sábado, 3 de fevereiro de 2024

Varal de Trovas n. 594

 

Mensagem na Garrafa = 96 =

Vicente de Carvalho
Santos/SP, 1866 – 1924

A FLOR E A FONTE

“Deixa-me, fonte!” Dizia
A flor, tonta de terror.
E a fonte, sonora e fria
Cantava, levando a flor.

“Deixa-me, deixa-me, fonte!”
Dizia a flor a chorar:
“Eu fui nascida no monte...
Não me leves para o mar.”

E a fonte, rápida e fria,
Com um sussurro zombador,
Por sobre a areia corria,
Corria levando a flor.

“Ai, balanços do meu galho,
Balanços do berço meu;
Ai, claras gotas de orvalho
Caídas do azul do céu!...”

Chorava a flor, e gemia,
Branca, branca de terror.
E a fonte, sonora e fria,
Rolava, levando a flor.

“Adeus, sombra das ramadas,
Cantigas do rouxinol;
Ai, festa das madrugadas,
Doçuras do pôr do sol;

Carícias das brisas leves
Que abrem rasgões de luar...
Fonte, fonte, não me leves,
Não me leves para o mar!”
* * 

As correntezas da vida
E os restos do meu amor
Resvalam numa descida
Como a da fonte e da flor...

Cantiga Infantil de Roda (Oh! Que belas laranjas!)


É uma roda de meninas, cantando:

Oh! Que belas laranjas, 
Ó maninha
De que cor são elas? 

Oh! Que belas laranjas, 
Ó maninha
De que cor são elas? 

Elas são 
Verde, amarelas 
Vira, Maninha
Cor de canela 

Elas são 
Verde, amarelas 
Vira, Maninha
Cor de canela 

Todas as vezes que cantam — Vira Maninha — uma das meninas se volta para fora da roda, conservando-se de mãos dadas. A ronda termina quando a última criança se volta para fora, ficando todas de costas, umas para as outras, sem soltar as mãos

Fonte: Veríssimo de Melo. Rondas infantis brasileiras. São Paulo, Departamento de Cultura, 1953.

Laé de Souza (Os dois amigos)

O Zé e o Tião eram amigos de infância. O Tião virou Dr. Sebastião e o Zé continua Zé. Mas era coisa previsível. Desde criança o Tião estudava enquanto o Zé não queria saber de nada. Com o passar do tempo o Sebastião continuava estudando e trabalhando e o Zé só em zoeira, bagunça, peladas, serestas e bebedeiras. O Tião comprou seu primeiro carro Aero Willys, depois trocou por outro e outro e hoje tem um quase zerinho e o Zé continua andando, de vez em quando, em bicicleta emprestada dos amigos. O Tião noivou e no casamento endividou-se para fazer uma festa de arromba. O Zé continua namorando e todas elas sabem que ele namora com todo mundo e nunca vai levar um caso a sério. O Tião anda com uns probleminhas com a sogra, mas acha que dá para desenrolar, principalmente depois que a mulher reclamou e ameaçou que se ele não acabar com as besteiras ela vai fazer o mesmo com a mãe dele. Sinceramente, o Zé nunca viveu isso e nunca teve sogra por muito tempo.

O Tião se preocupa com a bolsa, queda do dólar, preço dos imóveis, reclamações do caseiro, aumento na mensalidade da escola dos filhos, o acréscimo de despesa com o inglês do Juquinha, com a escola de computação e o tratamento dos dentes da Leninha. E o Zé desconfia que tem alguns filhos por aí, mas nem se liga e só fica fulo quando percebe que a sua Schincariol gelada subiu de preço. O Dr. Sebastião mede seus atos e palavras e tem, quer queira ou não, mesmo inconscientemente, que dar uma puxadinha de saco no chefe e participar de todas as festas e comemorações da empresa, mesmo não se sentindo bem com a companhia de certos colegas. Enquanto o Zé fala o que lhe der na telha e só vai em festas quando a pinga rola solta, o forró é bom e tem mulher bonita. O Dr. Sebastião torce pela estabilização da economia e para o aumento das vendas da companhia, para garantia do seu emprego, sendo que o Zé não está nem aí com a vida, nem com o desemprego. Pra ele qualquer coisinha é coisa e como diz: "Pra quem nasceu pelado, tanga é uma grande vestimenta."

A cada ano, nas férias do Dr. Sebastião, eles se cruzam na praia. O Tião sabe que o Zé sempre estará por lá, não é à toa que ele tem aquela cor queimadinha. Batem papos descontraídos e o Zé ainda o chama de Tião (até a mãe deixou de chamá-lo pelo apelido), ensina-o outra vez como comer siri, a simpatia para não se embebedar com a caipirinha e já alto o leva na mesa do lado para apresentar-lhe umas amigas (por sinal lindas e charmosas). Tião até ameaça cantarolar junto um samba batucado na caixa de fósforos, enquanto a sua mulher, já alta, continua lá na mesa e o olha com rabo-de-olho, ele sabe que como sempre ela vai ficar uns dias de ovo virado. 

De novo, na volta para casa, vai pensando, por que diabos quis levar a vida tão a sério e sente inveja e uma vontade imensa de ser o Zé. Nunca conseguiu dominar esse sentimento e em todo final de férias precisa voltar ao psicanalista, para se convencer de que o anormal é o Zé.

Fonte> Laé de Souza. Acredite se quiser. SP: Ecoarte, 2000. Enviado pelo autor.

Professor Garcia (Reflexões em Trovas) LXIV


A chuva em seu acalanto,
não causa ofensa ao sertão!
Mata a sede e acaba o pranto
dos olhos tristes do chão!
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Ainda espero o teu regresso,
se é que ainda esperas por mim;
pedir que voltes, não peço,
mas te espero até o fim!
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Andando não sei por onde,
nas asas da soledade,
toda tarde o sol se esconde
pintando o céu de saudade!
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Ao lembrar dos tempos idos,
na vida, quanta lembrança!...
Contando os sonhos perdidos,
vi meus sonhos de criança!
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Busco a esmo, mundo afora,
rastros de um velho andarilho,
que se fez raio de aurora
no coração de seu filho!
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Busquei, na fonte de um templo,
a paz de um novo horizonte;
e achei essa paz no exemplo
que há no silêncio da fonte!...
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Cercada de lenda e encanto,
teu poço nunca secou...
Meu Caicó canta o canto
que o Seridó lhe ensinou!
= = = = = = = = = 

Dentre as estrelas brilhantes,
no céu, repletas de luz...
Cinco estrelas faiscantes
lembram-me o sinal da cruz!
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Eis que esse gesto de amor,
comparo às forças do além.
Que a planta que oferta a flor
perfuma as mãos de outro alguém!
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Esse dia me distrai,
e enche-me de amor, de afetos;
dos afetos, por ser pai
das filhas e dos meus netos!
= = = = = = = = = 

Esses teus lábios, menina,
lembram-me os lábios da flor,
na cor rubra mais divina
da embriaguez de um terno amor!
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Grita poeta, e o medo vence-o,
que a tua voz, que é teu grito...
Rompe os grilhões do silêncio
e abre as portas do infinito!
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Levem-me tudo, no entanto,
não levem minha viola;
que essa voz dela, é meu canto
e esse canto me consola!
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Não quero o bem que se alcança
com fama e falsos lauréis;
mas manter viva a esperança
ó Pai, que tenho aos teus pés!
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Na solidão da clausura
reza um monge solitário,
buscando a paz, na ternura
das contas do seu rosário!
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No sacrário dos meus dias,
cópias de antigas andanças,
são faixas das alegrias,
das verdadeiras lembranças!
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Num mosteiro, entre os aflitos,
que exemplo de gratidão...
Um monge pede em seus ritos
pelos sem teto e sem pão!
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Quando a lua arranca as vendas
e sobre as ondas vagueia,
ficam mais lindas as rendas
que as ondas bordam na areia!
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Quando escuto as tuas palmas
meus sonhos, são sonhos vãos,
por sentir que há duas almas
presas, às mãos de outras mãos!
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Quando o entardecer persiste
sem querer dizer adeus...
Deixa a tarde menos triste
no ocaso dos olhos meus!
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Reguei meu jardim com calma,
à espera que ele florisse,
para perfumar minha alma,
na solidão da velhice!
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Se a saudade é um mal sem cura
e, à solidão, nos conduz...
Entre a saudade e a ternura,
há sinais de treva e luz!
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Se a velhice é um bem sem dono,
não me sinto entre os sozinhos!...
Sei que os caminhos do outono,
são sempre os mesmos caminhos!
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Se o teu olhar, não me acalma,
nem prendo mais tua voz...
Sinto que há mãos em minha alma
puxando os laços dos nós!
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Velha fonte, o vosso canto,
desvenda bem quem sois vós;
Maestrina do acalanto
do pranto que há entre nós!
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Velhice, se não te importas,
permite-me outras saídas...
Um outono sem folhas mortas,
mas só com folhas caídas!
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Fonte> Professor Garcia. Poemas do meu cantar. Natal/RN: Trairy, 2020. Enviado pelo autor.

Contos e Lendas do Paraná – 20 (Palmeira – Pontal do Paraná – Palmas)

PALMEIRA

A lenda da araucária

Era uma vez duas tribos de índios inimigos. Um certo dia o caçador da tribo foi caçar e encontrou uma onça; ali também estava a curandeira da tribo inimiga, pela qual havia se apaixonado. O índio matou a onça e se aproximou da índia, que se assustou e acabou desmaiando.

Os índios da tribo inimiga encontraram os dois ali, o índio à beira do rio com a índia nos braços, pensaram mal do que viram e o mataram a flechadas. Ele morreu cheio de flechas pelo corpo.

Diz a lenda que ele se transformou numa araucária e a índia numa gralha azul e as gotas de sangue que pingaram eram os pinhões que a gralha azul enterra. As flechas eram os espinhos e o índio, a árvore.
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PONTAL DO PARANÁ

Figueira do corpo seco 

Caro leitor preste atenção 
Na história que vou contar 
Este fato ocorreu no litoral 
Do Estado do Paraná

Há muitos anos passados
Na época da escravidão
Os negros trabalhavam duro
Em troca de um pedaço de pão

Na localidade ribeirinha
Chamada de Guaraguaçu
Havia um patrão temido
Por todos os negros do sul

Os negros não tinham direitos
O patrão era um carrasco cruel
Mandava escravo para o tronco
Depois deixava ao léu

Um dia um escravo fujão
Ao ser capturado pelo capataz
Foi colocado no tronco
Sendo espancado até demais

O local da execução
Foi num mato fechado
Ficando o corpo do escravo
Naquela árvore amarrado

O negro não resistiu
A tamanha agressão
Vindo o pobre a falecer
Sem receber extrema unção

A figueira com os anos
Foi sua casca fechando
Ficando o corpo do negro
Ao tronco preso secando

Hoje quem visitar o Guaraguaçu
Deve aproveitar para conhecer
A figueira do corpo seco
Que lá está para quem quiser ver.
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PALMAS

História manchada de sangue

Existiam em Palmas três grandes aldeias indígenas. Uma do Cacique Viri, outra do Cacique Condá e uma terceira do Cacique Vaiton. Cacique Viri, possuído pelas influências dos bandeirantes, que pensavam em tomar essas terras, começou assim a transferir poderes aos bandeirantes, agora fazendeiros.

O cacique, encantado com viagens ganhas para Curitiba e Caçador junto com os fazendeiros, começou a ceder as terras. O cacique Condá, porém, orientava o cacique Viri a não fazer essas trocas, até que foi corrompido para levar toda sua tribo a Chapecó, deixando livres as terras que habitavam.

Enquanto isso, o cacique Vaiton preparava um ataque à tribo do cacique Viri. Este protegeu-se com os fazendeiros, que com armas de fogo e armas brancas esperaram numa tocaia toda a tribo do cacique Vaiton. O local do ataque foi o atual Parque da Gruta. 

Numa vala, cheia de pedras e água, morreram todos os indígenas da tribo do cacique Vaiton. Hoje em dia, ainda se ouvem gritos desses indígenas no parque.

Fonte> Renato Augusto Carneiro Jr (coordenador). Lendas e Contos Populares do Paraná. Curitiba : Secretaria de Estado da Cultura , 2005.

Hinos de Cidades Brasileiras (Santana do Matos/RN)


Letra: Expedito Fernandes de Souza

Nossa terra é Santana do Matos,
Que da Serra se estende ao Sertão.
Santanenses provemos com atos,
Nosso amor tem igual extensão.

Na fazenda ao redor da capela,
Consagrada a Senhora Santana,
Foi crescendo a cidade singela
De que um povo sofrido se ufana.

Coração do Rio Grande do Norte.
Município querido entre mil,
Nós te amamos com amor terno e forte,
Um amor com sabor de Brasil.

O começo do inverno aguardando,
Como é bom escutar o trovão!
Ver depois os açudes sangrando,
Pasto verde, fartura, algodão.

Os minérios guardados na terra,
A coragem guardada no povo,
Garantia serão que não erra
Quem contar com o amanhã sempre novo.

Ana Soares (Às vezes o amor pode esperar)

Seria um dia normal, como qualquer outro, não fosse o encontro casual com uma garotinha ousada, falante e   linda num dia frio e chuvoso.

Na verdade fui eu quem a provoquei...

Cheguei ao ponto de ônibus como de costume e constatei que não encontrei as mesmas pessoas e acho que pelo próprio costume, me vi sentindo falta delas... Estava ali: eu, um garoto e a garotinha ousada, falante e linda, quando quase acidentalmente, perguntei a ela: - Onde foi parar todo mundo hoje? E ela com um sorriso largo no rosto, desembestadamente começou a falar:

- Acho que não saíram de casa por causa da chuva, eu mesma não deveria estar aqui se não fosse a minha prova de português, pois tenho sinusite e minha mãe me deixa em casa toda vez que o tempo muda assim...

Achei-a no primeiro momento falante demais, mas não parou por aí, logo continuou: – Você conhece um menino que se chama Rafael Sato?

- Não, respondi a ela... 

E logo ela respondeu: - Você tem cara de quem é amiga do Rafael Sato, por isto perguntei... Por que você conhece outro garoto que conhece ele, pois te vi conversando com ele dia destes aqui.

Pude perceber neste momento então, que estava sendo observada por ela há alguns dias e nem tinha me dado conta disto... Eu, parada ali, olhando atentamente aquele rostinho dócil, meigo e astuto, pensei: Não me lembro...

Mas ela prosseguiu insistindo, até que minha memória me revelou o tal menino: Era o Mateus, meu sobrinho... Após minha revelação a tal garota, presenciei um suspiro seguido de um: – Eu amo o Mateus! (Esta frase parecia representar a ela, uma revelação bombástica, algo sério, temível, que ela entregara ali a mim, assim: de bandeja e com algum acréscimo: – Sou muito nova pra ele e ele nem sabe que eu gosto dele, na verdade, ele conhece mesmo a minha irmã, que é a namorada do Rafael Sato...

Aquele desabafo tão sério, tão importante, tão revelador de uma menina de nove anos, me fez segurar um riso que estava pronto a explodir, não por chacota, nem por desprezo, pelo contrário, pois eu senti a seriedade do assunto...  

Prestando muita atenção, depois de ouvi-la com toda seriedade e respeito, eu a encorajei: –                        Hoje você só tem nove anos, são seis anos de diferença que se faz grande agora, daqui algum tempo não mais, já que as meninas amadurecem muito mais cedo dos que os meninos, logo, logo, esta diferença de idade não representará nenhum problema, mas isto, só daqui alguns anos e quem sabe, se daqui alguns anos você não será minha nova sobrinha?

Neste exato momento ela soltou um riso largo e grato e o meu ônibus chegou...

A vida é assim!

E o amor, quem sabe? Às vezes o amor espera, não na tentativa branda de esperar, mas se guarda, congela, simplesmente para reacender depois, quando tiver que ser! É eu acho que assim o amor pode esperar!

Ah! Queria amar sempre assim... Feito uma criança!   Sem reservas, sem pressa, sem vergonha, simplesmente amando do melhor jeito, sob o melhor ângulo: um amor inocente e inofensivo!   Amor de criança é assim...

Quanto a menininha: ousada, falante e linda? Vou guardar a coragem, a seriedade e a inocência dela em relação ao amor... Quem foi que disse que criança não sabe amar? Pra ela, isto sim, é amor!

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

Daniel Maurício (Poética) 63

 

Mensagem na Garrafa = 95 =

Legião Urbana:
Eduardo Dutra Villa Lobos 
Marcelo Augusto Bonfa 
Renato Manfredini Junior

VENTO NO LITORAL

De tarde eu quero descansar
Chegar até a praia e ver
Se o vento ainda está forte, vai
Ser bom subir nas pedras, sei
Que faço isso pra esquecer
Eu deixo a onda me acertar
E o vento vai levando tudo embora

Agora está tão longe, vê
A linha do horizonte me distrai
Dos nossos planos é que tenho mais saudade
Quando olhávamos juntos na mesma direção
Aonde está você agora
Além de aqui dentro de mim?

Agimos certo sem querer
Foi só o tempo que errou
Vai ser difícil eu sem você
Porque você está comigo o tempo todo
E quando vejo o mar
Existe algo que diz
Que a vida continua e se entregar é uma bobagem

Já que você não está aqui
O que posso fazer é cuidar de mim

Quero ser feliz ao menos
Lembra que o plano era ficarmos bem?

Ei, olha só o que eu achei, hmm
Cavalos-marinhos

Sei que faço isso pra esquecer
Eu deixo a onda me acertar
E o vento vai levando tudo embora

Cantiga Infantil de Roda (Festa dos insetos)


A pulga e o percevejo
Fizeram combinação.
Fizeram serenata
Debaixo do meu colchão.

Torce, retorce,
Procuro mas não vejo
Não sei se era a pulga
Ou se era o percevejo

A Pulga toca flauta,
O Percevejo violão;
E o danado do Piolho
Também toca rabecão.

Torce, retorce,
Procuro mas não vejo
Não sei se era a pulga
Ou se era o percevejo

A Pulga mora em cima,
O Percevejo mora ao lado.
O danado do Piolho
Também tem o seu sobrado.

Torce, retorce,
Procuro mas não vejo
Não sei se era a pulga
Ou se era o percevejo

Lá vem dona pulga,
Vestidinha de balão,
Dando o braço ao piolho
Na entrada do salão.

Jessé Nascimento (A despedida)

Eles se beijavam demoradamente, prendendo a atenção e emocionando a todos que os estavam observando. Pareciam sós naquele local, alheios aos que estavam ao redor.

Fiquei a imaginar que uma despedida é sempre dolorosa quando o amor é muito forte, mesmo que a separação possa não ser demasiadamente longa.

Alguns minutos depois, beijaram-se, de maneira alongada, pela última vez, ela foi se afastando e acenando continuamente.

Ele ficou parado e vi que seu semblante denotava profunda tristeza ou preocupação. Será que eles nunca haviam se separado?

Apesar de toda a cena ter acontecido em menos de quinze minutos, parecera uma eternidade.

Por fim, mais um aceno; era a despedida que ele respondeu sem muito entusiasmo, evidentemente como se tímido ou triste.

Ambos tinham os cabelos muito brancos e seus rostos marcados, demonstrando idades bastante avançadas e uma longa vida de sólida união.

Barulho do motor, os últimos passageiros entraram, sentaram-se e o ônibus deixou a rodoviária.

Para muitos, o amor pode mesmo ainda durar "até que a morte os separe.”

Fonte> Recanto das Letras

Caldeirão Poético LXXVIII

Elisa Alderani
Ribeirão Preto/SP

DOCE DE VOVÓ

A menina que obediente,
a vovó sempre ajudava,
e feliz e sorridente
muitos gravetos levava...

para acender o fogão,
a vovó, doces fazia
para neta, tem paixão,
pois o gás não existia.

Tudo feito com amor,
mexer tacho devagar
para doce ser primor,
de colher, saborear ...

E alguns dias passava
com a vovó, pra ajudar,
e com ela se alegrava,
feliz pra casa voltar!
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Emílio de Meneses
(Emílio Nunes Correia de Meneses)
Curitiba/PR (1816– 1918)

A CHEGADA

Noite de chuva tétrica e pressaga.
Da natureza ao íntimo recesso
Gritos de augúrio vão, praga por praga,
Cortando a treva e o matagal espesso.

Montes e vales, que a torrente alaga,
Venço e à alimária o incerto passo apresso.
Da última estrela à réstia ínfima e vaga
Ínvios caminhos, trêmulo, atravesso.

Tudo me envolve em tenebroso cerco
D'alma a vida me foge, sonho a sonho,
E a esperança de vê-la quase perco.

Mas uma volta, súbito, da estrada
Surge, em auréola. o seu perfil risonho,
Ao clarão da varanda iluminada!
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Gaitano Laertes P. Antonaccio
Manaus/AM

AMOR SEM EMOÇÃO

O amor de agora é uma troca virtual,
tão diferente, tão estranho ao coração,
que mais parece uma relação pactual,
entre seres humanos, sem emoção!…

O amor que se contempla nos amantes,
perdeu hoje, a essência da sinceridade.
É falso, não se manifesta como antes,
porque despreza a ética e a moralidade.

O amor agora, vem se transformando
a cada dia, todo minuto, todo instante
deixando a paixão, muito mais distante,

enquanto a falsidade vai se avolumando.
O amor, hoje, não cede nenhum espaço,
não cabe num beijo, não vale um abraço!…
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José Riomar de Melo
Caucaia/CE

MEU VERSO

 Se meu verso te agrada, te conforta,
 Faz lembrar-te emoções que já viveste,
 Com algum deles talvez te comoveste,
 Ativando a esperança quase morta!

 É sinal que choveu na minha horta,
 Na emoção que a mim tu concedeste,
 Ao sentir que no verso que tu leste
 De euforia e de paz teu peito aborta;

 Entretanto se um deles não ressoa,
 Na fiel sintonia e te magoa,
 Na palavra ou na frase te feriu...

 Eu te peço perdão em tom profundo,
 Porque mesmo agradar a todo mundo,
 Jesus Cristo também não conseguiu...
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Maria Evan Gomes Bessa
Fortaleza/CE

PRAIA DE IRACEMA
 
Águas revoltas na ponte metálica
E o mar de um verde estonteante
Brinca com o vento em ondas
Que agitam turistas e visitantes.
 
A linguagem do mar é envolvente
Seduz a todos com seu simbolismo
E se traduz em falas misteriosas
Que inspiram ou provocam imobilismo.
 
Quantas histórias e vidas se passaram
Naquela praia de mares bravios,
Onde os poetas e boêmios viram
Guerreiros deslizarem em seus navios.
 
E a índia Iracema a correr na areia
Branca, esbelta, de pés descalços,
À espera do Guerreiro vive ainda
No inconsciente coletivo do povo.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Paulo Roberto Walbach Prestes
Curitiba/PR, 1945 – 2021

MEU ESPELHO

Vejo meu espelho, todo estilhaçado,
Que surpresa!... Como isso aconteceu?...
O meu rosto...  vejo tão transfigurado:
Foi o tempo, grande obreiro, quem teceu.

Traços profundos; um olhar apagado
Dum ser que passou pela vida e viveu...
Assim mesmo, valha Deus! Muito abençoado...
Que apesar dos estilhaços – cresceu!

Retornei  -  Ele não estava quebrado...
Que surpresa!... Como isso aconteceu?...
Não foi ele...  E o que deixou marcado?
Foi o tempo. Foi a vida. Ou fui eu...
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Rodrigo Zuardi Viñas
Porto Alegre/RS

SE EU PARTIR ANTES DE TI

Quero que isso aconteça
numa manhã tranquila
e agradável
para que o momento
seja eternizado
pela beleza do dia
e pelos sentimentos
que temos um pelo outro.
Ah, se eu partir antes de ti,
sei que, além de saudades,
manterás, por mim,
muito carinho e admiração.
A amizade que nos une
foi construída
com muito respeito, sinceridade
e companheirismo.
Ah, se eu partir antes de ti,
sei que me guardarás
como uma das tuas boas lembranças.

Antonio Brás Constante (Conceitos, Preconceitos e Chá)

As pessoas costumam dizer que muitas coisas se curam com um bom chazinho quente. Infelizmente a humanidade ainda não encontrou um chá que cure o preconceito, qualquer preconceito, mesmo o preconceito que alguns têm por chá.

Outro dia entrei na comunidade SKOOB do Orkut, um lugar interessante. Ela é uma comunidade em uma rede social utilizada para debater outra rede social que parece uma comunidade. Ali havia um tópico que gerou tanta polêmica que acabou sendo excluído.

No referido tópico os Orkutskoobianos (acho que se a palavra existisse seria escrita assim), citavam seus escritores preferidos. Lá pelas tantas, uma jovem que não me recordo o nome, escreveu que não gostava de autores nacionais, e essa afirmativa fez com que as postagens pegassem fogo.

Muitos foram aqueles que criticaram a menina. Principalmente porque ela não era muito boa em articular seus motivos, apenas dizia que não gostava e pronto. Era sua opinião final. Vivemos em um país democrático, onde as pessoas podem gostar ou não das coisas, entre elas, das coisas feitas aqui. Mas o bate boca já estava feito.

Daí eu fiquei pensando, por que não gostar de algo daqui? Quando alguém não gosta de brócolis, por exemplo, até dá para tentar entender (mesmo sabendo que um alimento pode ser preparado de inúmeras maneiras, e que alguma delas pode cair no gosto do sujeito desgostoso com aquele tipo de iguaria), mas com a diversidade de autores nacionais, que cobrem todas as áreas da literatura, como alguém poderia simplesmente não gostar do que é escrito aqui, sem que existisse algum motivo concreto para isso?

Então me lembrei da história do homem que não gostava de vinhos nacionais. Ele nem sequer provava os vinhos, tamanha era sua aversão por eles. Um dia este homem viajou para França, que é uma das fabricantes dos melhores vinhos do mundo. Ele foi a um restaurante de lá e chamou o garçom, pedindo-lhe o melhor vinho que eles pudessem ter para servi-lo. O garçom prontamente lhe disse que traria o melhor vinho nacional da adega. O homem levantou irado de sua cadeira, e gritando disse que ele não tomava nenhum tipo de vinho nacional, não importando onde estivesse, e mandou que o garçom fosse buscar um vinho importado.

Enfim, praticamente tudo no mundo se transforma. O próprio universo sofre alterações. O planeta em que vivemos vai se modificando a cada estação. Até nossos corpos vão mudando seus átomos e neurônios com o passar dos anos. As únicas coisas que muitas vezes não mudam, são os conceitos enraizados e transformados em preconceitos na mente das pessoas.

Fonte: Recanto das Letras.

Hinos de Cidades Brasileiras (Bauru/SP)


Música e letra: Manuel Domingos de Oliveira

É Bauru, terra branca, ditosa
é a esperança e o desejo febril
amparada na árvore frondosa
cidade franca do nosso Brasil.

É a luz do céu resplandecente
nesta terra abençoada
Bauru, és o sol nascente
que surge na madrugada.

Vivas na paz bem altaneira
tens gloriosa tradição
saudamos-te como a primeira
da brasileira Nação!

De São Paulo és cidade querida
Bauru, berço da região
Sempre bela e engrandecida
no progresso de grande extensão.

Vida própria da Noroeste
de riqueza e amplidão
é a esperança que nos resta
e de grande satisfação. 

Oh! que terra tão querida
de todo meu coração
saudamos-te por tua vida
na brasileira Nação!

Estante de Livros (“O grande mentecapto”, de Fernando Sabino)

Fernando Sabino é autor contemporâneo dos mais importantes. Dono de um estilo inconfundível em que ressalta o extremo cuidado com a linguagem, é um especialista em criar situações cômicas de profunda beleza plástica. Sua capacidade descritiva faz com que o leitor, além de se deleitar com a complicação da trama, consiga visualizar a cena criada pelo narrado. Sua obra é extensa e inclui principalmente crônicas e contos. Seus romances: O Encontro Marcado; O Menino no Espelho; O Grande Mentecapto , são fruto de profunda preparação e artesanato impecável. Por isso mesmo cresce a cada dia a importância de sua obra no panorama da atual Literatura Brasileira.

Nesse romance de 1979, o autor elabora uma trama com a nítida intenção de homenagear as pessoas humildes, simples e puras. Já na epígrafe da narrativa, “Todo aquele, pois, que se fizer pequeno como este menino, este será o maior no reino dos céus.” Nota-se a vontade de elevar os puros, os inocentes e os ingênuos.

Na linha da novela picaresca “vide o Dom Quixote de La Mancha, de Cervantes”, em que o personagem desloca-se por um espaço indefinido, à cata dos conflitos, para resolvê-los heroicamente, Viramundo vive uma sequência de peripécias acontecidas no Estado de Minas Gerais, contracenando com personagens dos mais variados matizes e comportando-se sempre como o bem-intencionado, o puro, o ingênuo submetido às artimanhas e maldades de um mundo que ainda não está de todo resolvido. Andarilho, louco, despossuído, vagabundo, idealista. Marginal em uma sociedade que não entende e em que não se enquadra, o Viramundo instaura um sentimento de ternura e de pena por todos aqueles que, em sua simplicidade, sofrem o descaso, a ironia, a opressão e a prepotência.

Como o Quixote, com a sua amada Dulcinéia, e como Dirceu, com a sua adorada Marília, Viramundo põe em suas ações tresvariadas a esperança de realizar-se emocionalmente com a sua idealizada e inalcançável Marília, filha do governador de Minas Gerais. Sua ilusão alucinada é reforçada pelos pseudo-amigos que o enganam com falsas cartas de amor e incentivam sua loucura mansa e seu sonho impossível.

Viramundo conhece que o mundo é uma grande metáfora e o trata com idealismo como se ele fosse real. Consertar o mundo é sua missão e ele se dedica a ela com toda a força de sua decisão, não se deixando abalar pelo insucesso, pelo ridículo, pela violência ou pelo vitupério. Em seu delírio, o irreal e o real andam de mãos dadas, não há a separação entre o concreto e o abstrato, e por isso o herói não se abala física ou emocionalmente com nada com que se defronte: não teme os fortes, os violentos; não se assusta com fantasmas e nem com ameaças; aceita resignadamente o que a vida lhe reserva.

Percebe-se aqui que, além de pícaro, nosso herói pode ser considerado como bufão, pois jacta-se tolamente sobre supostas capacidades de resolver as injustiças e o desacerto do mundo. Não tem qualquer ligação definitiva com a vida; não assume compromissos; é desprezado e usado por aqueles com os quais se relaciona.

A pureza deste aventureiro é a crítica à hipocrisia das relações humanas em um mundo que perdeu o sentido da solidariedade e da fraternidade. Sua alegria ingênua e desinteressada opõe-se ao jogo bruto dos interesses malferidos, ao conservadorismo e à arrogância. Porta-voz dos loucos, dos mendigos, das prostitutas, o Viramundo conhece os meandros da enganação e da falsidade dos políticos e dos poderosos.

A crítica à mesmice, ao chavão e ao clichê faz-se pela presença da paródia a muitos autores e personagens historicamente conhecidos.

Viramundo não era conhecido, mas termina por criar fama em razão dos casos incríveis em que se envolve. Sob a aparência imunda de um mendigo está um sujeito com cultura geral incomum. Sua fala de homem conhecedor surpreende e sua experiência de ex-seminarista e ex-militar confunde e admira aqueles com quem convive. Sua esquisitice e suas respostas prontas a todas as indagações fazem com se acredite tratar-se de um louco manso e inofensivo.

Outro aspecto interessante é a exploração da temática da loucura. O autor parece convidar o leitor a uma reflexão sobre a origem e o convívio com a ideia da excentricidade do comportamento humano. Viramundo pode ser considerado um louco, mas quem não o é? O que a sociedade considera loucura? Como classificar e tratar os indivíduos que atuam em dissonância com aquilo que se considera normalidade? A sociedade mostrada no romance está povoada de tipos que comumente chamamos de loucos: os habitantes de Mariana agem desvairadamente ao tentar linchamento; o diretor do hospício é mais estranho que os próprios internos do manicômio; o capitão Batatinhas é absolutamente alienado. Há no decorrer de toda a narrativa o questionamento da fragilidade dos limites entre a sanidade e a loucura.

No limiar da consumação de sua caminhada, Viramundo mudou. No começo era idealista e cheio dos cometimentos da paixão. Manteve-se assim durante muito tempo até encarar a dura realidade da convivência humana. A série de acontecimentos em que figura como perdedor físico e emocionalmente faz com que se desiluda. Descobre que as cartas de amor eram falsas; os amigos eram falsos; sua crença era falsa. Por todo lado só encontra sofrimento, opressão, hipocrisia. Está só, absolutamente só, e a solidão é tudo que lhe resta.

Seu fim é emblemático. Morre vitimado pelo próprio irmão. Paga por um crime que não cometeu. A intertextualidade bíblica é evidente: compara a trajetória e o comportamento de Viramundo com a Via-Sacra do Cristo, em todos os sentidos, inclusive no sacrifício final.

Fonte> Algo sobre.
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