sábado, 22 de janeiro de 2022

A. A. de Assis (Saudade em Trovas) n. 27: Newton Meyer

 


Humberto de Campos (Modas...)

A imprensa carioca tem mostrado, nestes últimos tempos, um desusado interesse pelo Japão. "A Noite" mantém em Tóquio um correspondente epistolar, o Sr. Carlos Abreu, e não há quem não tenha lido, e quem não admire, no Rio, as crônicas deliciosas que o nosso cônsul em Kobe, o Sr. Osório Dutra, está mandando para "O Imparcial".

Despertada assim a fome de pitoresco do público, não há, hoje, quem não deseje conhecer a terra do Mikado, com as suas "geishas", os seus crisântemos, as suas cegonhas azuis e as suas cerejeiras cor de rosa, enfim, o Japão verídico ou de legenda, com os seus pequenos leques de seda e os seus grandes templos de porcelana.

Entre os curiosos desse gênero está, como era natural, o antigo engenheiro da Central do Brasil, Dr. Guilherme Viana, cuja velhice decorre, hoje, no meio da melhor prosperidade econômica, ao lado da esposa, a virtuosa Dona Saturnina, da filha viúva, D. Odete Meireles, e da sua encantadora sobrinha Maria Otávia, botão de rosa de dezoito pétalas, que é, pode-se dizer, uma segunda filha do casal.

Interessado, dessa forma, pelo Império do Sol Nascente, o velho engenheiro perguntou-me, outro dia, se eu possuía nas minhas estantes alguma obra sobre o Japão. Eu lhe falei em cinco ou seis, entre as quais as dos nossos patrícios Drs. Oliveira Lima, Luiz Guimarães e padre Feitosa, e o meu amigo escolheu:

- Mande-me o livro do padre. Deve ser mais fiel, mais de acordo com a verdade. E mande-me outro qualquer, de autor estrangeiro.

No dia seguinte remetia-lhe eu a "Viagem ao Japão", de monsenhor Feitosa, e uma obra de Mabel Bacon, americana, traduzida, há anos, para o francês, com o titulo de "Jeunes filles et femmes au Japon".

Ontem fui visitar o meu velho amigo, a quem encontrei com os dois volumes em cima da mesa, rodeado das três senhoras que lhe compõem a totalidade da família.

- Excelente livro, o do padre! - observou-me, de sopetão, o meu velho camarada. - Achei apenas um pouco exagerado, naquela parte em que ele diz ter visto os soldados de um destacamento tirarem a farda, e descansarem, nus, à vista de toda gente, ao lado das baionetas.

- E o outro livro, o da americana? - indaguei.

- Também tem exageros, excessos abomináveis, como, por exemplo, esse em que a autora conta que, no interior do país, as camponesas trabalham ao sol, cultivando a terra, tendo sobre o corpo unicamente um chapéu de abas largas, e, à cintura, um leque, amarrado por um cordão.

- Como é essa vestimenta? - indagou

D. Odete, intervindo.

- Um chapéu de palha, e um leque à cintura. - repetiu o pai.

- E nada mais! - acentuou.

A essa informação, D. Saturnina juntou as gordas mãos sobre o estômago, espantada:

- Meu Deus! Parece até "toilette" do Municipal!

Mas não terminou. Escandalizada com aquela heresia, a viúva interrompeu-a, protestando, logo, não em nome da decência, mas em nome do bom gosto:

- Oh, mamãe, assim, também, não!

E acrescentou, com horror:

- Onde a senhora já viu a gente ir ao Municipal de chapéu?!...

Fonte:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925.

Isabel Furini (Poemas Avulsos) III


FIM DE TARDE


Insignificante a vida humana...
sentimo-nos tão importantes
e somos gotas de água
(delirantes)
no imenso mar da eternidade.
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

O FOGO DAS LETRAS

O fogo de Prometeu
despertou as almas

as almas escolheram palavras
para fazer acrobacias
e acenderam o fogo poético das Academias
eternizando a chama das letras

as Academias de Letras
são mestras do mundo
inspiram, orientam, motivam
e incentivam a busca do saber profundo
divulgam os livros
convocam leitores
alimentam os sonhos
dos literatos e dos poetas
engrandecem as almas
e aumentam o encanto
semeando a cultura, o amor e o espanto.

(3. lugar no Concurso da Academia Fluminense de Letras, em 2018)
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

O POETA

Sonha com poemas
e acorda na noite,
escrevendo com os dedos
versos no ar.

Adora
navegar sobre ondas de folhas em branco,
velejar nos cadernos novos,
pular sobre areias de palavras,
correr na praia procurando o Verbo.
Livros, cadernos, papéis e mais papéis...

Continua a lutar com ondas indomáveis,
organiza os termos,
mas só ancora no oceano dos sentimentos.
Nesse instante,
o poeta compreende o poder do caos primordial.

(1. lugar no Concurso de Poesia de São José dos Pinhais, PR, 2002. Poema escolhido para o Projeto Leitura no Metro de Belo Horizonte/MG, parceria entre o Programa da A tela e o texto da UFMG [Universidade Federal de Minas Gerais] e a CBTU [Companhia Brasileira de Trens Urbanos], 2007)
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

POESIA DAS ASAS

(sons de asas ao vento)
dançando entre sombras
essa escultura ulula dependurada do teto

retrai-se o tempo
encolhe-se para observar o recinto
e pula entre os gravetos
dos minutos devorando-se a si mesmo
o passado entra pela janela de uma catedral
e invade o presente
(sons de asas ao vento)

(Poema inspirado em uma escultura de José Antonio de Lima, recebeu Menção Honrosa no XII concurso Fritz Teixeira de Salles, 2014)
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

QUARTO SEM SOMBRA

esquecido do mundo Vincent pinta
(cartografia de subterrâneos anseios
tatuados no corpo e nas mãos )

o eu instintivo (adolescente)
extravasa emoções
extasia-se nas cores dos trigais
nas expressões dos rostos operários
nas luzes de Arles

pinta em um ritmo alucinante
pinceladas justapostas ganham vida
ele retrata seu quarto
obsessivamente

o quarto não tem sombras
ignora-as (elas o aterrorizam
com suas histórias)
mas as sombras
tentam entrar pela janela entreaberta
espreitam
(invisíveis)
desde as paredes do quarto do quadro do artista

a loucura perambula pela casa amarela

(Poema inspirado no quadro: O quarto, de Vincent Van Gogh – Outubro de 1888 – Museu Van Gogh, em Amsterdã = 1. Lugar no concurso da Academia Itapemense de Letras, SC, 2010)

Fonte:
Isabel Furini (org.). Os Melhores Poemas - 2020: Antologia. e-book.

Murilo Rubião (D. José não era)


"Vinde todos, ajuntai-vos,
povos indignos de ser amados."
(Sofonias, II, 1)


Uma explosão violenta sacudiu a cidade. Seguiram-se outras - menores e maiores. Desnorteado, o povo corria de um lado para o outro. Alguém que se conservara calmo no meio de tanta desordem gritou:

-  Não é o fim do mundo!

Eliminada a pior hipótese, surgiram novas conjeturas:

-  Para um bombardeio, faltavam os aviões.

-  Exercícios de artilharia?

-  Muito provável! - apoiaram alguns, apressados em explicar o mistério.

-  E os canhões? - indagaram os mais lúcidos.

Houve quem falasse de uma invasão misteriosa, para em seguida concordarem todos: D. José estava matando a esposa a dinamite.

Os populares hesitaram em aproximar-se do prédio. Após curto silêncio, vários estampidos foram ouvidos. Um vagabundo, que ainda não se emocionara com os acontecimentos, comentou:

-  Será que a dinamite foi insuficiente e ele recorreu ao revólver? Tornaram-se pálidos os rostos e, ansiosos, aguardaram o final do drama.

1  - Tragédia?

Não. D. José estava experimentando fogos de artifício.

Ninguém quis confessar o desapontamento nem o gasto inútil de imaginação que, naquela meia hora de terror, fora exagerado nos espectadores.

- Não a matou desta vez, mas ela não escapará de outra. Seu ódio por D. Sofia é incontrolável.

2 - D. José odiava alguém?

Calúnia! Amava a mulher, os pássaros e as árvores. Ela, sim, detestava-o, irritava-se com os animais.

Infelicidade conjugal?

Nunca! Os esposos combinavam admiravelmente bem.

Mas, entre os habitantes do lugar, não havia quem acreditasse nisso:

- Ela finge amá-lo somente pelo seu dinheiro. Estúpidos! D. José era o homem mais pobre da cidade e tinha uma úlcera no estômago.

3 - A mais leve contestação, contrapunham-se novas acusações:

-  E os meninos, que choram noite adentro, famintos, espancados?

Falso! D. José perdera os filhos (cinco), vítimas da tuberculose. Agora recordava-se deles manipulando um aparelho que imitava o pranto infantil. E comovia muito mais que qualquer choro de criança.

4 - D. José falava sempre de um livro que estava escrevendo. Um livro sobre duendes.

Era um fabulista?

Não. Os duendes habitavam a sua própria casa, ao alcance de seus olhos.

Seria a mulher um deles?

5 - Um dia encontraram-no enforcado. Disseram imediatamente:

- É só fingimento. O nó está pouco apertado.

- Vejam que cara matreira! Está zombando de nós. Infâmia! D. José suicidara-se mesmo.

Por quê?

Todo o mundo fingiu não saber.

6 - Aos que lhe tomaram a defesa, anos após a sua morte, perguntavam:

-  Afinal, o que fazia esse D. José? Se não fumava, não bebia, não tinha amantes?

- Amava o povo.

- E o povo?

- Observava-o com ferocidade.

7 - Mais tarde erigiram-lhe uma estátua. Com um dístico: "D. José, nobre espanhol e benfeitor da cidade".

Derradeira mentira. D. José era um pobre-diabo e não possuía nenhum título de nobreza. Chamava-se Danilo José Rodrigues.

Fonte:
Murilo Rubião. Contos reunidos. Publicado em 1953.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

Varal de Trovas n. 544

 

José Fausto Toloy (O taxista e as cartas de amor)


“Todas as cartas de amor são ridículas,
não seriam cartas de amor
se não fossem ridículas”
- Fernando Pessoa


Ponto de táxi da rodoviária de cidade do interior do Paraná. Do ônibus desce um senhor comum até com ar respeitável de bom caráter.

— O senhor pode me levar neste endereço?

— Sim, sou o primeiro da fila, mas se quiser escolher um carro melhor, mais novo...

— Não, não, o seu está ótimo, cheguei de viagem de longe e estou muito cansado, será apenas uma visita...

— Aqui está , rua Porto Alegre,1086, dizia perto de um bosque.

— Esta rua agora mudou o nome. É Theobaldo Blume, nome de padre falecido num acidente!

— Vou enfim conhecer alguém muito especial e estou ansioso...

— É a primeira vez no Paraná?

— Sim, mas vou conhecer minha musa, que escreve cartas maravilhosas, sensível, uma mulher encantadora que todo homem sonha amar.

– Sei, sei, que ânimo, hein! — retruca José e olha desconfiado pelo retrovisor do Ford Corcel Del Rey.

Chegando ao endereço, o carro para a alguns metros do portão da casa de alvenaria, com enfeites de pedra São Tomé e jardim bem cuidado.

— Tá bom aqui, assim pode ter privacidade!

— Tá ótimo, meu bom homem, já volto!

Depois de apertar a campainha uma senhora, tipo idade da loba, questiona:

— Pois não! Seja breve, porque estou com bolo no forno, sim!

— Você é Sandra dos Santos?

— Sim, sou eu e o senhor que deseja?

—Vendedor de Enciclopédia Barsa...

– Não interessa… filhos já crescidos.

– Mas gosta de poesia e curte Drummond?

– Não leio muito!

Olha a mulher do semblante aos pés e dá desenxabido tchauzinho, depois esbaforido, corre de volta para o táxi ofegante:

– Vamos, vamos, taxista, de volta para a Rodoviária que quero pegar o próximo ônibus de volta pra São Paulo, nesta cidade maldita jamais colocarei os pés...

— Mas, o senhor conhece essa senhora?

— Não! Nunca tinha visto antes! Achei que fosse, pelas cartas, moça romântica e linda, que citava Drummond, Vinicius, Pessoa e...

— Quem são essas pessoas?

– Poetas, claro, já que vi que é ignaro em cultura, semi analfabeto também?

– Não precisa ofender, senão te largo na rua, seu frustrado!

Segue silêncio entre os dois homens.

– Ei, moço , estaciona naquela esquina que vou espairecer um pouco. Que droga!

Saiu correndo desesperado e entrou no bosque! Esqueceu o bauzinho no banco! Será que errei o endereço e não era a pessoa que procurava...

Ao abrir o baúzinho José encontra as cartas de amor e começa a ler…
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

Conto integrante do livro Andanças pelo Mundo da Palavra (Prelo em Amazon books)

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Ronnaldo de Andrade (Colar de Spina)


Dia 10 de dezembro de 2021 fez dois anos que o SPINA veio à luz. Em comemoração, criei o Colar de Spina. Eu, enquanto criador dessa Nova forma poética, sinto-me feliz em ver sua solidificação acontecendo: Foram publicados no decorrer desse tempo (dois anos) cinco livros solos e duas Antologias exclusivamente de Spina (seis desses livros foram publicados em dois mil e vinte e um. Todos esses livros totalizam um 1.150 exemplares, sem contarmos com o sétimo livro, pois foi publicado em formato e-book e não sabemos a quantidade de exemplares), além de o SPINA marcar presença em coletâneas diversas, organizadas por outras pessoas, em revistas e blogs; estar sendo ensinado em escolas, estudado em Academias de Letras e outras entidades.

Fiquemos agora com as Regras e em seguida o Colar de Spina.

O Colar de Spina é constituído por um único título, o primeiro, e ele terá que fazer referência ao assunto (conteúdo) abordado nos oito Spinas que formarão o Colar. Antes do título é necessário colocar o cabeçalho COLAR DE SPINA ou Colar de Spina, mas o título tem que ser todo em maiúsculo. Cada texto precisa ser independente, ligado um ao outro somente pelo assunto (conteúdo), ou seja, um Spina não complementará o outro como se fosse estrofe subsequente.

É necessário que cada Spina tenha vida independente: sentido completo. Os Spinas precisam ser numerados e com espaço entre um e outro.

A primeira palavra do segundo Spina deverá ser uma trissílaba retirada da segunda estrofe do texto anterior, e assim se sucederá até o último. O último Spina, além de ser iniciado por uma acepção trissílaba retirada de um dos versos da segunda estrofe do Spina anterior, sua última rima deverá ser a palavra trissílaba que começou o primeiro Spina do Colar. No exemplo abaixo perceberemos que Atraque iniciou o primeiro Spina e finalizou o último.

O Colar de Spina pode ser composto por mais de uma pessoa. Sugiro que no máximo oito! 
 
Nota do Blog: A palavra trissílaba foi destacada em negrito para uma melhor visualização

COLAR DE SPINA

O VIAJANTE


Atraque seu barco,
atire-se nas águas,
viva esse instante.

Permita que a sereia cante
às dores de amores findos,
um hino para cada amante.
Depois siga avante. Vá, vá,
singrando o mar, ó viajante.

2
Singrando o mar,
furando as ondas,
avisto o barquinho.

Ele some assim, bem devagarinho,
naquele seu sobe, desce contínuo,
livre, semelhante a um passarinho.
Na bandeira levantada está escrito:
"Nenhum homem deverá ir sozinho".

3
Naquele oceano imenso,
emergido nas angústias,
vislumbrava o horizonte

desconhecido, sempre à sua frente,
como certo alguém guiando alguém
silenciosamente a caminho da fonte.
O Viajante, velho barqueiro solitário,
navegava tentando criar uma ponte.

4
Tentando se libertar
da intensa sensação
de amor tresloucado,

que faz do nosso peito
um hospício, da paz (ah,
a paz!) ser rio estourado;
sim, assim vai o homem,
sem o bem mais amado!

5
Hospício das águas,
às vezes... revoltas
ou pouco cristalinas,

que abriga saudades, lágrimas, dores
de amores colossais, intensos, findos;
almas tristes, felizes, velhas, meninas.
Esse oceano infinito acolhe andarilhos,
quais as tais locomotivas clandestinas.

6
Intensos têm sido
alguns dias atuais
que não evaporam

no ar, rápidos, como desejado.
As horas trazem infindo tempo,
são bichos (às vezes devoram
os momentos felizes) um tanto
famintos. No mar, elas choram.

7
Infindo caminhar terminal,
ectoplasma do reencontro,
utópica veracidade poética

sacodem no peito o coração
como um navio tantas ondas.
Nada mais há nessa dialética,
além de um recordar contínuo
ancorado na alma já diabética!

8
Recordar é: reviver,
reassitir aos filmes,
novo ritmo – tic-tac,

tic-tac – do órgão humano – tic-tac.
O passado distante faz-se, presente,
deixando tantas vezes em destaque
uma terna ingenuidade. Oh, viajante,
jamais nessas emoções se atraque!

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Aparecido Raimundo de Souza (O Caso do Porco Subtraído)

O TÚLIO RESOLVEU entrar no sítio do velho Siqueira que criava porcos para abate e levar, na mão grande, um dos milhares que ele mantinha nos chiqueiros. Como a divisa da quinta do sujeito ficava perto da herdade onde morava com os pais, o criador de galinhas e plantador de café Bartolomeu Carrancudo, o rapaz fez um planejamento bem simples e objetivo para não ser pilhado em flagrante e tudo que esquematizara rolasse por água abaixo. No dia que botou na cachola ser o momento propício, se alinhavou para praticar, sem mais delongas, o que levou quase um mês sopesando pós e contras.

Este dia seria o domingo. Geralmente, nos finais de semana os empregados do comerciante (como os de seu pai) relaxavam a guarda, o que lhe daria uma excelente margem para penetrar nas contiguidades do velhote e subtrair um dos animais sem ser apanhado com a boca na botija. Portanto “flexível a investida”, concluiu satisfeito e seguro de si. Esperou dar meia noite. A partir daí, se armou de uma lona de plástico, pegou seu pequeno caminhão e partiu para o desafio. Já em terras alheias, se protegendo entre árvores, caindo aqui, tropeçando ali, chegou, finalmente, aos barracões onde ficavam instaladas as pocilgas.

Em meio a enorme manada dos “sus scrofa domesticus”* que se descortinou à sua frente, Túlio carecia, no menor tempo possível, escolher um quadrúpede artiodáctilo* que não fosse muito obeso para ser melhor conduzido, uma vez que seu regresso até onde deixara o transporte amoitado, se daria pela mesma leiva, todavia, aquela hora da noite, totalmente desconhecida. Havia um outro detalhe que não poderia ser esquecido. Talvez o pior deles. Dependendo do peso do bunodonte* “escolhido”, a sua caminhada se faria duplamente penosa. Baseado nessa teoria da balança invisível, pinçou o “doméstico” que achou moleza manobrar a sua “barrilesca” carga sem muito esforço. Com ele em volta do pescoço, embrulhado no plástico que trouxera, tratou de picar a mula.

Não contava com um pormenor. O infeliz do suíno “rufião” chafurdado em excrementos os mais diversos, tranquilo e em paz, retirado assim, à força, sem prévio aviso, no cômodo do descanso, em seu persigal*, é lógico, ao se ver fisgado, se abriu endoidecido em sons engraçados e bizarros. A voz do cerdo é, por natureza, um tanto esquisita, e, de certa forma, excêntrica. Ao se sentir em perigo iminente, o coitado mandou ver num enraivecido iiihhh... iiihhh... iiihhh... iiihhh... quebrando a quietude silenciosa da noite lúgubre e entenebrecida.

Na revinda (*regresso), Túlio usaria a mesma picada de acesso. Não tinha como atalhar. Por conta, o medo enorme que sentia em ser pego por funcionários triplicou. Afora isso, levado pela chatice enervante do mamífero resmungando atabalhoadamente, por entre guinchos e grunhidos, tais cantorias deixavam os seus nervos frangalhados, ou melhor, emporcalhados.

— Cala essa matraca. — Observou a certa altura – Precisa ficar dando banda com esses sons aborrecidos em meus ouvidos?

O rapaz cochichava com o suidae* como se a criatura fosse alguém de entendimento pleno que pudesse ouvir e assimilar os seus clamores e, por conta, no minuto seguinte, obedecer e fechar o comedor de lavagens. Faltava pouco para chegar ao marco que estabelecia os limites da saída e ganhar a liberdade. A alguns passos de colocar os pés para o sucesso da missão, jogar o porco na carroceria do seu VUC, da JAC, um V260 e dar partida no motor, faróis e lanternas se acenderam inundando (como se dia fosse) a escuridão mansa da noite amena.

Rifles apareceram do nada, apontados para a sua cabeça. Ouviu, entre risos e chacotas, a voz do homem que identificou, de primeira: ali estava, em carne e osso, o velho Siqueira, ou como todos, na localidade, o chamavam pelas costas, de “Napoleão”.

— Alto lá, seu ladrãozinho barato. Fique onde está. E antes que eu ordene a meus empregados que lhe deem uma lição inesquecível, me esclareça uma dúvida cruel: onde pensa que vai com o meu porco?

Túlio se deteve apavorado. As duas mãos a segurarem o gorduchinho desviado que viajava às costas, aos berregos, passaram a tremer desordenadamente. Com a quebra da compostura, exatamente pela vergonha de ter sido pilhado com o produto do crime grudado em seu suor, a sua fortaleza desmoronou. Em trote idêntico, sem ter como se segurar, uma súbita incontinência urinária lhe fez molhar pernas abaixo, numa espécie de desarranjo renal surgido de modo imprevisto.

— E ai, seu ladrãozinho de meia tigela! — repetiu a voz, desta vez mais forte. - Responda: onde pensa que vai com o meu porco?

O desditoso, além da falta de paciência (o Landrace não dava trégua, parecia estar cantando, em repeteco, “O Porco”, do Beto Jamaica), e, sobretudo, aviltado em não conseguir se premunir até a “moita” mais próxima, também viu lhe escapar, de roldão, a voz. Afônico, balbuciou, mais assaparantado* que um rato solitário a se ver diante de uma gataria pronta para manda-lo para a barriga:

— Por... por... por... co... se.... seu... Si... Si... Si... quei... ra... que por... cooooooo...?!

Final da história: Túlio levou uma surra memorável dos peões do estancieiro. A parcela da coça se fez sem perdão, ou seja, mais dupla e atordoante, notadamente quando os esculcas* identificaram o larápio e comunicaram ao patrão que o “meliante”, não era outra figura, senão um dos filhos do Bartolomeu Carrancudo, seu amigo do peito e confinante por aquelas paragens.
= = = = = = = = = = = = = = = = = =
VOCABULÁRIO
Artiodáctilo = Ordem de mamíferos ungulados com um número par de dedos. Inclui os porcos, os touros, os hipopótamos, os camelos, os veados, as girafas, os carneiros, as cabras e os antílopes. Assentam no solo os dedos revestidos por cascos. Caracterizam-se por o eixo do membro passar entre os terceiro e quarto dedos. Estes podem ser quatro, como nos porcos e hipopótamos ou, mais vulgarmente, dois, como nos fissípedes típicos. Todos os artiodáctilos exceto os porcos são herbívoros. (Infopedia)
Assarapantado = Que se assustou; assustado. Que está atrapalhado; pasmado.
Bunodonte = Em zoologia, chamam-se bunodontes aos mamíferos que têm dentes molares com cúspides arredondadas e pouco desenvolvidas, como o homem, o porco e o urso. (wikipedia)
Esculcas = sentinelas, vigias noturnos.
Persigal = curral de porcos; pocilga, chiqueiro. (Oxford)
Suidade = é uma família de mamíferos artiodáctilos. Esta família taxonómica inclui vários gêneros, nos quais se encontram espécies de animais domésticos, como o porco-doméstico, e selvagens tais como o javali. (Wikipedia)
Sus scrofa domesticus = porco doméstico.


Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Minha Estante de Livros (Uma Tragédia no Amazonas, de Raul Pompéia)


Uma tragédia no Amazonas é uma novela envolvente que narra como o ódio e o desejo de vingança pode arruinar muitas vidas, e como uma pessoa pode ser odiada e amada ao mesmo tempo.

É cheio de detalhes, faz a pessoa sentir o clima selvagem e hostil vivido por pessoas que vivem na região do Amazonas, onde a lei raramente chega, e onde as pessoas muitas vezes fazem suas próprias leis.

Com maestria o autor narra a história de Eustáquio, sua esposa Branca, e a enteada Rosalina, que passaram a ser vitimas de perseguição, que incluíam tanto danos à propriedade da família, que ficava no vilarejo de São João do Príncipe no Amazonas, como tentativas de matar Branca e Rosalina. Curiosamente, em duas tentativas contra as mulheres, um misterioso protetor dá cabo dos agressores, o que não acontece com um escravo e um soldado contratados para defender a casa do subdelegado.

Começa por parte de Eustáquio uma caça aos agressores, aos poucos o editor traz a lume fatos que culminam com a identificação dos mesmos como sendo um grupo de negros que após assassinarem seu feitor e o dono da fazenda, saqueiam a sede e fogem, sendo capturados e presos pelo subdelegado, no entanto pouco depois eles fogem da improvisada cadeia, para a floresta, e começam a maquinar a vingança.

A morte de um dos escravos pelo misterioso defensor da família faz com que eles fiquem um pouco acuados, e passam dois anos sem fazer novas ameaças. No entanto a chegada ao vilarejo de salteadores espanhóis interessados em roubar Eustáquio, porque foram informados que ele possuía uma grande riqueza, reacendeu nos escravos fugitivos a chama da vingança, e encorajados pelos espanhóis voltaram a tramar contra a família.

Nesta ocasião, Eustáquio, que já não é mais subdelegado, passa a espionar o bando, descobrindo que tramavam atacar a casa no dia seguinte, recorre à ajuda do padre que no afã de proteger a casa indica quatro lavradores da cidade para reforçar a segurança. Eustáquio os contrata, sem saber na verdade que eles faziam parte dos seus inimigos, num plano do líder espanhol de infiltrá-los na residência de Eustáquio fato que o padre também desconhecia.

Enquanto aguardavam o ataque protegendo a casa, o padre revela que o misterioso protetor que por vezes defendeu a família, era na verdade um jovem que teve sua vida salva pelo pai de Rosalina, a enteada da família, só que embora salvasse o garoto o homem não sobreviveu ao acidente, em retribuição a isso o garoto vigiava a casa para proteger seus moradores.

Neste mesmo dia os vingadores conseguem invadir a casa, matam Branca, Eustáquio, bem como outros que ali estavam, incluindo uma criança que ainda a pouco havia nascido, filho de branca com Eustáquio.

Quando o jovem que protegia a família chega já é tarde e o malfeitor lhes tira a vida, e como última vítima Rosalina é barbaramente torturada e morta. Finalizando a história, o pai do jovem chega de uma viagem, mas já encontra todos mortos e o fim é dramático, com o pai ao lado do corpo do filho lamentando sua morte.

A história é cheia de detalhes, faz a pessoa sentir o clima selvagem e hostil vivido por pessoas que vivem na região do Amazonas, onde a lei raramente chega, e onde as pessoas muitas vezes fazem suas próprias leis.

Em Uma Tragédia no Amazonas, ressaltamos três espaços, onde decorre a intriga na novela, a floresta, a casa e o roseiral. Todavia, dos três espaços apontados, é a floresta que recebe um tratamento discursivo e imagético mais acentuado, em princípio, por ser objeto da curiosidade de leitores urbanos e alimentar fantasias de aventuras e de expedições fascinantes e perigosas, e depois, por estabelecer relação direta com a criação e a manutenção da atmosfera trágica.

Sob certa perspectiva historiográfica, a representação discursiva e imagética da floresta amazônica, na novela de Raul Pompéia, alude tanto à retórica dos cronistas de viagem do século XVI quanto reproduz a retórica folhetinesca.

Ao seguir o roteiro de narrativa linear, Raul Pompéia reserva o primeiro capítulo da novela à descrição de dois espaços em que se desenrolará a história, um deles, é a floresta amazônica e outro é a casa de Eustáquio. Esses dois espaços contribuem para determinado desenrolar e desfecho do enredo. A floresta e a casa do protagonista recebem do escritor certo tratamento visual que torna evidente a natureza oposta e contraditória de ambos, a partir dos quais e nos quais se refletem conflito e tensão decorrentes da relação entre cidadão e natureza, civilizado e selva, estrangeiro e autóctone, agente da justiça e regime do instinto, da violência e da vingança. A representação da floresta sobrepõe à representação da casa e se constitui esfera em que esses polos opostos provocam estado de situação pouco esclarecida que conduz o protagonista a cometer erros e enganos, o chamado miasma para os trágicos gregos.

No desenrolar da novela, notamos algumas formas de representação da floresta, que pretendem intensificar a ideia de que trágico é o espaço. Já nos primeiros parágrafos, o narrador reproduz discurso semelhante aos dos cronistas de viagem ao fazer referência a alguns aspectos geográficos da região, o que atribui tom levemente informativo à descrição da natureza. No entanto, o aparente esforço do escritor em tornar verossímil a descrição do espaço cede à projeção da imagem poetizada e alegórica da Amazônia

Em princípio, o enredo da novela de Pompéia explora a temática da vingança para justificar o drama violento vivenciado por Eustáquio e sua família em plena floresta amazônica. Todavia, a chacina da família do subdelegado, de seus ajudantes e amigos mais do que representar a efetivação do plano de vingança de um grupo de bandidos, representa a replicação, em escala menor, do fracasso da utopia da formação da civilização brasileira a partir da ação do homem branco em explorar e dominar a floresta.

O drama violento vivenciado pelos personagens possibilita a alegoria da repetição desse fracasso que sugere que outros problemas históricos e sociais brasileiros se fazem presentes a partir do desenrolar da trama, tais como exploração e domínio da terra, formação de novas cidades no interior do país, ausência dos aparatos do Estado em locais extremos e isolados do país, e a problemática jurídica em torno da aplicação da lei em “terra de ninguém”.

Fontes:
Net Saber. Resumos.

Danilo de Oliveira Nascimento. A representação do espaço trágico em Uma Tragédia no Amazonas, de Raul Pompéia. Disponível na Revista Recorte. Mestrado em Letras: Linguagem, Cultura e Discurso / UNINCOR. v. 12 - n. 1. jan -jun, 2015. (trechos)

quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

Daniel Maurício (Poética) 18

 


Carolina Ramos (O “meu” sanhaço)

De vez em quando é bom fechar os olhos ao panorama atual, com suas crises e cataclismos que nos puxam para baixo e abrir o cofre das lembranças, deixando aflorar o que venha de mais leve.

Desta vez, foi um sanhaço que saiu voando do baú em forma de crônica escrita há algum tempo, em apoio à surpreendente repercussão alcançada por outra publicada na imprensa local, na qual o autor falava de um sanhaço em sua vida. Crônica que acabou por motivar mais duas, de outros autores, levando-me à tentação de também dizer algo a respeito daquele que eu poderia chamar, possessivamente, de - "o meu sanhaço".

Todo interesse demonstrado pelas publicações que enfocavam essa avezinha silvestre, capaz de enfrentar com denodo as complicações da vida de uma cidade, veio provar que a sensibilidade humana, mesmo embotada pelas calamidades divulgadas todos os dias pela mídia, ainda não está de todo morta, permitindo algumas fugas pelas janelas da alma.

Mas... deixem que eu diga, solidária: - Sim, eu também tive um sanhaço em minha vida! Azul como um retalho de céu! Foi meu... por espaço mínimo, que talvez nem tenha passado de meros minutos, mas, valeu a pena... como vale a pena contar:

Tinha um amplo quintal na casa de meus pais. Coisa bastante rara em nossos dias. Casa com pomar, no qual não faltava a tradicional goiabeira de galhos acolhedores, permitindo escalada.

Casa com galinheiro - mais raro ainda! E, portanto, com direito a clarinadas de galo pela manhã! E até com pintinhos a bicar o ovo pelo lado de dentro... rompida a casca... o milagre da vida!

Coisas que hoje poucas crianças têm o privilégio de testemunhar, fora da área rural.

Coisas mágicas que, graças a Deus, meus filhos puderam presenciar por conta daquele quintal encantador, palco de cenas cada vez mais difíceis de serem vistas!

Ovos... nos supermercados. Galinhas... nas panelas, ou nos pratos, às refeições. E a tal clarinada dos galos?... Talvez, que ainda possa ser ouvida nas vizinhanças, vinda de uma dessas casas velhas que, paulatinamente, cedem espaço aos espigões de concreto, vítimas indefesas das pressões financeiras, enquanto as famílias se empoleiram, umas sobre as outras, em prédios espigados, às vezes tortos, como os daqui da orla santista.

- E o "meu sanhaço"... onde fica ele, após emaranhadas digressões sobre casas e quintais?!

Naquela tarde distante em que o irrequieto sanhaço entra nesta história, eu chegava serenamente ao amplo quintal de minha antiga casa, a meia quadra da praia, onde agora um prédio moderno exibe o garbo.

Levava o almoço para os dois gatos que, como sempre, me aguardavam com miados festivos. Foi quando, a meus pés, se abateu um punhado de penas azuis e asas agitadas a despertar pronto interesse dos bichanos ronronantes à minha volta.

Num átimo, recolho a ave! Biquinho aberto... debatia-se em desespero, garganta totalmente trancada por um grão de milho, o que exigia ação imediata. Sufocava!

Com o pássaro nas mãos, voei, atrás de uma pinça! Vencendo a ansiedade, trêmula e com extremo cuidado, consegui, com a ajuda de Deus, extrair da garganta bloqueada o grão assassino!

Aquele terrível grão que, sem matar a fome, quase matara o faminto! E que grande seria a fome daquela pobre ave... já que os sanhaços, frugívoros, alimentam-se apenas de frutos, não de grãos!

Com alívio, senti o oxigênio revitalizar os pulmões do pássaro aflito, que, estonteado, permaneceu por mais alguns segundos na concha de minhas mãos.

Asas ligeiras, logo depois o levariam de volta ao espaço, tão azul quanto ele, num maravilhoso voo de redenção!

Por ter resgatado da asfixia aquela pequena ave indefesa e por tê-la livrado das garras ávidas dos gatos, prontos para saboreá-la como sobremesa, guardo para mim, deliciada, a dupla e gratificante sensação de ter salvado, por duas vezes, aquela preciosa joia emplumada!

Assim, embora nunca mais o tenha visto, creio ter pleno direito de chamar o pequenino herói desta crônica, muito afetivamente de: - o "meu" sanhaço!

Fonte:
Carolina Ramos. Canta… Sabiá! (folclore). Santos/SP: publicado pela Editora Mônica Petroni Mathias, 2021.
Livro enviado pela autora.

I Prêmio de Trova da UBT – Dourados/MS (Trovas Premiadas)


NACIONAL/INTERNACIONAL

Tema: AFETO (L/F)

 NOVOS TROVADORES

= = = = = = = = = = = =
 VENCEDORES
= = = = = = = = = = = =
 
 1.
Ronaldo Dória dos Santos Junior

O vovô carrega o neto
cheio de amor e esperança.
Fragilidade e afeto
em formato de criança.

2.
Prof. Maia

Sob aquele humilde teto,
sem luxúria e sem tostão;
talvez haja mais afeto,
que numa rica mansão.

3.
Júlia Fernandes Heimann

Todo o afeto que lhe tenho
e tão profundo e sincero
que, às vezes, não o contenho
e, ao demonstrá-lo, exagero!

4.
Geisa da Silva Moreira Alves

Apaixonado eu descanso
no embalo do teu afeto,
pois nele encontrei remanso,
meu cais, meu porto e meu teto!

5.
Jorge Ribeiro Marques

Pobre morador de rua,
um ser humano sem teto,
precisa mais que uma lua,
um novo olhar, um afeto.

= = = = = = = = = = = =  
MENÇÃO HONROSA
= = = = = = = = = = = =

1.
Solange Colombara

Plena em afeto, decanto
a saudade em desalinho.
O teu colo era acalanto,
tua voz, doce carinho.

2.
Prof. Maia

Não existe amor completo,
tendo falta de carinho;
amor que não tem afeto,
é incompleto, anda sozinho.

3.
Nely Cyrino de Melo

Meu coração inquieto,
quase em segredo, lhe diz:
-Preciso de seu afeto,
para poder ser feliz.

4.
Angela Maria da Silva Castro Stoller

Um afeto sempre externa
o que sente o coração,
uma ponte tão fraterna
que aproxima a relação.

5.
Angela Maria da Silva Castro Stoller

Afeto, gesto tão doce,
de intenso e grande valor.
Decerto  como se fosse
carinho em forma de amor.

6.
Francisco de Assis Bento de Souza

Não seria racional
deixar os filhos sem teto.
Se até mesmo um animal
cuida dos seus com afeto!

7.
Anete Simões

A vovó, toda candura,
a sua netinha envolve,
cheia de afeto... doçura
que os males todos dissolve.

= = = = = = = =
VETERANOS
= = = = = = = =

Tema: EMPATIA (L/F)

= = = = = = = == = = = = = =
VENCEDORES
= = = = = = = == = = = = = =

1.
Lucília Alzira Trindade Decarli

Não sei dizer o porquê...
Nossa empatia age assim:
se eu sofro, dói em você;
você sofre... e dói em mim!

2.
Antonio Augusto de Assis

O poeta é intimamente
prisioneiro da empatia.
Toda dor que o mundo sente
ele sente em parceria.

3.
Maria Lúcia Daloce

Em tempos de carestia,
onde tantos passam fome,
uma palavra - empatia,
tem rosto, endereço e nome!

4.
Maria Lúcia Daloce

Nos momentos de alegria
e em tempos de provação...
demonstra ter empatia
quem sabe estender a mão!

5.
Arlindo Tadeu Hagen

Definição de empatia:
é aquilo que a gente sente
do jeito que gostaria
que sentissem pela gente.

= = = = = = = = = =
MENÇÃO HONROSA
= = = = = = = = = =

1.
Élbia Priscila de Souza e Silva

A empatia, meu irmão,
é uma chama que incendeia
as fibras do coração,
em favor da dor alheia!

2.
Ariete Regina Fernandes Correia

Olha o caminho do pobre
qual fosse de um filho teu,
empatia é o dom mais nobre,
que o bom  Deus nos  concedeu.

3.
Vânia Figueiredo

Empatia, muito além,
do que mera compaixão,
é entender a dor de alguém
sem julgamento ou sermão.

4.
Maurício Cavalheiro

Não ria da dor que aperta
seu inimigo, porque
a empatia sempre alerta:
— E se fosse com você?

5.
César Defilippo

Amor de mãe... empatia,
se o mal traz choro, empecilho,
pudesse transferiria
pra si própria, a dor do filho.

6.
Márcia Jaber

Gentil, tua mão inclina
ao irmão fraco ou doente:
a empatia é luz Divina
brilhando dentro da gente.

7.
Dulcídio de Barros Moreira Sobrinho

A empatia acorda o amor
que adormece em cada ser,
ao fazê- lo sofredor,
vendo o próximo sofrer.

8.
Maria Helena Oliveira

Quando a dor do semelhante
nos toca profundamente,
a empatia nos garante...
O que é ser, de fato, gente!

= = = = = = = = = =
MENÇÃO ESPECIAL
= = = = = = = = = =

1.
Maria Madalena Ferreira

Como esperas harmonia
em vez de tédio ou rancor,
se não existe empatia
entre o teu e o meu amor?

2.
Renato Alves

Empatia é sentir junto,
é ser mais que solidário,
é sempre agir em conjunto,
cumprindo o mesmo fadário!!!

3.
Mário Moura Marinho

Empatia, em sua essência,
é ver com o coração
e sentir na consciência
o sentimento do irmão.

4.
Edweine Loureiro da Silva

A caridade - atenção! -
pode tornar-se vazia
se não repartes o pão
recheado de empatia.

5.
Edweine Loureiro da Silva

Votar é ter consciência
para não errar de novo:
eleja quem tem decência
e empatia pelo povo.

6.
Arlindo Tadeu Hagen

Talvez o mundo estivesse
do jeito que Deus queria
se, em nossas vidas, houvesse
um pouco mais de empatia.

7.
Maurício Cavalheiro

Justo e nobre é o coração
que em segredo, noite e dia,
ao pobre que pede pão
doa pratos de empatia.

8.
Jérson Lima de Brito

Empatia é doce amiga
presente no exato instante
em que um coração abriga
as dores do semelhante.

9.
Márcia Jaber

É, de Deus, o Filho eleito
e no amor que Lhe permeia,
empatia, em Seu conceito,
é doar- se a dor alheia.

10.
Luiz Antonio Cardoso

Quisera eu ser - da empatia -
elo perene e seguro,
a esculpir, no dia a dia,
mil pontes para o futuro!

11.
Dionazine Navarro

Para toda dor humana
só se pede uma magia:
trocar a frieza insana
por sementes de empatia!

Aluísio de Azevedo (Fora de Horas)


Ora! Para que lhes hei de contar isto? Histórias do Norte! Histórias de amor! Coisas que não voltam mais!

Era a última vez que eu ia ter com ela, e seria menos uma entrevista de amor do que um encontro de despedida; meus lábios pressentiam já ligeiro travor de lágrimas nos beijos que sonhava pelo caminho.

Fui. Ela me esperava à meia-noite, como de costume, espreitando por detrás da porta cerrada, descalça e palpitante de ansiedade e de susto. Eu costumava chegar furtivamente, cosendo-me à própria sombra pelas paredes da rua. Entrava, a porta fechava-se então de todo, surdamente, e nós ficávamos sendo um do outro até esgotar-se a noite. Ninguém desconfiava da nossa felicidade.

Vivia a minha amada em companhia de uma parenta velha, sua madrinha, viúva e rica, senhora de engenho, dona austera e venerável, devota até ao fanatismo. A madrinha idolatrava-a loucamente. A casa era grande, antiga e nobre, povoada de agregados, de mucambas e muitos fâmulos. Para chegar ao quarto da afilhada era preciso atravessarmos, eu e ela, de mãos dadas, na escuridão, longos corredores e varandas, com o calcanhar no ar, a respiração suspensa, os sapatos fora. Mas que prêmio era ganhar o fim dessa jornada aflitiva e tenebrosa! A alcova lá no fundo, isolada do resto da casa, dava janelas sobre um jardim de árvores floríferas, todo cercado de altos muros de convento e todo envolvido no doce mistério de uma fortaleza de amor.

Que delícia contemplar da altura das janelas silenciosas o céu todo orvalhado de estrelas, e beber o segredo da noite; cinturas presas, cabeças juntas, cabelos confundidos.

Ela não tinha mãe desde o berço e fora criada pela madrinha. Casara aos quinze anos e enviuvara aos dezoito. A nossa loucura principiou no calor das valsas e foi-se derramando num delírio de mocidade até àquela perfumada alcova, onde a nossa última madrugada recolheu no seio o eco dos nossos derradeiros beijos.

A madrinha não me podia ver.

Ressentimentos de devota: Eu nesse tempo, com pouco mais de vinte anos, supunha-me um batalhador predestinado a regenerar o mundo a golpes desapiedados contra as velhas instituições. Tinha o meu jornal republicano e acatólico e duelava-me, dia a dia, ferozmente, com os redatores de um órgão ultramontano e com os velhos jornalistas conservadores. Imaginem se a velha me podia ver!

Era por toda a cidade apontado a dedo, amado pela metade da população e amaldiçoado pela outra. Os devotos enfureciam-se comigo e os padres pediam ao diabo que me carregasse para longe da minha província.

Ouviu-os o demo. Tive de partir para o Rio de Janeiro. E foi nas últimas horas precursoras desse triste dia que os mais amorosos lábios de mulher gemeram contra os meus a dolorosa cavatina precursora da saudade.

Ai! quantas lágrimas nos ensoparam os beijos e quantos soluços nos cortaram os juramentos de fidelidade! Só resolvemos separar-nos quando o horizonte já nos ameaçava com a aurora, e lentamente nos afastamos do nosso paraíso, mais tristes e mais mudos que os dois primeiros amantes enxotados sobre a terra. Ao meu lado ela caminhava quase tão nua e certamente mais comovida e chorosa do que a primeira Eva.

– Espera! Espera ainda um instante, meu querido amor! – suplicava-me entre beijos desesperançados, na ocasião de abrirmos a porta da rua. – Espera! Diz-me um negro pressentimento que nunca mais nos veremos! Espera ainda! Um instante só!

Mas era preciso separar-nos. O dia não tardaria a repontar e eu tinha de estar ao lado de minha família ao amanhecer. O vapor largaria cedo. Os amigos viriam buscar-me logo pela manhã. Era preciso ir!

– Adeus! Adeus!

E arranquei-me dos seus braços, enquanto desfalecida e soluçante, ela se amparava contra a parede do corredor. E, para não sucumbir também, tratei de apressar a fuga e precipitei-me sobre a porta da rua.

Mas, que horror! A chave já lá não estava na fechadura. Alguém de casa tinha carregado ela.

– Ah! Foi Dindinha com certeza. - disse dolorosamente a minha pobre amada. – Meu Deus! Meu Deus!

E quase sem poder andar, de tão nervosa e trêmula, voltou ao interior da casa e tornou a ter comigo, para me segredar aterrada que havia luz no quarto da madrinha.

– Descobriu tudo! Descobriu tudo! – murmurou aflita. – Fechou-nos! Estamos presos! Estamos perdidos!

– E agora?… – perguntei, deveras agitado, lembrando-me da monástica altura dos muros do jardim.

– Não sei! Não sei! – foi a única resposta que lhe obtive.

Tornamos à alcova, mais tristes e mais lentos do que de lá saímos. A ideia da nossa separação não nos acabrunhava mais do que a de ficarmos juntos à força. Se me doía abandonar aquele doce paraíso de amor, não me atormentava menos ter de ficar lá dentro prisioneiro.

E ela, perplexa, chorava, chorava, apertando a cabeça entre os formosos braços, numa angústia sem esperança de salvação. Urgia, porém, tomar qualquer partido decisivo: o dia estava a chegar e eu não podia amanhecer ali, tendo de seguir para o Rio de Janeiro e embarcar dentro de poucas horas!

Afinal, a minha companheira de agonia muniu-se de coragem e foi bater de leve, muito de leve, no quarto da madrinha.

Silêncio.

Tornou a bater.

Bateu a terceira vez.

– Quem está aí?

– Sou eu, Dindinha. Abra por favor…

– Que quer a senhora?

– Nada, Dindinha… Eu queria a chave da porta da rua…

– Para quê?

– Não me pergunte, Dindinha, por amor de Deus! e dê-me a chave… Peço-lhe por tudo que Dindinha mais deseja no mundo!…

– Não dou!

– Minha Dindinha

– Não! Não!

– Abra a sua porta ao menos…

E esta súplica foi já toda embebida de lágrimas e soluços.

A velha veio à porta e eu então pude espiar lá para dentro. Era um pequeno aposento, bem arrumado e limpo. Havia uma cômoda com um oratório, onde luzia uma lâmpada que era única a iluminar o honesto e tranquilo dormitório. Pelas paredes aprumavam-se quadros de santos, contrastando com o retrato a óleo de um tenente de cavalaria, mal pintado, mas de olhinhos vivos e que parecia sorrir lá da sua moldura para a viuvinha, com o ar escarninho assim de quem diz: “Tu então, pequena, fizeste a tua falcatrua e foste apanhada, bem?… Pois é bem feito!”

A velha, assentada de novo na sua rede, conservava a fisionomia fechada e parecia implacável.

A afilhada, procurando esconder nos braços nus a pecadora nudez do colo, desfazia-se em lágrimas e nelas repisava as suas súplicas, jurando que nunca mais, nunca mais! Por tudo que houvesse de sagrado! Reincidiria naquela feia culpa!

– Não!

– Tenha pena de mim, Dindinha!…

– Quem é que estava aí com a senhora?!

A moça calou-se, de olhos baixos, arfando-lhe por sob a cambraia da camisa os seios atormentados.

– Diz ou não diz?

– É… é… Para que Dindinha quer saber?… Dindinha vai ficar zangada se eu disser…

– Diga quem é!

– Dindinha saberá depois…

– Pois então retire-se já daqui! Saia da minha presença!

– Não… Não… Eu digo… É…

E ouvi o meu nome balbuciado a medo no ouvido da velha.

Um charuto aceso, que lhe metessem pela orelha, não lhe produziria tanto efeito.

A devota teve um frouxo de tosse convulsa.

– Com efeito! – rosnou afinal, contendo a custo uma explosão de cólera. – Com efeito! Pois é esse alma perdida, esse ateu, esse monstro, que a senhora introduziu velhacamente em minha casa?!

– Tenha paciência, Dindinha… Ele parte esta manhã mesmo para o Rio de Janeiro…

– Paciência?!… É boa! Esse herege há de ficar aqui preso e só sairá com alto dia e na presença do senhor vigário geral e dos padres da Sé, a quem vou chamar! O público há de ver e apreciar o escândalo, para vergonha sua e para castigo dele! Paciência! Sim, hei de ter paciência, mas será para desmascarar aquele pedreiro livre!

A velha tinha chegado ao auge da cólera e já falava em voz alta.

Vi o caso perdido.

E a minha pobre cúmplice, de pé ao lado da rede, descalça e apenas resguardada pela trêmula camisa, abaixou ainda mais o rosto e deixou que as suas perdidas lágrimas lhe corressem ao suspirado resfolegar do peito.

A velha conservava-se inflexível. Mas a afilhada chegou-se mais para junto dela e pousando carinhosamente uma das mãos nos punhos da rede, começou a embalá-la de leve, e começou a murmurar num flébil queixume ressentido:

– Dindinha, entretanto, não devia fazer assim comigo… Dindinha bem sabe o muito que lhe quero e o muito que a respeito… Mas Dindinha devia lembrar-se de que enviuvei com dezoito anos e tenho apenas vinte… devia lembrar-se de que sou moça e que o rapaz a quem amo não pode sequer aproximar-se de Dindinha…

– Confiada!

– Devia lembrar-se que… certa noite. (e abaixou mais a voz) quando eu era ainda pequenina e dormia no mesmo quarto com Dindinha… já depois que meu padrinho se separou de vosmecê… o tenente Ferraz, que ali está pintado na parede, saltou a janela do nosso quarto e Dindinha o recebeu nos braços, depois de ter ido verificar se eu estava dormindo…

– Cala-te, doida!

– Eu estava bem acordada, mas fiquei quietinha na minha rede, fingindo que dormia, só para ser agradável à Dindinha… e ouvi todas as palavras de ternura que o tenente disse ao ouvido da Dindinha.. E nunca falei disto a ninguém… Ouvi tudo! Por sinal que o tenente dizia: “Eu te amo, minha flor! Eu te amo como um louco! Se quiseres quê…”

Mas a velha interrompeu-a.

– Cala-te! Cala-te! disse.

A sua fisionomia tinha pouco a pouco se transformado com as palavras da afilhada e ia ganhando um triste e compassivo ar de desconsolação. Os olhos relentaram-se-lhe de saudade com aquele frio recordar do passado.

Quando a rapariga quis continuar as suas revelações, ela interrompeu-a de novo com um fundo suspiro e acrescentou com a voz quebrada pela comoção:

– Cala-te, minha filha!… Aí tens a chave… Abre-lhe a porta… Vai! vai, antes que amanheça… E deixa-me só! deixa-me ficar só

Fonte:
Aluísio de Azevedo. Demônios. Publicado em 1895.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Solange Colombara (Portfólio de Spinas) 12

 

Domingos Freire Cardoso (Poemas Escolhidos) VI


Os títulos dos poemas são de versos de Mário Quintana in "A rua dos Cataventos".

= = = = = = = = = = = = = = = = = =

ESTÃO PARADAS COMO NOS VITRAIS

Estão paradas como nos vitrais
Essas horas de risos e de folguedos
Éramos pardais violando os arvoredos
E que, em bandos, comiam pelos trigais.

A correr, não parávamos nos sinais
Chilrando como indomáveis passaredos
Rijos, iguais ao mais forte dos rochedos
Sem conhecer as urgências de hospitais.

Foi-se o tempo que em nós pôs uns pares de anos
E deixou tantos males e tantos danos
Quebrando a força dos juvenis assomos,

Asas frouxas de penas desalinhadas
Já não largamos mais nessas debandadas;
Somos só a saudade do que já fomos.
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

EU PINTAVA TREZENTOS ARCO-ÍRIS

Pintaria trezentos arco-íris
No céu de chumbo desse teu futuro
Para que ele não fosse tão escuro
E alegre com a sorte, tu te rires.

É tempo de a tristeza despedires
De veres o que está além do muro
E que o teu sol rebrilhe, grande e puro
Para que à luz te vejas e te admires.

A chuva misturada com o pranto
Vai, da alma, lavar o desencanto
Que em dias já passados tu tiveste.

Enfrenta cada dia sem temer
Que a vida só te paga com prazer
Aquilo que primeiro tu lhe deste.
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

FORAM LEVANDO QUALQUER COISA MINHA

Foram levando qualquer coisa minha
Os ocasos que eu tanto apreciava
Como se o sol morrendo envolto em lava
Me roubasse o que em minha alma eu tinha.

De cada vez que a luz, régia rainha
Do meu olhar carente se ocultava
Levava o que mais rico em mim achava
Até do meu ser não restar nadinha.

Corpo seco, sou concha de molusco
Solto à beira da praia onde eu busco
A minha alma por quem ando a penar,

E se o destino não me deixar tê-la
No fim de cada tarde eu venho vê-la
À hora em que o sol cá se vem deitar.
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

SOBRE A MARGEM TRANQUILA DE UM AÇUDE

Sobre a margem tranquila de um fresco açude
Fez uma pausa longa o Tempo, a acalmar
Exausto de correr sempre a vindimar
Risos, vontades, crenças e juventude.

Também eu me detive nessa atitude
De conceder a mim mesmo esse vagar
Vergando-me ante mim, não sendo eu altar
Num gesto de humildade que me desnude.

Temos andado os dois sempre de mãos dadas
Desperdiçando as horas, que são sagradas
Em correrias loucas e sem sentido.

Vejo agora que me expus ao grave risco
De fazer desta vida um pequeno cisco
E chegar ao fim sem nunca ter vivido.
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

TU DEIXASTE A LEITURA INTERROMPIDA

Tu deixaste a leitura interrompida
Nas linhas de um parágrafo qualquer
Quando foste atender uma mulher
Que à porta perguntava por guarida.

O livro que tu lias era a vida
Prosseguir a leitura era mister
Mas tu, que sempre acolhes quem vier
Disseste que a visita era querida.

Não lhe viste esse olhar desfigurado
Nem a foice cravada no cajado
Quando ela em tua casa se instalou.

Para te dar trouxe as trevas e um açoite
E ao partir, logo nessa mesma noite
Com ela, de mãos dadas, te levou…

Fonte:
Domingos Freire Cardoso. Por entre poetas. Ilhavo/Portugal, 2016.
Livro enviado pelo poeta.

Stanislaw Ponte Preta (A papagaia)

Era uma vez uma papagaia ... ou antes, era uma vez uma senhora que vivia sozinha, era muito católica e não tinha bicho nenhum em casa. Como era uma senhora solteirona, ficava até um pouco puxado para o tarado o fato dela não se dedicar a um bicho. É aqui que entra a papagaia.

Um dia a senhora solteirona sem nenhum bicho em casa foi visitar uma família conhecida. Chegou lá, viu uma papagaia num poleiro, cantarolando. "Que bonito papagaio" – ela disse. "Não é papagaio. É papagaia" - disseram para a senhora. E, como tivesse se interessado muito, a família ofereceu a papagaia a ela.

Está na cara que a senhora solteirona sem nenhum bicho em casa adorou o oferecimento e carregou a papagaia para casa. Mas aí é que foi chato, pois a papagaia era levadíssima. Mal chegou à sua nova casa, começou a dizer palavrões homéricos, a citar trechos completos da última peça do Nélson Rodrígues, a recitar o diálogo de La dolce vita* e a dizer coisas horríveis sobre seus desejos incontidos.

A senhora ficou horrorizada e já ia mandar a papagaia embora quando chegou um vizinho para visitar. Soube do drama e disse: "Não há de ser nada. Eu tenho lá em casa dois papagaios comportadíssimos. Tão comportados que passam o dia rezando. Eu boto a papagaia perto dos dois e pode ser que ela se manque e fique igual a eles".

A senhora agradeceu muito e a papagaia foi.

O vizinho colocou a papagaia num poleiro entre os dois papagaios. Assim que ela se viu na parede, começou a engrossar outra vez. Foi aí que um dos papagaios abriu um olho e ficou observando. Quando ficou convencido de que a papagaia era mesmo da pá virada, cutucou o outro que continuava rezando e disse:

- Pare de rezar, companheiro, que, ou muito me engano, ou nossas preces acabam de ser atendidas.
= = = = = = = = = = = = = = = = = =
* La dolce vita: filme italiano de 1960 dirigido por Federico Fellini.

Fonte:
Stanislaw Ponte Preta. Gol de Padre e outras crônicas.

Minha Estante de Livros (Gol de Padre e outras crônicas, de Stanislaw Ponte Preta)

Sobre o autor


Stanislaw Ponte Preta era o pseudônimo do jornalista Sérgio Porto, jornalista e escritor. Seu personagem acabou tendo personalidade própria e um jeito muito peculiar de conversar com o público, usando uma linguagem leve e descontraída. Sua obra inspirou a criação do jornal “O Pasquim”, criado por amigos jornalistas em sua homenagem após sua morte.

Importância do livro

Gol de Padre e outras crônicas é uma coletânea de crônicas de Sérgio Porto. As crônicas apresentam uma linguagem simples e histórias do cotidiano como tema. As histórias são sempre contadas com humor e ironia. De forma irreverente, os escritos de Porto representam o retrato de sua época: o Rio de Janeiro da década de 60.

ANÁLISE

Em Gol de Padre e Outras Crônicas, encontramos a caracterização de tipos comuns: o adulto que se permite ter um instante de menino, recordando sua infância; o marido adúltero que acredita estar enganando, mas descobre que também está sendo enganado; o grupo de amigos que fica no bar até tarde e leva bronca quando chega a casa, entre outros. Com histórias do cotidiano o autor constrói um interessante panorama da sociedade em geral.

Os personagens das crônicas de Stanislaw Ponte Preta são caracterizados de forma bastante superficial, muitos não chegam a receber um nome, só sabemos o suficiente para entender as histórias. Por isso, em muita das crônicas, dizemos que o narrador executa as ações, pois seu nome, muitas vezes, não é relevado. Por tratar-se de narrativas muito curtas, o foco das histórias não é a construção dos personagens, mas sim a situação.

 Por trás das histórias cheias de humor, havia uma crítica à política e ao moralismo vigente na sociedade da época. Através de sua narrativa, as situações comuns vividas no dia a dia ganham um olhar peculiar, o que faz o leitor rir e ao mesmo tempo questionar a realidade. Suas críticas são feitas com humor e ironia, o que proporciona uma leitura descontraída, mas que revela muito sobre as questões sociais e psicológicas da cidade do Rio de Janeiro nos anos 60.

A falta de profunda caracterização dos personagens é comum ao estilo de narrativa breve, como a crônica. Isso se dá porque o foco neste tipo de narrativa está na situação apresentada. Ao final da história, podemos observar uma moral, uma mensagem que o autor deseja transmitir: seja a de não deixar morrer o lado criança que existe em cada adulto, mostrar que aquele que se acha esperto pode se surpreender ou fazer uma crítica ao funcionalismo público.

Resumo de crônica:

No texto “Levantadores de copo”, quatro amigos bebem num bar até tarde. Um começa a cantar um samba, o outro diz que a música não presta e começam a discutir até que os outros apartam. A fala embargada pela bebida só cessa quando passa uma mulher, depois voltam a falar novamente. Certa hora, o garçom vem trazer a conta e eles seguem juntos para suas casas. Todos os quatro eram casados. Ao chegar à porta da casa de um deles, com dificuldade, conseguem tocar a campainha. Atende uma mulher sonolenta que começa a dar uma bronca por conta do estado em que estavam e pelo horário. E um deles responde: “— Sem bronca, minha senhora. Veja logo qual de nós quatro é o seu marido que os outros três querem ir para casa”.

terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Versejando 97

 

Milton S. Souza (Dia da saudade)

O calendário avisa que devemos lembrar uma vez por ano o Dia da Saudade. Creio, porém, que o calendário interno do meu coração nunca esteve bem regulado com este que é chamado de “oficial”. Dentro do meu coração todos os dias (e, principalmente, as noites) são de saudade. A minha alma mais parece um canteiro de saudades, onde os espinhos duram muito mais do que as flores e não cansam de machucar as lembranças mais felizes e mais risonhas. Se precisasse definir o meu “eu”, diria que ele é composto, meio a meio, por emoções e... saudades...

Sinto saudade, muitas saudades, daquelas pessoas que passaram pela minha vida, deixando marcas coloridas, e depois sumiram quase sem deixar rastro. Algumas partiram para a eternidade por já terem cumprido as suas missões aqui na terra. Outras, porém, estão apenas trilhando caminhos diferentes e, por causa da correria do dia-a-dia, por espaços de tempo muito grande, não aparecem e nem mandam notícias. Quando as suas imagens se formam nos espelhos das minhas recordações, a saudade se liquefaz e transborda quente e amarga pelos meus olhos. Nestes momentos eu sinto que a vida é muito curta para a gente cometer este grave pecado de não encontrar tempo para abraçar os familiares, amigos e conhecidos. Um gesto simples, um telefonema, uma visita ou qualquer tipo de aproximação serviria para matar de vez estas saudades. Mas somos nós mesmos que alimentamos este sentimento daninho e damos armas para que ele permaneça dentro de nós e nos maltrate cada vez mais.

Uma saudade que maltrata muito é aquela que a gente sente de um amor distante que um dia foi tão presente e tão nosso, mas que partiu para, quem sabe, nunca mais. Estas lembranças nos fazem viajar nas asas da brisa ou nos raios prateados da lua cheia, para tentar uma aproximação, através do pensamento, daquela pessoa que nós não conseguimos deixar de pensar. Nestes instantes, quando a solidão teima em ficar maior do que a distância, nosso coração dispara num ritmo tão forte que até parece estar querendo cavalgar o vento para poder abraçar a pessoa que tanto recordamos. Estes momentos nostálgicos, porém, quase sempre terminam em pranto. E numa saudade muito maior ainda...

Mas, na verdade, a saudade maior que nós sentimos é de nós mesmos. Saudade daquela idade onde tudo era permitido e tão pouco realizado. Saudade daquele beijo roubado que ficou queimando a lembrança por longos anos. Saudade do descompromisso de amar de brinquedo no meio de tantas brincadeiras infantis. Saudade da primeira professora que, sem ela saber, era também a nossa primeira namorada. Saudade dos cabelos longos, das roupas coloridas e da bicicleta que sabia voar. Saudade de um tempo em que a gente não sabia o que era sentir saudades. Saudade de todas as saudades que moram dentro da gente e que conseguem transformar cada dia da nossa vida (principalmente este) num eterno Dia da Saudade...

Luiz Damo (Trovas do Sul) XXIII

A caminho do trabalho
muita gente se arrepia,
não por falta de agasalho
mas por mera teimosia.
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

A criança mal percebe,
nem consegue dar um passo,
sequer no sonho concebe
o que está detrás do abraço.
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

Alcançar a perfeição
de tudo, talvez um dia,
seja muita pretensão
ou não passe de utopia.
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

Antigamente o que tinha
era tudo tão precário!
Grande sonho era a festinha
na data do aniversário.
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

Ao completar um aninho,
muitos, para aparecer,
chamam o rico vizinho
pra festa comparecer.
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

A verdade nunca morre
mesmo sendo contestada,
dela todo o falso corre
pra mentira, sua estrada.
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

A vida somente é dura
pra quem vive na moleza,
nunca sonhe obter fartura
sem enfrentar a dureza.
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

Balões suspensos no teto
com as congratulações,
explodem de tanto afeto
que brotam dos corações.
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

Basta olhar pra tantos rostos
nem sempre reconhecidos,
pra vermos que seus desgostos
aos nossos são parecidos,
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

Bloco de pedra suspenso
no firmamento a rodar,
tão finito quanto imenso
com tanta vida a nos dar.
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

É no desfecho da vida
que seu gargalo afunila,
a alma fica enriquecida
mas o corpo se aniquila.
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

Hoje, à festa tem salgados,
tem bolo com vela acesa,
parabéns dos convidados
e presentes sobre a mesa.
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

Junto à fonte ceifo a sede,
do viver, sorvo alegrias,
no embalo da Iene rede
passo o final dos meus dias.
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

Melhorando a medicina
neste mundo tão sofrido,
se a doença não termina
tem seu mal diminuído.
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

Menos sufoco haveria
se mais doação tivesse,
só uma taça de alegria
pra matar tamanho estresse,
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

Neste mundo em que vivemos,
muitas vezes não buscamos
tudo aquilo que não temos,
nem sequer o que sonhamos.
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

O nosso ser se engalana
com formidável beleza,
mas a todos nos conclama,
em cuidar da natureza.
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

Os momentos se aglutinam,
se desfazem em lamentos,
as dores, talvez terminam
sem findar os sofrimentos.

= = = = = = = = = = = = = = = = = =

Para alguns, viver não passa
de uma grande brincadeira,
para outros, fonte de graça,
que perdura a vida inteira.
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

Pelos frutos conhecemos
a planta, profundamente,
se for bons os cultivemos
cuidando cada semente.
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

Quando para atrás da grade
muitos infratores vão,
perdem toda a liberdade
num mandado de prisão.
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

Quem tem pressa pra chegar
e não conhece o caminho,
antes deve se informar
se quiser chegar 'vivinho'.
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

Saúde debilitada
nos conduz ao tratamento,
porém se não for tratada,
nos leva ao sepultamento.
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

Se a sociedade não fosse
tão fechada em seu viver,
nela a vida era mais doce,
ninguém pensava em morrer,
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

Sempre temos pela frente
sonhos de felicidade,
porque ao lado, muita gente,
também sente igual vontade.
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

Se os homens todos vivessem
mais a solidariedade,
não faltavam os que lessem:
"Temos paz, fraternidade".
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

Todo mundo quer saber
o que o mundo todo sabe,
bastará apenas querer,
na cabeça tudo cabe...
= = = = = = = = = = = = = = = = = =

Um gigante adormecido
das trevas é despertado,
pelas mãos de Deus regido
no universo sustentado.

Fonte:
Luiz Damo. A Trova Literária nas Páginas do Sul. Caxias do Sul/RS: Palotti, 2014.
Livro enviado pelo autor.

Mia Couto (O fazedor de luzes)

Estou deitada, debaixo do céu estrelado, lembrando o meu pai. Há muito tempo, nós nos dedicávamos, à noite, a apanhar frescos. O céu era uma ardósia riscada por súbitos morcegos, desses caçadores de perfumes.

— Pai, eu quero ter uma estrela!

— Estrela, não: é muito árdua de criar.

Eu insistia. Queria possuir estrela como as outras meninas tinham brinquedos, bonecos, cachorros. Aqui, no rés da terra, eu não podia ter nada. Ao menos, lá no firmamento, se autenticassem minhas posses.

— Mas, pai: o senhor diz que faz criação de estrelas.

— Fazia, tive que entregar todas. Eram dívidas, paguei com estrelas.

— Eu sei que sobrou uma.

Meu pai não respondia nem sim nem talvez. Era um homem vagaroso e vago, sabedor de coisas sem teor. Dedicava-se a serviços anônimos, propício a nenhum esforço. Dizia:

— Sou como o peixe, ninguém me viu transpirar.

E me alertava: veja o musgo, que é o modo do muro ser planta. Quem o rega, quem o aduba? Nada, ninguém. Há coisas que só paradas é que crescem.

— É, minha filha: aprenda com o mineral. Ninguém sabe tanto e é tão antigo como a pedra.

Cuidava-me sozinha, órfã eu, viúvo ele. Ou seria ele o órfão, sofrendo do mesmo meu parentesco, o falecimento de minha mãe? Perguntas dessas são incorrigíveis: quem sabe é quem nunca responde. Na realidade, meu nascimento foi um luto para meu pai: minha mãe trocou de existir em meu parto. Me embrulharam em capulana* com os sangues todos misturados, o meu novinho em gota e o dela já em cascata para o abismo. Esse sangue remexido foi a causa, dizem, de meu pai nunca mais botar o olho em outra mulher. Em toda minha vida, eu conheci só aquela exclusiva mão dele, docemente áspera como a pedra. Aquele côncavo de sua mão era minha gruta, meu aconchego. E mais um agasalho: as estranhas falas com que ele me enevoava o adormecer.

— Você escuta os outros se lamentarem de seu pai.

— Não escuto, não. —menti.

— Dizem que eu não faço nada na vida, não faço nem ideia.

E prosseguia, se perdoando:

— Mas eu, minha filha, eu existo mas não sei onde. Nessa bruma que fica lá, depois do estrangeiro, nessa bruma é que você vai encontrar a mim, exato e autêntico. Lá fica minha residência, lá eu sou grande, lá sou senhor, até posso nascer as vezes que quiser. Eu não tenho um aqui.

— Não diga assim, pai.

— Nesse outro mundo, filhinha, eu tenho o mais requerido dos serviços: sou fabricante de estrelas. Sim, faço estrelas por encomenda.

— Verdade, pai?

— Verdade, filha. Pergunte a Deus, sou até fornecedor do Paraíso.

Voltávamos ao quintal, deitávamos a assistir ao céu. Eu já adivinhava, meu velho não suportava silêncio. Num gesto amplo, ele cobria o inteiro presépio do horizonte:

—Tudo isso fui eu que criei.

Eu estremecia, gostosa de me sentir pequenina, junta a esse Deus tão caseiro.

— E lá, pai, eles nos veem?

— Nada, filha, não nos veem. A luz daqui está suja, os homens empoeiraram isto tudo.

— Mas ela nos vê, lá nessa estrela onde foi?

O pai não respondia. Ele que tinha palavra para tudo, tropeçava sempre no mesmo silêncio. Minha mãe: dela não se mencionava nunca nada. Ela não era nem criatura, nem coisa, nem causa. Nem sequer ausência. E não sendo nem sujeito nem passado, ela escapava a ser lembrada. Meu velho fugia a sete corações do assunto da saudade. Como daquela vez que a mão, veloz, enxugou o rosto.

— Você nunca olhe o céu enquanto estiver chorando. Promete?

— Então, me dê uma estrela, pai.

— Nada, as estrelas não podem ser dadas. Nunca veja a noite através da lágrima —insistiu ele, sério.

Depois, quando se ergueu lhe veio uma tontura, sua mão procurou apoio no meio de dançarinas visões. Eu o amparei, raiz segurando a última árvore.

— Está doente, pai?

— Qual doente?! É a terra que não gosta que eu saia de cima dela. A terra é uma mulher muito ciumenta.

E outras vezes ele voltou a tontear. Até que uma noite, após estranho silêncio, ele me disse, esquivo, quase tímido:

— Vá lá. Escolha uma...

— Posso, pai?

E fingi apontar uma estrela, entre os mil cristais do céu. Ele fez de conta que anotava o preciso lugar, marcando no quadro negro o astro que eu apontara. Me ajeitou a mão na minha fronte e me puxou para seu peito. Senti o bater do seu coração:

— Escolheu bem, filha.

E explicou: aquela que eu indicara seria a luz onde ele iria morrer. Ninguém lembra o escuro onde nasceu. Todos viemos de fonte obscura. Por isso, ele preferia a claridade dessa estrela ao escuro de um qualquer cemitério. Então, pela primeira vez, meu pai fez referência àquela que me anteriorou:

— É nessa estrela que ela está.

Agora, deitada de novo nas traseiras da casa, eu volto a olhar essa estrela onde meu pai habita. Lá onde ele se inventa de estar com sua amada. E em meus olhos deixo aguar uma tristeza. A lágrima transgride a ordem paterna. Nesse desfoco, a estrela se converte em barco e o céu se desdobra em mar. Me chega a voz de meu pai me ordenando que seque os olhos. Tarde demais. Já a água é todas as águas e eu me vou deitando na capulana onde as primeiras mãos me seguraram a existência.
====================================
* Capulana = Usada para cobrir o corpo das mulheres, este tecido foi evoluindo ao longo dos anos em termos de textura, cores, e até no seu próprio uso. Em Moçambique por exemplo, as mulheres usam-na no seu dia-a-dia e principalmente em cerimônias tradicionais como funerais, casamentos, ritos de iniciação, cerimônias mágico-religiosas, etc. Também chamada de “pano” em Angola, “kitenge” ou “chitengue” na Zâmbia, Namíbia e “canga” no Brasil, o seu uso vai muito além da moda: o tecido é usado pelas mulheres para carregar os seus filhos nas costas, para carregar trouxas, para inúmeras funções, como toalha, cortina, pano de mesa, etc. (Conexão Lusófona)

Fonte:
Mia Couto. Na berma de nenhuma estrada e outros contos. Publicado em 2001.