhou num instantinho.

João ouviu tudo aquilo e ficou a pensar. Quem sabe se ele venceria a princesa e se casaria com ela? Voltou para casa com um plano na cabeça.

— Meu pai, quero sair pelo mundo para ganhar a vida.

O pai consentiu, mas a mãe, que era a pior bisca das redondezas, preparou-lhe uma peça: deu-lhe um pão envenenado, imaginem! João arrumou a trouxa e partiu acompanhado da cachorrinha.

Mas onde era o caminho para o reino das Três Princesas? Não sabia. Nem havia por ali ninguém que pudesse informá-lo. João foi andando ao acaso, com a trouxinha ao ombro. Subiu uma montanha, desceu do outro lado, numa campina, onde pousou.

No dia seguinte continuou a caminhar até onde havia um grande rio. Ficou à margem olhando para a água. Viu um burro morto, de barriga inchada, que vinha descendo rio abaixo. Em cima dele uma porção de urubus. Botou reparo naquilo e continuou a viagem.

Quando caiu a tarde João sentou-se debaixo duma figueira para jantar o pão que sua mãe lhe dera, mas qualquer coisa lhe disse que o não comesse antes de fazer uma prova com a cachorrinha — e ele deu a ela um pedaço do pão. Foi tiro e queda. Assim que a pobre Pita engoliu o primeiro bocado, tremeu e morreu.

João ficou muito triste da maldade de sua mãe, e também por ter perdido sua única amiguinha. Enterrou-a. Mas vieram três urubus que a desenterraram e a comeram — e também morreram. Imaginem que veneno forte a peste da mulher tinha inventado!

João botou às costas os urubus mortos e seguiu caminho. Chegou a uma estalagem onde não havia ninguém. Entrou. Lá nos fundos viu sete homens armados de espingardas, todos a morrerem de fome. Dando com o novo hóspede que entrava com aquelas aves negras ao ombro, os famintos avançaram e tomaram--lhe os urubus. Devoraram-nos — e morreram.

João escolheu a melhor das sete espingardas e lá se foi pelo caminho afora. Saiu numa extensa campina onde se sentou debaixo dum pé de árvore. Seu estômago dava torcidas medonhas, tanta era a fome. De repente viu uma perdiz mexer-se no capim. Disparou um tiro. Errou. O chumbo foi acertar numa rolinha que ele não tinha visto. Para quem erra perdiz, rolinha serve.

João depenou a rolinha — mas não viu lenha para fazer fogo. Olhou. Havia perto uma cruz muito velha. Foi lá, tirou umas lascas, fez fogo, assou a rolinha e comeu-a. E água? Como obter água para matar a sede?

Teve uma idéia. Montou num cavalo que andava pastando por ali e o fez galopar até que suasse em bicas; recolheu o suor e bebeu. E assim, matada a fome e a sede, pôde continuar a viagem.

Pouco adiante encontrou uma caveira em que um enxame de maribondos havia feito colmeia. Viu também um burro amarrado a uma árvore, a escarvar o chão com o pé. Indo investigar o que havia naquele chão, encontrou uma botija de dinheiro. Pôs-se novamente a caminho e afinal avistou o reino das Três Princesas. Tinha chegado.

Indagou das festas. "Tudo corre bem, informou-lhe um sujeito, mas não aparece pretendente nenhum com adivinhação que a princesa não adivinhe. As forcas estão engordando."

João dirigiu-se ao palácio, onde declarou ao porteiro que era pretendente à mão da princesa adivinhadeira.

O porteiro mandou-o entrar, mas todos riram-se daquele pobre diabo com cara de matuto, mal vestido, de trouxinha às costas.

— Suma-se daqui, moço, se tem amor à vida. Rapazes dos mais distintos já falharam, e estão neste momento com as línguas de fora, nas forcas. Se é lá possível que um bobo como você consiga inventar uma adivinhação que a melhor adivinhadeira do mundo não adivinhe! Suma-se, enquanto é tempo.

João, porém, tanto insistiu que foi levado à presença do rei.

— Sabes que arriscas a vida? — disse o rei.

João declarou que sim, mas que estava disposto a tudo.

— Bem — exclamou o rei. — Nesse caso, apresente a sua adivinhação — e chamou a princesa.

João foi e falou assim:

Sai de casa com massa e pita;
a massa matou pita,
a pita matou três,
os três mataram sete
e das sete escolhi a melhor.
Atirei no que vi
e matei o que não vi.
Com madeira santa
assei e comi,
bebi água sem ser do céu;
vi o morto carregando os vivos
e o burro sabendo
o que os homens não sabem.
Resolva agora, princesa,
ou me dê cá sua mãozinha.

A princesa pensou, pensou e não foi capaz de adivinhar. Pediu-lhe que repetisse a história. João repetiu-a três vezes, e a moça nada. Por fim, já com dor de cabeça, confessou ao rei:

— Impossível, meu pai. Esta eu não adivinho.

— Pois então abrace e beije o seu noivo — respondeu o rei.

E mandou que preparassem o reino para o grande casamento.
==========
— Gostei, gostei! — exclamou Emília. — Não tem nada de boba essa historinha. É uma luta de esperteza contra esperteza, em que o mais esperto saiu ganhando. Pedrinho sabe o que isto significa em linguagem científica. Diga lá, Pedrinho.

E o menino, que era um darwinista levado da breca, veio logo com a sua cienciazinha.

— Isso significa a vitória do mais apto. O mais apto é o mais esperto.

— A história que vocês acabam de ouvir — disse dona Benta — pertence ao tipo das engenhosas. Reparem que está muito engenhosamente arranjada. Na adivinhação o matuto começa falando em massa e pita — massa é pão, e Pita, o nome da cachorrinha; e vai por ai além, contando toda a sua viagem em termos simbólicos.

— Então símbolo é isso? — perguntou Narizinho.

— Símbolo é palavra grega, com significado de sinal que indica uma coisa. Tudo na língua são símbolos. Todas as palavras são símbolos. A palavra "Emília", por exemplo, que é senão um símbolo da criaturinha mais pernóstica e sabida destas redondezas?

— Destas redondezas só? — protestou Emília. — Da redondeza da terra, isso sim, porque outra como eu ainda está para nascer...

Dona Benta piscou para tia Nastácia, como quem diz: "Já se viu como está ficando vaidosa?"
–––––––––––––
Continua… XVII – o Caçula
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Histórias de Tia Nastácia. SP: Brasiliense, 1995.
Este livro foi digitalizado e distribuído GRATUITAMENTE pela equipe Digital Source

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 191)


Uma Trova Nacional

Na primavera, cheguei...
Neste inverno, te aqueci...
No outono, te desfrutei,
veio o verão... Te esqueci.
ESTER FIGUEIREDO/RJ–

Uma Trova Potiguar


Mulher, és como se fosse
um destempero total!
No teu suco não tem doce
na comida não tem sal.
–ZÉ DE SOUSA/RN–

Uma Trova Premiada


2006 - Curitiba/PR
Tema: JOVEM - Venc.


Somos jovens… desenhistas…
E também somos atores…
Somos loucos cientistas,
Somos jovens trovadores!
LUIZA PORTELA ROSA/PR
8a. Série A – Esc. Munic. Papa João XXIII


...E Suas Trovas Ficaram

A lua, mulher formosa,
espera a noite chegar,
mirando-se presunçosa
no espelho verde do mar.
–ZENÍLIA PAIXÃO/MG–

Simplesmente Poesia

–OLAVO DRUMMOND/MG–
Poemeiro

Poemeiro em lua nova
Nos autos do amor bastante.
Poemeiro é sempre réu
Canta a treva com ternura,
Prisioneiro da amargura,
Enquanto a lua inconstante
Troca de roupa no céu...

Estrofe do Dia

Avistei um pequenino
subindo de déu em déu,
quando chegou lá no céu
quis falar com Deus divino,
gritaram: pese o menino
pra saber se é pecador,
Jesus disse, não senhor,
pode guardar a balança;
no coração da criança
não pode existir rancor.
SEVERINO FERREIRA/RN–

Soneto do Dia

–RENATO ALVES/RJ–

Nascimento.


Brilha ao longe uma luz no fim da estrada
em que deslizo em contrações, cativo,
vou migrando da bolha para o nada
do destino refém, ou fugitivo.

Era bem calma há pouco esta morada,
um ninho acolhedor, convidativo,
eu – grão imerso em água abençoada –
percorrendo o processo evolutivo.

Mas, de repente, rompe-se o meu ninho,
lançado longe, tinto, mais que o vinho,
sou carregado, assim, de afogadilho...

Descerro os olhos: Há luz na saída!...
Os pulmões doem... Sorvo o ar da vida...
E ouço afinal a voz que diz: "Meu Filho!”

Fonte:
Colaboração de Ademar Macedo

terça-feira, 19 de abril de 2011

Paulo Leminski (Razão de Ser)


Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso,
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece,
E as estrelas lá no céu
Lembram letras no papel,
Quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?

Antonio Botto (As Tres Peneiras)


O pequeno Raul saiu da escola a correr, chegou a casa muito excitado, e, depois de beijar a mãe, exclamou:

- Já sabes o que dizem do António?

- Espera um pouco, tem paciência. Antes de principiares, lembra-te das três peneiras...

- Mas quais peneiras, minha mãe?

- Sim; vais ouvir e saberás. A primeira chama-se verdade. Tens a certeza de que é certo o que me queres dizer?

- Não; se é certo, não sei.

- Vês?... E a segunda chama-se benevolência. Será benevolente, será boa, essa notícia?

- Não, minha mãe, não é boa.

- E a terceira chama-se necessidade. Será necessário respeitares tudo isso que te contaram desse teu camarada e amigo?

- Não, minha mãe.

- Pois se não é necessário nem benevolente, e talvez nem seja verdade, entendo que é preferível, meu filho, calares a tua boca.

Fonte:
Os Contos de Antonio Botto. Marginalia, s/d

António Botto (1897 - 1959)


António Tomás Botto (Concavada, Abrantes, 17 de Agosto de 1897 — Rio de Janeiro, 16 de Março de 1959) foi um poeta português.

António Botto nasceu em Concavada, freguesia do conselho de Abrantes, Portugal, às 8h00[1], filho de Maria Pires Agudo e de Francisco Thomaz Botto. O seu pai trabalhava como "marítimo" no rio Tejo. Em 1908 a sua família mudou-se para o bairro de Alfama em Lisboa, onde cresceu no ambiente popular e típico desse bairro, que muito influenciou a sua obra. Recebeu pouca educação formal e trabalhou em livrarias, onde travou conhecimento com muitas das personalidades literárias da época, e foi funcionário público. Em 1924 - 25 trabalhou em Santo António do Zaire e Luanda, na então colônia de Angola.

António Botto tinha um sentido de humor sardónico, incisivo, uma mente e língua perversos e irreverentes, e era um conversador brilhante e inteligente. Era amigo do seu amigo, mas ferozmente ruim se sentia que alguém antipatizava com ele ou não o tratava com a admiração incondicional que ele julgava merecer. Este seu feitio criou-lhe um grande número de inimigos.

Era visitante regular dos bairros boêmios de Lisboa e das docas marítimas onde desfrutava a companhia dos marinheiros, tantas vezes tema da sua poesia. Apesar de ser sobretudo homossexual, António Botto foi casado até ao final da sua vida com Carminda Silva Rodrigues.

Em 9 de Novembro de 1942 António Botto foi demitido do seu emprego na função pública (escriturário de primeira-classe do Arquivo Geral de Identificação) por fazer versos e recitá-los durante as horas regulamentares do funcionamento da repartição, prejudicando assim não só o rendimento dos serviços mas a sua própria disciplina interna.

Ao ler o anúncio publicado no Diário do Governo, Botto ficou profundamente desmoralizado e comentou com ironia: "Sou o único homossexual reconhecido no País..."

Para se sustentar passou a escrever artigos, colunas e crítica literária em jornais, e publicou vários livros, entre os quais "Os Contos de António Botto" e "O Livro das Crianças", uma coleção de sucesso de contos para crianças (que seria oficialmente aprovada como leitura escolar na Irlanda, sob o título The Children’s Book, traduzido por Alice Lawrence Oram). Mas tudo isto se revelou insuficiente.

A sua saúde deteriou-se devido a sífilis terciária que ele recusava tratar e o brilho da sua poesia começou a desvanecer-se. Era alvo de troça quando entrava nos cafés, livrarias e teatros. Por fim, cansou-se de viver em Portugal e em 1947 decidiu emigrar para o Brasil. Para juntar dinheiro para a viagem organizou, em maio desse ano, recitais de poesia em Lisboa e no Porto, que resultaram em grandes sucessos, com elogios por parte de vários intelectuais e artistas, entre os quais Amália Rodrigues, João Villaret e o escritor Aquilino Ribeiro.

A 17 de Agosto partiu finalmente para o Brasil com a sua mulher.

No Brasil residiu em São Paulo até 1951 quando se mudou para a cidade do Rio de Janeiro. Sobreviveu escrevendo artigos e colunas em jornais Portugueses e Brasileiros, participando em programas de rádio e organizando récitas de poesia em teatros, associações, clubes e, por fim, botequins.

A sua vida foi-se degradando de dia para dia e acabou por viver na mais profunda miséria. A sua megalomania agravada pela sifílis era gritante e não parava de contar histórias delirantes das visitas que André Gide lhe teria feito em Lisboa ("Se não foi o Gide, então foi o Marcel Proust..."), de ser o maior poeta vivo e de ser o dono de São Paulo. Em 1954 pediu para ser repatriado, mas desistiu por falta de dinheiro para a viagem. Em 1956 ficou gravemente doente e foi hospitalizado por algum tempo.

Em 4 de Março de 1959, ao atravessar a Avenida Copacabana, no Rio de Janeiro, foi atropelado por um automóvel do governo. 16 de Março de 1959, no Hospital da Beneficência Portuguesa, Botto expira, abraçado pela sua inconsolável mulher.

Em 1966 os seus restos mortais foram trasladados para Lisboa e, desde 11 de Novembro do mesmo ano, estão depositados no Cemitério do Alto de São João.

O seu espólio seria enviado do Brasil pela sua viúva Carminda Rodrigues a um parente, que o doara, em 1989, à Biblioteca Nacional.

A obra poética

"A vasta obra poética de Botto, em parte ainda dispersa ou não-recoligida, apesar de e também pelo muito que ele publicou, republicou, reorganizou em volumes dispersos ou suprimia de volumes anteriores, etc., poderá repartir-se em quatro fases: a juvenil, em que continua o tom da quadra dita popular, conjugando-o com aspectos da dicção simbolista que poetas como Correia de Oliveira, Augusto Gil, e sobretudo Lopes Vieira haviam introduzido nela; a simbolistico-esteticista, em que a juvenilidade tradicionalizante se literaliza dos requebros esteticísticos que marcaram, nos anos 20, muita poesia simultaneamente da tradição saudosista e modernista (é a das primeiras edições das Canções e breves plaquetes seguintes, em que todavia a personalidade do poeta já figura inteira em diversos poemas); a fase pessoal e original, nos anos 30, desde as edições de 1930-32 das Canções (em que ele ia incorporando seleções de coletâneas anteriores) até a Vida Que Te Dei e Os Sonetos (fase que é também a dos seus excepcionais contos infantis que tiveram realmente as edições estrangeiras que se julgava ser uma das mentiras megalomaníacas do poeta, da «novela dramática» António, e da peça Alfama); e a última fase, nos anos 40 e 50, até à morte que é a de uma longa e triste decadência, com poemas desvairadamente oportunistas, revisões desastrosas afetando nas reedições alguns dos melhores poemas anteriores [...]" em Líricas Portuguesas, de Jorge de Sena.

A tempestade desencadeada por Canções e por "Sodoma Divinizada", bem como por outras obras e artigos que apareciam nas livrarias e jornais da época de que importa destacar "Decadência" de Judite Teixeira, foi tremenda, e a Federação Acadêmica de Lisboa, tendo como porta-voz Pedro Teotónio Pereira, denuncia no jornal "A Época", em fevereiro de 1923, a "vergonhosíssima desmoralização, que sob os mais repugnantes aspectos, alastra constantemente".

A Federação Acadêmica de Lisboa estaria com grande probabilidade apenas a servir de face pública das vontades do poder instituído da época porque pouco depois, em Março, é ordenada pelo Governo Civil de Lisboa a apreensão dos já mencionados livros de Botto, Raul Leal e Judite Teixeira.

Fernando Pessoa e Álvaro de Campos protestam contra o ataque dos estudantes a Raul Leal: "Ó meninos: estudem, divirtam-se e calem-se. (...) Divirtam-se com mulheres, se gostam de mulheres; divirtam-se de outra maneira, se preferem outra. Tudo está certo, porque não passa do corpo de quem se diverte. Mas quanto ao resto, calem-se. Calem-se o mais silenciosamente possível". Mas com pouco efeito. O impulso censório, moralista, obscurantista e homofóbico, ganha força com o regime do Estado Novo e a revista "Ordem Nova" declara-se "antimoderna, antiliberal, antidemocrática, antibolchevista e antiburguesa; contra-revolucionária; reaccionária; católica, apostólica e romana; monárquica; intolerante e intransigente; insolidária com escritores, jornalistas e quaisquer profissionais das letras, das artes e da informação". António Botto acaba por se ver forçado a emigrar para o Brasil e Raul Leal será vitíma de espancamentos e deixará de escrever para jornais durante 23 anos.

Obras

Poesia

Trovas (1917)
Cantigas de Saudade (1918)
Cantares (1919)
Canções (várias edições, revistas e acrescentadas pelo autor, entre 1921 e 1932) (eBook)
Canções do Sul
Motivos de Beleza (1923)
Curiosidades Estéticas (1924)
Pequenas Esculturas (1925)
Olimpíadas (1927)
Dandismo (1928)
Ciúme (1934)
Baionetas da Morte (1936)
A Vida Que te Dei (1938)
Sonetos (1938)
O Livro do Povo (1944)
Ódio e Amor (1947)
Fátima - Poema do Mundo (1955)
Ainda Não se Escreveu (1959)

Ficção

António (1933)
Isto Sucedeu Assim (1940)
Os Contos de António Botto (1942) - literatura infantil
Ele Que Diga Se Eu Minto (1945)

Teatro

Alfama (1933)

Esgotada desde há muitos anos, a obra completa de António Botto começou a ser reeditada, em 2008, pelas Quasi Edições (Lisboa), a cargo do crítico literário e escritor Eduardo Pitta.

Homenagens

Prémio António Botto = Prémio atribuído pela Câmara Municipal de Abrantes a autores de literatura infantil, desde 1996.

José Régio = Em 1938 é publicado no Porto o ensaio António Botto e o Amor da autoria de José Régio, considerado como uma arrojada análise psico-poética do poeta das Canções.

Fonte: Wikipedia

Vicência Jaguaribe (Com o Toque da Campainha)


O primeiro toque da campainha acordou-a. Afinal, o seu quarto era o segundo aposento da casa, com duas portas de correspondência para a sala de visitas, as quais ficavam sempre abertas durante a noite. E nada separava a sala de visitas da rua, a não ser o nível do chão. Das duas varandas da sala até a calçada distava talvez um metro e meio.

Acordou é maneira de dizer. Ficou naquele estado de semi-inconsciência, e não podia determinar com certeza se estava vivendo um sonho ou se começava a emergir para a realidade.

O segundo toque da campainha fê-la abrir os olhos e sentar-se na cama. Mas, pelo amor de Deus, quem acionava aquela bendita campainha a uma hora daquelas, em pleno sábado? Vestiu o robe por cima do pijama e abriu a janelinha que dava da sala para a área aberta que corria em toda a lateral da construção e pela qual quem chegava tinha acesso ao interior da casa. Olhou para o portão, meio aberto, e não viu ninguém. Se alguém realmente acionara a campainha, quisera fazer uma brincadeira fora de hora. Já fechava a pequena janela quando viu uma caixa, colocada do lado de dentro do portão. Aliás, fora mais uma impressão do que uma visão. Abriu novamente a janela e estirou o pescoço para fora. Não, não se enganara, era realmente uma caixa, e relativamente grande. A curiosidade, mais do que qualquer outra coisa, levou-a a dar a volta pela sala de jantar e abrir a porta desaída. Por aquela porta passava-seà varanda, que emendava com a área descoberta e desembocava na calçada.

De perto, ela viu que a caixa estava aberta. Dentro, divisou uns panos brancos, que não paravam de se mexer. Já meio desconfiada do que continha aquela caixa — mais do que desconfiada, quase certa —, arredou os panos, que agora percebia serem cobertas, e tremeu. Tremeu antes de ver. E viu. Viu um bebê de poucos dias, de pele morena e cabelos negros, que a encarou como se dissesse cheguei.Ela já ouvira de mais de uma pessoa a descrição do que se sente num momento como aquele, mas nunca supusera que fosse tudo tão intenso. Seu corpo tremia como se estivesse atacado pela maleita. As lágrimas, sem pedir licença e sem se importar com sua reação, não caíram de duas em duas, comportadamente, não. A impressão é que uma torneira fora aberta e não fora fechada. Fez força para controlar-se e tirou o bebê de dentro da caixa. Ele continuava caladinho, como se tivesse medo de causar má impressão àquele colo quente e confortável.

A mulher dirigiu-se ao interior da casa e esbarrou com uma parte da família, que também achara estranho o toque da campainha tão cedo, num sábado. A mãe, idosa, aproximou-se e pegou a criança, que, quando se sentiu em uns braços menos confortáveis, abriu o berreiro. E o que se falou ali, o que se perguntou, não pode ser repetido, já que todos falavam de uma vez e queriam ter, todos ao mesmo tempo, o bebê nos braços. Mas algumas perguntas se distinguiam, porque partiam da boca de todos. Quem era aquele menino? Sim, já se descobrira o sexo do bebê. De onde viera? Quem o trouxera? As perguntas eram dirigidas à mulher que recolhera a criança. Mas ela não podia dar-lhes nenhuma resposta, pelo simples motivo de que não sabia de nada. Só contou o pouco de que participara.

A situação era óbvia. Não havia mistério. Estava ali uma criança enjeitada, que precisava de uma família. E alguém achara que aquela era a família certa: pessoas de princípios, boa situação financeira, quase todos os filhos casados, com uma filha solteira ainda dentro de casa, que podia ajudar os pais já idosos naquela missão que — agora estava claro — desafiava-os. O irmão da dona da casa, que passava as férias ali, foi o primeiro a falar. Era totalmente contra. Não se podia exigir da irmã, uma mulher de mais de setenta anos, mãe de doze filhos, que, àquelas alturas da vida, se responsabilizasse pela educação de mais uma criança. Os três ou quatro sobrinhos presentes acharam que deveriam ponderar. Não se rejeita uma criança assim, principalmente uma criança que já fora abandonada pela mãe.

Enquanto uma parte da família discutia sobre a possibilidade de adoção, a mulher que recolhera a criança, agora mais calma, tratava de coisas mais imediatas. Mandou alguém à farmácia comprar fralda, leite e mamadeira. Telefonou ao cunhado médico e pediu que ele fosse ver a criança. Será que era saudável?Examinou-lhe o corpinho em busca de feridas ou de marcas de maus tratos. Mandou a empregada lavar uma bacia e amornar água, para banhá-lo. Para efeitos legais, aquele menino seria filho de seus pais, no entanto sabia, mais, sentia, seria ela a mãe de fato.

No segundo momento, os outros filhos do casal, os que moravam em outros estados, foram contatados: os pais exigiam um compromisso. Eles adotariam aquela criança, mas todos seriam responsáveis por ela. Deviam comprometer-se a assumir as despesas com sua educação e a cuidar dele, caso os velhos morressem antes de cumprir a nova missão que alguém — Quem? Deus? O destino? O acaso? — achara que eles ainda podiam cumprir. Restava, agora, mergulhar nos trâmites legais.

Dentro de casa, a mulher que seria chamada de mãe, terminava de banhar a criança e recebia de uma das irmãs a mamadeira com o leite que o menino esvaziou com rapidez. Quando terminou, já estava de olhos fechados. A mãe, então, improvisou com os travesseiros de sua cama um recanto seguro onde agasalhou a criança. A sua criança. Sim, alguém lhe mandara aquele presente. E ela iria cuidar dele com desvelo.

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