sábado, 16 de janeiro de 2021

José Feldman (Versejando) – 23 –

 


Olivaldo Júnior (Três microcontos sobre a amizade)

A MOÇA


Era uma moça como inúmeras outras, cheia de sonhos, desejos e esperança. Um dia, conheceu um moço, com igual capacidade de amar e de acreditar na vida e nos outros.

Assim, a moça e o moço se tornaram os melhores amigos de sempre. Faziam tudo juntos, desde compras no mercado a idas regulares ao cinema. Adoravam filmes de comédia.

Tão linda, a moça conheceu outro moço, que, interessado em sossego, quis se casar. Aflita, contou logo a boa nova a seu amigo, que a apoiou muito. Nunca mais se viram.
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O SANTO

Havia se acostumado a ser santo aquela imagem no altar da igreja mais próxima. Não me lembro direito qual mesmo o santo que era, mas era um santo. Tinha os olhos nus.

Dia a dia, como se fosse um pastor, via as ovelhas, digo, os devotos, indo e voltando de lá, deixando aos pés dele uma carta, uma vela, ou um bocado do olhar que o encarava.

Amigo de todos, o santo no altar não podia muita coisa, senão escutar e fazer ele mesmo sua prece a Jesus, a Maria, a Deus Pai. Talvez aquela gente precisasse do santo só isso.
* * * * * * * * * * * * * * * *  

O HERÓI

Era um homem jovem e muito bonito. Pelo mesmo era isso o que lhe diziam. Tanto que, depois de um tempo, passou a acreditar que era uma espécie de herói, Eros, Hércules!

Malhava bastante e se sentia com muitos amigos, pois quase nunca estava sozinho. “A vida é tão boa! Sou tão amado!”, pensava, sem saber que amigos são joias muito raras.

Com a crise no País, sofreu um revés financeiro, perdeu o emprego, ficou sem dinheiro, nem para a academia. Aliás, para os velhos “amigos”, aquele herói virara um bandido.

Fonte:
Textos enviados pelo autor.

Laurindo Rabelo (Poemas Escolhidos) II


A MINHA RESOLUÇÃO


O que fazes, ó minh’alma!
Coração, por que te agitas?
Coração, por que palpitas?
Por que palpitas em vão?
Se aquele que tanto adoras
Te despreza, como ingrato,
Coração, sê mais sensato,
Busca outro coração!

Corre o ribeiro suave
Pela terra brandamente,
Se o plano condescendente
Dele se deixa regar;
Mas, se encontra algum tropeço
Que o leve curso lhe prive,
Busca logo outro declive,
Vai correr noutro lugar.

Segue o exemplo das águas,
Coração, por que te agitas?
Coração, por que palpitas?
Por que palpitas em vão?
Se aquele que tanto adoras
Te despreza, como ingrato,
Coração, sê mais sensato,
Busca outro coração!

Nasce a planta, a planta cresce,
Vai contente vegetando,
Só por onde vai achando
Terra própria a seu viver;
Mas, se acaso a terra estéril
Às raízes lhe é veneno,
Ela vai noutro terreno
As raízes esconder.

Segue o exemplo da planta,
Coração, por que te agitas?
Coração, por que palpitas?
Por que palpitas em vão?
Se aquele que tanto adoras
Te despreza, como ingrato,
Coração, sê mais sensato,
Busca outro coração!

Saiba a ingrata que punir
Também sei tamanho agravo:
Se me trata como escravo,
Mostrarei que sou senhor;
Como as águas, como a planta,
Fugirei dessa homicida;
Quero dar a um’alma fida*
Minha vida e meu amor.
* * * * * * * * * * * * * * * *
* Alma fida – alma fiel
* * * * * * * * * * * * * * * *    

A LINGUAGEM DOS TRISTES

Se houver um ente, que sorvido tenha
Gota a gota o veneno da amargura;
Que nem nos horizontes da esperança
Veja raiar-lhe um dia de ventura;

Se houver um ente, que, dos homens certo,
Neles espere certa a falsidade;
Que veja um laço vil num rir de amores,
Uma traição nos mimos da amizade;

Se houver um ente, que, votado às dores,
Todo com a tristeza desposado,
De cruéis desenganos só nutrido,
Somente males a esperar do fado;

Que venha, acompanhar-me na agonia,
Qu’esta minh’alma, sem cessar, traspassa!
Venha, qu’há muito luto, a ver se encontro
Quem sinta, como eu, tanta desgraça

Venha, sim, que talvez por nosso trato
Uma nova linguagem seja urdida,
Em que possam falar-se os desgraçados,
Que do mundo não seja traduzida.

Por lei inexorável do destino,
Quem gemer à desgraça condenado,
Inda lidando no lidar do mundo,
Há de viver do mundo desterrado.

E em que desterro! Os outros só nos tiram
Os olhos do lugar do nascimento;
A desgraça, porém, do mundo inteiro
Desterra o coração e o pensamento.

Ao menos a linguagem deste exílio
Mais suportável torne a vida crua;
Tenha ao menos a terra da desgraça
Uma linguagem propriamente sua.

E quem tê-la melhor? Por mais que fale
O sedutor prazer em frase ardente,
Por mais que se perfume e se floreie,
Nunca é, como a dor, tão eloquente.

Nos fenômenos d’alma o corpo sempre
Do seu modo de obrar diversifica:
Pelas quebras da orgânica fraqueza
A força esp’ritual se multiplica.

Quando, livre, o esp’rito aos céus remonta,
Da Eternidade demandando o norte,
Toda força primeva recobrando —
Tomba a matéria, e cai nas mãos da morte!

Quando o gás do prazer dilata o seio,
A força do sentir dormente acalma;
Quando a pressa da dor o seio aperta,
A força do sentir se expande n’alma.

Assim novas palavras, novas frases,
Nova linguagem, pede o sofrimento;
Porque dobra o sentir, e duplas asas
Pra voos duplos colhe o pensamento:

Não, não pode em seus termos quase inertes,
Esse falar comum de cada dia,
Deste duplo sentir, d’ideias duplas,
Exprimir fielmente a valentia.

Enganai-vos, ditosos! Vossas falas,
Anos que falem, nunca dizem tanto,
Quanto num só momento dizer pode
Um suspiro, um soluço, um ai, um pranto.

Eia, pois, tristes! eia!... desde agora
Uma nova linguagem seja urdida,
Em que possam falar-se os desgraçados,
Que do mundo não seja traduzida.

Veja o mundo, de gozos egoísta,
Qu’os tristes nada têm de suas lavras:
Que, orgulhosos na pátria da desdita,
Nem dos ditosos querem as palavras.

Fonte:
Laurindo Ribeiro. Poesias Completas. Ministério da Cultura.

Carlos Drummond de Andrade (Trem de Contos) 13 e 14

NOVO DICIONÁRIO


Qual não foi o pasmo de Matias ao abrir em casa o dicionário de português que comprara para o filho colegial, e verificar que ele era todo feito de palavras cruzadas.

— O garoto não vai estudar palavras cruzadas, vai estudar português — explicou ao balconista da livraria, pedindo a troca do volume.

— O dicionário está certo — respondeu-lhe o rapaz.

— Como está certo, se não começa pela letra A e termina pela letra Z, a exemplo de todos os dicionários de português desde que a língua existe?

— Estou vendo que o senhor não acompanhou a evolução do português. Com as últimas aquisições da ciência linguística e as recentes pesquisas lexiológicas, e mais o uso literário da língua, o português é hoje considerado jogo de palavras cruzadas. Cruzadíssimas.

— Hem? Não estou entendendo.

— Não precisa entender, desde que o senhor tenha habilidade para decifrar palavras cruzadas. Mestres universitários da maior categoria assim resolveram, e os editores lançaram dicionários de acordo com os novos moldes. Procure ler os tratados e revistas de lexiologia, os estudos sobre linguagem, os ensaios de crítica literária, as dissertações universitárias. Tudo palavras cruzadas. Seu filho ainda não tem a nova gramática cruzacional? É indispensável. E muito cuidado no cruzamento das ruas. As placas também vão cruzar.
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O AMOR DAS FORMIGAS

— O amor das formigas, você já observou o amor das formigas? — perguntou Otávio a Isadora.

– Não, Isadora nunca observara o amor das formigas.

— Nem eu — confessou Otávio. — Aliás, nunca ninguém observou o amor das formigas — sentenciou.

— Mas os entomologistas… — ponderou Isadora.

— Os entomologistas pensam que observaram — retrucou Otávio —, mas as formigas são muito discretas. Não são como os homens e as mulheres, que amam em público.

A conversa continuava nessa trilha de formiga, em zigue-zague, quando a formiga apareceu na ponta da toalha de mesa e foi subindo.

Outra formiga veio em seguida. As duas caminharam às tontas, depois juntaram as cabecinhas num movimento elétrico, e se afastaram, cada uma para o seu lado.

— Você acha que elas se amaram? — perguntou Isadora. — De modo algum — respondeu Otávio. — Trocaram sinais de serviço, apenas. E daí, querida, ninguém ama com a cabeça, é exatamente o contrário: cabeça atrapalha.

— Pois eu acho o contrário do contrário — disse Isadora. — As formigas podem ser mais evoluídas do que nós, e amar acima do coração, de um modo perfeito.

Mas a conversa não conduziu a nada, e os dois tomaram chá.

Fonte:
Carlos Drummond de Andrade. Contos plausíveis. Publicado em 1981

Estante de Livros (O Calor das Coisas, de Nélida Piñon) – 8. Conto – O Sorvete é um Palácio

O SORVETE É UM PALÁCIO


Ambiente:
Praia de Copacabana e apartamento, no Rio de Janeiro.

Foco narrativo:
Primeira pessoa.

Personagens:
Uma mulher: Solteira, solitária, de certa idade.
Sorveteiro: Dono de pequena fábrica de sorvetes que vende na Praia de Copacabana.

O texto fala de um encontro entre uma mulher de certa idade, solitária, solteira, com um sorveteiro. Ela quer encontrar alguém que a ame; ele quer encontrar um sócio para a sua fábrica de sorvetes. Apesar da idade, ela ainda se sente profundamente ligada ao pai de quem se recorda muitas vezes e de quem busca a aprovação para o que faz. Ela convida o sorveteiro para um lanche. Precisa de alguém para suprir-lhe as carências de companhia e de amor. Ele não se desliga da esposa e dos filhos. Ele vai embora. Ela vai continuar à espera.

O sorvete é um palácio, é escrito sob a forma de depoimento uma mulher, rica, narra as vicissitudes em torno de um caso que mantém com um homem pobre, sorveteiro, casado e pai de três filhos. A mulher narradora também não é nova (“Esquecida do espelho a proclamar que a carne não é mais um sortilégio para as mulheres de minha idade”.), e encontra o amor onde menos esperava, na figura de um homem simples, sem beleza física, casado e, além de tudo, pertencente a outra classe social. Por estranho que pareça, esse homem diferente é que lhe devolve alegria, que contribui para a construção de si mesma, de sua identidade por inteiro.

"Ao seu lado, não sinto medo. A própria vida fortaleceu-me desde que o vi pela primeira vez nesta manhã."

Começaram a conversar e ele lhe pediu para que fossem sócios em seu negócio de vender sorvetes na praia. O estranho do pedido é o que garante a percepção de um poderia completar o outro, de se formar um todo. A narradora revela não ter vida própria, assistia a novelas como meio de projetar na vida alheia aquilo que não era. Assim, ao ver-se diante de uma situação estranha, com um homem com vida alheia a sua, distante física, social e culturalmente, isso poderia completá-la, a despeito de ele ser casado. (“Viver será transferir para o outro o que é nosso por direito.”)

"Deus sabe que não quero falsas aflições, mas um homem capaz de interpretar meus sentimentos, serei acaso a última flor do Lácio?"

A “última flor do Lácio” é uma referência a um poema de Olavo Bilac, intitulado “Língua portuguesa”, em que fala ser o português o último idioma surgido do latim, falado na região do Lácio, que deu origem ao Império Romano. Não parece haver uma relação imediata. A rigor, o que a narradora quis expressar é que ela poderia ser a última mulher a encontrar o homem perfeito e ideal para ela. Poderia ter dito também que era seria “a última dos moicanos”, por alusão ao famoso romance de James Fenimore.

Um momento significativo é que ele vai até a casa dela e se senta na poltrona que pertencera ao pai e ela na poltrona em que ficava a mãe. Por analogia, é como se cada qual estivesse ocupando os papéis, sonhados, de marido e mulher.

A questão a que sempre retorna é o da identidade (“Serei eu mesma o tempo todo?”). Como construir algo para o qual é preciso primeiro destruir? Destruir a antiga identidade dele, seu casamento, abandonar sua vida no outro lado da cidade?

Essa ideia de construção/destruição está metaforizada no fato de o homem ser sorveteiro, de fabricar para vender um produto que se perdia com facilidade, que, diante do calor, desaparecia.

"Eu respeitava aquele arquiteto a erguer um mundo frágil pela força da sua vontade. A lidar com formas que o calor desfazia."

Por este motivo, o sorveteiro tem sempre de retornar à sua casa, à sua fábrica, entre idas e vindas e, com isto, o amor entre ele e a narradora não se totaliza nunca.

Após ouvir a história de Colombo, Rubem volta a narrar sua história com Alice, sua ex-mulher. Aos poucos, percebeu que Alice representava, mais do que amor, relacionamento de um casal, apenas a aventura, os passeios. Não se via completo efetivamente por ela. Foi um amor sem ciúmes, não fazia sofrer. Os outros podiam desejá-la, aplaudi-la ao seu lado.

"Não queria um amor solitário, ou que lhe faltassem amigos com quem dividi-la."

Esse conto lembra As cartas portuguesas, escritas por Sóror Mariana Alcoforado (1640-1723), de um convento localizado Beja, dirigidas a um oficial francês, chamado DeChamilly, que lhe prometera amor eterno e que a iria tirar do convento para se casarem. No entanto, a promessa não se cumpre.

Foram cinco curtas cartas de amor, em que se percebe um amor incondicional e exacerbado. O tom das cartas vai do sentimento de esperança à desilusão, por não receber notícias e correspondência equivalente.

Nélida Piñon é uma autora pós-moderna, no sentido de tematizar questões modernas, como o feminismo, o respeito às diferenças, a construção de nova identidades, a reconstrução de identidades perdidas.

Fontes:
– Celso Leopoldo Pagnan. Resenhas dos livros de leitura obrigatória da UEL 2017/2018. Londrina: Maxi, 2016.
– Profa. Sônia Targa. in OBRAS DA UEM- 2012-2013

sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Varal de Trovas 465

 


Júlia Lopes de Almeida (Ânsia Eterna)


A João Luso


- E o teu livro? quando aparece o teu livro? perguntou Rogério Dias ao amigo, refestelando-se numa almofada de marroquim do escritório.

– Parece-me que nunca...

– Por quê?!

– Por isto: o que eu quero não é escrever meramente; não penso em deliciar o leitor escorrendo-lhe na alma o mel do sentimento, nem em dar-lhe comoções de espanto e de imprevisto. Pouco me importo de florir a frase, fazê-la cantante ou rude, recortá-la a buril ou golpeá-la a machado; o que eu quero é achar um engaste novo onde encrave as minhas ideias, seguras e claras como diamantes; o que eu quero é criar todo o meu livro, pensamento e forma, fazê-lo fora desta arte de escrever já tão banalizada, onde me embaraço com a raiva de não saber fazer nada de melhor. Estamos sós; sabes que sou contigo absolutamente sincero; dir-te-ei tudo.

Quero escrever um livro novo, arrancado do meu sangue e do meu sonho, vivo, palpitante, com todos os retalhos de céu e de inferno que sinto dentro de mim; livro rebelde, sem adulações, digno de um homem. Se eu tivesse gênio, não me faltaria o resto, porque não escrevo por amor da turba ingrata, nem preciso da pena para ganhar a vida; sou rico e só escrevo por uma obsessão que me verga, tal como o furacão verga o caniço.

Não te rias; a ordem vem do incognoscível, não a discuto, aceito-a como uma lei de Deus. E não cuides que a aceitei sempre com resignação e sem relutância; tenho rasgado muitas páginas, incendiado muitas palavras, assoprado muita cinza aos quatro ventos!

Ao princípio, mal desfazia uma página achava-me a fazer outra. Este martírio ainda dura; todo o meu protesto de acabar fica onde começa o desejo de criar mais e melhor. Posto o ponto final em um livro, abre-se-me logo a vontade de escrever o primeiro período de outro livro. E é sempre assim; afinal, por que e para quê? Se os velhos como os novos trabalhos não me trazem à consciência nem glória nem tranquilidade? Para quê? não sei... Por quê? porque é preciso obedecer, porque a natureza me fez tal o caniço...

E a propósito dir-te-ei que a natureza foi cruel para mim, visto que o meu ser moral não se confunde com o meu ser intelectual. Não nasci para escritor, sou orgulhoso, a popularidade ofende-me; não sei que melindre é este, que antes cresce do que diminui com o correr do tempo, fazendo-me cada vez mais sensível e descontente de mim mesmo. De que vale tanto esforço?

És inteligente, vê se entendes isto: embora eu não me preocupe com o leitor, há sempre diante de mim, quando escrevo, um desconhecido, sombra no vácuo, indecisa, impalpável, mas que basta para enregelar-me os dedos quando a frase quer cair despida e franca na brancura do papel. Ah! o preconceito! o preconceito!

E é uma criatura atada a ele, e assim orgulhosa e tímida, que pensa em fazer um livro sadio, calmo, de regeneração e de esperança, como início de outra vida mais perfeita. Mas como hei de eu, dependente e fraco, fazer tal livro independente e forte? Eu, que pratico o mal, não posso sem ironia ensinar o bem. A minha boca, que mente, o meu pensamento, que atraiçoa, não são dignos de fazer uma apoteose à verdade absoluta, como a única fonte da felicidade humana.

O livro a que aludiste é o meu martírio: penso nele à proporção que vou fazendo os outros, e sinto-o sempre à mesma distância, inatingível e sereno. O meu livro! mas qual será o escritor que não pense no seu livro definitivo, único? Dize!

– Que hei de dizer? Que, talvez, mudando de hábitos alcançasses a tranquilidade necessária para um bom trabalho. Casa-te.

– Não. Eu traria para casa uma inimiga. Por mais doce e modesta que fosse, ela teria a pouco e pouco ciúmes disso tudo... As leituras são absorventes, e as mulheres não admitem preterições. Têm razão, talvez.

De mais a mais eu tenho medo das mulheres...Vou agora contar--te, com muita oportunidade, o meu último episódio amoroso, que bem pode servir de síntese a tudo que te disse.

– A respeito do livro?!

– Sim... podes pôr dentro desse sonho este outro sonho, certo de que a solução será a mesma. Deixa-me mandar vir café. Tu jantas hoje comigo.

– Sim, jantarei contigo.

– Minha mãe vai ficar contentíssima; não imaginas, está linda, com os cabelos brancos; alta, sempre muito direita... Chamo-lhe a minha torre da fé, iluminada! Escuta agora a tal história; é pequenina.
* *

Entrei um dia com um amigo no Passeio Público, com o pretexto de combinarmos a colaboração de um drama. Sentamo-nos num banco, na aleia esquerda, lembro-me bem; e enquanto eu fazia o meu cigarro, ele começou a expor o seu plano. A ideia era dele. Eu ao princípio ouvia-o com atenção, sem deixar por isso de olhar para duas crianças, vestidas à inglesa, que brincavam pela aleia ensombrada. Em frente a nós, num outro banco de pedra, duas moças conversavam baixinho.

É muito frequente em mim pensar paralelamente em dois fatos diferentes, até que um absorva o outro. Sem deixar de compreender o magnífico assunto do meu amigo... o Josino, conheces? Pois é esse; sem deixar de o ouvir, eu pensava na doçura que deveria haver em ser-se pai de umas crianças como aquelas que ali estavam, tão lindas e tão bem lavadas. Tal pensamento fez-me voltar os olhos para as duas moças. Uma, mais alta e mais nutrida, era evidentemente a mãe das crianças; tinha no colo os chapéus de palha à marinheira, e chamava de vez em quando os pequenos para arranjar-lhes o cabelo e compor-lhes a toilette*. A outra, mais franzina, era de uma beleza singular e comovente. Trazia um vestido de lã simples e um chapeuzinho de palha que mal lhe encobria a trança loira e grossa. Todos os seus traços eram regulares; mas, de tudo, o que mais me impressionou, viva e extraordinariamente, foram os seus olhos, de um azul escuro, triste, onde me pareceu sentir uma alma grande, séria, capaz de todas as lutas e de todos os sacrifícios. Nunca vi uns olhos assim. Num instante, desviando-se da companheira, eles voltaram-se para os meus... e não te posso explicar a sensação deliciosa que me agitou. Todas as minhas mágoas negras se purificaram àquela luz; assaltou-me logo uma ideia: eu podia ter um chalé, num canto de arrabalde, onde as rosas trepassem para o telhado e em que duas crianças saltassem no jardim, enquanto a mãe as vigiasse de um banco, como aquela que ali estava em frente. A minha vida não se consumiria na febre de um desejo vão; teria um lar feito por mim, risonho e confortável.

Os olhos azuis da moça diziam-me no seu brilho discreto e sagrado:

– Eu farei a tua felicidade. Sou educada, sou ativa, sou modesta; compreendo e amo as artes e tenho o coração aberto para as ternuras conjugais e maternas. Vê como sou simples.

Fixamo-nos longamente. Aqueles olhos não se desviaram dos meus com o pudor pretensioso das moças, nem tampouco tiveram arrogância ou malícia: continuaram serenos e claros, tristes sem afetação, com uma franqueza de alma limpa.

Junta a isto a beleza das últimas horas do sol e o perfume das dracenas em flor. Acredita que o perfume é o cúmplice de muitas paixões, muitas!

Quando saímos do Passeio ainda elas lá ficaram. Durante a noite pensei várias vezes naqueles olhos azuis. Nesse tempo minha mãe estava fora, tinha ido fazer a sua estação em Caldas, de modo que ao meu quarto faltava o apuro a que me acostumara. Pela primeira vez vi pó no espaldar da minha cama, e encontrei gelhas nos lençóis. No dia seguinte, a minha mesa de trabalho, com o tinteiro transbordante e o cálice de conhaque sujo, irritou-me; e ao almoço, mal servido, lamentei a falta de uma salinha de jantar, alegre, onde os olhos azuis da minha esposa tivessem observado e prevenido tudo...

Que influência profunda pode ter no destino, já determinado pela vontade de um homem, o simples relancear dos olhos de uma mulher! Por que voltava assim ao meu espírito aquele clarão azul?

Decididamente, eu encontrara a realização da minha ventura – o casamento. Arte? ora, adeus! fazer arte aqui, para que, para quem? Não valia a pena sacrificar o coração pela liberdade de artista e de boêmio.

Assim pensei, e fiz-me piegas como um namorado de quinze anos. Acreditarás que eu ia todos os dias ao Passeio Público? Percorria-o inutilmente: não a encontrava nunca; em todo caso não desistia, a esperança de ver os olhos azuis guiava-me através das ruas ensombradas.

Se as árvores falassem, que diriam de mim aquelas árvores! Que idílios, que lindos devaneios tive ali! eram verdadeiros sonhos de adolescente, perfumando a vida profanada do homem desiludido e amargo.

Ela já tinha para mim uma designação puríssima, era a minha noiva, e eu procurava-a, parecendo-me que só com o vê-la os meus dias se tornariam risonhos e plácidos. Vê-la não era tudo; eu queria ser visto, ser notado; queria falar-lhe, ouvir-lhe a voz, dizer-lhe que a amava! E tudo me parecia fácil, desde que a encontrasse!

Exatamente no dia em que entrei no Passeio mais desanimado, e certo da inutilidade da procura, foi que vi, no mesmo banco, a doce mamãe, com os chapéus dos filhos nos joelhos, e a seu lado a beatificada da minha alma. Nunca senti o coração bater-me com tanta força.

Ela voltara-se para mim, via-me ir chegando... Não te posso dar uma ideia da minha comoção; eu nem sabia onde pisava, quando um acaso me favoreceu: uma das crianças caiu a poucos passos de mim e abriu a boca num choro de assustar e pôr a nado os patos.

Tomei-a imediatamente nos braços e levei-a, depois de a acariciar, às duas moças.

A mãe ergueu-se, e veio apressadamente ao meu encontro, agradecendo muito; a outra ficou sentada. Cumprimentei-a timidamente; não me respondeu. Corei, interdito. A mamãe então murmurou com tristeza, indicando-a com um gesto, num tom de desculpa:

– É cega…
______________________
* Toilette – Palavra francesa que pode ser aqui traduzida como “visual”.

Fonte:
Júlia Lopes de Almeida. Ânsia eterna. 2. ed. rev. Brasília : Senado Federal, 2020. Publicada originalmente em 1903.

Mário Quintana em Prosa e Verso 12

 A RUA DOS CATAVENTOS


VII

Avozinha Garoa vai contando
Suas lindas histórias, à lareira.
"Era uma vez... Um dia... Eis senão quando..."
Até parece que a cidade inteira

Sob a garoa adormeceu sonhando...
Nisto, um rumor de rodas em carreira...
Clarins, ao longe... (É o Rei que anda buscando
O pezinho da Gata Borralheira!)

Cerro os olhos, a tarde cai, macia...
Aberto em meio, o livro inda não lido
Inutilmente sobre os joelhos pousa...

E a chuva um'outra história principia,
Para embalar meu coração dorido
Que está pensando, sempre, em outra cousa...
* * * * * * * * * * * * * * * *  

VIII
Para Dyonélio Machado

Recordo ainda... E nada mais me importa...
Aqueles dias de uma luz tão mansa
Que me deixavam, sempre, de lembrança,
Algum brinquedo novo à minha porta...

Mas veio um vento de desesperança
Soprando cinzas pela noite morta!
E eu pendurei na galharia torta
Todos os meus brinquedos de criança...

Estrada fora após segui... Mas, ai,
Embora idade e senso eu aparente,
Não vos iluda o velho que aqui vai:

Eu quero os meus brinquedos novamente!
Sou um pobre menino.., acreditai...
Que envelheceu, um dia, de repente!...
* * * * * * * * * * * * * * * *  

IX
Para Emilio Kemp

A mesma ruazinha sossegada,
Com as velhas rondas e as canções de outrora...
E os meus lindos pregões da madrugada
Passam cantando ruazinha em fora!

Mas parece que a luz está cansada...
E, não sei como, tudo tem, agora,
Essa tonalidade amarelada
Dos cartazes que o tempo descora...

Sim, desses cartazes ante os quais
Nós às vezes paramos, indecisos...
Mas para quê?... Se não adiantam mais!...

Pobres cartazes por aí afora
Que inda anunciam: - ALEGRIA - RISOS
Depois do circo já ter ido embora!...
* * * * * * * * * * * * * * * *  

X

Eu faço versos como os saltimbancos
Desconjuntam os ossos doloridos.
A entrada é livre para os conhecidos...
Sentai, amadas, nos primeiros bancos!

Vão começar as convulsões e arrancos
Sobre os velhos tapetes estendidos...
Olhai o coração que entre gemidos
Giro na ponta dos meus dedos brancos!

"Meu Deus! Mas tu não mudas o programa!"
Protesta a clara voz das Bem-Amadas.
"Que tédio!" o coro dos Amigos clama.

"Mas que vos dar de novo e de imprevisto?"
Digo... e retorço as pobres mãos cansadas:
"Eu sei chorar... Eu sei sofrer... Só isto!"
* * * * * * * * * * * * * * * *  

XI

Contigo fiz, ainda em menininho,
Todo o meu curso d'alma... E desde cedo
Aprendi a sofrer devagarinho,
A guardar meu amor como um segredo...

Nas minhas chagas vinhas por o dedo
E eu era o Triste, o Doído, o Pobrezinho!
Amava, à noite, as luas de bruxedo,
Chamava o por-do-sol de meu padrinho...

Anto querido, esse teu livro "Só"
Encheu de luar a minha infância triste.
E ninguém mais há de ficar tão só:

Sofreste a nossa dor, como Jesus...
E nesta Costa d'África surgiste
Para ajudar-nos a levar a Cruz!...
* * * * * * * * * * * * * * * *  

XII

Tudo tão vago... Sei que havia um rio...
Um choro aflito... Alguém cantou, no entanto...
E ao monótono embalo do acalanto
O choro pouco a pouco se extinguiu...

O menino dormira... Mas o canto
Natural como as águas prosseguiu...
E ia purificando como um rio
Meu coração que enegrecera tanto...

E era a voz que eu ouvi em pequenino...
E era Maria, junto à correnteza,
Lavando as roupas de Jesus Menino...

Eras tu... que, ao me ver neste abandono,
Daí do Céu cantavas com certeza
Para embalar inda uma vez meu sono!…

Fonte:
Mário Quintana. A Rua dos Cataventos. Publicado em 1940.

Lima Barreto (Mais uma vez)


Este recente crime da rua da Lapa traz de novo à tona essa questão do adultério da mulher e seu assassinato pelo marido.

Na nossa hipócrita sociedade, parece estabelecido como direito, e mesmo dever do marido, o perpetrá-lo.

Não se dá isto nesta ou naquela camada, mas de alto a baixo.

Eu me lembro ainda hoje que, numa tarde de vadiação, há muitos anos, fui parar com o meu amigo, já falecido Ari Toom, no necrotério, no largo do Moura por aquela época.

Uma rapariga - nós sabíamos isso pelos jornais - creio que espanhola, de nome Combra, havia sido assassinada pelo amante e, suspeitava-se, ao mesmo tempo maquereau* dela, numa casa da rua de Sant'Ana.

O crime teve a repercussão que os jornais lhe deram e os arredores do necrotério estavam povoados da população daquelas paragens e das adjacências do beco da Música e da rua da Misericórdia, que o Rio de Janeiro bem conhece. No interior da morgue 2, era a frequência algo diferente sem deixar de ser um pouco semelhante à do exterior, e, talvez mesmo, em substância igual, mas muito bem vestida. Isto quanto às mulheres - bem entendido!

Ari ficou mais tempo a contemplar os cadáveres. Eu saí logo. Lembro-me só do da mulher que estava vestida com um corpete e tinha só a saia de baixo. Não garanto que estivesse calçada com as chinelas, mas me parece hoje que estava. Pouco sangue e um furo bem circular no lado esquerdo, com bordas escuras, na altura do coração.

Escrevi - cadáveres - pois o amante-cáften se havia suicidado após matar a Combra - o que me havia esquecido de dizer.

Como ia contando, vim para o lado de fora e pus-me a ouvir os comentários daquelas pobres pierreuses* de todas as cores, sobre o fato.

Não havia uma que tivesse compaixão da sua colega da aristocrática classe. Todas elas tinham objurgatórias* terríveis, condenando-a, julgando o seu assassinato coisa bem feita; e, se fossem homens, diziam, fariam o mesmo - tudo isto entremeado de palavras do calão obsceno próprias para injuriar uma mulher. Admirei-me e continuei a ouvir o que diziam com mais atenção. Sabem por que eram assim tão severas com a morta?

Porque a supunham casada com o matador e ser adúltera.

Documentos tão fortes como este não tenho sobre as outras camadas da sociedade; mas, quando fui jurado e, tive por colegas os médicos da nossa terra, funcionários e doutos de mais de três contos e seiscentos mil réis de renda anual como manda a lei sejam os juízes de fato escolhidos, verifiquei que todos pensavam da mesma forma que aquelas maltrapilhas rôdeuses* do largo do Moura.

Mesmo eu - já contei isto alhures - servi num conselho de sentença que tinha de julgar um uxoricida* e o absolvi. Fui fraco, pois a minha opinião, se não era falhe comer alguns anos de cadeia, era manifestar que havia, e no meu caso completamente incapaz de qualquer conquista, um homem que lhe desaprovava a barbaridade do ato. Cedi a rogos e, até, alguns partidos dos meus colegas de sala secreta.

No caso atual, neste caso da rua da Lapa, vê-se bem como os defensores do criminoso querem explorar essa estúpida opinião de nosso povo que desculpa o uxoricídio quando há adultério, e parece até impor ao marido ultrajado dever de matar a sua ex-cara-metade.

Que um outro qualquer advogado explorasse essa abusão* bárbara da nossa gente, vá lá; mas que o Senhor Evaristo de Morais, cuja ilustração, cujo talento e cujo esforço na vida me causam tanta admiração, endosse, mesmo profissionalmente, semelhante doutrina é que me entristece. O liberal, o socialista Evaristo, quase anarquista, está me parecendo uma dessas engraçadas feministas Brasil, gênero professora Daltro, que querem a emancipação da mulher unicamente para exercer sinecuras* do governo e rendosos cargos políticos; mas que, quando se trata desse absurdo costume nosso de perdoar os maridos assassinos de suas mulheres, por isso ou aquilo, nada dizem e ficam na moita.

A meu ver, não há degradação maior para a mulher do que semelhante opinião quase geral; nada a degrada mais do que isso, penso eu. Entretanto...

Às vezes mesmo, o adultério é o que se vê e o que não se vê são outros interesses e despeitos que só uma análise mais sutil podia revelar nesses lagos.

No crime da rua da Lapa, o criminoso, o marido, o interessado no caso, portanto, não alegou quando depôs sozinho que a sua mulher fosse adúltera; entretanto, a defesa, lemos nos jornais, está procurando "justificar" que ela o era.

O crime em si não me interessa, senão no que toca à minha piedade por ambos; mas, se houvesse de escrever um romance, e não é o caso, explicaria, ainda me louvando nos jornais, a coisa de modo talvez satisfatório.

Não quero, porém, escrever romances e estou mesmo disposto a não escrevê-los mais, se algum dia escrevi um, de acordo com os cânones da nossa crítica; por isso guardo as minhas observações e ilusões para o meu gasto e para o julgamento da nossa atroz sociedade burguesa, cujo espírito, cujos imperativos da nossa ação na vida animaram, o que parece absurdo, mas de que estou absolutamente certo - O protagonista do lamentável drama da rua da Lapa.

Afastei-me do meu objetivo, que era mostrar a grosseria, a barbaridade desse nosso costume de achar justo que o marido mate a mulher adúltera ou que a crê tal.

Toda a campanha para mostrar a iniquidade de semelhante julgamento não será perdida; e não deixo passar vaza que não diga algumas toscas palavras, condenando-o.

Se a coisa continuar assim, em breve, de lei costumeira, passará a lei escrita e retrogradamos às usanças selvagens que queimavam e enterravam vivas as adúlteras.

Convém entretanto lembrar que, nas velhas legislações, havia casos de adultério legal. Creio que Sólon e Licurgo os admitia; creio mesmo ambos. Não tenho aqui o meu Plutarco. Seja, porém, como for, não digo que todos os adultérios são perdoáveis. Pior do que o adultério é o assassinato; e nós queremos criar uma espécie dele baseado na lei.
______________________________
Vocabulário:
Maquereau = cafetão.
Pierreuses = prostitutas.
Objurgatórias = condenações.
Rôdeuses = vagabundas.
Uxoricida = assassino da própria esposa.
Abusão = crença, superstição.
Sinecuras =emprego ou cargo rendoso que exige pouco trabalho.


 Fonte:
Lima Barreto. Bagatelas. s.d.

Estante de Livros (O Calor das Coisas, de Nélida Piñon) 7. conto - Coração de Ouro

CORAÇÃO DE OURO


Foco Narrativo
Narrado em 3ª pessoa

Espaço
Rio de Janeiro-São Paulo. Hotel onde patrão e secretária se hospedam.

Personagens:
a) Antenor Couto - novo rico-herdeiro de grande fortuna tinha que aprender novos hábitos como os dos magnatas. A.C. torna-se “quixotesco”, atitudes tolas...como pagar o dobro do pedágio...Ser identificado pelas iniciais demonstra a importância social.
b) Secretária - sedutora, manipuladora da vida de A.C. "ar de princesa, dedos finos, delicado cerrar das pestanas, que lhe haviam recomendado como um cartão de visitas do Tiffanys"

Antenor Couto é o protagonista deste conto. Tendo recebido uma herança,  títulos, dois prédios, em São Paulo e outro no Rio de Janeiro. Reservou a suíte presidencial do hotel Sheraton em São Paulo, enviou um carro com chofer e a secretária, fundamental para Antenor, mas não como a sua agenda, pois sua vida gira em torno dela.

A linda secretária se aproveita do patrão rico manipulando-o através de uma agenda e telegramas forjados....Assim ele desfruta da fortuna do patrão. O fato de estar empolgado com o dinheiro não enxerga as artimanhas da secretária que mantém sua vida sob controle.

Jamais abandona a agenda que era o coração dos dois.

Fonte:
Profa. Sônia Targa. in OBRAS DA UEM- 2012-2013

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

José Feldman (Versejando) – 22 –

 


Contos e Lendas do Mundo (A Última Folhinha Verde)


Há muito tempo atrás, no Hemisfério Norte, havia um rei que estava de cama, muito doente ... morrendo lentamente.

Porém, mais forte do que a doença que lhe consumia, era o profundo desânimo que lhe tocava a alma. O rei havia desistido de viver.

Sua filha vinha vê-lo todos os dias e tentava animá-lo, relembrando dos bons momentos da vida.

Mas em vão, ela não reagia. O rei havia desistido e viver.

Passava os dias inteiros na cama, olhando para a janela à sua frente e observando uma grande árvore que ia lentamente perdendo suas folhas, porque o outono havia chegado.

Em uma manhã, quando a filha tentava animá-lo, o rei lhe disse:

- Sabe, filha, quando aquela árvore perder a última de suas folhas, terá chegado a minha hora de morrer...

- Que é isso pai? Que tolice! Por que amarrar o seu destino ao destino de uma árvore?

Mas o rei não a ouviu, tão absorto estava em sua melancolia.

A filha então compreendeu que existem momentos em que as palavras ficam muito pobres e não dão mais conta de acender uma luzinha no coração das pessoas.

Resolveu agir.

Assim que o pai adormeceu, a moça entrou no quarto com um pincel e um potinho de tinta verde. Subiu em um banquinho e pintou no vidro da janela, bem na direção da árvore que seu pai olhava, uma folhinha verde.

À medida em que o outono ia avançando e o inverno tomava seu lugar, as folhas da árvore desprenderam-se todas e saíram dançando ao vento...

O rei observava cuidadosamente todos os seus movimentos.

Observava, especialmente, uma certa folhinha verde muito teimosa e persistente, que não se movia do lugar e ficava agarrada a árvore, não importava o quão forte fosse o vento, quão inclemente fosse a chuva.

Até que a neve chegou e cobriu a árvore com um manto branco.

Mas, de sua cama, o rei havia atado o fio da vida àquela folhinha verde e continuava olhando-a fixamente.

E foi assim, agarrando-se à folhinha verde que o rei atravessou o inverno de sua doença e o inverno de sua alma.

Então, quando a primavera chegou e muitas novas folhinhas cobriam a árvore e aquela pequena folha verde ficou perdida entre tantas outras, o rei encontrou seu ânimo, sua vontade de viver e ficou de pé. Voltou à vida.

Mais tarde, enquanto limpava a folhinha pintada na janela a filha pensou:

- Espero que, algum dia, se o desânimo tomar conta do meu ser, alguém consiga oferecer uma folhinha verde, para que eu possa receber, através dela, a seiva da vida.

Fonte:
Conto reescrito por Rosângela Alves, do original de Magali Bonniol. La fille de l’arbre. Paris, L’école des loisirs, 2002. Disponível em Contar e Encantar.

I Concurso de Trovas Três Fronteiras (Prazo: 31 de Maio)

Realização da UBT – Delegacia de Foz do Iguaçu/PR

 REGULAMENTO

1. Do Tema. -  

1.1. Trovas líricas ou filosóficas. Máximo 02 (duas) trovas por concorrente.

A. Âmbito Nacional/ Internacional: Brasil (exceto Paraná) e demais países de língua portuguesa.  

Categorias  Veterano/ Novo Trovador:

Fronteira


B.  Âmbito Estadual : apenas Paraná.

Categoria Veterano/ Novo Trovador:

Esperança

 1.2. Para todos  os temas a palavra tema não precisa  constar do corpo da trova.

1.3. Nos âmbitos Nacional/internacional e Estadual, serão contemplados trovadores das categorias Novo Trovador e Veterano.

1.3.1. Será considerado Novo Trovador aquele trovador que não obteve até a divulgação deste regulamento, 03 (três) classificações em concursos de trova oficiais da UBT em nível nacional.  

 2. Do Prazo:

Para todos os âmbitos e categorias:Serão consideradas as trovas que chegarem até 31 de maio de 2021.
 
3. Modo de Envio:

As trovas em língua portuguesa, inéditas, deverão ser enviadas por sistema de envelopes, ou – Por e-mail.

3.1. Pelo sistema de envelope, deverá constar no envelope pequeno a categoria pela qual concorre o trovador.

As trovas deverão ser digitadas ou datilografadas.

Não serão aceitas Trovas manuscritas, mesmo que sejam em letra de forma, tampouco envelopes coloridos.

Na identificação do inscrito deverá constar: o âmbito, o tema e a categoria pela qual concorre o trovador, além de  nome e endereço completo, telefones e e-mail se tiver;

3.2. Por e-mail, para todos os âmbitos e categorias:

O inscrito deverá enviar no corpo do e-mail: as trovas, bem como, o âmbito, o tema e a categoria pela qual concorre o trovador, além de  nome e endereço completo, telefones e e-mail. NÃO SERÃO ACEITOS ANEXOS.

4. Endereço para remessa sistema de envelopes:

4.1. Todos os âmbitos e categorias - Sistema de envelopes:

I Concurso de Trovas Três Fronteiras.

A/C Carmo Braz de Oliveira.
Rua Joaquim Guimarães, nº 505, Jd. São Paulo I  
CEP. 85856360 - Foz do Iguaçu - PR


4.1.1. Para todos as categorias e âmbitos, deverá constar no envelope no envelope como remetente Luiz Otávio, e o mesmo endereço do destinatário, bem como o tema com o qual concorre.

4.2. Por E-mail, as trovas deverão ser encaminhadas para os seguintes Fiéis Depositários:  

A. Trovas Líricas/Filosóficas:  

- Âmbito Nacional e Estadual (VETERANO):
Jerson Brito:    jersonbrito.pvh@gmail.com

- Âmbito Nacional e Estadual (NOVO TROVADOR):
Lilia Souza:     liliasouza@uol.com.br


5. Da Premiação

5.1. Serão concedidos Diploma para os classificados  

6. Da Comissão Organizadora

6.1. A Comissão Organizadora resolverá os casos omissos e suas decisões serão definitivas e irrecorríveis.

6.2. As trovas remetidas em desacordo com quaisquer itens deste regulamento, serão eliminadas automaticamente do concurso.

6.3. A simples remessa das trovas significa total conhecimento e completa aceitação deste Regulamento.

Professor Garcia (Poemas do Meu Cantar) Trovas – 3 –


A aquele que arrasta a cruz
e, aos ritos do amor se entrega...
Deus põe dois braços de luz
na cruz do bem que carrega!
= = = = = = = = = = =
Adeus!... Passado tão lindo,
encanto dos dias meus!...
Disseste-me adeus, sorrindo
e, eu triste, te disse adeus!
= = = = = = = = = = =
A ingratidão se resume
num coração descontente,
a um velho facão sem gume
cortando os sonhos da gente!
= = = = = = = = = = =
Com remendos e arremedos,
em desmedidos desvãos;
alguns vão sujando os dedos
na sujeira de outras mãos!
= = = = = = = = = = =
Depois de feita a moldura
da aquarela do arrebol,
Deus pôs gotas de ternura
na rosa rubra do sol!
= = = = = = = = = = =
Do mar, a mais linda prenda
que a espuma branca ponteia,
é a camisola de renda
que as ondas tecem na areia!
= = = = = = = = = = =
Feliz Natal!... Se é feliz,
como crer nisto; afinal...
Se há tanta gente infeliz
quando é noite de Natal?!.
= = = = = = = = = = =
Hoje, eu refiz o meu ninho
e, abri janelas e portas,
para cantar com carinho
cantigas das tardes mortas!
= = = = = = = = = = =
Lembro, mamãe, do teu canto,
num doce e breve estribilho,
tentando enganar o pranto
do choro triste do filho!
= = = = = = = = = = =
Meu pensamento deduz,
seguindo os teus passos certos
que, a intensidade da luz
dobra em teus braços abertos!
= = = = = = = = = = =
Na vida há tantas essências
e aparências desiguais,
que, eu penso que as reticências
são velhos pontos finais!
= = = = = = = = = = =
Neste Natal, meu Senhor,
quando a vida se refaz...
Teu vinho, é o sangue do amor
teu pão, o corpo da paz!
= = = = = = = = = = =
O ocaso da vida, é um sonho.
Quando se alcança esse prazo,
fica um pouco mais tristonho
nosso sorriso, no ocaso!
= = = = = = = = = = =
Peço, ó tempo, que me acudas,
faz-me entender a canção
do canto das folhas mudas,
secas, mortas pelo chão!
= = = = = = = = = = =
Por temor da noite ingrata
e, antes que, a treva se afoite,
surge uma luz, cor de prata,
no teto negro da noite!
= = = = = = = = = = =
Posso dizer de joelhos
ante os teus pés andarilhos,
que escuto pai, teus conselhos
aconselhando os meus filhos!
= = = = = = = = = = =
Saudade é um sonho roubado,
que de forma inconsequente...
Vive no tempo passado,
numa ilusão do presente!
= = = = = = = = = = =
Saudade! – Velhas raízes
da solidão dos meus ais,
longe das noites felizes
dos meus antigos Natais!
= = = = = = = = = = =
Se há estradas tão dolorosas
e há cardos pelos caminhos...
Larga o caminho das rosas.
Põe teus pés sobre os espinhos!
= = = = = = = = = = =
Sei que a saudade me escolta,
mesmo triste e tão sozinho!...
Como é bom quando se volta,
mesmo velho, ao velho ninho!
= = = = = = = = = = =
Seis horas!... E, em triste canto,
o sino em seu padecer...
Vai driblando a dor do pranto
nos dobres do entardecer!
= = = = = = = = = = =
Sempre o mar nas horas calmas
dos sóis de suas manhãs,
liberta os grilhões das almas
presas, às ondas pagãs!
= = = = = = = = = = =
Sigo do ocaso ao sol posto,
da vida não me envergonho.
O tempo enruga o meu rosto
mas não põe ruga em meu sonho!
= = = = = = = = = = =
Sinto que o amor se agasalha,
nos teus olhos cor de mel...
Quando a lágrima enxovalha
meu lencinho de papel!
= = = = = = = = = = =
Um samba, dentre os mais belos
que, a memória perpetua...
E aquele, de teus chinelos
nas pedras de minha rua!

Fonte:
Professor Garcia. Poemas do meu cantar. Natal/RN: Trairy, 2020.
Livro enviado pelo autor.

Eduardo Affonso (O pior leitor é aquele que não quer ler)

Toda mulher quer ser amada, disse a Rita Lee.
Todo homem, também.

Ser amado é fácil. Basta encontrar alguém que não nos conheça a fundo.

Quem escreve quer mais que ser amado: quer ser compreendido.

Quer dizer “A” e ter a ilusão não apenas de que o leitor entenda “A”, mas que “A” signifique para quem lê algo parecido com o que significa para ele, que escreve.

Por isso é que, mais que inspiração e domínio do idioma, o escritor precisa de bons leitores.

Pode parecer uma paulocoelhice, mas o bom leitor é aquele que lê.

A maioria das pessoas não lê. Apenas foi alfabetizada – seja pelo método fonético do Ivo viu a uva ou pela pedagogia do oprimido, na qual é o patrão explorador de Ivo quem vê, vende ou devora a uva, e Ivo fica a ver navios.

O verbo “ler” vem de “legere”, que significava, originalmente, “colher, escolher”, selecionar os melhores frutos no pé, na parreira.

Ivo não só viu a uva. Ao ler a palavra “uva”, Ivo a colheu.

Assim como “cultura”, que era apenas o ato de cultivar plantas (cultura de café, cultura de cana de açúcar) e adquiriu depois o sentido de cultivar o intelecto (cultura artística, cultura geral), o verbo “ler” passou a designar o que se colhe com os olhos, o que se percebe através das letras, das palavras.

De uns tempos para cá, “ler” começou a ser uma colheita seletiva às avessas – não dos melhores frutos, mas dos bichados, bicados, imaturos, apodrecidos. Lê-se o que se quer ler, não o que se quis dizer ou o que está dito. Lê-se por meio de falácias, de silogismos. Nas entrelinhas, nas entreletras, pelo avesso.

Ler deveria ser uma forma de aprender (trazer para junto de si, levar para a memória), não de aprisionar.

Ambos – aprender e aprisionar – vêm do verbo “prehendere” (agarrar, prender), que também (como “ler” e “cultura”) tem origem rural: “prae” (à frente) + “hedera” (hera) = a trepadeira que se agarra às paredes para crescer.

Quem escreve quer ser lido (colhido), compreendido (acolhido) e amado (de “amare”, verbo que gerou amor, amigo, mãe). Talvez porque escrever (do latim “scribere”) seja, lá na sua gênese, o mesmo que cortar, fazer uma incisão.

Ao escrever, o escritor se abre. É preciso ter olhos amorosos (de mãe, de amigo, de amante) para ler (colher) os melhores frutos dessa vinha, dessa ferida.

Ler o que está fora de nós, e que o outro nos trouxe, é compreensão, aprendizado.

Ler no que o outro escreveu o que já trazemos dentro é uma forma de prisão.

Fonte:
Blog do Autor

quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

Varal de Trovas 464

 


Silmar Böhrer (Croniquinha) 15


Pois amanheci pensando na vida, no viver, nas vivências. Buscamos as transcendências que às vezes nem imaginamos. Costuramos sonhos, labutas e vilegiaturas que fazem crescer o caldo dos dias. Caldos doces, alguns, amargos, outros. Alguns, insípidos. Muitos, deliciosos.

Vamos transformando os dias numa crônica que acaba virando um
romanção. Cada um escreve o seu romance - páginas e páginas de vida que são narrativas boas ou más, neste mundo de dualidades, onde nos acostumamos a viver dando arras aos pendores e convicções, misturando fainas com os momentos de merecido lazer e - lá na frente - deixaremos um calhamaço de bons ou maus exemplos que fizeram a nossa história.

Oxalá o livro da caminhada de cada um seja uma constante de bons momentos mesclados com o remelexo do dia a dia.
 
Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Izo Goldman (Trovas Humorísticas) - 1 -


A mini saia amarela
da professora, eu bendigo...
pois, em frente à mesa dela
é que eu fiquei de castigo!...
--------------
A noiva esconde a... "cintura"...
com as dobras do vestido;
e, na igreja, alguém murmura:
– Casório... pré concebido...
--------------
Ao galo meio inibido,
diz a pata sem recato:
–  Não tenha medo, querido,
meu marido é mesmo um... pato!!!
--------------
Ao ver um vulto suspeito,
o ciumento não poupa:
dá dois tiros bem no peito
do espelho do guarda-roupa…
--------------
Cara cheia... Perna bamba,
ele mesmo se conforta,
olha a rua e diz: – "Caramba!"
Nunca vi rua mais torta!..."
--------------
"Casamento... – alguém já disse –
é chegar à encruzilhada
onde acaba a criancice
e começa a criançada..."
--------------
"Causa mortis" de um otário:
alergia ou resfriado.
Espirrou dentro do armário,
e o marido estava armado!
--------------
Da vaidade ela se exime,
é gorda mas não se importa.
Em vez de fazer regime,
mandou aumentar a porta!
--------------
Diz o Zezinho, zangado,
do zero que recebeu:
– Não acho que escreva errado,
se escrevo, o "pobrema" é meu!...
--------------
É tão magro que de frente,
parece que está de lado,
e de lado, simplesmente,
nem pode ser avistado...
--------------
Explicava, minha amiga,
os muitos filhos que tem:
– "De dia o marido briga,
de noite... fica de bem..."
--------------
Ficou rico o Zé Maria
na seca do Juazeiro,
vendendo "fotografia
de chuva"... por "dois cruzeiro"…
--------------
Na briga que o meu cabelo
e a careca estão travando,
lamento ter dizê-lo,
a careca está ganhando...
--------------
No paraquedas, fechado,
uma etiqueta dizia:
– "Se falhar ao ser usado,
reclame. Tem garantia..."
--------------
No seu discurso que cansa,
o candidato ao Congresso
me lembra que "a inguinorança"
é que "astravanca o pogresso"...
--------------
O pai da moça, que é mau,
chega em casa e acaba o "baile"...
É que o Zé, "cara-de-pau",
tava namorando em... "braile"!!!
--------------
O parafuso anda cheio,
pois tem o corpo enrolado,
cabeça partida ao meio
e vive sendo apertado...
--------------
Pergunta o padre ao noivinho:
– "É de espontânea vontade?"
e ele respondeu baixinho:
– "Não senhor... necessidade!..."
--------------
Quando abraço mulher feia
que não seja minha amiga,
ou estou de "cara cheia"
ou separa... porque é briga…
--------------
Quando pergunta o burrinho,
diz a mula, envergonhada:
– "Tu nasceste, meu filhinho,
por causa de uma... burrada!..."
--------------
Sai do museu, braço dado
com sua sogra, o Sinfrônio;
e o guarda grita, alarmado:
"Tão roubando o patrimônio!"
--------------
Se ao telefone um amigo
me pede "algum" emprestado,
eu disfarço a voz e digo:
– Senhorrr ligarrr enganado!...
--------------
Tenho medo de mulher
com marido, e mesmo sem...       
– da solteira, porque quer...
– da casada, porque tem...
--------------
Todo "barbeiro" sustenta
que a batida foi assim:
– Veio um poste a mais de oitenta,
na contra-mão, contra mim!...
--------------
Vendo alguém varrer o chão,
ele deita de comprido
e dá logo a explicação:
"Quero ser... doido varrido..."

Fonte:
Izo Goldman. Trovas de quem ama a trova.
Livro enviado pelo autor.

Estante de Livros (O Calor das Coisas, de Nélida Piñon) 6. Conto – Tarzan e Beijinho

TARZAN E BEIJINHO


Ambiente:
Rio de Janeiro, Malibu, a vida de exilados.

Foco narrativo:
Primeira pessoa.

Personagens:

Tarzan e Beijinho: homem e mulher brasileiros que tentam desvendar o seu país.
 
Narrador: 
Espectador da vida de Tarzan e Beijinho.

Beijinho e Tarzan, irmãos que são sobrinhos de Tia Gênia, uma exímia contadora de histórias. Juntos com seus amigos (inclusive o "descrente" Baguinho), eles criam as mais diversas fantasias: até um barco!

Conheci Tarzan e Beíjinho em Malibu, antes de se transferirem para o Leblon, uma praia que havia tragado o coração de almirantes batavos e sereias, litorâneas. Viviam em Malibu como se ainda pisassem as araras de Cabo Frio. Para tanto recorrendo a símbolos nacionais, desde o azeite de dendê, até à flâmula rubro-negra. E quando uma pergunta lhes soava particularmente delicada, respondiam em português, teimando em apelidar de João a Mr. Blackmur. A nostalgia do exílio, longe de debilitá-los, poupava-os de qualquer desgosto. Assim, sempre que lhes falavam de Copacabana, como um sonho distante no horizonte. - Beijinho dizia, para eu traduzir:

— Ah, a invernada de Olaria.

Eu não sabia explicar a frase a Mr. Blackmur. Havia um país a preservar. E nós éramos o país deixado atrás à altura do Rio de Janeiro. Tratava-se sim de uma festa móvel, celebrada em qualquer estação do ano, e para a qual a população era convocada. Todo o morro descia para o espetáculo. Cabia ao destino indicar os protagonistas de um festejo a que jamais faltavam bebidas, sangue e alegria.

—E quem separa a alegria da tristeza! - disse Tarzan, para que o aplaudíssemos. Beijinho prontamente condenou-lhe a antinomia em desuso, criada com intenção de ferir a uma das raças mais nobres do hemisfério.

— E a que raça ofende sem querer?

— Os ciganos. Eles choram privados de qualquer critério. Nunca sabem se é de alegria ou de tristeza. Por favor, Tarzan, não me venha mais com metáforas. Como pode ser um homem do mundo se ainda recorre às heranças deixadas no chão e pisoteadas por todos.

Induzido por Beijinho, que recém tingira o cabelo de louro, Tarzan compreendeu que deviam regressar à pátria. Mais econômico seria fingir no Rio que estavam em Malibu. O cargueiro holandês cuidou em trazê-los junto à coleção de conchas, búzios, cavalos-marinhos, o pinguim empalhado, toda a imensa concentração de salitre e mineral que Tarzan e Beijinho haviam recolhido do fundo do mar. Certa vez, eles me confessaram, no fundo do mar encontram-se nossos corações, é preciso ir ( bem fundo para ouvir-lhes as pulsações. Teria sido: um convite para eu fugir deles, me .censurariam o modo de olhá-los? Ou simplesmente suplicavam que fosse visitá-los com o aqualung até o fundo mar. Sobretudo Beijinho retraía-se sempre que tocada. Mesmo diante do gesto que tivesse como desfecho abrir-lhe o zíper do collant vermelho. O seu pudor, obrigavam e a pedir-lhe desculpas pelas uvas roubadas do seu prato em nome da minha fome. Sua vingança nestes casos era corrigir- me, dizia meu nome duas vezes: sabendo que a força dele estava em pronunciá-lo de um só fôlego. Sempre me esvaí quando o repetiam com ociosidade.

COMENTÁRIO:

Tarzan fala de força, de intrepidez, de masculinidade: refere-se ao homem. Beijinho fala de doçura, de carinho, de feminilidade: refere-se à mulher. Tarzan fora exilado da selva onde vivia. Foi acompanhado pela mulher: Beijinho. A selva é o Brasil. Malibu é o lugar do exílio. “A nostalgia do exílio, longe de debilitá-los, poupava-os de qualquer desgosto”. “Quando retornam ao Brasil, tentam descobri-lo, disfarçados de turistas, isto é, não querendo ser reconhecidos”. Na verdade, eles não se reconhecem no próprio país de origem o qual tentam decifrar e compreender. O narrador é o espectador que acompanha a trajetória de Tarzan e Beijinho.

Fonte:
– Profa. Sônia Targa. in OBRAS DA UEM- 2012-2013

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

José Feldman (Versejando) – 21 –

 


Humberto de Campos (O Gato e o Passarinho)


A encantadora Palmirinha Camargo havia concluído o seu curso de datilografia na Escola Remington, quando, uma tarde, participou, contente, a Dona Brasília:

- Sabe, mamãe, arranjei um emprego excelente. O ordenado é de trezentos mil réis!

A bondosa senhora deixou a costura, endireitou os óculos, e, chamando a filha para perto de si, ordenou:

- Senta aí. E onde é esse emprego?

A moça, risonha e inocente, explicou:

- É no escritório do Dr. Alexandre.

- E quem é esse Dr. Alexandre? É aquele que esteve, outro dia, no baile da Violeta?

Palmirinha confirmou, ingênua, e Dona Brasília, tomando-lhe as, mãos, retorquiu, sensata:

- Queres que te fale com franqueza, minha filha? Esse emprego não te convém.

A menina fixou com os seus grandes olhos claros e puros a doçura do rosto materno, e a boa senhora continuou:

- Tu és uma jovem inexperiente, um anjo que não conhece os espinhos do mundo. O Dr. Alexandre é um moço esperto, um homem habituado a lidar com as fraquezas alheias. Se se tratasse de um escritório grande, de uma casa em que trabalhassem outras moças ou outros advogados, eu não teria receio; mas, assim, com ele e tu, sozinhos, no escritório, o meu coração não poderia ficar descansado.

- Oh, mamãe! - estranhou a moça, corando. - A senhora não tem confiança em mim?

Dona Brasília compreendeu a ofensa que fizera àquele pedaço do seu coração, e, para não insistir, atalhou:

- Tenho, minha filha, tenho toda a confiança em ti.

E concordou, beijando-a nos olhos:

- Está bem, vai. Amanhã, podes ir para o teu novo emprego.

A moça pulou, contente, beijando sofregamente a testa, a cabeça, a face, a boca e os olhos maternos, e, à noite, ia recolher-se, quando D. Brasília chamou:

- Palmira?

- Senhora! - acudiu a, mocinha.

Bondosa e grave, a digna senhora pediu:

- Traze daí a gaiola do teu canário.

A moça foi à copa, e voltou com a gaiola, onde um canarinho dormia, sossegado, muito encolhido, muito amarelo.

D. Brasília abriu a portinhola daquele carcerezinho de ouro, e, indo à cozinha, voltou com o gato na mão.

- Para que é isso, mamãe? - indagou a moça, espantada.

Para meter na gaiola, com o canário.

- Oh, mamãe! - gemeu a mocinha, horrorizada.

- Que mal faz? - indagou D. Brasília, sorrindo significativamente para a filha. Tu não tens confiança no teu canário?

Palmirinha compreendeu o alcance da lição, e atirou-se nos braços maternos, prometendo, entre soluços:

- Eu não irei, minha mãezinha; deixe estar, eu não irei!

E não foi. No dia seguinte, contrariando as esperanças do gato, o canário amanheceu feliz e simples, cantando na sua gaiola…

Fonte:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. 1925.

Isabel Furini (Poemas Avulsos) II


ÀS 3 HORAS


Nada a declarar - além da ferrugem
mastigando meus pés de metal

na garganta guardo um silo de palavras
que também foram atingidas pela ferrugem
das noites de insônia
quando a solidão avança sobre os párpados*
e invade as retinas
e conspira contra o relaxamento de meus ombros
e não me deixa dormir

são 3 horas da madrugada – momento de escuridão  
é nefasto esse horário de desamor e solidão.
_____________
* Párpados - pálpebras.
* * * * * * * * * * * * * * * *  

CERCEAR

quero purificar o meu passado
- cercear
os bicos e as asas
desse corvo-fantasma
que  crocita ao anoitecer
e enquanto crocita
multiplica
as sombras do ontem
e ao dançar na desajeitada memória
acorda os terrores noturnos.
* * * * * * * * * * * * * * * *  

DONS

a poesia possui dons ocultos
:
transforma ideias contaminadas em água pura
e ajuda
a exorcizar os fantasmas do passado
que dormem no precipício das paixões.
* * * * * * * * * * * * * * * *  

PALAVRAS NECESSÁRIAS

Não cantarás
    usando palavras vãs
não jogarás
    palavras ao mar
    nem ao vento
- só ao fogo
    pois consome as vaidades.
* * * * * * * * * * * * * * * *  

POEMA TORTO

quase morto e com os pés tortos
o poema enfrentou o desconforto
da análise

rebelde
e com teimosia
o poema gritou
que não era um ser mimético
ele era dialético
magnético
e frenético
e queria ouvir
alguma conclusão derivada
da vertigem instaurada entre a tese e a antítese

nos anais filosóficos
o poeta vislumbrou as águas do rio de Heráclito
onde a vida e a morte se encontram
e se abraçam
e bebem a ambrosia dos deuses Olímpicos
e angústias e alegrias
e provocam a catarse da poesia.
* * * * * * * * * * * * * * * *  

Isabel Furini é escritora, poeta, palestrante  e educadora. Natural da Argentina, radicada em Curitiba/PR. Autora de 35 livros, entre eles, “Os Corvos de Van Gogh” (poemas). Seus poemas foram premiados no Brasil, Espanha e Portugal; é criadora do Projeto Poetizar o Mundo; membro da Academia de Letras do Brasil/Paraná; membro da AVIPAF (Academia Virtual Internacional de Poesia, Arte e Filosofia), coeditora da Revista Carlos Zemek de Arte e Cultura; recebeu Comenda Ordem de Figueiró, Artes e Cultura do Brasil em Rio de Janeiro; foi nomeada Embaixadora da Palavra pela Fundação Cesar Egido Serrano (Espanha, 2017); Participou de Antologias poéticas em Portugal, Argentina e Chile; Foi convidada para palestrar sobre a arte de escrever, na Feira Internacional do Livro de Foz de Iguaçu, na Feira do Livro e da Leitura de Campo Mourão/PR, e na Felima (Festival Literário Internacional de Machadinho/RS); Realizou recitais poéticos na 36a. Semana Literária do SESC & XV Feira do livro da UFPR, em 2017, e um Recital Poético na Biblioteca Pública de Burlingame, Califórnia, USA, em 2018. Seus poemas foram premiados no Brasil, Espanha e Portugal.

Fonte:
Versos e biografia enviados pela poetisa.

Arthur de Azevedo (Poverina)


Era naquele tempo o Salazar uma das figuras mais salientes do nosso diletantismo literário. Os seus artigos de critica, os seus versos, os seus contos, as suas fantasias estavam ao alcance de todas as inteligências, e eram lidos, senão com avidez, ao menos com simpatia.

Ele tornara-se conhecido, quase célebre, e não atravessava a Rua do Ouvidor sem ouvir estas e outras frases que o enchiam de orgulho: - Lá vai o Salazar! - Olha o Salazar! - O Salazar é aquele!

Pouco a pouco essas manifestações da admiração indígena o foram empanturrando de desvanecimento e vanglória, e não tardou muito que ele se julgasse, coitado! superior a quantos o cercavam, fazendo sentir a sua superioridade com uma importância ridícula.

O toleirão era casado, e a primeira vítima da transformação do seu caráter foi a própria esposa, excelente rapariga, bem educada, inteligente, muito inteligente, mas tímida, daquela timidez peculiar às moças brasileiras que não perderam noites em festas e bailes.

Estavam casados havia três anos, mas o literato nunca estudara nem compreendera sua mulher. Volvido o período da intitulada lua-de-mel, todo de brutalidade e egoísmo, e começando a aura do publicista, ele afastou-se da esposa tanto quanto uma pessoa pode afastar-se de outra com quem almoça e janta quase todos os dias, e com quem vive debaixo das mesmas telhas.

Não tinham filhos; faltava-lhes esse traço de união, que talvez os tivesse aproximado.

Entretanto, ela não se queixou nunca da indiferença do marido; sendo, aliás, bonita, muito bonita, mostrou uma resignação que ele seria o primeiro a admirar, se todo o tempo não lhe fosse preciso para admirar-se a si próprio.

Aquela frieza, aquela sobranceria, aqueles ares de semideus ainda mais se acentuaram quando o Salazar, um dia, recebeu, pelo correio, longa carta em que uma desconhecida, sob o pseudônimo de Poverina, manifestava pela sua interessante pessoa uma simpatia e uma admiração excepcionais.

O que mais o impressionou nessa missiva anônima foi o primor da forma. A desconhecida revelava cultura intelectual superior à dele, e dizendo-se, aliás, sua discípula, mostrava notáveis qualidades de estilista, que o outro não possuía.

A princípio supôs Salazar que a correspondência fosse de algum marmanjo, desejoso de se divertir à custa dele; mas outras e sucessivas cartas o convenceram do contrário. Quem quer que fosse tinha delicadezas femininas de que nenhum homem seria capaz.

Colocando-se, sempre com encantadora modéstia, num plano subalterno, a escritora aconselhava-o com muita discrição e habilidade, a corrigir-se de uns tantos defeitos; apontava-lhe contradições, incongruências, descuidos gramaticais, ligeiros solecismos indignos da pena de um escritor reputado; mas atribuía tudo à precipitação com que ele escrevia, e nem por sombras aludia à sua ignorância, muitas vezes apanhada em flagrante. Um homem não seria tão generoso.

Demais, essas observações e conselhos eram acompanhados de confissões gravíssimas. Ela declarava que o seu maior prazer seria, se pudesse, estar perto dele no seu gabinete de trabalho, auxiliando-o, passando a limpo os seus escritos, procurando um termo no dicionário, caçando um sinônimo, verificando um trecho em qualquer obra citada, corrigindo aqui um descuido, preenchendo ali um claro, mudando as penas, enchendo o tinteiro, cortando o papel em tiras, etc. "Enfim, dizia ela, quisera ser a tua secretária, uma secretária a quem, terminado o trabalho, remunerasses, não com dinheiro, mas com beijos e carícias.

"Mas para isso, continuava a desconhecida, seria preciso que um e outro fôssemos livres, e somos ambos casados; nem meu marido nem tua mulher merecem que os enganemos.”

O Salazar respondia a todas essas cartas, e, escusado é dizer, empregava súplicas, argumentos, razões, para que a Poverina se desvendasse.

Ela resistia energicamente. "Não procures saber quem sou; nunca o saberás. O encanto das nossas relações é esta abstração, este delicioso platonismo. Imagina que somos Heloísa e Abelardo, e que estamos separados por uma fatalidade psicológica…”
* * *

Durante um ano a correspondência continuou assídua de parte a parte. O Salazar recebia pelo correio as cartas de Poverina, e respondia-as pela posta-restante.

Pediu-lhe um dia que não lhe dissesse o seu nome, mas lhe mandasse ao menos o seu retrato. "Não, respondeu ela; mandar-te o meu retrato seria o mesmo que te dizer quem sou. Não suponhas que deixo de satisfazer o teu pedido pelo receio de me achares velha ou feia. Sou muito mais nova que tu, e de feia nada tenho. Digo-te mais: pelo interesse, pela insistência com que olhaste para mim certa vez em que nos encontramos na rua, creio que me achaste bonita... Não calculas como nessa ocasião tive ímpetos de me atirar nos teus braços, dizendo: - Poverina sou eu..."

O Salazar estava, por fim, radicalmente apaixonado, e, a proporção que esse amor desesperançado e extravagante o ia absorvendo e exacerbando, ele mais indiferente se mostrava para com a infeliz esposa, cada vez mais resignada, mais conformada com a sua triste sorte de mulher posta a um canto.
* * *

Mais seis meses de correspondência, e o caso tomou uma gravidade terrível. O Salazar estava obcecado por aquela mulher, por aquele fantasma, por aquele mistério! Já não produzia nada, limitando-se apenas à sua tarefa epistolar, que lhe monopolizava o espírito, como se fosse uma obra de fôlego, um trabalho de grande transcendência filosófica.

Um dia escreveu a Poverina, dizendo que não lhe era possível continuar a viver naquele desespero. Se ela não lhe proporcionasse ocasião de vê-la, de estar ao seu lado, gozando o benefício divino da sua presença, ele procuraria no cano de um revólver a tranquilidade que lhe fugira.

Depois de três ameaças idênticas, formuladas em termos decisivos, Poverina cedeu, marcando a Salazar uma entrevista a noite, no Largo do Machado, naquele tempo mais sombrio e menos frequentado que hoje.

Calcule-se a impaciência com que o literato contou as horas!
* * *

Cinco minutos antes do momento aprazado, ele entrou no jardim, e viu, de longe, uma mulher de preto, com o rosto coberto por um véu, sentada no banco indicado na carta de Poverina.

O coração do mísero saltava, as suas mãos estavam geladas, todo ele tremia...

Foi nesse estado que o Salazar se aproximou daquele vulto de mulher.

Ela convidou-o com um gesto a sentar-se.

Ele sentou-se.

- Aqui me tem! disse Poverina, erguendo o véu.

O publicista ficou estupefato: era a sua própria esposa!

- Tu?... que é isto... Eu... Tu... Eras tu que...?

- Sim, era eu que...

- Não é possível!

- Tenho em casa todas as minutas das cartas de Poverina. Podes encontrar.
* * *

Dali por diante aquele desalmado, que nem sequer conhecia a letra de sua mulher, foi o modelo dos maridos, e ela o modelo das secretárias.

Diziam até as más línguas que o secretário era ele. Não sei: já morreram ambos e a coisa ficou em família.

(Correio da Manhã, 22 de janeiro de 1905)

Fonte:
Arthur de Azevedo. Contos vários.

Estante de Livros (O Calor das Coisas, de Nélida Piñon) 5. Conto – Finisterre

FINISTERRE


Cabo Finisterre (Cabo Fisterra na língua galega): Península no oeste da Galícia, Espanha. Cidade distante 80 km de Santiago de Compostela, a noroeste da Península Ibérica, na Espanha.

Ambiente:
Casa do Padrinho, numa ilha em Finisterre, no litoral da Espanha, terra dos antepassados da autora. Os fatos passam-se durante uma visita ao Padrinho já idoso.

Foco narrativo:
Primeira Pessoa.

Personagens:

Padrinho: Padrinho de batismo da autora.
Afilhada: A própria autora, Nélida Piñon.
Maruxa: Parente? Empregada da casa da avó?
Avó
Irmã do Padrinho
Amigos do Padrinho

É um texto emotivo de encontros e despedidas. O padrinho de 70 anos, morador da ilha, que é visitado pela sobrinha. O conto é um passeio pela gastronomia galega.

A protagonista da narrativa cruza o Atlântico para encontrar o padrinho de 60 anos, que vive em uma ilha galega. Tal mudança de espaços transborda significados. Por um lado, a viagem acena para a personagem com gestos confortadores, ao representar uma imersão em um núcleo originário:

“Olhei-o firme, fique tranquilo, padrinho, hei de salvar-me à custa dos próprios escombros. Por isso vim à ilha, recolher força e origem, terei então vida por tempo ilimitado”.

Por outro lado, o deslocamento assusta com ameaças de desintegração:

“Cabia-lhe, pois, cuidar que eu levasse de volta ao Brasil os mesmos olhos com que chegara. Sem perder a nacionalidade, este cravo espetado no coração. Padrinho, sou uma brasileira aflita com as trilhas do mundo. Assim, até um centolho ameaça o meu futuro, força-me à vigília, ensina-me a honra e a incerteza ao mesmo tempo.”

É a novidade da experiência representada pela mudança de espaço que lhe atravessa o corpo como uma adaga, sacudindo-lhe a identidade que, ameaçada, tenta se recompor novamente.

Não há dúvida – a identidade do ser se molda no contato com os espaços que ele habita e percorre. Mas, na escrita pessoal de Nélida Piñon, a conquista discursiva do espaço, além de se integrar na apresentação identitária da protagonista, vai além, assumindo uma simbologia marcante, essencial para a apresentação de si mesma que a escritora constrói, como as análises que se seguem pretendem mostrar.

Ambos são galegos, raça forte e emotiva. O almoço e o passeio são cheios de imagens de carinho e ternura do padrinho. Enfim a narradora se despede como quem nunca mais vai voltar a ver as pessoas queridas que deixa na ilha.

O título do texto Finisterre tem a ver com a lenda local que diz ser ali o lugar onde o "o Homem ia se confrontar com o Fim, com o seu fim, com a Morte”.

O texto coloca como personagem principal o padrinho, um velho que se aproxima da morte. Entre os povos ibéricos é profunda a relação entre padrinho e afilhado,visto que os padrinhos dos filhos são escolhidos cuidadosamente entre os amigos e parentes com os quais se tenham fortes laços afetivos.

Fontes:
– Cecília de Macedo Garcez. Cartografias Identitárias na Escrita Pessoal de Nélida Piñon. Niterói: UFF, 2013. Tese de doutorado.
– Profa. Sônia Targa. in OBRAS DA UEM- 2012-2013