A imprensa carioca tem mostrado, nestes últimos tempos, um desusado interesse pelo Japão. "A Noite" mantém em Tóquio um correspondente epistolar, o Sr. Carlos Abreu, e não há quem não tenha lido, e quem não admire, no Rio, as crônicas deliciosas que o nosso cônsul em Kobe, o Sr. Osório Dutra, está mandando para "O Imparcial".
Despertada assim a fome de pitoresco do público, não há, hoje, quem não deseje conhecer a terra do Mikado, com as suas "geishas", os seus crisântemos, as suas cegonhas azuis e as suas cerejeiras cor de rosa, enfim, o Japão verídico ou de legenda, com os seus pequenos leques de seda e os seus grandes templos de porcelana.
Entre os curiosos desse gênero está, como era natural, o antigo engenheiro da Central do Brasil, Dr. Guilherme Viana, cuja velhice decorre, hoje, no meio da melhor prosperidade econômica, ao lado da esposa, a virtuosa Dona Saturnina, da filha viúva, D. Odete Meireles, e da sua encantadora sobrinha Maria Otávia, botão de rosa de dezoito pétalas, que é, pode-se dizer, uma segunda filha do casal.
Interessado, dessa forma, pelo Império do Sol Nascente, o velho engenheiro perguntou-me, outro dia, se eu possuía nas minhas estantes alguma obra sobre o Japão. Eu lhe falei em cinco ou seis, entre as quais as dos nossos patrícios Drs. Oliveira Lima, Luiz Guimarães e padre Feitosa, e o meu amigo escolheu:
- Mande-me o livro do padre. Deve ser mais fiel, mais de acordo com a verdade. E mande-me outro qualquer, de autor estrangeiro.
No dia seguinte remetia-lhe eu a "Viagem ao Japão", de monsenhor Feitosa, e uma obra de Mabel Bacon, americana, traduzida, há anos, para o francês, com o titulo de "Jeunes filles et femmes au Japon".
Ontem fui visitar o meu velho amigo, a quem encontrei com os dois volumes em cima da mesa, rodeado das três senhoras que lhe compõem a totalidade da família.
- Excelente livro, o do padre! - observou-me, de sopetão, o meu velho camarada. - Achei apenas um pouco exagerado, naquela parte em que ele diz ter visto os soldados de um destacamento tirarem a farda, e descansarem, nus, à vista de toda gente, ao lado das baionetas.
- E o outro livro, o da americana? - indaguei.
- Também tem exageros, excessos abomináveis, como, por exemplo, esse em que a autora conta que, no interior do país, as camponesas trabalham ao sol, cultivando a terra, tendo sobre o corpo unicamente um chapéu de abas largas, e, à cintura, um leque, amarrado por um cordão.
- Como é essa vestimenta? - indagou
D. Odete, intervindo.
- Um chapéu de palha, e um leque à cintura. - repetiu o pai.
- E nada mais! - acentuou.
A essa informação, D. Saturnina juntou as gordas mãos sobre o estômago, espantada:
- Meu Deus! Parece até "toilette" do Municipal!
Mas não terminou. Escandalizada com aquela heresia, a viúva interrompeu-a, protestando, logo, não em nome da decência, mas em nome do bom gosto:
- Oh, mamãe, assim, também, não!
E acrescentou, com horror:
- Onde a senhora já viu a gente ir ao Municipal de chapéu?!...
Despertada assim a fome de pitoresco do público, não há, hoje, quem não deseje conhecer a terra do Mikado, com as suas "geishas", os seus crisântemos, as suas cegonhas azuis e as suas cerejeiras cor de rosa, enfim, o Japão verídico ou de legenda, com os seus pequenos leques de seda e os seus grandes templos de porcelana.
Entre os curiosos desse gênero está, como era natural, o antigo engenheiro da Central do Brasil, Dr. Guilherme Viana, cuja velhice decorre, hoje, no meio da melhor prosperidade econômica, ao lado da esposa, a virtuosa Dona Saturnina, da filha viúva, D. Odete Meireles, e da sua encantadora sobrinha Maria Otávia, botão de rosa de dezoito pétalas, que é, pode-se dizer, uma segunda filha do casal.
Interessado, dessa forma, pelo Império do Sol Nascente, o velho engenheiro perguntou-me, outro dia, se eu possuía nas minhas estantes alguma obra sobre o Japão. Eu lhe falei em cinco ou seis, entre as quais as dos nossos patrícios Drs. Oliveira Lima, Luiz Guimarães e padre Feitosa, e o meu amigo escolheu:
- Mande-me o livro do padre. Deve ser mais fiel, mais de acordo com a verdade. E mande-me outro qualquer, de autor estrangeiro.
No dia seguinte remetia-lhe eu a "Viagem ao Japão", de monsenhor Feitosa, e uma obra de Mabel Bacon, americana, traduzida, há anos, para o francês, com o titulo de "Jeunes filles et femmes au Japon".
Ontem fui visitar o meu velho amigo, a quem encontrei com os dois volumes em cima da mesa, rodeado das três senhoras que lhe compõem a totalidade da família.
- Excelente livro, o do padre! - observou-me, de sopetão, o meu velho camarada. - Achei apenas um pouco exagerado, naquela parte em que ele diz ter visto os soldados de um destacamento tirarem a farda, e descansarem, nus, à vista de toda gente, ao lado das baionetas.
- E o outro livro, o da americana? - indaguei.
- Também tem exageros, excessos abomináveis, como, por exemplo, esse em que a autora conta que, no interior do país, as camponesas trabalham ao sol, cultivando a terra, tendo sobre o corpo unicamente um chapéu de abas largas, e, à cintura, um leque, amarrado por um cordão.
- Como é essa vestimenta? - indagou
D. Odete, intervindo.
- Um chapéu de palha, e um leque à cintura. - repetiu o pai.
- E nada mais! - acentuou.
A essa informação, D. Saturnina juntou as gordas mãos sobre o estômago, espantada:
- Meu Deus! Parece até "toilette" do Municipal!
Mas não terminou. Escandalizada com aquela heresia, a viúva interrompeu-a, protestando, logo, não em nome da decência, mas em nome do bom gosto:
- Oh, mamãe, assim, também, não!
E acrescentou, com horror:
- Onde a senhora já viu a gente ir ao Municipal de chapéu?!...
Fonte:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925.
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925.
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