sábado, 16 de julho de 2016

Virgínia Woolf (Retrato de uma Londrina)

Ninguém pode se considerar expert sobre Londres se não conhecer um verdadeiro cockney; se não dobrar numa rua lateral, longe das lojas e dos teatros, e bater em uma porta particular numa rua de casas particulares.

Casas particulares em Londres têm tendência a serem muito parecidas. A porta se abre para um vestíbulo escuro, ergue-se uma escada estreita. Do patamar superior abre-se uma dupla sala de estar e nessa dupla sala de estar vê-se dois sofás, um de cada lado de um fogo crepitante, seis poltronas e três compridas janelas dando para a rua. Sempre é matéria de considerável conjectura o que acontece na segunda metade da sala dos fundos debruçando-se para os jardins de outras casas. Mas é com a sala de estar da frente que estamos preocupados, pois era ali que mrs. Crowe sentava-se sempre numa poltrona junto ao fogo, era ali que sua existência transcorria, era ali que ela servia o chá.

Que tenha nascido no campo, embora estranho, parece ser um fato, que ela às vezes deixasse a cidade, naquelas semanas de verão em que Londres não é Londres, também é verdade. Mas para onde ia ou o que fazia quando saía de Londres, quando sua poltrona estava vazia, sua lareira apagada e a mesa desfeita, ninguém sabia ou podia imaginar. Pois conceber mrs. Crowe com seu vestido preto, seu véu e seu chapéu caminhando num campo de nabos ou subindo um monte de pasto está além da mais desvairada imaginação.

Ali, junto à lareira no inverno ou à janela no verão, sentara-se ela por 60 anos — mas não sozinha. Havia sempre alguém na poltrona oposta, fazendo uma visita. E antes que o primeiro visitante estivesse sentado por dez minutos, a porta sempre se abria e a criada Maria, de olhos e dentes proeminentes, que por 60 anos abrira a porta, abria-a mais uma vez e anunciava um segundo visitante, e a seguir um terceiro, e logo depois um quarto.

Nunca se soube de um tête-à-tête com mrs. Crowe. Ela não gostava de tête-à-têtes. Era uma peculiaridade que compartilhava com muitas anfitriãs, a de nunca ser especialmente íntima de alguém. Por exemplo, havia sempre um homem idoso no canto junto ao armário, e que parecia tanto fazer parte daquela admirável mobília do século XVIII quanto seus pegadores de bronze. Mas mrs. Crowe sempre se dirigia a ele como mr. Graham, nunca John, nunca William, embora, às vezes, o chamasse de “caro mr. Graham” como para sublinhar que já o conhecia havia 60 anos.

A verdade é que não desejava intimidade, desejava conversa. A intimidade é um dos caminhos para o silêncio, e mrs. Crowe abominava o silêncio. Era preciso haver conversa, e que esta fosse geral e que abarcasse tudo. Não devia ser profunda demais nem inteligente demais, pois se progredisse muito nessas direções alguém certamente se sentiria de fora, e ficaria sentado ali, balançando a xícara de chá, sem dizer nada.

Portanto, a sala de estar de mrs. Crowe tinha pouco em comum com os celebrados salões dos memorialistas. Gente inteligente ia lá com freqüência — juízes, médicos, membros do parlamento, escritores, músicos, viajantes, jogadores de pólo, atores e completos anônimos —, mas se alguém dissesse uma coisa brilhante isto era sentido quase como uma gafe, um acidente que se ignorava, como um acesso de espirros ou alguma catástrofe com um bolinho. A conversa de que mrs. Crowe gostava e que a inspirava era uma versão glorificada do mexerico da cidade. A cidade era Londres, e o mexerico era sobre a vida de Londres. Mas o grande dom de mrs. Crowe consistia em tornar a grande metrópole tão pequena quanto uma aldeia, com uma igreja, um solar e 25 chalés. Mrs. Crowe tinha informação de primeira mão sobre cada peça, cada exposição de pintura, cada julgamento, cada caso de divórcio. Ela sabia quem estava casando, quem estava morrendo, quem estava na cidade e quem estava fora. Ela mencionava o fato de que acabara de ver o carro de lady Umphleby passar, e arriscava o palpite de que ia visitar a filha cujo bebê nascera na noite anterior, exatamente como uma mulher da aldeia fala sobre a esposa do juiz de paz dirigindo até a estação para receber mr. John, que estaria voltando da cidade.

E enquanto mrs. Crowe fazia essas observações pelos últimos 50 anos ou algo assim, adquiria um surpreendente arquivo sobre a vida de outras pessoas. Quando mr. Smedley, por exemplo, disse que sua filha estava noiva de Arthur Beecham, mrs. Crowe observou imediatamente que nesse caso ela seria uma prima em terceiro grau de mrs. Pirebrace, e num certo sentido sobrinha de mrs. Burns, pelo primeiro casamento com mr. Minchin de Blackwater Grange. Mas mrs. Crowe não era nem um pouco esnobe. Era apenas uma cultivadora de relações, e sua surpreendente habilidade nesse campo servia para dar um caráter familiar e uma personalidade doméstica às suas colheitas, pois muitas pessoas se espantariam de serem primos em vigésimo grau, se soubessem disso.

Portanto, ser admitido na casa de mrs. Crowe significava tornar-se membro de um clube, e o pagamento exigido era a contribuição com um número de tópicos de mexerico por ano. O primeiro pensamento de muita gente quando a casa incendiava ou os canos rebentavam ou a criada fugia com o mordomo deve ter sido: “Vou correr até mrs. Crowe e lhe contar isso.” Mas nisso também as distinções precisavam ser observadas. Certas pessoas tinham o direito de aparecer na hora do almoço, outras, em maior número, podiam ir entre cinco e sete horas. A classe que tinha o privilégio de jantar com mrs. Crowe era pequena. Talvez somente mr. Graham e mrs. Burke realmente jantassem com ela, pois mrs. Crowe não era rica. Seu vestido preto estava um tantinho gasto, seu broche de diamante era sempre o mesmo broche de diamante. Sua refeição favorita era chá, porque a mesa do chá pode ser suprida economicamente, e há uma elasticidade no chá que combinava com o temperamento gregário de mrs. Crowe. Mas fosse almoço ou chá, a refeição mostrava um caráter distinto, exatamente como um vestido ou a joia que usava combinavam com ela à perfeição, traziam em si uma moda própria. Haveria um bolo especial, um pudim especial, algo peculiar à casa e tanto parte dela quanto Maria, a velha criada, ou mr. Graham, o velho amigo, ou o velho chintz da poltrona, ou o velho carpete no assoalho.

É verdade que mrs. Crowe deve ter saído algumas vezes, convidada para almoços e chás de outras pessoas. Mas em sociedade ela parecia furtiva, fragmentária e incompleta, como se tivesse meramente passado para uma espiada no casamento ou na reunião noturna ou no funeral, a fim de recolher as migalhas de notícias de que precisava para completar seu próprio estoque. Por isso, era raramente induzida a sentar-se, estava sempre voando. Parecia deslocada entre as mesas e cadeiras dos outros, precisava ter seus próprios chintzes, seu próprio armário e seu próprio mr. Graham junto a ele a fim de ser completamente ela própria. À medida que os anos foram passando, as pequenas incursões no mundo exterior praticamente cessaram. 

Mrs. Crowe construiu seu ninho de modo tão compacto e completo que o mundo exterior não tinha uma pena ou um graveto a lhe acrescentar. Além disso, seus próprios camaradas lhe eram tão fiéis que podia confiar neles para transmitir qualquer noticiazinha que ela devesse acrescentar à sua coleção. Era desnecessário que abandonasse a própria poltrona junto ao fogo no inverno, ou junto à janela no verão. E com a passagem dos anos seu conhecimento não se tornou mais profundo — a profundidade não era a linha de nossa anfitriã — e sim mais redondo e completo. Deste modo, se uma nova peça fazia um grande sucesso, mrs. Crowe conseguia no dia seguinte não só registrar o fato com uma pitada de mexerico divertido dos bastidores, como também podia remeter-se a outras estreias, nos anos 1880, 1890, e descrever o que Ellen Terry usara, o que Duse tinha feito, o que o querido mr. Henry James comentara — nada muito notável talvez, mas enquanto falava, era como se todas as páginas da vida de Londres nos últimos 50 anos fossem levemente folheadas para sua diversão. Havia muitas, e suas ilustrações eram vivas e brilhantes, e de pessoas famosas, mas mrs. Crowe de modo nenhum vivia no passado, de modo nenhum o exaltava acima do presente.

Na verdade, era sempre a última página, o momento presente que mais importava. O delicioso de Londres era que sempre dava ao indivíduo algo novo para observar, algo fresco sobre o que falar. Era preciso apenas manter os olhos abertos e sentar em sua própria poltrona das cinco às sete horas todos os dias da semana. Enquanto mrs. Crowe sentava-se com os convidados em torno de si, dava de tempos em tempos uma rápida olhadela de pássaro por sobre o ombro para a janela, como se tivesse meio olho na rua, meio ouvido para os carros e ônibus e os gritos dos jornaleiros lá fora. Ora, algo novo podia estar acontecendo naquele mesmo instante. Não se podia passar tempo demais no passado: não se devia dar uma atenção total ao presente.

Nada era mais característico e talvez um pouco desconcertante do que a ansiedade com a qual mrs. Crowe erguia os olhos e interrompia a frase no meio quando a porta sempre se abria e Maria, que se tornara muito corpulenta e um pouco surda, anunciava uma nova visita. Quem estaria prestes a entrar? O que teria a acrescenta à conversa? Mas sua habilidade em extrair fosse o que fosse que poderiam oferecer e sua destreza em atirar a notícia no cotidiano, eram tais que nenhum dano ocorria, e fazia parte de seu peculiar triunfo que a porta jamais se abrisse com demasiada frequência, o círculo nunca ultrapassava sua possibilidade de controle.

Assim, para conhecer Londres não apenas como um espetáculo deslumbrante, um mercado, uma corte, uma colmeia de indústria, mas como um lugar onde pessoas se encontram, conversam, riem, casam-se e morrem, pintam, escrevem e atuam, mandam e legislam, era essencial conhecer mrs. Crowe. Era em sua sala de estar que os inúmeros fragmentos da vasta metrópole pareciam juntar-se num todo animado, compreensível, divertido e agradável. Viajantes ausentes por anos, homens esgotados e ressecados pelo sol, recém-chegados da Índia ou da África, de remotas viagens e aventuras entre selvagens e tigres, iam direto para a casinha na rua quieta para serem conduzidos novamente ao coração da civilização numa única pernada. Mas nem a própria Londres podia manter mrs. Crowe viva para sempre. E é fato que um dia ela já não estava sentada na poltrona junto ao fogo quando o relógio bateu cinco horas. Maria não abriu a porta, mr. Graham separara-se do armário. Mrs. Crowe está morta, e Londres, embora Londres ainda exista, jamais será de novo a mesma cidade.

sexta-feira, 15 de julho de 2016

Amilton Maciel Monteiro (Poemas Escolhidos)


METAMORFOSE

Já não suporto mais essa antipática
fatoração de xis e de mais xis...
Já foi o tempo em que a tal Matemática
roubou-me as horas e me faz feliz!

Agora, só frequento a aula prática
que o Mestre Amor me dá, sem quadro ou giz, 
sem contas, sem cadernos, nem didática, 
e a horrível extração de uma raiz...

Há plena liberdade no ambiente 
de minha encantadora nova escola, 
onde só dois alunos dão “presente”:

Um, que sou eu, não muito exemplar, 
e outro é ela, e quem me passa a cola, 
pois que, em amor, é muito bom colar!
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SONHEI DE NOVO

Sonhei de novo com você, amor;
e agora o sonho foi mais belo ainda:
você dava seus beijos numa flor
e ela ficava cada vez mais linda!

A tudo eu espreitava com ardor
e fascinado na minha berlinda;
pedia então aos céus que, por favor,
aquela cena se tornasse infinda...

Que santa inveja, ó Deus, ali sentia
da flor que recebia os beijos seus,
pois os seus beijos são os sonhos meus...

Por isto, quando nesta vida, um dia,
um beijo seu por sorte eu receber,
com a emoção, receio, eu vou morrer!
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PRESENTE DE DEUS 

Pouco me importa que ela seja torta, 
ereta ou encurvada, qual espinha; 
quer seja muito esguia, ou até baixinha, 
mas seu conjunto todo é o que me importa!

Quer nasça na floresta ou na pracinha, 
no fundo de um quintal ou mesmo em horta, 
mas que ela cresça! E nunca seja morta 
só por maldade ou cupidez mesquinha!

Com flor e fruto ou mesmo só folhagem, 
para compor o verde da paisagem, 
construindo um abrigo para as aves!

A árvore tem por si tanta beleza, 
em seus diversos tons fortes e suaves,
que é um presente de Deus à Natureza!
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ESTRO DO AMOR

A rotina do campo me faz bem, 
mas a muitos, bem sei, que até faz mal;
é que eu prefiro a calma e outros, porém, 
escolhem se esbaldar em carnaval... 

Tenho a rede que aguenta o bom vai, vem
sonolento na sombra do beiral; 
nela fico um tempão... Não há ninguém
em casa para um papo cordial...

Passam por mim os pássaros em bando, 
brancas nuvens que mudam de lugar
com lentos urubus sobrevoando...

E nesse ramerrão, não busco a lida, 
tal um jeca-tatu, sempre a esperar...
que o estro do amor me traga para a vida!
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ADEUS À CASA PATERNA

Em casa, não se via a minha mãe chorar
perante os filhos seus, em circunstância alguma, 
por mais que ela enfrentasse o que esta vida arruma
para ferir os bons, buscando aprimorar...

Assim, cravou profundamente, igual verruma, 
meu jovem coração, que quase quis parar, 
aquela solitária vez que vi rolar,
dos olhos de mamãe, gotinhas, uma a uma... 

Seu pranto foi sereno, mas tão expressivo
que a mim mil coisas disse, no silente instante; 
lições que eu conservei por esta vida afora...

Que me ensinaram ser varão, mas afetivo
e me fizeram ver quanto é feliz bastante
levar o amor dos pais quando se vai embora!
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CASA DOS POETAS

Visito sempre a casa dos poetas, 
Pois lá me sinto bem a qualquer hora; 
É onde eu sempre encontro as mais seletas
Poesias de levar tristeza embora...

Na sala principal estão completas 
As obras de imortais e os de agora... 
Há versos mil de amor, canções diletas
A um coração que de saudade chora...

Um corredor de trovas me conduz
Às redondilhas numa sala enorme, 
Com muito belas odes e poemetos...

A tudo leio e tudo me traz luz 
Para eu fugir das mágoas, bem conforme
Às lições que eu aprendo nos sonetos!
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COMO EU QUISERA! 

Meus versos são retratos de minha alma, 
traçados à mão livre e sem esmero; 
e querem refletir o desespero 
de quem, sem o seu bem, procura calma...

Resultam, raras vezes, do exagero 
de fantasias que em meu peito ensalma, 
penalizadas por saber do trauma 
que vivencio após cada entrevero...

Que só fossem de amor... Como eu quisera!
Que cantassem apenas primavera, 
sem ter inverno, dores e tristezas...

Mas nada disso existe nesta vida!
nós temos que enfrentar as incertezas, 
se almejarmos a Terra Prometida!
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BOSQUE DA POESIA 

Eu vou passear no bosque da poesia;
quem quiser vir comigo, tem carona... 
Desejo me nutrir na boemia 
do universo que cria, e jamais clona...

Lá o gorjeio das aves arrepia
a nossa pele! E a gente se emociona
ao ouvir a cigarra, em nostalgia, 
soltar seu canto triste que impressiona!

E em meio do arvoredo é certo achar
flores e frutos doces como o mel
e borboletas lindas a bailar...

Quem ama planta versos em semente
e brotos de soneto, ou de um rondel, 
para que o bosque viva eternamente!
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CARTA DE AMOR  

Amor, eu felizmente estou bem de saúde. 
Só o que me estraga aqui é a louca da saudade...
Incrível nostalgia esmaga sem piedade
meu coração dorido, embora sem virtude. 

Mas a esperança é grande como a eternidade!
Você agora vindo, eu sei que meu ser rude
melhorará bastante, o tanto que não pude
fazer tão só e só com força de vontade. 

Daqui a poucos dias as horas serão calmas 
e nunca mais aflitas, como no passado...
pois estarão bem juntas nossas duas almas. 

Com toda a fé em Deus aguardo o casamento 
Que nos trará um mundo bem-aventurado!
E, até lá, um abraço e um beijo... em pensamento.
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CHORAR DE AMOR 

Chorar de amor! Oh! quem já de uma feita
jamais chorou, tal qual uma criança
que, após um susto, chora satisfeita
junto à mamãe que afaga sua trança...

Chorar de amor! Chorar por ver desfeita
a nuvem negra da desesperança...
Deixa chorar quem hoje se deleita
por ver que o seu sofrer virou bonança. 

Chorar assim de amor só vale a pena; 
é um banho muito refrescante na alma, 
e acaba com qualquer desilusão... 

Chorar de amor! Louvemos esta cena! 
Início bom de prodigiosa calma, 
que tanto bem nos faz ao coração!
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DOCE PRISÃO

Este vaivém do mar beijando a areia
bem se assemelha à nossa vida a dois:
Também o que nos ata é uma cadeia 
que solta... e prende bem, logo depois... 

Não cansa o sangue em seu volver na veia, 
nem eu por ser cativo seu só, pois
você não é prisão que me aperreia 
como a canga que enreda os mansos bois! 

Se para ficar livre eu for deixar 
a minha praia, ou minha artéria, o quê
além de desengano irei achar?

Prefiro ser cativo nesse ambiente
a que me acostumei, tendo você...
E ser feliz assim, eternamente!
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ENERGIA ESTRANHA

Qual torrente descida da montanha
em fúria impetuosa e desatina
e que, apesar de toda a sua sanha, 
não encontra ao final uma turbina...

É triste o assistir força tamanha
perder-se no alagado da campina...
Assim ocorre com a energia estranha
que rompe do meu peito e me alucina!

Tal vigor a que dão nome de amor
e que em meu coração é muito forte, 
quer, antes de morrer, servir a alguém;

Qual a enxurrada, quer se descompor
só após ter tido em vida melhor sorte...
Mas, para tanto, falta achar com quem!
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Folclore Japonês (Kintaro)

Kintaro é um herói do folclore japonês. Menino dotado de uma força prodigiosa crê-se que ele foi criado por uma feiticeira do Monte Ashigara. Kintaro tinha uma especial empatia com os animais da montanha, e mais tarde, depois de derrotar o demónio da floresta Shuten Doji, na região do Monte Oe, juntou-se às forças do Príncipe Minamoto-No-Yorimitsu, sob o novo nome de ‘Sakata Kintoke. É uma figura muito popular nos drama de Noh e Kabuki, e é um costume por um boneco de Kintaro no dia das crianças para que elas sejam fortes e corajosas como o tal. Kintaro tem a sua origem, provavelmente na pessoa de um homem real chamado Sakata Kintoki, que viveu no periodo Heian e provavelmente veio de uma cidade que hoje é a atual Minami-Ashigara, o qual serviu Minamoto-No-Yorimitsu e se tornou conhecido pelas suas proezas como guerreiro.

Lenda
Há várias histórias sobre a infância de Kintaro. Numa delas, ele foi criado por sua mãe, a princesa Yaegiri, filha de um homem rico chamado Shiman-Choja, na aldeia de Jizodo, perto do Monte Ashigara. Numa outra, sua mãe deu a luz onde é hoje a atual Sakata, de onde ela fora forçada a fugir devido à luta opondo o marido a seu tio. Então, ela finalmente se estabeleceu na floresta do Monte Ashigara para criar seu filho. A partir deste ponto a história se divide em duas versões, a mãe verdadeira de Kintaro o abandonou no mato ou ela morreu, e independente das duas versões ele foi encontrado pela feiticeira do monte e criado por ela. Outra versão diz que Kintaro foi criado por sua mãe, mas devido a aparência dela, foi apelidada de feiticeira do monte. Numa versão mais fantasiosa, a feiticeira do monte era a mãe verdadeira de Kintaro e ambos foram impregnados pelo trovão do Dragão Vermelho do Monte Ashigara.

Todas as lendas dizem que, apesar de ser uma criança, Kintaro era muito ativo e incansável, gordo e corado, vestindo apenas um babador com o kanji para “ouro” estampado. Seu único outro equipamento era uma machadinha. Como não havia outras crianças na floresta, Kintaro se afeiçoou aos animais do bosque. Era fenomenalmente forte, capaz de quebrar rochedos e arrancar árvores enraizadas. Os seus amigos animais serviam como mensageiros e montaria, algumas lendas dizem que ele até aprendeu a falar com os animais. Várias outras histórias contam que Kintaro lutava com demônios da montanha (Yokai), vencia ursos e ajudava os lenhadores locais a derrubar árvores. Já adulto, Kintaro trocou seu nome pelo de Sakata Kintoke. Foi pouco depois levado à presença de Minamoto-No-Yorimitsu, ao passar pela área ao redor do Monte Ooe. Impressionado com a enorme força de Kintaro, Minamoto o tomou como um membro de sua guarda pessoal e levou-o para Kyoto. Lá Kintoki estudou as Artes Marciais, eventualmente se tornando o chefe do Shiten’no, reconhecido por sua força e habilidades marciais. Ele finalmente voltou para sua mãe e levou-a para Kyoto junto com ele.

quinta-feira, 14 de julho de 2016

Ricardo Reis (Para ser grande, sê inteiro)


Folclore Japonês (A Fuga dos Gatos)

Era uma vez em um Japão distante, um gato de uma beleza estonteante, com o pelo suave e brilhante como a seda, e sábios olhos cor de esmeralda… Seu nome era Gon, o felino pertencia a um professor de música, que muito o amava, orgulhoso, acreditava que nada no mundo poderia separá-los.

Gon era bastante popular, todas as gatas do bairro se encantavam com sua beleza, faziam de tudo para lhe chamar a atenção mas, Gon não era nada fácil de agradar.

Porém, não muito longe da casa do músico, vivia uma senhorita que possuía uma bela gatinha nomeada Koma. Ela era uma gata rara… Koma piscava os olhos delicadamente, e comia elegantemente sua refeição, e ao terminar sempre lambia suavemente seu nariz rosa, sua senhora sorria e dizia: “Koma, minha querida Koma… o que faria sem você?”

Um dia estes dois felinos, saíram para um passeio à luz da noite. Durante sua caminhada, Gon avistou Koma, a elegante gata estava sentada com sua postura serena sob uma árvore de cerejeira em plena floração. Eles trocaram olhares e nesse pequeno momento, Gon se viu caído loucamente de amor pela bela Koma. Antes que tivesse tempo para pensar, o caprichoso Gon aproximou-se sedutoramente da gata, que também se encontrava cativa pelo bichano.

Passado um tempo juntos, disse Gon: “Venha comigo, vamos viver juntos!”, mas Koma baixou a cabeça, temendo as dificuldades em seu caminho. Respondeu: “Minha patroa me ama, eu nunca poderia deixá-la!”

Os dois, por não serem aceitos juntos por seus donos, se separaram. Alguns meses se passaram, o sentimento que Gon e Koma nutriam um pelo outro crescia cada vez mais. Os felinos, então incapazes de omitir o amor que sentiam, se encontraram novamente debaixo da cerejeira onde se conheceram. Determinados a ficarem juntos, decidiram partir, aventurando-se em um mundo desconhecido.the cat's elopement1

Durante todo o dia eles marcharam bravamente através da luz do sol, até que haviam deixado suas casas muito atrás de si. O sol começou a baixar e, ao fim da tarde, eles descobriram um imenso parque verde.

Os pequenos aventureiros estavam cansados da longa viagem. Já meio arrependidos de sua fuga, sentiam pesar seu pequeno coração por seus donos abandonados. Exaustos, pararam para descansar, acomodando-se sobre o gramado verde embaixo da sombra de uma enorme árvore. O jovem casal repousava mansamente quando, de repente, um ogro apareceu em sua frente na forma de um grande cachorro!

O cão se colocou ferozmente contra eles, mostrando todos os dentes, Koma gritou e, apavorada, subiu na árvore. Gon corajosamente se manteve firme, e arqueou as costas preparando-se para a batalha, pois sentia os olhos atentos de Koma sobre ele, dando-lhe força para que não fugisse da luta.

De seu poleiro na árvore alta, Koma observava tudo, e gritava com toda sua força, na esperança de que alguém iria ouvi-la e vir em sua ajuda. Felizmente, um servo da princesa, a quem o parque pertencia, estava passando por perto e espantou o cão feroz para longe, pegou então o trêmulo Gon em seus braços, e levou-o para sua senhora.

A pequena Koma foi deixada sozinha e, em cima do galho, deitou a cabeça caindo em prantos ao ver Gon sendo levado para longe, sem saber o que fazer.

A princesa adorou seu novo gatinho, ficou encantada com sua beleza e pelos generosos. Mas o carinho da jovem não consolava o pobre Gon. Mas o que ele poderia fazer? Não adiantava lutar contra o destino, pensou, lembrando-se da pequena koma sozinha. Ele só poderia sentar e esperar, até achar uma forma de fugir das imediações do Palácio.

A princesa era bondosa e gentil, todo mundo a amava, e teria levado uma vida mais feliz, se não fosse por uma serpente que constantemente perturbava seu sossego aparecendo em seus jardins. Seus servos tinham ordens para vigiá-la dia e noite, protegendo-a da cobra. Mas, certo dia, em um descuido, a serpente muito astuta, deslizou por eles adentrando o castelo.

A jovem princesa estava sentada em seu quarto, tocando seu instrumento musical favorito, quando sentiu algo deslizar sobre sua faixa. Apavorada, gritou e jogou-se para trás, Gon, que tinha se enrolado em um banquinho a seus pés, ao ouvir o grito da princesa, saltou rapidamente agarrando a perversa serpente pelo pescoço. Ele deu-lhe uma mordida e atirou-a no chão, a princesa nunca mais teria que se preocupar com sua inimiga. Então, ela o pegou em seus braços, e o acariciou alegremente em agradecimento.

Algumas dias se passaram, e a jovem, durante todo esse período, o encheu  com as mais raras iguarias e almofadas de seda, toda a atenção que ele jamais poderia sonhar em receber. E Gon teria sido muito feliz e satisfeito. Mas, o pequeno Gon tinha apenas um desejo, encontrar Koma novamente.

O tempo passou, e uma manhã quando Gon estava aquecendo-se ao sol. Ele olhou preguiçosamente para o mundo que se estendia diante dele, e avistou ao longe uma grande briga, um gato grande intimidando um menor. Gon saltou para cima arrepiando o pelo espesso e, valente como era, disparou naquela direção. Cheio de raiva afugentou o gatão brigão. Então, satisfeito com sua própria bravura, virou-se para confortar o pequeno, quando o seu coração quase explodiu de alegria ao descobrir que era Koma, sua amada Koma.

Koma, assustada, por um momento não o reconheceu, ele tinha crescido e se tornado grande e imponente. Mas, quando se aproximaram, ela reconheceu Gon, sua felicidade não conhecia limites. E eles esfregaram suas cabeças e seus narizes, enquanto seus ronronares poderiam ter sido ouvidos a uma milha de distância.

Pata na pata, Gon levou Koma até a princesa, demonstrando toda sua história de amor. Emocionada ao ver uma devoção tão sincera, caiu em lágrimas, prometendo que nunca mais deveriam estar separados. O casal apaixonado, dali em diante, viveria com ela em seu castelo sob seus cuidados e proteção.

Passado um tempo, a própria princesa se casou e teve filhos, e Gon e Koma tiveram muitos filhotes, todos eles viviam juntos e felizes, foram amigos até o fim de suas vidas.

Fonte:
Com o título original “The Cat’s Elopement”, o conto de fadas japonês foi recolhido do livro “Japanische Marchen und Sagen” 1885 de David Brauns, traduzido por Andrew Lang. O conto foi incluído em “O Livro Rosa das Fadas” de 1897, que contém um total de quarenta e um contos japoneses, entre outros.

Oscar Wilde (A Atriz)

Existiu outrora uma grande atriz. Uma mulher que alcançara tamanhos triunfos que todo o mundo da arte a adorava, curvado a seus pés.

O incenso da adoração perfumara-lhe a vida por muitos anos e vedara-lhe os olhos para as outras coisas, de sorte que ela a nada mais aspirava.

Não obstante, chegou o dia em que conheceu um homem, a quem amou com toda a força da alma. Então sua arte, seus triunfos e as nuvens de incenso nada mais significaram para ela – o amor era toda a sua vida. Mas embora pensasse assim, o homem que ela amava tornou-se ciumento – ciumento do público que não mais lhe interessava.

Pediu-lhe que desistisse da sua carreira e abandonasse o palco para sempre. Ela acedeu sem resistência, e disse:

– O amor é melhor do que a arte, melhor do que a fama, melhor do que a própria vida.

E logo abandonou alegremente o palco e todos os triunfos para dedicar sua vida ao homem que amava.

O tempo transcorreu, o amor do homem começou rapidamente a diminuir e a mulher que tudo havia sacrificado por ele percebeu-o. A certeza disso caiu-lhe na alma como a neblina fria do entardecer, envolvendo-a da cabeça aos pés numa mortalha de desespero. Tratava-se, porém, de uma mulher corajosa, decidida, e embora com a mágoa estampada no rosto, não se deixou abater. Compreendeu que teria de sobrepujar a crise da sua vida, a crise da qual dependia o seu destino.

Com perspicácia e cruel clarividência, sentiu a realidade que lhe despedaçava o coração. Sacrificara a carreira ao seu amor e agora este amor lhe fugia. Se não encontrasse meios para reanimar a chama que bruxuleava e breve se apagaria totalmente, se conservaria solitária em meio aos escombros de sua vida arruinada.

E a mulher, que fora uma grande atriz, percebera que a sua arte, em vez de ser-lhe um estímulo ou uma inspiração nesta fase penosa da vida, demonstrara o contrário – era desvantagem e obstáculo. Alheara-se da orientação dos diretores de cena e das ideias e conselhos dos autores. Até então nada fizera sem eles – cada pensamento, cada entonação de voz e, mesmo, cada gesto era-lhe sugerido, pois esta é a arte do ator. E, agora, quando se via obrigada a pensar, criar e agir por si mesma, sentia-se desamparada, sem recursos, como uma criança repentinamente às voltas com um grande problema. Mas à medida que os dias se passavam, impunha-se cada vez mais ação pronta e enérgica.

Um dia, quando andava de um lado para o outro, com o gérmen selvagem do desespero crescendo-lhe no íntimo a cada minuto que passava, um homem foi vê-la. Ele fora empresário do teatro onde ela trabalhara. Viera pedir-lhe que representasse numa nova peça. Ela recusou. Que iria fazer no palco com essa arte falsa que transforma aqueles que a praticam em fantoches, fantoches irremediáveis, movidos por cordéis manejados pelas mãos dos autores e diretores de cena?

Agora ela se encontrava face a face com a verdadeira tragédia da vida, ao lado da qual todas as falsas tristezas do palco nada mais eram senão lantejoulas e bambinelas. Contudo, o empresário insistiu, dizendo-lhe que a oferta significava dinheiro para ele, zumbindo-lhe em torno com a persistência de uma mosca no outono, que não quer ser enxotada.

Não queria pelo menos ler a peça? Para livrar-se dele, leu-a, e reconheceu que a tragédia impressa era a tragédia da sua própria vida. A mesma situação: o problema estava resolvido.

O destino viera em auxílio da atriz numa peça teatral. Ela devia representá-la dominando inteiramente cada detalhe do enredo. Estudou, então, a parte que lhe competia e a representou para um grande auditório. Atuou com fervor do gênio que jamais ultrapassara durante a sua carreira e o aplauso que retumbou de todos os lados foi a homenagem irresistível tributada pelos espíritos e corações dos homens àqueles que possuem gênio.

Quando tudo chegou ao fim, ela voltou para casa fatigada e um tanto surpresa com os gritos e aplausos da multidão ainda lhe ressoando nos ouvidos. Dera-lhe o máximo, pusera-lhe aos pés o poder e a maravilha da sua alma. Tudo que lhe restava agora era um sentimento de impotência e fragilidade. Chegara à casa entristecida e carregada de flores. Repentinamente, observou que havia dois pratos na mesa preparada para a ceia e lembrou-se de que, nesta noite, fora resolvido o seu destino. Esquecera-o até então. Naquele momento o homem que ela amara entrou, indagando:

– Cheguei na hora?

Ela olhou para o relógio, e respondeu:

– Chegaste na hora, mas demasiadamente tarde.

terça-feira, 12 de julho de 2016

Folclore Japonês (Kaguya Hime)

Há muito, muito tempo, existia um velhinho e uma velhinha, que viviam juntos numa casa no meio da floresta. Eles eram muito pobres e solitários, pois não tinham filhos para criar. O velhinho era conhecido pelo nome de Cortador de Bambus, pois, todos os dias, ele saía cedo para cortar bambus na floresta. Os dois faziam cestas e chapéus para vender e ganhar algum dinheiro.

Um belo dia, enquanto estava na floresta, o velhinho avistou um broto de bambu, que brilhava, com uma luz muito intensa. Ele ficou espantado, pois, em anos e anos de trabalho, nunca havia visto algo como aquilo. Muito curioso, ele cortou o bambu e mal pôde acreditar no que viu. “Uma menina, uma menina! Tão pequena e tão linda, só pode ser um presente de Deus!”.

Ele levou a pequena menina na palma de uma de suas mãos para casa. Ao ver a menina, a velhinha também ficou muito contente e eles resolveram que o nome dela seria Kaguya Hime (Princesa Radiante).

A partir daquele dia, o velhinho passou a encontrar outros bambus brilhantes na floresta. Mas, ao invés de uma menina, eles continham moedas de ouro. Assim, a vida do casal melhorou e eles não precisavam mais produzir cestos para sobreviver. Eles creditaram o milagre à chegada de sua linda filha.

Kaguya Hime crescia muito rápido e a cada dia parecia mais bonita. Em apenas três meses, ela já tinha o tamanho de uma criança de oito anos. Ninguém poderia acreditar que uma pessoa tão bonita pertencesse a este mundo.

Logo os comentários sobre a beleza da Kaguya Hime se espalharam e vinham jovens de todos os cantos do país para conhecê-la. Todos queriam se casar com Kaguya, mas ela não queria se casar com ninguém. “Quero ficar ao lado de vocês dois”, dizia a jovem para seus pais. Mas cinco jovens nobres, de posições importantes, foram mais persistentes. Eles acamparam em frente à casa de Kaguya Hime e pediam uma chance a ela.

Preocupado, o velhinho chamou Kaguya e disse: “Minha filha, eu gostaria muito de ter você sempre por perto, mas acho justo que se case. Escolha um dentre os cinco rapazes que estão acampados aqui”. Assim, a linda jovem decidiu. “Eu me casarei com aquele que me trouxer o objeto mágico que pedirei”

Um colar feito com os olhos de um dragão, um vaso feito com pedras dos deuses que nunca se quebra, um manto de pele de animal forrado de ouro, um galho que faz crescer pedras preciosas, um leque que brilha como a luz do sol e uma concha que a andorinha põe junto com seus ovos. Estes foram os objetos que Kaguya Hime pediu.

O velhinho levou os pedidos de Kaguya aos pretendentes acampados. Ele sabia que seria muito difícil conseguirem obter tais objetos. Qual não foi sua surpresa quando, ao final de alguns meses, todos os pretendentes trouxeram os presentes para Kaguya. Mas, quando eles foram obrigados a entregá-los a jovem, todos admitiram que os presentes eram falsos, pois conseguir os verdadeiros era uma missão muito difícil. E assim, nenhum deles obteve êxito.

Quatro primaveras haviam se passado desde que Kaguya fora encontrada no broto de bambu. Mas ela ficava mais triste a cada dia. Noite após noite, Kaguya Hime olhava para a lua, suspirando. Preocupado, o velhinho um dia perguntou: “Por que está tão triste minha filha?”. “Eu gostaria de ficar aqui para sempre, mas logo devo retornar”, disse a jovem.” “Retornar, mas para onde? O seu lugar é aqui conosco, nunca deixaremos você partir”, disse o pai aflito.” “Este não é o meu reino, eu sou uma princesa de Reino da Lua e, na próxima lua cheia, eles virão me buscar”.

Muito assustados com a reveladora confissão de Kaguya Hime, os velhinhos decidiram pedir ajuda ao príncipe do reino onde viviam. O príncipe ajudou e enviou muitos guardas para vigiarem a casa do casal. Um verdadeiro exército foi formado.

No dia seguinte, a temida noite de lua cheia chegou. A casa estava tão vigiada que parecia impossível alguém conseguir levar Kaguya Hime. De repente, uma enorme luz surgiu no céu, como se milhares luas estivessem presentes ao mesmo tempo.

A luz era tão intensa que ninguém conseguiu enxergar a carruagem que descia, guiada por um grande cavalo alado e muitas pessoas bem vestidas. Depois de algum tempo, quando a luz diminuiu, a carruagem já estava voando, em direção à lua. Kaguya Hime não estava mais presente, ela fora junto com a comitiva.

Os velhinhos ficaram muito tristes, inconformados. Voltaram ao quarto de Kaguya e encontraram um potinho, presente da filha querida. Ela havia deixado um pó mágico, que garantiria a vida eterna para os dois.

Mas, sem sua filha amada, os velhinhos não queriam viver para sempre. Eles recolheram todos os pertences de Kaguya e levaram para o monte mais alto do Japão. Lá, queimaram tudo, junto com o pó mágico deixado pela jovem. Uma fumacinha branca subiu ao céu naquele dia.

A montanha era o Monte Fuji. Dizem que até hoje é possível ver a fumacinha subindo e subindo.

Franz Kafka (De Noite)

Submergir-se na noite! Assim como às vezes se enterra a cabeça no peito para refletir, fundir-se assim por completo na noite. Em redor dormem os homens. Um pequeno espetáculo, um auto-engodo inocente, é o dormir em casas, em camas sólidas, sob teto seguro, estendidos ou encolhidos, sobre colchões, entre lençóis, sob cobertas; na realidade, encontram-se reunidos como outrora uma vez e como depois em uma comarca deserta: um acampamento à intempérie, uma incontável quantidade de pessoas, um exército, um povo sob um céu frio, sobre uma terra fria, atirados ao solo ali onde antes se esteve de pé, com a fronte apertada contra o braço, e a cara contra o solo, respirando tranqüilamente. E tu velas, és um dos vigias, encontras ao próximo agitando o madeiro aceso que tomaste do montão de estilhas, junto a ti. Por que velas? Alguém tem que velar, se disse. Alguém precisa estar aí.

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Folclore Japonês (Issum Boshi)

Há muito, muito tempo, existia um casal que rezava sempre por um filho. Um dia, o pedido foi atendido e nasceu um menino, tão pequeno quanto um polegar. Chamaram-no de Issum Boshi. Apesar de ser muito pequeno, Issum era esperto e saudável e o casal agradeceu a prece atendida.

Após alguns anos, Issum Boshi continuava do mesmo tamanho. Um dia, ele chegou perto de seus pais e disse: 

“Papai, mamãe, eu quero trabalhar e estudar, vou à capital”. 

Seus pais não gostaram muito da idéia, parecia perigosa demais para um pequeno garotinho. Mesmo preocupados, acabaram concordando e deram-lhe uma agulha de costura para servir de espada.

Depois de se despedir de seus pais, Issum partiu, seguindo pelo rio ao lado de sua casa. Ele utilizava um owan (é uma pequena tigela) como barco e um hashi como remo. Após uma longa e cansativa viagem, ele chegou à capital, que era grande e cheia de gente. Issum andava com cuidado, ele temia ser atropelado pelas pessoas que iam e vinham apressadas.

Ele caminhou por um local calmo e avistou um grande castelo. 

“Aqui deve morar alguém muito importante, quem sabe esta pessoa não pode me dar um emprego”. 

Ele chamou alto por alguém e, quando um nobre senhor apareceu, não viu Issum. 

“Ei, cuidado, assim você vai pisar em cima de mim”. 

“Mas quem é você?”, perguntou o nobre. 

“Sou Issum Boshi, gostaria muito de trabalhar aqui.”

O nobre olhou para Issum e gostou do pequeno menino, ele parecia esperto e confiável. “Acho que você pode cuidar da princesa, minha filha.” Assim, Issum passou a morar no castelo. Ele virava as páginas dos livros, carregava tintas de caneta e era adorado pela princesa. Ele também treinava a arte da espada, pois um dia, Issum gostaria de ser um samurai.

Quando chegou a primavera, a princesa resolveu visitar o templo Kyoumizu. Seu pai ficou muito preocupado, pois havia rumores de que um horroroso Oni estava andando nas redondezas e seqüestrando belas garotas. O nobre senhor pediu que alguns de seus samurais acompanhassem a princesa e Issum.

Eles chegaram bem ao templo Kyoumizu e a princesa fez suas orações. Mas na volta, ouviram gritos e gritos e, de repente, um enorme Oni apareceu e impediu o grupo de andar. Os samurais olharam para o Oni, fugiram assustados e deixaram a princesa e Issum sozinhos.

“Prepare-se, vou lutar contra você e defender a princesa”, disse Issum enquanto pegava sua agulha-espada. 

“Há, há, há, um ser minúsculo como você não pode me fazer mal algum”. 

Logo após dizer isso, o Oni pegou Issum e o engoliu. Quando chegou no estômago, Issum começou a espeta-lo e espeta-lo. O Oni não aguentou de dor e tossiu, jogando Issum para fora, que aproveitou o momento e furou os olhos do Oni.

Gemendo de dor, o monstro fugiu correndo em direção à floresta. Na pressa, derrubou um pequeno objeto, era um martelo mágico. A princesa pegou o martelo e disse: 

“Issum, este é um objeto mágico, ele realiza os desejos das pessoas. Você tem algum desejo? Quer jóias e ouro?”. 

“Sim, tenho um desejo, mas não é este. Eu gostaria muito de crescer”, falou Issum. 

Assim, a linda princesa pegou o martelo e bateu na cabeça de Issum, que cresceu, cresceu, cresceu e se tornou um lindo jovem. Eles voltaram ao castelo do nobre senhor e se casaram. Issum chamou seus pais para viverem juntos no capital. E todos viveram felizes, por muito tempo.

Emílio de Meneses (Poemas Escolhidos)

PINHEIRO MORTO
Ao Paraná

Nasceste onde eu nasci. Creio que ao mesmo dia
Vimos a luz do sol, meu glorioso irmão gêmeo!
Vi-te a ascensão do tronco e a ansiedade que havia
De seres o maior do verdejante grêmio.

Nunca temeste o raio e eu como que te ouvia
Murmurar, ao guiar da fronde, ao vento: - "Teme-o
Somente o fraco arbusto! A rija ventania,
Teme-a somente o errante e desnudado boêmio!

Meu vulto senhorial queda-se firme. Embala-mo
O tufão e hei de tê-lo eternamente ereto!
Resisto ao furacão quando a aura abate o cálamo!"

Ouve-me agora a mim que, em vez de ti, vegeto:
Já que em ti não pesei, entre os fulcros de um tálamo,
Faze-te abrigo meu nas entraves de um teto!

O VIOLINO

São, ás vezes, as surdinas
Dos peitos apaixonados
Aquelas notas divinas
Que ele desprende aos bocados...

Tem, ora os prantos magoados
Dessas crianças franzinas,
Ora os risos debochados
Das mulheres libertinas...

Quando o ouço vem-me à mente
Um prazer intermitente...
A harmonia, que desata,

Geme, chora... e de repente
De uma risada estridente
Nos "allegros" da Traviata.

P.C.

Tão pequenino e trêfego parece,
Com seu passinho petulante e vivo,
A quem o olha, assim, com interesse,
Que é a quinta-essência do diminutivo.

Figura de leiloeiro de quermesse,
Meloso e parecendo inofensivo,
Tem de despeitos a mais farta messe,
E do orgulho é o humílimo cativo.

Não há talento que ele não degrade,
Não há ciência e saber que ele, á porfia,
Não ache aquém da sua majestade.

Dele um colega, há tempos, me dizia:
É o Hachette ilustrado da vaidade,
É o Larousse da megalomania!

C.M.

Lá na terra dos pampas tem o nome
De chimarrita, diz o Leal de Souza,
E este apelido afirmam que o consome
E é o que o há de levar à fria lousa.

Se lho repetem briga e já não come,
Não para, não descansa, não repousa,
Aguenta a sede, suportando a fome,
Dando o estrilo feroz por qualquer cousa.

Entretanto, não tem os dotes falhos;
Do talento gaúcho é um belo adorno
E tem brilhantes feitos e trabalhos.

Rapadurescamente espalha em tomo,
Uma impressão de cheiro a vinha-d'alhos,
De um leitãozinho mal tostado ao fomo.

R.A.

Era ministro então. O Olavo e o Guima
Diziam que ele era o Morfeu da pasta,
E o dorminhoco andava em metro e rima
Na pilhéria que a tanta gente agasta.

Mas galgando o Catete, escada acima,
Num despertar febril, Morfeu arrasta
Todas as forças que a vontade anima,
Nos vastos planos de uma idéia vasta.

Tudo revive! A atividade é infrene.
São mutações de sonho! É o Eldorado,
É o Dinheiro na Estética e na Higiene!

Hoje, glorioso e um tanto fatigado
Não se deixa ficar calmo e solene
A dormir sobre os louros do passado.

R.

Pedra preciosa de um tamanho imenso.
(Pois que o nome é um rubi deste tamanho
Que é sorte e é fortuna traz apenso),
Eis mais ou menos o seu vulto estranho.

Escravo cauteloso do bom senso
Fugidio ao espírito tacanho,
Quando entra em luta diz: Ou morro ou venço!
E é difícil que alguém lhe tome o ganho.

Desdobrado em trabalho multiforme,
Em finança e política não dorme,
E numa ou noutra. nunca perde a audácia.

Sendo do Bananal, não é um banana:
Tocou rumo a S. Paulo a caravana,
E ei-lo Rubião, em honra da rubiácea.

J. DE M.

Com este agora a musa não contava!
Nem a musa mordaz, nem a brejeira,
Em certo dia o vejo a deitar lava,
Aproximo-me e encontro uma geleira.

Quando a aparência é fria, a alma está brava.
Se aquela é tormentosa, esta é fagueira.
E assim, da vida. o rumo, a sós, desbrava,
E, a sós, colima o termo da carreira.

Por muito que o humorismo o prenda e engrade.
Ele não esbraveja nem se irrita,
Mas se lhe escapa com facilidade.

A golpes de talento o laço evita
E ao ridículo opõe a habilidade.
Eis, mal pintado, o Júlio de Mesquita.

W. L.

E um bandeirante novo, sem as botas
De andar em carrascais, ou serras brutas,
De penetrar nas mais profundas grotas
Ou se internar nas mais soturnas grutas.

É o bandeirante urbano nas devotas
Ânsias de ver em formas resolutas,
O esplendor das metrópoles remotas
Em plintos, colunatas e volutas.

Ele antevê. nas cores mais exatas
Da Paulicéia as graças infinitas,
No áureo fulgor de mágicas palhetas.

Porém, depois dos bons tempos de pratas,
Ele que é homem que detesta as fitas,
Sente a falta do arame nas gavetas.

A. A.

Dizem que às vezes, quer se achar bonito,
Mas, nem sendo Amadeu e sendo amado,
Mas muito amado mesmo, eu não hesito:
Se não é feio, é bem desengraçado.

Entretanto se o vejo (isto é esquisito)
Através de um soneto burilado,
É mais que belo, afirmo em alto grito,
É o próprio Apoio que lhe fica ao lado.

Mais comprido que a universal história,
Este Leconte com seu ar caipira,
Me deixa uma impressão nada ilusória.

Quando ele ao alto, a inspiração atira,
Com a cabeça a topar no céu da glória,
É um guindaste a guindar a própria lira.

V. DE C.

Fraco e doente, se solta algum gemido,
Ou sai um verso ou brota uma sentença.
Se como Juiz sempre é acatado e ouvido,
Como poeta não sei de alguém que o vença.

Se nas Ordenações presta sentido,
Tem, nas regras de Horácio, parte imensa.
Não se lhe sabe o culto preferido:
Se na Arte ou no Direito, tem mais crença.

Tendo defeito, nunca teve alcunha.
Quando aparece, num reencontro é liça,
O que nos antagonistas acabrunha,

É ver que, sem fraqueza nem preguiça,
Numa só mão, com o mesmo gesto empunha,
A áurea lira e a balança da Justiça!. ..

F. G.

Este é por certo o verdadeiro espelho
Das maiores derrotas e conquistas
Que o regime vem tendo, e o seu conselho,
Tem sempre o cunho das mais largas vistas.

Foi das molas mais rijas do aparelho
Que deu cabo das hostes monarquistas.
Foi o Moisés do novo Mar Vermelho,
A égua madrinha dos propagandistas.

Calmo, risonho, perspicaz, cordato,
Todos sentem no Ilustre veterano,
Do político arguto o fino tato.

Mas o Matusalém republicano,
Tem orgulho infantil de ser, de fato,
O bisavô dos netos do Herculano!

L. DE F.

O rosto escuro em pontos mil furado,
Se lhe move da boca em derredor.
Não consegue um segundo estar calado
E é de S. Paulo o tagarela-mor.

Traz, de nascença. o todo avelhantado
De um macróbio infantil e, - coisa pior, -
Dá idéia de que já nasceu usado
Ou de que foi comprado no belchior.

Tudo nele é exagero, até a atitude
De saudar elevando o diapasão:
"Nobre amigo! Mui fuerte e de salude?"

No mais é um excelente amigalhão.
Mas que voz! É o falsete áspero e rude .
De um gramofone de segunda mão.

L. G.

Este vale, em toicinho, a inteira Minas;
Derretê-lo, seria um desencargo
Para a atual crise das gorduras suínas.
(O Monteirinho a isso põe embargo).

Arrota francos, marcos, esterlinas,
Mas uma alcunha o faz azedo e amargo:
Senador tonelada. Usa botina
Cinquenta e quatro, É sombra, bico largo.

Tem uma proverbial sobrecasaca,
Cujo pano daria, em cor cinzenta,
Para o Circo Spinelli uma barraca.

Da do Oliveira Lima ela é parenta
Pois só o forro das mangas dá, em alpaca.
Para o novo balão do Ferramenta.

M. DE S.

Conhecem, por acaso, o Monteirinho
Que é Antônio, que é Monteiro e que é de Souza?
Pois não é para aí um qualquer cousa
De baixo preço ou de valor mesquinho.

Assim mesmo tostado e mascavinho,
Numa poltrona do Monroe repousa,
Calado e quedo qual funérea lousa,
A apanhar perdigotos do vizinho.

Cabritinho de mama já esgotada,
No tapete não solta as azeitonas
E só espera o momento da marrada.

Dele, a exibir as alentadas lonas,
Diz o Lopes Gonçalves Tonelada :
Ai! cabrito cheiroso do Amazonas !