Um tal Joaquim Silvério dos Reis, coronel de um regimento de cavalaria auxiliar, tinha denunciado os conspiradores. Para encurtar o caso: Cláudio Manuel da Costa enforcou-se na prisão. O poeta Gonzaga foi mandado para a África, para bem longe de Marília dos seus sonhos. Muitos tiveram a mesma sorte. Outros foram condenados à morte.
Chegaram-nos notícias de Tiradentes. Submetido a interrogatórios repetidos, ele insistia em negar a culpabilidade dos amigos. Dizia-se o único responsável por tudo: o animador, o chefe e principal culpado da tentativa de revolta. A pena de morte dos outros foi comutada. Mas Tiradentes foi levado à forca. Eu não quis assistir ao seu martírio. Sei que ele manteve a coragem e a fé até o fim. Não fraquejou. Foi levado para o patíbulo num cortejo assustador.
Devia estar impressionante naquela bata branca que ia ser a sua mortalha. Levava na mão um crucifixo preto, para o qual ele olhou todo o tempo, murmurando preces. Quando me disseram que o corpo de Tiradentes fora esquartejado, sendo sua cabeça espetada na ponta de um poste — estremeci de raiva e cheguei a chorar de sentimento. E não sei se por influência dos versos de Gonzaga, começou a dançar em minha cabeça esta frase: “Aquela cabeça na ponta do poste é uma bandeira, a bandeira da nossa liberdade.”
Foi assim que terminou a aventura da Inconfidência Mineira. Foi assim que perdi o meu amigo Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. 42 — CHEGA-NOS NOVO SÉCULO E UM REI...
Entramos num novo século. No ano de 1800 eu me encontrava no Rio de Janeiro. Minha cabeça era um ninho de ideias confusas. As recordações da taba se misturavam com as dos quilombos, com as da guerra contra os holandeses e com as de meu convívio com Anchieta. Eu continuava a ser um homem solitário. Se por um lado não era ainda civilizado, por outro lado já tinha deixado de ser um selvagem completo.
Anchieta me fizera perder o medo aos espíritos do mato e me dera a conhecer o Deus único, que era agora o meu Deus. Mas eu ainda sentia o desejo da aventura e, para mim, quem dizia aventura dizia guerra.
Aconteceram coisas importantes em Portugal no ano de 1807. D. João VI assumira desde 1792 a regência do país, porque sua mãe, a Rainha Maria I não estava “regulando bem”, como se diz em linguagem familiar. Como já contei, Portugal sempre foi aliado da Inglaterra. Inimigo deste último país, Napoleão Bonaparte mandou invadir Portugal. Que foi que fez D. João VI, Príncipe Regente: Rumou para o Brasil, transferindo para cá a sede da monarquia portuguesa. Com ele vieram 15 000 pessoas.
Pude ver com meus olhos e ouvir com meus ouvidos as festas com que receberam o soberano e sua comitiva no Rio. A cidade teve a sua importância aumentada. Ganhou um ministério, tribunais, escolas, repartições...
Logo após sua chegada, entusiasmado com a recepção, contente por ter escapado à fúria conquistadora de Napoleão, encantado com a beleza da heroica cidade de São Sebastião, — D. João VI praticou vários atos de utilidade pública. Abriu os portos do Brasil ao comércio das nações amigas. Criou uma academia de Belas-Artes, a imprensa régia, uma biblioteca pública e um jardim botânico. O Regente D. João VI estava em franco idílio com o Brasil. Foi por esse tempo que comecei a amar de verdade os livros. Durante vários anos frequentei uma escola. Para me manter, trabalhei como sapateiro remendão. Ganhava o suficiente para viver. Visitava a biblioteca pública. Aos poucos ia ficando com uma visão mais larga do mundo e da vida.
Assisti pela primeira vez a uma corrida de touros. Foi lá que o selvagem que dormia dentro de mim tornou a despertar. Num dado momento, não resistindo ao grande entusiasmo que me fervia no peito, saltei para a arena. Ergueu-se uma gritaria. Sai fora! Olha o touro! O’ maluco! Eu estava fascinado. O touro, parado, fuzilou para mim um olhar furioso. Precipitou-se na minha direção. Quebrei o corpo e me livrei do golpe. Em seguida segurei o animal pelas aspas e nossa luta começou. Eu tinha músculos rijos. Os espectadores da tourada estavam em silêncio. Os toureiros recuaram. O sol batia em cheio na praça e perto de nós as nossas sombras também lutavam no chão. Aquilo durou cinco minutos. Derrubei o touro, torci-lhe o pescoço. Ele ficou estirado no pó, ofegando. Ergui-me. Estouraram palmas e vivas. 43 — UM CAPRICHO DE D. CARLOTA
D. João VI, que assistia à tourada do camarote real, mandou-me chamar. Falei com o Regente sem a menor comoção. Vi que era um homem de bochechas gordas e coradas. Tinha um ar camarada. Perguntou-me se eu queria ser criado do paço. Aceitei, é claro, e no dia seguinte estava metido numa libré de botões dourados. Passei a ter vida um pouco melhor.
Muitas vezes acompanhei a princesa real D. Carlota nos seus passeios de carruagem. Eu ia à boleia, muito perfilado e enfeitado. Quando a carruagem real passava, todas as criaturas eram obrigadas a parar e ajoelhar-se, estivessem onde estivessem. Eu vi lindas moças e belos cavalheiros dobrarem o joelho à passagem de Sua Alteza. Por quê? — perguntava eu a mim mesmo. D. Carlota não era uma pessoa igual às outras, de carne e osso? Todos os homens não eram iguais como nos ensinava Anchieta? Eu guardava esses pensamentos para mim. E quando ia abrir a portinhola da carruagem para a princesa descer, quase encostava também o nariz no chão.
Nas horas vagas eu apanhava algum livro e lia. Sentia agora vontade de conhecer outros povos, outras terras. Seria bem bom lutar sob as ordens de Napoleão ou sair em um navio em busca de terras distantes.
Lá por 1817 nos chegaram notícias alarmantes de Pernambuco. A ideia de Tiradentes andava ainda assombrando o Brasil. Falava-se em independência. Domingos José Martins e Domingos Teotônio Jorge estavam à frente dum movimento revolucionário que declarou a independência da Província, instituindo um governo provisório. Confesso que fiquei alegre, lembrando-me de meu amigo Tiradentes. Mas a revolução não tardou em ser abafada. Seus chefes foram condenados à morte. Mais vítimas! Mais vítimas!
Falei-lhes há pouco na agora Rainha D. Carlota, não foi? Pois um dia ela teve um capricho... Olhando por acaso um mapa, viu lá no extremo sul do Brasil um território cujo nome lhe soou bem: Banda Oriental. Manifestou o desejo de ser rainha também dessa terra. Lavrava a guerra civil nesse país. D. João VI examinou a situação. Viu que os Estados do Prata estavam cansados de repetidos ataques da parte dos ingleses. Não hesitou. Mandou invadir a Banda Oriental. Mas antes de transporem as fronteiras, as tropas de D. João VI tiveram a notícia de que a Inglaterra, intervindo na questão, conseguira a assinatura do armistício. D. João VI teve de se comprometer a não meter o real bedelho na nação vizinha. Mas quatro anos depois, caudilhos orientais praticaram depredações nas nossas fronteiras. Belo pretexto! D. João VI viu nele a oportunidade de realizar o sonho de D. Carlota.
Mandou ocupar a Banda Oriental, espichando dessa forma as fronteiras do Brasil. O Ten. Gen. Lecor marchou sobre Montevidéu. Em 1821 a Banda Oriental passava a fazer parte da Coroa de D. João VI com o nome de Estado Cisplatino. 44 — IDEIAS QUE O VENTO TRAZ...
Mas a todas essas eu não contei nada a vocês a respeito do filho de D. João VI. No entanto muito trabalho me deu ele. Chamava-se Pedro. Chegara ao Brasil com nove anos e meio. Era um rapaz inquieto e impetuoso, travesso e todo cheio de vontades. Quando ficou mocinho me escolheu para pajem. Segui-o em muitas aventuras e mais de uma vez consegui livrar o príncipe de grandes apertos.
Lá por fins de 1820 rebentou uma revolução em Portugal. A notícia estourou no Rio como uma bomba. D. João VI resolveu que seu filho Pedro partisse para Portugal para tomar conta do governo. O Rio de Janeiro estava em polvorosa. As ideias de liberdade que andavam espalhadas por todo o mundo, como que trazidas pelo vento, contagiaram os brasileiros. O que naquela época acontecia, eu não podia compreender com limpidez. Hoje vejo claro. O povo decerto raciocinava assim:
“Ora, se Napoleão com tanta facilidade tomou conta de Portugal atirando D. João VI e sua Corte para o Brasil, por que não havemos nós de com igual facilidade mandar D. João VI e seu povo para Portugal? Somos maioria. Temos direito de ser nação independente. Olhem os Estados Unidos, vejam como progride aquela terra!”
D. João VI, sem querer, contribuíra para alimentar essas ideias de independência. Criando bibliotecas, escolas, jornais, museus — dera vistas mais largas ao povo e este foi compreendendo as vantagens de ser livre, de ter regalias, de progredir. Os portos estavam abertos aos navios das nações amigas. Chegavam barcos da Europa, trazendo gente europeia, costumes europeus, ideias europeias.
Assim como nos nossos dias o cinema divulgou pelo mundo todos os costumes, a música e as coisas dos Estados Unidos da América do Norte — os viajantes que aportavam ao Brasil naquele tempo, os livros que vinham da França e da Inglaterra, os artistas que D. João VI mandava vir do Velho Mundo — espalharam por nossa terra as ideias de liberalismo.
Quando um dia o povo e as forças se revoltaram, obrigando o rei a jurar a futura constituição, eu sorri, pensando no meu amigo Tiradentes. A cabeça dele na ponta do poste era mesmo uma bandeira...
Fonte: Érico Veríssimo. As aventuras de Tibicuera, que são também do Brasil. (Texto revisto conforme Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa em vigor em 2009). Porto Alegre: Edição da Livraria do Globo, 1937.
O poema "Sobre sementes e folhas", de André Telecazu Kondo ficou em 1.º lugar no Prêmio de Literatura Unifor 2018, categoria trabalho inédito, e está estampado na orelha do livro "A Peregrinação das Folhas Caídas". Aqui a primeira estrofe do poema:
Penetro na surda casca do outono As linhas do meu tronco tatuam Cada intempérie congelada em desterro Camadas de perdas e esquecimentos (...)
Em 2011, o seu livro "Cem pequenas poesias do dia a dia" venceu o Prêmio Unifor.
O primeiro poema deste livro:
uma folha brinca sozinha dando cambalhotas de outono
Em 2012, como parte do prêmio, André foi aos Estados Unidos. Chegou lá no primeiro dia de outono daquele ano no hemisfério norte.
A obra foi selecionada pelo ProAC e ele escreveu a narrativa poética dessa viagem.
A convite da Unifor, voltou ao Teatro Celina Queiroz para lançar o livro em outono de 2018.
"Não sei como essas coisas acontecem, como a poesia funciona, mas sei que a peregrinação das folhas caídas... sempre traz um sabor de retorno." (André Kondo) Quem quiser conhecer a obra, que recebeu o Prêmio Vicente de Carvalho - UBE-RJ e a Bolsa de Criação Literária do Governo de São Paulo, é só pedir aqui:
O livro acompanha sementes de "Sensitiva", uma planta cujas folhas... se movem ao toque.
O sucesso desse lançamento só foi possível porque foi realizado em quatro atos:
1) 22/03, no Teatro Celina Queiroz, pela Unifor.
2) 23/03. na Monsenhor Dourado pelo SESC-CE.
3) 24/03, no Centro Universitário Farias Brito, pela Especialização em Escrita Literária da Socorro Acioli.
4) 25/03, na cerimônia do Prêmio Yoshio Takemoto pela Nikkei Bungaku em São Paulo (os últimos exemplares, que não havia levado para Fortaleza).
Link sobre a premiação:
https://g1.globo.com/ce/ceara/especial-publicitario/unifor/ensinando-e-aprendendo/noticia/21-autores-de-poesia-sao-premiados-no-premio-de-literatura-unifor.ghtml _________________André Kondo é autor de vários livros premiados. Foi finalista do Prêmio Jabuti e recebeu mais de 250 prêmios no Brasil e no exterior. Filho de imigrantes japoneses, morou no Japão e na Austrália, sendo pós-graduado pela University of Sydney. Viajou por mais de 60 países em busca de inspiração, mergulhando na Grande Barreira de Corais no Pacífico, percorrendo trilhas no Himalaia, escalando um vulcão ativo na Guatemala, cruzando o Círculo Polar Ártico e os desertos de Gobi e do Atacama, navegando pelos rios da Amazônia e visitando os lugares mais sagrados e fascinantes do mundo: Jerusalém, a Grande Muralha da China, Petra, Machu Picchu, a Ilha da Páscoa, o Taj Mahal, os jardins de Lumbini, as pirâmides do Egito... “A Peregrinação das Folhas Caídas” é o seu segundo livro de poesia, que narra a sua aventura poética em busca dos grandes autores da América do Norte. Vive de literatura.
Há muito muito tempo havia um rei que tinha três filhos. Quando eles chegaram a uma certa idade, o rei chamou-os e disse:
"Meus queridos jovens, quero que vocês casem para que possa ver meus netos antes de morrer."
E seus filhos replicaram:
"Muito bem, Pai, dê-nos sua bênção. Com quem devemos casar?"
"Cada um de vocês deve tomar uma flecha, ir até a campina e atirá-la. Quando a flecha cair, ali estará seu destino."
Então os filhos se curvaram diante do pai, e cada um tomou uma flecha e foi a campina executar o que tinha sido determinado.
A flecha do mais velho caiu nos domínios de um nobre, e a sua filha apanhou-a. A flecha do filho do meio caiu no quintal de um mercador, e a sua filha apanhou-a. Mas a flecha do mais jovem, príncipe Ivan, voou e foi-se para lugar desconhecido. Ele caminhou em sua busca, e já estava quase desistindo quando encontrou um sapo sentado com a flecha em sua boca. O príncipe Ivan disse:
"Sapo, sapo, devolva minha flecha."
E o sapo replicou:
"Case comigo!"
"Como eu posso casar com um sapo?"
"Case comigo, este é o seu destino."
O Príncipe Ivan estava muito desapontando, mas o que ele poderia fazer? Ele juntou o sapo e encaminhou-se para casa. O Rei celebrou os três casamentos: seu filho mais velho com a filha do nobre, seu filho do meio com a filha do mercador e o pobre príncipe Ivan com o sapo.
Um dia o Rei chamou os filhos e disse: "Quero ver qual de minhas noras é mais hábil com a agulha. Deixe que cada uma me faça uma camisa."
Os filhos se curvaram em direção ao pai e saíram. Príncipe Ivan foi para casa e sentou-se numa poltrona, muito desconsolado. O sapo apareceu pulando no chão e disse-lhe:
"Por que está tão triste, Príncipe Ivan? Está com algum problema?"
"Meu pai quer que você lhe faça uma camisa para amanhã de manhã."
Disse a sapa:
"Não desanime, príncipe Ivan. Vá para a cama; a noite é mãe dos conselhos."
Então príncipe Ivan foi para a cama e o sapo esperou que ele fechasse a porta, tirou sua pele de sapo e transformou-se em Vasilisa a sábia, uma donzela com formosura além de qualquer comparação. Ela bateu suas mãos e exclamou:
"Criadas e amas, estejam prontas para trabalhar! Amanhã de manhã quero uma camisa como meu próprio pai usaria!"
Quando Príncipe Ivan levantou-se na manhã seguinte, o sapo estava novamente no chão, e numa mesa, enrolada numa fina toalha, a camisa. Príncipe Ivan ficou encantado. Ele apanhou a camisa e levou-a ao seu pai. Ele encontrou o Rei recebendo os presentes de seus outros filhos. Quando o mais velho entregou a camisa o Rei disse:
"Essa camisa será de um dos meus empregados!"
Quando o do meio entregou o Rei disse:
"Esta é boa somente para o banho".
O Príncipe Ivan entregou sua camisa, finamente bordada em ouro e prata. O Rei tomou-a, olhou e disse:
"Agora esta sim é a camisa! Eu a vestirei nas melhores ocasiões!"
Os dois irmãos mais velhos foram para casa e disseram um ao outro:
"Parece que rimos antes da hora da esposa de Ivan - ela não é um sapo, e sim uma feiticeira."
Novamente o Rei chamou seus filhos:
"Que suas mulheres me façam um pão para amanhã de manhã" ele disse. Quero saber qual delas cozinha melhor.
Príncipe Ivan retornou à sua casa muito triste. A sapa perguntou-lhe:
"Por que está tão triste, príncipe?"
"O Rei quer que você lhe faça um pão para amanhã de manhã" replicou seu marido.
"Não se apoquente, Príncipe Ivan. Vá para a cama; a noite é a mãe de todos os conselhos."
As outras noras do rei que tinham rido da sapa na primeira vez, enviaram um velho criado para ver como a sapa fazia seu pão. Mas a sapa era astuciosa e adivinhou o que elas queriam. Ela misturou a massa, quebrou os ovos, colocou água, fez uma meleca e colocou no forno. O velho criado correu de volta para as outras esposas e disse-lhes o que tinha visto a sapa fazer.
Então a sapa esperou que todos se afastassem e se transformou em Vasilisa a Feiticeira, bateu palmas e gritou:
"Criadas e amas, estejam prontas, trabalhem logo! Amanhã pela manha quero um pão tão leve e branco como jamais nenhum ser humano tenha experimentado."
O Príncipe Ivan acordou pela manhã e encontrou sobre a mesa um pão que lhe pareceu o melhor que já tivesse provado, todo enfeitado com belas figuras, que ele levou imediatamente ao seu pai. O rei, ao experimentar o pão levado por Ivan, exclamou:
"Isso é o que chamo de pão! é tão bom que só serve para ser comido nos feriados!"
E o Rei determinou que seus filhos trouxessem, no dia seguinte, suas esposas para um banquete.
O Príncipe Ivan tornou-se sombrio novamente. A sapa, vendo-o assim, perguntou:
"Por que a tristeza, príncipe Ivan? Seu pai foi grosseiro com você?"
"Sapa, minha sapinha, como você poderia me ajudar? Meu pai quer que eu leve você ao banquete, mas como pode você aparecer diante do povo como minha esposa?"
"Não se amofine, Ivan," disse a sapa. "Vá para a festa sozinho que eu vou depois. Quando você ouvir uma batida e um estouro, não tenha medo. Se lhe perguntarem, diga que somente é sua Sapinha pulando na caixa."
Então foi o príncipe Ivan, sozinho. Seus irmãos mais velhos levaram as esposas, maquiadas e vestidas com roupas finíssimas. Eles aproveitaram para gozar de Ivan:
"E então, Ivan, não trouxe a sua esposa? Você poderia tê-la embrulhado num lenço. Você não deveria deixá-la sozinha por aí, com tanta beleza. Deve procurá-la no pântano!"
O Rei e seus filhos e noras e todos os convidados começaram o banquete. De repente, houve uma batida e um estouro que foi ouvido em todo o palácio. Então o príncipe Ivan disse:
- Não tenham medo, boa gente, é apenas minha sapinha passeando em sua caixa.
Foi quando uma carruagem dourada, puxada por seis cavalos brancos parou em frente ao palácio e Vasilisa, a Feiticeira, num vestido azul-turquesa clamado de estrelas e com uma lua sobre sua cabeça, tomou Ivan pela mão e levou-o até a mesa do banquete.
Os convidados começaram a comer, beber e se divertir. Vasilisa bebeu de seu copo e derramou as sobras em sua luva esquerda. Então comeu e colocou os ossos na luva direita. As esposas dos príncipes mais velhos viram-na fazendo isso e imitaram seus gestos.
Quando a comilança acabou, era hora da dançar. Vasilisa convidou Ivan, e ambos dançaram e rodopiaram, sob os olhares admirados de todos. Ela sacudiu então sua luva esquerda e... apareceu um lago! Ela sacudiu a luva direita e cisnes começaram a nadar no lago. O Rei e seus convidados ficaram impressionados com tal maravilha. Então as noras do rei foram dançar. Elas sacudiram uma das luvas, mas apenas vinho caiu sobre os convidados; sacudiram a outra, mas apenas ossos roídos caíram, sendo o Rei atingido na testa por um.
Enquanto isso, Ivan correu de volta para casa. Ele encontrou a pele do sapo e jogou-a no fogo. Quando Vasilisa voltou para casa, procurou a pele mas não conseguiu achá-la. Triste, falou a Ivan:
- O que você fez? Tivesse esperado mais alguns dias, eu seria sua para sempre. Mas agora, adeus. Procure-me além das Trinta e Nove Terras, no Décimo Reino, onde Koshchei, o Imortal, vive.
Dizendo isso, transformou-se num cuco cinza e voou pela janela. O Príncipe Ivan, desesperado, partiu em busca de sua esposa, Vasilisa. Caminhou, caminhou, que os seus sapatos perderam as solas, e sua túnica se rasgou, e sua capa não mais o protegia da chuva. No caminho, encontrou um homenzinho, muito muito velho.
"Bom dia, meu rapaz - disse o velhinho. – "Onde estás indo e qual a tua missão?
O Príncipe Ivan contou-lhe o acontecido.
"Ah, por que queimaste a pele, Ivan?" disse o velho. "Ela não era sua nem era seu direito fazê-lo. Vasilisa ficou tão sábia quando seu pai, e por isso ele se enraiveceu e transformou-a em sapo por três anos. Ah, bom, mas não vai ajudá-lo agora. Pegue esse rolo de barbante e siga para o local que ele desenrolar.
Ivan agradeceu ao homenzinho e seguiu a bola de barbante. Num campo aberto, ele encontrou um urso. Ivan estava pronto a matá-lo quando ouviu-o falar em voz humana:
- Não me mate, príncipe Ivan, pois talvez precises de mim um dia."
Ivan então deixou o urso partir. Subitamente ele viu um marreco voando sobre sua cabeça. Pegou sua arma e, quando foi atirar, ouviu o marreco falar com voz humana:
- Não me mate, Ivan, pois talvez precises de mim um dia.
Ele poupou o pato e se foi. O mesmo aconteceu em seguida, só que com uma lebre e mais uma vez ele poupou a vida do animal.
Caminhando ainda, Ivan chegou ao mar e viu um lúcio debatendo-se na areia.
- Ah, príncipe Ivan ,disse o peixe, jogue-me de volta ao mar.-
Então, ele jogou o peixe de volta na água e continuou seguindo a bola de barbante, indo parar numa floresta, onde encontrou uma cabana de madeira. Lá, estava sentada Baba-Yaga, a bruxa, com uma vassoura na mão. Quando ela viu Ivan, disse:
"Ugh, ugh, sangue russo, nunca encontrado por mim, agora eu sinto cheiro na minha porta. Quem é? ? Onde está?
"Você poderia me dar comida e bebida e um banho de vapor antes," retorquiu Ivan.
Então Baba-Yaga deu-lhe um banho de vapor, alimentou-o e colocou-o na cama. Então o Príncipe Ivan perguntou-lhe sobre sua mulher, Vasilisa a sábia.
"Eu sei, eu sei,"disse Baba Yaga. "Sua esposa está agora sob o poder de Koshchei, o Imortal. Vai ser duro trazê-la de volta. Koshchei não é páreo para você. As morte está na ponta de uma agulha. A agulha está num ovo. O ovo está num pato. O pato está numa lebre; a lebre num cofre; o cofre no topo do mais alto carvalho que Koshchei, o Imortal, guarda com olhos de águia."
Ivan passou a noite com Baba-Yaga, e, pela manhã, ela mostrou o caminho até o carvalho. Ele caminhou, caminhou, e chegou até carvalho, onde viu o cofre de pedra no topo. Mas era muito difícil de atingir. De repente, surgiu um urso e, jogando-se sobre a árvore, sacudiu-a de tal forma que o cofre caiu, quebrou e se abriu. Do cofre saiu uma lebre que partiu numa corrida. A outra lebre, cuja vida o príncipe havia poupado, disparou atrás da primeira e capturou-a. De dentro dela saiu um pato, que partiu como uma flecha pelo ar. Mas em seguida o pato, cuja vida Ivan havia poupado, partiu em sua perseguição, e o fez soltar o ovo, que caiu no mar.
Ivan caiu em prantos. Como poderia achar o ovo no mar? Neste momento o lúcio, salvo por Ivan, nadou até a borda da praia com o peixe em sua boca.
Ivan quebrou o ovo, pegou a agulha e quebrou sua ponta. Não demorou muito para Koshchei curvar-se e gritar, mas tudo em vão. Caiu morto. Ivan correu até o castelo de pedras brancas. Vasilisa correu em sua direção, abraçando-o, beijou-o. E príncipe Ivan e Vasilisa voltaram para sua própria casa e viveram em paz e felicidade até a velhice.
Foi em 1687 — nove anos depois do tratado — que a grande expedição comandada por Domingos Jorge Velho se aproximou dos Palmares. Preparamo-nos para a luta. Não pensem que ela durou três dias. Foram oito anos de guerra encarniçada, com pequenos intervalos de descanso aqui e ali. Dizem que o negro é covarde. Quem o viu lutar nos Palmares não acredita nesta afirmação.
Cercados, cansados, com a munição diminuindo, começamos a afrouxar a resistência. As mulheres do quilombo choravam e gemiam. A coisa mais triste de que me lembro foi de uma noite, já no fim da campanha, quando os tiros tinham cessado. As negras — velhas, moças, meninas — desataram num cantochão tão triste, tão arrastado, tão doloroso que eu tive vontade de sair correndo e gritando e me entregar aos soldados de Domingos Jorge Velho.
Os nossos guerreiros se acabavam. Aos poucos íamos perdendo terreno. Os olhos do Zumbi brilhavam e eu podia adivinhar um pensamento desesperado dentro daquela cabeça de gigante.
Por fim fomos completamente destroçados. O quilombo invadido e destruído. Não me esquecerei nunca mais daquela cena. O Zumbi e seus generais subiram para o alto dum penhasco. Eu os segui. Lá do alto eles ainda fizeram um gesto de desafio para as forças invasoras. Depois se precipitaram no abismo. Fechei os olhos. E no momento seguinte me encontrei sozinho naquele pico. Era preciso fazer alguma coisa. Só um pensamento me ocorreu: fugir... Fugi. Se não fugisse, não podia estar aqui agora, contando a vocês esta espantosa aventura. 38 — CEM ANOS SÃO CEM ANOS...
Vocês já leram a “Nova Floresta” do Pe. Manuel Bernardes? Há lá uma deliciosa história chamada “Como o Tempo Passa” onde se encontram estas palavras; tiradas dum salmo: “Mil anos à vista de Deus são como o dia de ontem, que passou...”
O tempo é mesmo uma coisa muito relativa. Relativa e vaga. Às vezes se confunde com o espaço. Por exemplo: “Que distâncias há daqui até ali?” — perguntamos. Respondem-nos: “Duas horas de trem; uma hora de automóvel.” Como se vê, medimos o espaço com o tempo. E vice-versa, pois, referindo-nos a uma palestra que mantemos num trem em movimento, podemos dizer: “Nossa conversa durou três quilômetros.” Não há minutos que nos parecem uma eternidade? E anos que nos parecem rápidos como um dia?
Cem anos são cem dias na História dum povo.
Que se passou nos dez anos que se seguiram à derrota e destruição dos Palmares? Na minha vida, nada. Foi um período cinzento, vazio de fatos interessantes. Na vida do Brasil tivemos a Guerra dos Emboabas e a Guerra dos Mascates. Emboabas era o nome que se dava aos portugueses. Ora, os paulistas, gente da terra, tinham descoberto as famosas minas gerais. Foi uma corrida parecida com a que muitos anos mais tarde se verificaria rumo do ouro da Califórnia. Toda a gente queria enriquecer da noite para o dia. Mas acontece que quem descobria as minas tinham sido os paulistas, que não viam com bons olhos o fato de os emboabas quererem também avançar nelas. A coisa acabou em guerra. Os emboabas levaram a melhor. O Governador Antônio Albuquerque de Carvalho serenou os ânimos e resolveu a questão. Tempos depois o governo tomou uma medida que prejudicava os trabalhadores das minas. Houve uma revolução cujo chefe foi Felipe dos Santos. Chegaram os revoltosos a sonhar com a independência de sua capitania. Mas apareceu por lá um tal Conde de Assumar (eles deviam desconfiar deste nome esquisito), fez umas promessas tentadoras, os revoltosos deixaram-se levar pelas cantigas do conde e acabaram mal. Filipe dos Santos foi condenado a ser atado vivo à cola de um cavalo bravo e arrastado pelas ruas. Seria mau gosto descrever a vocês o que foi esse suplício.
Por isso vamos dar depressa um salto para 1710, ano em que tivemos a Guerra dos Mascates, Mascates eram os portugueses estabelecidos no Recife. A guerra terminou em 1711. Uma rivalidade parecida com a que se verificou entre paulistas e emboabas; acontecia que no caso dos mascates não havia minas era jogo.
Quem olha hoje as claras fronteiras do extremo sul do Brasil, não imagina as lutas que se travaram em fins do século XVIII e princípios do XIX por causa delas. Graças aos paulistas e aos jesuítas o Brasil crescera, espichando-se até os confins do Paraguai e da Bolívia. Começou então a guerra entre portugueses e espanhóis por causa das fronteiras. Os portugueses fundaram a Colônia do Sacramento no extremo sul do Brasil, à margem esquerda do Rio da Prata. José de Garro, governador de Buenos Aires, não gostou da história, assaltou a nova colônia e tomou-a. Veio um tratado e mais tarde Sacramento voltou para os portugueses. Houve alterações na política da Espanha — fatos que não eram absolutamente de nossa conta mas que vieram influir na nossa vida. Surgiu um exército comandado por D. Alonso Valdez e lá se foi a Colônia do Sacramento outra vez para as mãos dos espanhóis.
Alguns anos mais tarde fez-se outro tratado e Sacramento tornou a voltar para o poder dos portugueses. A colônia era como uma peteca que andava dum lado para outro, num jogo que custava muitas vidas e muito dinheiro.
Entre 1710 e 1711 tivemos a amável visita de nada menos de dois corsários franceses, que queriam simplesmente tomar conta do Rio de Janeiro. O primeiro — François Du Clerc, foi mal sucedido. Vencido na guerra, foi depois assassinado misteriosamente, como num romance de Edgar Wallace. O outro — Duguay-Trouin — encontrou um governador fracalhão — Castro Morais - e tomou conta da cidade. Exigiu um resgate de 600 000 cruzeiros, 100 caixas de açúcar e 200 bois. Só foi embora depois que recebeu a última prestação do resgate. A História não conta — e eu não sei — se os bois foram também postos a bordo e levados para a França.
1750 foi o ano em que se procurou traçar claro a linha divisória entre os domínios de Portugal e os de Espanha. Lá veio outro tratado, o de Madrid.
Segundo ele, Portugal era obrigado a entregar a Colônia do Sacramento, recebendo em troca o território dos Sete Povos das Missões. Na hora, porém, em que a comissão encarregada de demarcar as fronteiras estava realizando o seu difícil trabalho, vieram os índios atrapalhar. Dou minha palavra de honra como não estava no meio deles. A questão acabou em briga feia. Em Portugal, o Marquês do Pombal desconfiou de que eram os jesuítas que incitavam os índios a guerrear os demarcadores das fronteiras. Promoveu então a expulsão dos jesuítas das terras de Portugal. Mas isso não matou a questão, é claro.
Rebentaram novas lutas nas bandas do Sul. D. Pedro Zeballos tomou a Colônia do Sacramento, invadiu o Rio Grande do Sul, apossou-se de alguns fortes, como Santa Teresa, São Miguel e o da povoação de São Pedro. A Europa estava em guerra por esse tempo. Os Bourbons, que governavam a França, as Duas Sicílias, Parma e Espanha, uniram-se em aliança contra a Inglaterra. Portugal nesse tempo era aliado da Inglaterra e ainda continua a sê-lo neste ano da graça de 1942. Foi uma razão bem forte para o rompimento das hostilidades entre portugueses e espanhóis no sul do Brasil.
Mas a pombinha da Paz pousou tímida no continente europeu. O tratado de Paris estabelecia que se restituísse tudo quanto se havia tomado como presa de guerra. Zeballos, porém não concordou com a decisão e só devolveu aos portugueses a famosa Colônia, ficando com os territórios ocupados no Rio Grande do Sul, que naquele tempo era conhecido pelo nome de Continente de São Pedro.
Zeballos não queria chegar às boas? Então de novo ia haver barulho. Por esse tempo o Rio de Janeiro foi elevado a Capital do Brasil e o vice-rei, Conde da Cunha, tratou de movimentar o seu exército para reconquistar os territórios perdidos no Sul. Depois duma longa campanha de altos e baixos, avanços e recuos — vence hoje o espanhol, vence amanhã o português — chega a notícia de que se firmara na Europa o Tratado de Santo Ildefonso, determinando, preto no branco, as fronteiras entre os domínios espanhóis e os portugueses. Quem saiu perdendo no negócio foi Portugal. Descontente, recorreu de novo às armas. Aquela gente gostava mesmo de brigar: atirava-se à guerra sem a menor cerimônia. Os espanhóis viram-se obrigados a, de derrota em derrota, recuar até Cerro Largo. Dois rio-grandenses desses de “faca na bota” — Borges do Canto e Santos Pedroso — conquistaram as Missões, que se compunham de sete povos: São Borja, São Nicolau, São Miguel, São Luís Gonzaga, São Lourenço, São João Batista e Santo Ângelo.
Á paz de Badajoz pingou um ponto final a essas guerras. E antes de botar o ponto final a este capítulo, quero repetir que cem anos são cem dias na História de um povo... 39 — POR CAUSA DE UMA DOR DE DENTE
Por causa de uma dor de dente eu me vi envolvido num dos dramas mais sérios e importantes da História do Brasil. Eu conto. Foi lá por fins do século XVIII Os ventos da sorte me tinha empurrado para Minas Gerais e eu me encontrava parado na Vila Rica como um navio que de repente, esquecido do rumo, tivesse estacado em meio do oceano.
Lembro-me bem de que passei uma noite em claro, por causa dum dente que me doía horrivelmente. A verdade era que nos meus tempos de índio livre eu não sentia nada na dentadura, apesar de lhe dar sempre um serviço duro e perigoso.
Vi clarear o dia. O meu desespero aumentou. Na rua mal tive voz para perguntar ao primeiro homem que encontrei:
— Moço, onde é que eu encontro um dentista?
Resposta:
— Vá à casa do Alferes Joaquim José.
Julguei que ele estava troçando e fiquei vermelho de raiva.
— Sou índio mas não sou burro. Onde se viu um alferes tirar dentes?
Disse isto e fiquei com vontade de brigar.
— Bom homem, não se zangue. Joaquim José da Silva Xavier é alferes dos dragões, mas nas horas vagas faz de dentista. Deram-lhe até o apelido de Tiradentes. É um sujeito muito habilidoso. Vá e não ficará arrependido.
Deu-me o endereço do alferes dentista Fui.
Encontrei um homem impressionante. Olhos escuros, brilhantes, cabelos pretos. O rosto pálido tinha um ar de decisão e de coragem. Dentro de um minuto eu estava na cadeira do Tiradentes. Enquanto preparava os ferros ele ia fazendo perguntas.
— Como se chama?
— Tibicuera.
— Descendente de índio?
— Não. Índio puro.
— Ah! Abra a boca e tenha coragem.
Vinte segundos depois Tiradentes me mostrava na ponta de um ferro o meu dente cariado. A dor foi aguda e forte, mas eu a suportei sem gemer.
— Agora faça bochechos com isto.
Deu-me um copo com água salgada. E enquanto eu bochechava, o dentista me fazia novas perguntas sobre minha vida. De repente parou diante de mim e disse:
— O Brasil também está com dor de dentes.
Olhei para ele espantado. Meus olhos perguntaram:
— Como?
— O dente que dói, o dente que é preciso tirar são os portugueses. Devemos mandá-los embora para sua terra e tomar conta deste grande país para nós, brasileiros.
Eu estava espantado. Esqueci o dente e fiz uma série de perguntas. Não me passara nunca pela cabeça a ideia de que fosse possível fazer o que Tiradentes queria.
— Mas os portugueses concordam em ir embora? — perguntei.
O alferes soltou uma risada.
— Havemos de vencê-los pelas armas. Faremos uma revolução! De repente se calou, ficou sombrio, como que arrependido de ter falado tanto na frente dum desconhecido.
Levantei-me.
— Quanto custa? — indaguei.
— Não custa nada.
— Mas eu quero pagar.
— Então me pague da seguinte forma: pense no que lhe disse, procure amar o Brasil, desejar-lhe a liberdade, fazer dele uma nação independente, grande...
À medida que falava, Tiradentes ia se exaltando de tal forma que por fim já havia lágrimas em seus olhos. Disse-me que os brasileiros viviam esmagados pelos impostos. O governo em breve ia fazer a cobrança de impostos atrasados. Vila Rica não progredia, era até chamada Vila Pobre. Outros países já se tinham livrado de seus opressores. Os Estados Unidos da América do Norte, por exemplo, haviam proclamado sua independência, separando-se da Inglaterra. Era um povo novo como o nosso. Por que não podíamos nós também ser uma nação independente?
Fui-me da casa daquele homem levando um peso na alma. O Brasil podia ser livre! Esta ideia não me deixou o resto daquele dia, fez parte de meus sonhos daquela noite. Ao amanhecer um novo dia, fui procurar Tiradentes. Contei-lhe que era só no mundo e não tinha planos. Eu queria me entregar a ele. Seria um amigo seu, disposto a tudo. Eu não tinha influência política nem dinheiro; mas sabia brigar, podia repetir sem erro um recado e conhecia os caminhos do litoral.
Para encurtar o caso: fiquei com Tiradentes.
O alferes não descansava. Fazia propaganda da sua ideia Conseguia novos soldados para a revolução. Havia gente de posição metido na conspiração. Mas eu não sei que pressentimento me estava dizendo que aquilo tudo ia acabar mal. 40 — A CONSPIRAÇÃO
Uma noite os conspiradores se reuniram na casa de Tiradentes. Tive o prazer de lhes fazer um bom café. Enquanto eles discutiam, fiquei junto da porta, indo de quando em quando passeei pelo corredor e espiar pela fresta da janela, a ver se se aproximava algum vulto suspeito. As pessoas que lá estavam eram Joaquim José da Silva Xavier, o meu querido chefe; Alvarenga Peixoto, o Ten. Cel. Francisco de Paula Freire de Andrade, José Álvares Maciel, o Pe. Carlos Correia de Toledo e Melo, o Cel. Domingos de Abreu... e não me lembro mais de nenhum nome.
O plano era simples. Quando o governo fizesse a cobrança dos impostos — a derrama — explodiria o movimento. A senha era esta: “Hoje faço o meu batizado”.
O povo se revoltava, conseguia a adesão dos dragões, que seriam influenciados por Tiradentes e pelo seu comandante Paula Freire de Andrada. Prenderiam as autoridades portuguesas. Libertariam os escravos. Instalariam muitas fábricas importantes — todas as fábricas que um decreto recente de Portugal proibira de funcionar no Brasil. E a nova nação teria uma bandeira com este dístico: Libertas quae será támen. Quando os inconfidentes falaram nisto, não gostei. Eu não entendia. Fiquei sabendo depois que era uma frase latina do poeta Virgílio. Queria dizer: “Liberdade ainda que tarde”.
O Pe. Toledo junto com Alvarenga Peixoto conseguiu convencer o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga e o Dr. Cláudio Manuel da Costa a aderirem ao movimento. Gonzaga era poeta. Estava apaixonado por uma moça chamada Dorotéia. Fazia versos em que lhe dava o nome de Marília. Sempre impliquei com esse costume que os poetas têm de não darem o nome verdadeiro às coisas. Mas eu gostava de Gonzaga, que era um homem melancólico, de ar sonhador. Muita vez levei recados seus à noiva. Foi um romance bonito mas que não teve aquele final dos romances antigos: “Casaram-se e foram muito felizes.”
A ideia marchava. Tiradentes resolveu ir até o Rio a serviço da revolução. Acompanhei-o montado num burro emprestado. Foi uma viagem dura. Chegamos à Capital do Brasil e uma tarde percebi que estávamos sendo seguidos. Disse de minhas desconfianças a Tiradentes. Ele sorriu e troçou:
— Tibicuera está vendo fantasmas...
Mas eu sentia a nosso redor a sombra dos espiões. Passei a andar inquieto e de olho alerta.
Tiradentes parava na casa de um amigo na Rua dos Latoeiros, que hoje se chama Gonçalves Dias. Um dia ouvimos barulho de passos na rua. Devia ser uma patrulha, a julgar pela cadência das batidas no calçamento. O dono da casa foi à janela e empalideceu. Voltou-se para o hóspede e não teve voz para lhe dizer que a casa estava cercada. Tiradentes compreendeu tudo num relance.
Gritou:
— Foge, Tibicuera!
E precipitou-se para a porta dos fundos. Era tarde. Prenderam-no cinco soldados. Mais dois caminhavam para mim. Dei um salto de tigre e desandei a correr pelo corredor... Derrubei o primeiro homem que encontrei pela frente. Saltei pela primeira janela aberta. Cai numa pequena área. Um muro na minha frente. Escalei-o com a agilidade de um... de um homem perseguido. Poucos segundos depois eu entrava na varanda de uma casa desconhecida onde duas mulheres se puseram a gritar. Ganhei o pátio dessa casa, saltei por cima de novo muro e me vi noutra rua. Comecei a andar com naturalidade. Caminhei durante meia hora. Estava fora de perigo. Mas um pensamento tomara conta de mim: Era preciso avisar os inconfidentes de Vila Rica. Com as economias que tinha, comprei um burro e me pus a caminho. Quando, dias depois, cheguei a Vila Rica foi para saber que todos os inconfidentes estavam presos. Fonte: Érico Veríssimo. As aventuras de Tibicuera, que são também do Brasil. (Texto revisto conforme Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa em vigor em 2009). Porto Alegre: Edição da Livraria do Globo, 1937.
Há muitos anos, em uma terra distante, viviam um mercador e suas três filhas . A mais jovem era a mais linda e carinhosa, por isso era chamada de “BELA”.
Um dia, o pai teve de viajar para longe a negócios. Reuniu as suas filhas e disse:
— Não ficarei fora por muito tempo. Quando voltar trarei presentes. O que vocês querem?
As irmãs de Bela pediram presentes caros, enquanto ela permanecia quieta. O pai se voltou para ela, dizendo:
— E você, Bela, o que quer ganhar?
— Quero uma rosa, querido pai, porque neste país elas não crescem, respondeu Bela, abraçando-o forte.
O homem partiu, conclui os seus negócios, pôs-se na estrada para a volta. Tanta era a vontade de abraçar as filhas, que viajou por muito tempo sem descansar. Estava muito cansado e faminto, quando, a pouca distância de casa, foi surpreendido, em uma mata, por furiosa tempestade, que lhe fez perder o caminho. Desesperado, começou a vagar em busca de uma pousada, quando, de repente, descobriu ao longe uma luz fraca.
Com as forças que lhe restavam dirigiu-se para aquela última esperança. Chegou a um magnífico palácio, o qual tinha o portão aberto e acolhedor. Bateu várias vezes, mas sem resposta. Então, decidiu entrar para esquentar-se e esperar os donos da casa. O interior, realmente, era suntuoso, ricamente iluminado e mobiliado de maneira esquisita.
O velho mercador ficou defronte da lareira para enxugar-se e percebeu que havia uma mesa para uma pessoa, com comida quente e vinho delicioso. Extenuado, sentou-se e começou a devorar tudo. Atraído depois pela luz que saía de um quarto vizinho, foi para lá, encontrou uma grande sala com uma cama acolhedora, onde o homem se esticou, adormecendo logo.
De manhã, acordando, encontrou vestimentas limpas e uma refeição muito farta. Repousado e satisfeito, o pai de Bela saiu do palácio, perguntando-se espantado por que não havia encontrado nenhuma pessoa. Perto do portão viu uma roseira com lindíssimas rosas e se lembrou da promessa feita a Bela. Parou e colheu a mais perfumada flor.
Ouviu, então, atrás de si um rugido pavoroso e, voltando-se, viu um ser monstruoso que disse:
— É assim que pagas a minha hospitalidade, roubando as minhas rosas? Para castigar-te, sou obrigado a matar-te!
O mercador jogou-se de joelhos, suplicando-lhe para ao menos deixá-lo ir abraçar pela última vez as filhas.
A fera lhe propôs, então, uma troca: dentro de uma semana devia voltar ou ele ou uma de suas filhas em seu lugar. Apavorado e infeliz, o homem retornou para casa, jogando-se aos pés das filhas e perguntando-lhes o que devia fazer. Bela aproximou-se dele e lhe disse:
— Foi por minha causa que incorreste na ira do monstro. É justo que eu vá…
De nada valeram os protestos do pai, Bela estava decidida. Passados os sete dias, partiu para o misterioso destino. Chegada à morada do monstro, encontrou tudo como lhe havia descrito o pai e também não conseguiu encontrar alma viva. Pôs-se então a visitar o palácio e, qual não foi a sua surpresa, quando, chegando a uma extraordinária porta, leu ali a inscrição com caracteres dourados: “Apartamento de Bela”. Entrou e se encontrou em uma grande ala do palácio, luminosa e esplêndida. Das janelas tinha uma encantadora vista do jardim.
Na hora do almoço, sentiu bater e se aproximou temerosa da porta. Abriu-a com cautela e se encontrou ante de Fera. Amedrontada, retornou e fugiu através da salas. Alcançada a última, percebeu que fora seguida pelo monstro. Sentiu-se perdida e já ia implorar piedade ao terrível ser, quando este, com um grunhido gentil e suplicante lhe disse
: — Sei que tenho um aspecto horrível e me desculpo ; mas não sou mau e espero que a minha companhia, um dia, possa ser-te agradável. Para o momento, queria pedir-te, se podes, honrar-me com tua presença no jantar.
Ainda apavorada, mas um pouco menos temerosa, bela consentiu e ao fim da tarde compreendeu que a fera não era assim malvada. Passaram juntos muitas semanas e Bela cada dia se sentia afeiçoada àquele estranho ser, que sabia revelar-se muito gentil, culto e educado.
Uma tarde, a Fera levou Bela à parte e, timidamente, lhe disse:
— Desde quando estás aqui a minha vida mudou. Descobri que me apaixonei por ti. Bela, queres casar-te comigo?
A moça, pega de surpresa, não soube o que responder e, para ganhar tempo, disse:
— Para tomar uma decisão tão importante, quero pedir conselhos a meu pai que não vejo há muito tempo!
A Fera pensou um pouco, mas tanto era o amor que tinha por ela que, ao final, a deixou ir, fazendo-se prometer que após sete dias voltaria. Quando o pai viu Bela voltar, não acreditou nos próprios olhos, pois a imaginava já devorada pelo monstro. Pulou-lhe ao pescoço e a cobriu de beijos. Depois começaram a contar-se tudo que acontecera e os dias passaram tão velozes que Bela não percebeu que já haviam transcorridos bem mais de sete.
Uma noite, em sonhos, pensou ver a Fera morta perto da roseira. Lembrou-se da promessa e correu desesperadamente ao palácio. Perto da roseira encontrou a Fera que morria. Então, Bela a abraçou forte, dizendo:
— Oh! Eu te suplico: não morras! Acreditava ter por ti só uma grande estima, mas como sofro, percebo que te amo.
Com aquelas palavras a Fera abriu os olhos e soltou um sorriso radioso e diante de grande espanto de Bela começou a transformar-se em um esplêndido jovem, o qual a olhou comovido e disse:
— Um malvado encantamento me havia preso naquele corpo monstruoso. Somente fazendo uma moça apaixonar-se podia vencê-lo e tu és a escolhida. Queres casar-te comigo agora? Bela não fez repetir o pedido e a partir de então viveram felizes e apaixonados.
Ontem vi um negro refestelado dentro dum automóvel. Estava bem vestido e fumava charuto. Contaram-me que é formado em Medicina. Fiquei fazendo reflexão otimista. Enfim neste bom Brasil velho não há ódios de raça e é possível a um homem de cor conseguir posição na sociedade e na política. Os negros afinal de contas são criaturas humanas como os brancos, os amarelos e os vermelhos. E eu até acho que se qualquer um de nós fosse morar na África, permanecendo todo o dia exposto àquele sol, sem qualquer defesa, no fim de alguns anos ficaria pretinho da silva.
Esta conversa vem a propósito da escravatura que por tantos anos existiu no Brasil e em outros países. E a escravatura se relaciona com a grande aventura que há pouco prometi narrar. Logo que tomaram conta do Brasil, os portugueses verificaram que não podiam contar com o índio para os trabalhos da lavoura. O indígena era andejo, não se sujeitava a ficar de sol a sol lavrando a terra. (Eu tenho sangue de índio nas veias, gosto do sol, do ar livre e das viagens; sinto-me mal dentro de quatro paredes.) Mas, como eu dizia, o índio não se sujeitava ao trabalho da lavoura. Era preciso resolver o problema. Então os portugueses pensaram em trazer negros da África e vendê-los no Brasil como escravos, experimentando-os como lavradores.
Entre as próprias tribos africanas se cultivava a escravatura. Os traficantes portugueses compravam escravos em África ou simplesmente os caçavam vivos sem pagar nada a ninguém. Os principais viveiros desse gado humano eram Moçambique, Angola, Guiné e Costa da Mina. Os pobres-diabos eram marcados a ferro em brasa, bem como se faz nas fazendas com cavalos, bois, vacas, etc..., e depois metidos nos sujos e escuros porões dos navios, onde ficavam amontoados numa mistura pavorosa. Mal alimentados, judiados, sem ar e sem luz, essa pobre carga humana, sacudida quase sempre por grandes tempestades, chegava após longos dias de sofrimento às costas do Brasil, onde era vendida. Iam os negros para as lavouras. Eram surrados quando cometiam qualquer falta. Havia senhores de escravos que surravam só pelo prazer de ver o sofrimento dos africanos. Outros, entretanto, tinham bom coração e chegavam a libertar seus escravos, dando-lhes uma vida mais ou menos decente. As vezes, cansados de sofrer, cheios de saudades da África, os pretos fugiam, ganhavam o mato. O fim dos fugitivos quase sempre era triste. Ou caíam nas garras das feras ou eram de novo capturados, sofrendo castigos cruéis. 34 - TIBICUERA ESCRAVO!
Aproveitando talvez a confusão das últimas guerras contra os holandeses, os negros fugiam e se iam reunindo em aldeias fortificadas chamadas quilombos, Havia desde o Rio São Francisco até os sertões de Pernambuco vários quilombos. Pouco a pouco os pretos se armavam, organizavam seu exército, reforçavam suas fortificações e se dispunham a não voltar para a canga: preferiam morrer lutando com as armas na mão.
Bom. Lá pelo ano de 1677, se não me falha a memória, eu andava caminhando escoteiro pelo mato, contente com aquela vida despreocupada de aventura, quando um capitão de mato cujo nome não guardei, me prendeu. Andava ele à procura de negros fugidos e trazia consigo dez homens armados. Amarraram-me as mãos fortemente às costas. Protestei, frenético, contra aquela prisão. Eu não era um escravo, não, senhores! Era um índio livre como o vento. Tinha serviços prestados ao País.
Como resposta, o capitão de mato me chicoteou o rosto. Quase estourei de ódio. Não adiantava gritar ou espernear. Segui em silêncio, com o rosto ardendo. Lembrei-me de Anchieta e duma bela história que ele me contou uma noite em Piratininga. Cristo mandava oferecer a face esquerda a quem nos tivesse batido na direita... Eu era ainda muito bronco, selvagem e fogoso para compreender o espírito da lição.
Chegamos a um engenho. Mandaram-me para a lavoura. Desde o nascer do sol até o piscar das primeiras estrelas eu ficava trabalhando num canavial. Os outros trabalhadores eram negros. Passavam o dia cantando cantigas tristes nascidas nas terras misteriosas da África. Aprendi muitas delas. Fiz inúmeras amizades. Havia um negro retinto, muito lustroso e de músculos fortes. Se ele tivesse nascido neste nosso século XX seria na certa um campeão de catch-as-catch-can, esse esporte pavoroso de pavorosa brutalidade que se justificaria no tempo do homem das cavernas mas que está fora de lugar na época do rádio e da televisão. Pois esse preto, que trabalhava quase sempre a meu lado, tinha o apelido de Rapadura. Era uma alma boa. Sabia lindas histórias. Uma noite, no leito, Rapadura me cochichou no ouvido:
— Tibicuera, precisamos fugir.
Arregalei os olhos.
— Fugir para onde?
— Para o quilombo dos Palmares. Lá somos livres. Zumbi é grande e valente. 35 — A FUGA
Combinamos o plano de fuga. Numa noite sem lua prendemos fogo nas palhas de um galpão e demos o alarme. Estávamos presos ao chão por pesadas correntes. O feitor apareceu e mandou que nos libertassem, a fim de que ajudássemos os empregados brancos a apagar o fogo que ameaçava destruir também a casa-grande.
O galpão era uma enorme fogueira, cujas línguas cor de fogo (naturalmente...) subiam para o céu, como se quisessem também incendiá-lo. Havia uma confusão tremenda. Mulheres saindo de casa aos gritos. O feitor berrando ordens. Os negros dum lado para outro, carregando baldes d’água.
Parece que só de madrugada é que conseguiram dominar o fogo. Quando tudo se acalmou de novo, fizeram a chamada dos escravos. Deram então pela falta de Tibicuera e Rapadura. Àquela hora nós já estávamos longe. Caminhamos, caminhamos, caminhamos... Passamos por mil perigos e por mil sustos. Eu estava resolvido a não tornar a cair vivo nas mãos daquela gente do engenho.
Já estávamos principiando a nos entregar ao desânimo, quando avistamos uma patrulha. Nossos corações bateram apressadamente. Sentimos um alívio quando vimos que a patrulha era formada de pretos. Fizemos sinais de paz. Eles se aproximaram de nós. Era gente dos Palmares. Poucas horas depois estávamos junto de Zumbi, o grande chefe, fazendo nosso juramento de fidelidade.
Se Rapadura era um homem agigantado, o Zumbi era um gigante completo. Tinha uma voz profunda, um ar autoritário. Senti-me pequeno perto dele. 36 — OS PALMARES
O quilombo dos Palmares era formado por vários núcleos. Passei entre os pretos daqueles aldeamentos alguns anos bem felizes. Havia ali muita ordem e muita paz. Eu gostava de ver as danças, as cantigas, as festas dos quilombolas. Eles se enfarpelavam da maneira mais curiosa, pintavam-se de jeito muito engraçado, de sorte que era um espetáculo divertido vê-los em dia de festa.
Às vezes, certas noites, eu ficava de papo para o ar, olhando para as estrelas, pensando na vida e ouvindo a cantiga arrastada, preguiçosa e tristonha dos filhos da África. Quando eles paravam, ficava só o cochicho do vento que contava segredos de outros mundos às palmeiras.
Quantos anos fiquei nos Palmares? Não me lembro com certeza. Só sei que quando eu começava a ficar nervoso por estar parado tanto tempo no mesmo lugar, lá surgia um exército de brancos para nos atacar. Travavam-se combates tremendos. Nós estávamos fortes e éramos ao todo trinta mil homens e mulheres unidos para a vida e para a morte. O governo achava que a existência dos quilombos constituía um perigo para a nação. Atirou contra nós várias expedições. Desanimados de nos vencerem pelas armas, mandaram os brancos um emissário com propostas de paz. Chegou-se a fazer um tratado. Ora, hoje neste mundo civilizado (vejam a Europa) não se respeitam os tratados. É natural que o nosso tratado de 1678 não durasse muito. Em breve estava de novo acesa a guerra. Nova expedição para nos combater. Ainda dessa vez a vitória foi dos negros.
Percebi que o Zumbi andava inquieto, apesar das vitórias. Uma noite vi-o passar pensativo, olhar o céu e meter-se na sua choça.
Fonte: Érico Veríssimo. As aventuras de Tibicuera, que são também do Brasil. (Texto revisto conforme Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa em vigor em 2009). Porto Alegre: Edição da Livraria do Globo, 1937.