Glosa de
NEMÉSIO PRATA
Fortaleza/CE
MOTE:
Ah, se eu fosse um construtor
eu faria estradas novas
incrustadas com amor;
pelo chão... milhões de trovas!
José Feldman (Floresta/PR)
GLOSA:
Ah, se eu fosse um construtor
de estradas, falou o Bardo;
faria, com muito amor,
estradas, sem qualquer fardo!
Pelas trilhas mais fechadas
eu faria estradas novas
com versos sinalizadas,
e balizadas com trovas!
Disse mais o Trovador:
que as estradas, as faria
incrustadas com amor;
a mais pura pedraria!
Assim vive do Trovador,
construtor de estradas novas,
espalhando, com amor,
pelo chão... milhões de trovas!
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Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR
A prata, em nosso cabelo,
faz ninho se a idade vem...
Que pena ela não fazê-lo
em nossos bolsos também!
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Poema de
SONIA CARDOSO
Ponta Grossa/PR
Ir e vir
Sim, já vesti os mortos
E desvesti os vivos
Acompanhei suas dores,
Melancolias profundas
Caminhadas trôpegas
E saídas jubilosas
O ir e vir da vida.
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Trova de
CAROLINA RAMOS
Santos/SP
Só tu, sabiá tristonho,
preso, conheces a dor,
da atroz solidão de um sonho
dos que vivem sem amor!
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Poema de
OLIVER FRIGGIERI
Floriana/Ilha de Malta
Somos água viva
Nossa história deve terminar algum dia
Como água do manancial que ao remanso chega
Ou pedra que rola até deter-se,
Como um pêndulo de relógio que ao fim se imobiliza.
Cada dia ao anoitecer, em nossas casas
Quando nossos filhos perguntam o que está passando
Trocamos de tema ao não ter resposta
E cantamos o estranho hino de nossa idade:
“Somos água viva e nada a bebe
Porque nas ondas se encontra o sal da destruição.
Somos pedras eliminadas dos altares
De Deuses enfermos que iam mortos desesperados
Em uma luta contra eles mesmos. Pêndulo somos
Que está a ponto de gastar o seu vigor.”
(tradução de José Feldman)
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Poema de
ANTERO JERÓNIMO
Lisboa/Portugal
A saudade são alvos fiapos
dependurados na imensidão do pensamento
nesse lugar bem cativo
onde a lembrança se faz eterna.
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Trova de
VICTOR MANUEL CAPELA BATISTA
Barreiro/Portugal
A seca traz muita fome
enche todos de tristeza,
para gente que mal come
o porvir é uma incerteza.
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Soneto de
LUIZ ANTONIO CARDOSO
Taubaté/SP
Chegaste…
Chegaste em meu destino, de repente,
com poucas palavrinhas, a sorrir.
Chegaste no meu mundo e docemente,
fizeste a minha vida refulgir.
Chegaste, completando o meu presente…
traçando com detalhes meu porvir.
fazendo renascer, efervescente,
a vida – que queria inexistir !
Chegaste, numa noite irretocável,
alimentando sonhos magistrais
de um tempo de carícia incomparável.
Chegaste… e amanheceu neste jardim…
e aquele que era triste? Não é mais…
fizeste florescer dentro de mim !
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Trova de
DOROTHY JANSSON MORETTI
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP
Quando me entrego ao passado,
sinto-o tão perto e envolvente,
que – esquecido e enevoado –
longe de fato... é o presente.
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Poema de
VIRIATO DA CRUZ
Porto Amboim/ Angola, 1928 – 1973, Pequim/ China
Namoro
Mandei-lhe uma carta em papel perfumado
e com letra bonita eu disse ela tinha
um sorrir luminoso tão quente e gaiato
como o sol de Novembro brincando
de artista nas acácias floridas
espalhando diamantes na fímbria do mar
e dando calor ao sumo das mangas
Sua pele macia - era sumaúma...
Sua pele macia, da cor do jambo, cheirando a rosas
sua pele macia guardava as doçuras do corpo rijo
tão rijo e tão doce - como o maboque*...
Seus seios, laranjas - laranjas do Loje
seus dentes... - marfim...
Mandei-lhe essa carta
e ela disse que não.
Mandei-lhe um cartão
que o amigo Maninho tipografou:
"Por ti sofre o meu coração"
Num canto - SIM, noutro canto - NÃO
E ela o canto do NÃO dobrou
Mandei-lhe um recado pela Zefa do Sete
pedindo, rogando de joelhos no chão
pela Senhora do Cabo, pela Santa Ifigênia,
me desse a ventura do seu namoro...
E ela disse que não.
Levei á Avo Chica, quimbanda de fama
a areia da marca que o seu pé deixou
para que fizesse um feitiço forte e seguro
que nela nascesse um amor como o meu...
E o feitiço falhou.
Esperei-a de tarde, á porta da fabrica,
ofertei-lhe um colar e um anel e um broche,
paguei-lhe doces na calçada da Missão,
ficamos num banco do largo da Estátua,
afaguei-lhe as mãos...
falei-lhe de amor... e ela disse que não.
Andei barbudo, sujo e descalço,
como um mona-ngamba**.
Procuraram por mim
"-Não viu...(ai, não viu...?) não viu Benjamim?"
E perdido me deram no morro da Samba.
Para me distrair
levaram-me ao baile do Sô Januario
mas ela lá estava num canto a rir
contando o meu caso
as moças mais lindas do Bairro Operário.
Tocaram uma rumba - dancei com ela
e num passo maluco voamos na sala
qual uma estrela riscando o céu!
E a malta gritou: "Aí Benjamim !"
Olhei-a nos olhos - sorriu para mim
pedi-lhe um beijo - e ela disse que sim.
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* Maboque = Fruto do maboqueiro, de tamanho e cor de uma laranja, casca dura e polpa aromática, sumarenta e agridoce. (Dic. Priberam)
** Mona-ngamba = serviçal, moço de fretes. (Infopedia)
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Epigrama de
JOÃO AMADO PINHEIRO VIEGAS
Salvador/BA, 1865 – 1937
Entre as folhas amarelas,
a melhor é o Imparcial.
Mas, como paga em parcelas,
só pode ser parcial.
(contra o jornal baiano O Imparcial que pagou a Pinheiro Viegas parceladamente um artigo de sua autoria)
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Poema de
EUGÉNIO DE SÁ
Lisboa/ Portugal
Fome de Beijos
Nunca gostei de beijos de rotina
Aqueles beijos fugazes, não sentidos
Que se dão como acenos devolvidos
Sem emoções brilhando na retina
Não! — Os beijos devem vir do coração
Sejam aqueles que trocam as salivas
Ou os castos, que damos a um irmão
Todos são comoções em nossas vidas
Pois que o beijar é um ato de nobreza
De quem faz desse gesto um ponto alto
Para mostrar um querer, sem sutileza
E então o Ser beijado, em sobressalto
Perde a noção de tudo, e em ligeireza
Responde com fulgor ao doce assalto!
Beijos que tornam-se rotina
São beijos de amores mornos
Gosto de beijos ardentes, quentes
Que dão início a prelúdios de amor
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Trova de
CORNÉLIO PIRES
Tietê/SP (1884 – 1958)
Da multidão dos enfermos
que sempre busco rever,
o doente mais doente
é o que não sabe sofrer.
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Poema de
AFONSO FÉLIX DE SOUZA
Jaraguá/GO, 1925 – 2002, Rio de Janeiro/RJ
Canção da Noite Nua
Noite sem alma
Noite sem vozes roucas
assombrando o silencio.
Noite nua.
Passos incertos
duro como o asfalto
e pensamentos leves
guiando-me os passos.
Indiferença do luar.
Na rua triste
paradas súbitas.
No olhar o medo ingênuo
da infância que não morre.
Risos de mulher
atrás da janela fechada.
Desejos rápidos
a apressar os passos...
A memória murmura
confidências,
que o silêncio apaga.
Noite sem véu.
Noite que tem a clara nudez da alma
que sonha no escuro.
Desejos leves de amor a guiar os passos
e essa ânsia incontida de sonhar
que como a infância
não morre nunca.
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Trova de
PROFESSOR GARCIA
Caicó/RN
Em cada beijo roubado,
que roubo de ti, meu bem,
sinto o gosto do pecado
que o beijo roubado tem.
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Poema de
ALPHONSUS DE GUIMARAENS FILHO
Mariana/MG (1918 – 2008) Rio de Janeiro/RJ
Canção
O leve vento me leve
Para as praias de além-mar.
O leve vento me leve...
Para em luzes me banhar.
Quero um sopro de inocência
Que afoga os caminhos mortos
Onde estaria a saudade
E treme na luz das velas
Nos velórios de além-mar?
Quero fugir da loucura
Que prende os corpos no mar.
Em tudo que me esperava
Jamais pureza encontrei.
Fui gemido, tédio, noite,
Fui vagabundo e fui rei.
E me buscando no mundo
No mundo não me encontrei.
O leve vento me leve,
Para as praias de além-mar.
O leve vento me leve,
Me deste em praias macias,
Me deste as bocas macias
Nas namoradas do mar.
Quero um sopro de inocência .
Para em luzes me banhar.
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Trova de
WANDA DE PAULA MOURTHÉ
Belo Horizonte/MG
Não prometo, em nossa história,
meu amor por toda a vida,
porque a vida é transitória,
e meu amor, sem medida!...
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Poema de
ANTONIO ROBERTO FERNANDES
São Fidélis/RJ (1945 – 2008)
Mas...
E eu que achei que a lua não brilhasse
Sobre os mortos no campo da guerrilha
Sobre a relva que encobre a armadilha
Ou sobre o esconderijo da quadrilha,
Mas, brilha...
Eu achei que nenhum pássaro cantasse
Se um lavrador não mais colhe o que planta
Se uma família vai dormir sem janta
Com um soluço preso na garganta,
Mas, canta...
Também pensei que a chuva não regasse
A folha cujo leite queima e cega
A carnívora flor que o inseto pega
Ou o espinho oculto na macega,
Mas, rega...
Pensei também, que o orvalho não beijasse.
A venenosa cobra que rasteja
No silêncio da noite sertaneja
Sobre as ruínas da esquecida igreja,
Mas, beija...
Imaginei que a água não lavasse
O chicote que em sangue se deprava
Quando de forma monstruosa e brava
Abre trilha de dor na pele escrava
Mas, lava...
Apostei que nenhuma borboleta
Por ser um vivo exemplo de esperança,
Dançaria contente, leve e mansa.
Sobre o túmulo
Em flor de uma criança,
Mas, dança...
Por isso achei que eu não mais fizesse
Poema algum após tanto embaraço
Tanta decepção, tanto cansaço.
E tanta esperança em vão por teu abraço,
Mas, faço...
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Trova de
ZAÉ JÚNIOR
Botucatu/SP, 1929 – 2020, São Paulo/SP
Melhor sorrir na pobreza
que ser rico na apatia,
pois fartura sobre a mesa
não enche a vida vazia!
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Hino de
PAUDALHO/PE
Paudalho linda flor da mata
som da serenata que embalou Ceci.
Paudalho recanto ditoso
berço glorioso do imortal Poti.
Paudalho terra dos engenhos,
tem o céus empenhos a te coroar.
Paudalho página de glória
que o livro da história sabe embelezar.
Ah na alma do teu povo
um encanto sempre novo
um requinte de bondade
que tuas portas vão abrindo para a hospitalidade.
Paudalho linda flor da mata
som da serenata que embalou Ceci.
Paudalho recanto ditoso
berço glorioso do imortal Poti.
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Trova de
RITA MARCIANO MOURÃO
Ribeirão Preto/SP
Não condeno a caminhada
culpo sim, meus passos falhos.
Foi bem larga a minha estrada
fui eu quem buscou atalhos.
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Poema de
ALEXANDRE O’NEILL
Lisboa/Portugal (1924 - 1986)
Há palavras que nos beijam
Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca.
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.
Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto;
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.
De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas inesperadas
Como a poesia ou o amor.
(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído
No papel abandonado)
Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.
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Quadra Popular de
AUTOR ANÔNIMO
A árvore do amor se planta
no centro do coração;
só a pode derrubar
o golpe da ingratidão.
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Poema de
CARLOS NOGUEIRA FINO
Évora/ Portugal
Umas vezes falavas-me dos rios
umas vezes falavas-me dos rios
e densas cicatrizes
e o sangue
procedia
outras vezes velava-te uma lâmpada
de faias e de enigmas
e a sombra
repousava
outras vezes o barro
originava
uma erupção de insónia recidiva
no gume do incêndio onde jazias
nessas vezes a água do teu riso
abria nos meus pulsos uma rosa
e eu entontecia
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Poetrix*de
JOÃO PEDRO WAPLER
Porto Alegre/RS
mulher nua
na ponta do barbante
a roupa se faz
e depois morre no corpo de alguém.
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* Poetrix (s.m.): poema com um máximo de trinta sílabas métricas, distribuídas em apenas uma estrofe, com três versos (terceto) e título.
CARACTERÍSTICAS
1 O poetrix é minimalista, ou seja, procura transmitir a mais completa mensagem em um menor número possível de palavras e sílabas.
2 O título é indispensável. Ele complementa e dá significado ao texto. Por não entrar na contagem de sílabas, permite diversas possibilidades ao autor.
3 Não existe rigor quanto à métrica ou rimas, mas o ritmo e a exploração da sonoridade das sílabas é desejável.
4 Metáforas e outras figuras de linguagem, assim como neologismos, devem ser elementos constitutivos do poetrix.
5 É essencial que haja uma interação autor/leitor provocada por mensagens subliminares ou lacunas textuais.
6 Os tempos verbais – pretérito, presente e futuro - podem ser utilizados indistintamente.
7 O autor, as personagens e o fato observado podem interagir criando, inclusive, condições supra-reais, cômicas ou ilógicas (nonsense).
8 O poetrix deve promover a multiplicidade de sentidos e/ou emoções, não se atendo necessariamente a um único significado.
(Coordenação Geral do Movimento Internacional Poetrix)
(Site: http://www.movimentopoetrix.com)
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