quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

A. A. de Assis(Revista Virtual Trovia n. 147 - março 2012)


Inesquecíveis

De compromissos te esquivas
mas é fácil de notar,
que o prazer do qual me privas
vive escrito em teu olhar...
Analice Feitoza de Lima

Riquezas tenhas tão grandes,
e tal bondade também,
que ao redor donde tu andes
não fique pobre ninguém.
Augusto Gil

Hoje eu sei que foi loucura...
Mas ao louco que fui eu
devo o pouco de ternura
que o bom senso não me deu.
Cesídio Ambroggi

Ah se eu pudesse saber
qual a mulher que ele quer!
Que não iria eu fazer
para ser essa mulher?
Magdalena Léa

O poeta, em sua lida,
ainda que o mundo o afronte,
tem sempre um sopro de vida
que o leva além do horizonte...
Milton Nunes Loureiro

Saudade!... Foto em pedaços,
que eu colei, com mão tremida,
tentando compor os traços
de quem rasgou minha vida!...
Waldir Neves

A grande páscoa será aquela que marcará a passagem de um mundo
sem alma para um mundo onde haja espaço para o amor e a poesia.


Brincantes

Maria, o que foi que eu fiz
para ficares queimada?...
– Ainda pergunta, infeliz?
Há tempo não fazes nada...
Istela Marina – PR

Casamento de verdade
pouca gente ainda procura:
querem ter a propriedade
sem pagar pela escritura!
Jotão Silva – RJ

Depois de um beijo molhado,
sentiu algo diferente...
Perguntou ao namorado:
– Onde foi parar meu dente?
Mª Lúcia Godoy Pereira – MG

Afoita, entra de cabeça,
e ao se dar conta declara:
– Por incrível que pareça,
o que eu quebrei... foi a cara!!!
Mª Madalena Ferreira – RJ

Quando a feia se “embeleza”,
mas o resultado é trágico,
diz o espelho – que se preza:
– Ela pensa que sou mágico!...
Renato Alves – RJ

Da abelha o casal tem tudo:
primeiro o mel da paixão;
segunda fase – abelhudo;
terceira fase: – ferrão!...
Roza de Oliveira – PR

Líricas e filosóficas

Entre o pássaro e o poeta
há perfeita identidade:
seu canto só se completa
se há completa liberdade.
A. A. de Assis – PR

Saudade é tarde chorando
um tempo em que foi aurora,
ao ver a noite levando
o brilho do sol embora.
Adélia Vitória Ferreira – SP

Versos já fiz – não sei quantos –
relembrando a mocidade...
Hoje servem de acalantos
para ninar a saudade.
Ademar Macedo – RN

Costumo dizer que a trova
é diminuta poesia,
mas que sempre põe à prova
a nossa sabedoria.
Agostinho Rodrigues – RJ

Ah, se eu pudesse algum dia
ter asas para voar...
Quem sabe talvez iria
em tua boca pousar!
Almir Pinto de Azevedo – RJ

Quero sim, você diz não!
Assim é tudo impossível...
Não quero viver em vão,
nessa dúvida terrível.
Benedita Azevedo – RJ

O mar da vida parece
que às vezes quer me afogar,
mas Deus, que nunca me esquece,
atira a boia no mar!
Carolina Ramos – SP

Eu confesso hoje, sem medo,
que este amor em mim guardado
não é só o meu segredo,
é também o meu pecado!
Clenir Neves Ribeiro – RJ

Sou rainha afortunada,
você meu rei, meu senhor.
Doce ilusão implantada
no reino do nosso amor!
Conceição Abritta – MG

Uma página arrancada,
jogada ao léu, esquecida:
assim sou eu – quase nada –
no livro da sua vida!
Conceição de Assis – MG

Não sou ave nem sou peixe,
nunca aprendi a nadar,
mas peço a Deus que me deixe
num dia desses voar!
Diamantino Ferreira – RJ

Inútil, desagradável,
tornar alguém diferente,
para que seja ajustável
aos interesses da gente.
Djalma da Mota – RN

O nosso amor escondido,
sem promessa de aliança,
tem o sabor proibido
do fruto da vizinhança!...
Domitilla B. Beltrame – SP

“O que é o amor?”, me perguntas,
e, em coro, os anjos entoam:
“São duas pessoas juntas
que se amam e se perdoam!”
Eduardo A.O. Toledo – MG

Sol e mar... calor, beleza...
vêm mostrar à humanidade
que o homem e a natureza
têm a mesma identidade.
Eliana Jimenez – SC

O nosso beijo envolvente,
na rotina que amanhece,
é o apelo mais urgente
para que a noite se apresse!
Elisabeth S. Cruz – RJ

Ao tempo que está passando,
peço: – Vá mais devagar!
E ele segue me esnobando,
fingindo não me escutar.
Francisco Macedo – RN

A velhice que me encurva
desacelera meus passos,
torna a minha visão turva...
Apoio? Só nos teus braços.
Francisco Pessoa – CE

A saudade da saudade
varreu de mim a alegria,
levando a felicidade
que eu pensava que existia!
Gislaine Canales – SC

Quando uma lágrima cresce
e cai dos olhos de um pai,
pesa tanto que parece
ser a própria dor que cai.
Héron Patrício – SP

Olho o céu. A lua, um lume,
se desloca magistral...
Nunca vi um vaga-lume
tão soberbo e pontual.
Humberto Del Maestro – ES

Não dou conselhos na luta
que cada um realiza,
pois o tolo não escuta
e o sábio jamais precisa.
J. B. Xavier – SP

A presença do Senhor
se faz sentir plenamente
desde a beleza da flor
à humildade da semente.
Jeanette De Cnop – PR

Amor, dádiva divina,
semente humilde e perfeita;
a luz que nos ilumina
pela caminhada estreita!
João B. de Oliveira – SP

Dê vida ao seu dia a dia,
dedicando-se as labor.
Trabalho gera alegria,
quando é feito com amor!
Jorge Fregadolli – PR

Amor há no coração
que é feito brasa apagando.
Se vai virando carvão,
surge a saudade soprando...
José Fabiano – MG

Vivo em busca de carinho,
em castelos de ilusão...
Tanto tempo estou sozinho,
quem me aquece é a solidão.
José Feldman – PR

O mar, nas lutas que travo
ao dar combate à procela,
parece um cavalo bravo
e a jangada, a minha sela!
José Messias Braz – MG

De uma forma muito astuta,
a mentira nunca falha:
Hoje atinge a quem a escuta,
amanhã, a quem a espalha...
José Ouverney – SP

Meu corpo colado ao teu...
dois seres: um sentimento!
Sonho que sobreviveu
apenas em pensamento...
Luiz Antonio Cardoso – SP

Não pergunte a um trovador quantas trovas ele
já escreveu. Pergunte-lhe quantas trovas já leu.


Segue o tempo, indiferente,
pela idade, em despedida...
Passa, mas deixa presente
o doce encanto da vida!
Mara Melini Garcia – RN

Sonhar quando a gente dorme
é comum e é natural.
A diferença é enorme
é quando o sonho é real.
Maria Lúcia Fernandes – RJ

Muito pouco foi preciso
para em Deus acreditar.
No encanto do teu sorriso
eu vejo o céu se espelhar.
Mª Luíza Walendowsky – SC

Às vezes, tudo exigimos
que Deus faça a todo custo,
sem pensar que o que pedimos,
tornaria Deus injusto.
Maria Nascimento – RJ

Reticências: uma frase
que alguém pensa mas não diz...
justamente aquele "quase"
que nos faria feliz.
Mª Thereza Cavalheiro – SP

Tenho por certo, em verdade,
bem vivo, embora pungente,
que a mais pungente saudade
é aquela de alguém presente!
Maurício Friedrich – PR

Cortina lembra passado
e nela não vou mexer.
Tenho até muito cuidado:
eu a lavo sem torcer.
Messody Benoliel – RJ

Toda mentira promete
o que não pode lhe dar;
só à verdade compete
fazer justiça e mostrar.
Mifori – SP

Por estar na solidão, / tu de mim não tenhas dó. / Com trovas
no coração, / eu nunca me sinto só. – Luiz Otávio


Neste mundo em que a atitude
poderá causar um mal,
a prudência é uma virtude
de expressão universal.
Nei Garcez – PR

Sonhos são bolas infladas
pelos ares da ilusão,
que os espinhos das estradas
vão fincando pelo chão...
Nilton Manoel – SP

No rosto, um leve sorriso
disfarça a dor da saudade...
– Há vezes em que é preciso
fingir a felicidade.
Olga Agulhon – PR

Da despensa de Deus Pai,
sou mordomo e sou fiel;
só quem pensa que Ele trai
vira as costas para o céu.
Olivaldo Júnior – SP

A tristeza em minha casa
está num quarto vazio.
De dia a saudade abrasa,
à noite mata de frio.
Roberto Acruche – RJ

Contemplo o céu para vê-las
com um respeito profundo,
pois na raiz das estrelas
eu vejo o dono do mundo.
Rodolpho Abudd – RJ

Piedade infeliz tem sido...
Com santa piedade orava
pelo seu amor bandido,
que, sem piedade, matava.
Rose Mari Assumpção – PR

No refúgio desmanchamos,
quando ficamos a sós,
esses nós que carregamos
no fundo de todos nós!
Selma Patti Spinelli – SP

Um abraço grande a todos os divulgadores de trovas.
Sem eles os nossos trabalhos não seriam conhecidos.


Nada mais nos aproxima...
e, nessa ausência de afeto,
nós somos trova sem rima
e sem sentido completo!
Sérgio Ferreira da Silva – SP

Sim, eu sou paranaense,
com orgulho e "pé vermeio";
e aprendi que a vida vence
quem pra aqui com garra veio.
Sinclair Casemiro – PR

Eu penso em mãos carinhosas,
espero um beijo faceiro;
quero sussurros e rosas
e um romance por inteiro.
Therezinha Tavares – RJ

Na vida vivo tentando
tornar meu mundo risonho,
pois a tristeza vem quando
existe ausência de um sonho.
Vanda Alves – PR

Em tédio avassalador
daqueles que não têm cura,
num minuto o Trovador
transforma tudo em ventura!
Vânia Ennes – PR

Meu diário! Em tuas folhas
morrem desejos sem fim...
Pago o preço das escolhas
que outros fizeram por mim.
Wanda Mourthé – MG

Não sei como Deus sabia,
mas deu-me, quando nasci,
a família que eu queria
e os amigos que escolhi.
Wandira F. Queiroz – PR

Sabiá de peito roxo,
passarinho cantador...
Seus gorjeios sem muxoxo
são melodias de amor!
Vidal Idony Stockler – PR
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http//www.falandodetrova.com.br/

J. G. de Araujo Jorge (Uma Estrela Para Você)


É hora da gente pensar como no poema: “Um dia...”

Um dia... E para nós há sempre um dia
que tudo modifica de repente,
dando outro rumo, inesperadamente,
ao caminho que a gente percorria...

E então, a hora inesperada de alegria
se transforma em tristeza, rudemente,
ou a dor se desfaz, e a alma sente
imprevisto prazer que não sentia.

Ouço falar assim desde menino
e me deixo ficar, sempre esperando,
por esse estranho dia do destino...

E às vezes, esta espera me intimida,
porque não sei o que trará, nem quando
chegará esse dia à minha vida...


Não me lembro. Mas talvez tenha escrito este soneto num fim, ou num começo de ano, quando inexplicavelmente nos deixamos ficar com a alma em suspenso, como se alguma coisa tivesse, ou estivesse para acontecer. Fim de ano é época propícia às velhas superstições. Todos nós, mesmo os mais céticos, os mais materialistas, percebemos que nosso pretensioso racionalismo se turva, que resíduos místicos vêm à tona agitados sabe-se lá por que misteriosos elementos.

Afinal, a Terra completou mais uma volta em torno do Sol, tal qual fazia nos tempos dos faraós egípcios, e dos “patesis” sumérios. O que não impediu que muitos povos, através da história, comemorem o ano solar de formas diversas, como os gregos, os russos, os mulçumanos, os judeus. Mas todos nós, povos cristãos, o festejamos da mesma maneira e na mesma ocasião, desde a reforma gregoriana.

E então, a 31 de dezembro, à meia-noite, atordoados pelo rumor da alegria nos salões e nas ruas, por entre contos fetichistas e marchinhas carnavalescas, ressurgem em nós crenças e temores que julgávamos desaparecidos. Já não discutimos a força dos signos, nem as previsões dos horóscopos.

De súbito, acreditamos no Destino e na Felicidade, que ganham a força de entidades, de uma efêmera religião que nasce e morre ao espocar das garrafas de champanha, ou enquanto se derretem as velas de cera dos rituais pagãos a Iemanjá, à beira do mar.

Há um transe coletivo, em que todos se engolfam, nas festas de passagem de ano.

Vagamente se acredita que alguma coisa está terminando, e que algo de novo se inicia, e com esse algo de novo, novas oportunidades, novas possibilidades diante da vida. Você já experimentou se analisar naquelas horas, naqueles momentos, em que se comemora o Ano Novo?

Subitamente o Destino está presente, como um deus. É o Deus-Destino ao qual festejamos, diante de quem comparecemos, como as almas dos mortos egípcios, no tribunal de Osíris. E se não nos confessamos, e se não estamos em penitência pelos nossos erros e pecados, esperamos que ele nos absolva de tudo, e que nos dê aquela felicidade que ainda não conseguimos conquistar.

Exaltei-o nas quadrinhas:

Deus poderoso, maneja
nosso mundo pequenino...
Quem, por mais forte que seja,
tem mais força que o Destino?

Que somos nós? Indefesos
pobres bonecos, sem pés...
O Destino nos tem presos
aos seus estranhos cordéis...


E isto porque, todos nós, a cada nova manhã

Saímos, pelos caminhos
quais D. Quixotes, bisonhos,
lutando contra os moinhos
de vento, dos nossos sonhos!


A verdade é que, ao fim de cada ano, a cada ano novo, não podemos fugir às sugestões que a oportunidade suscita. Há um fato astronômico ? trezentos e sessenta e cinco dias, cinco horas, quarenta e nove minutos e doze segundos ? o tempo necessário para o nosso velho planeta completar a sua volta em torno do Sol, mas criamos com isso todo um mundo complexo de implicações emotivas e imaginosas, e então, sentimos, como se realmente nós também começássemos uma “volta” nova em nossas vidas. Mas, em torno de quê?

O fato é que realimentamos o coração de desejos. Que poderoso manancial de sonhos e esperanças há nesta simples expressão: Ano Novo! E todos nós nos desejamos, ardentemente, com estranha convicção: um feliz Ano Novo! Levantamos no tempo (o que é o tempo?) uma barreira quase material: o que passou, passou! Sim, há um ano novo, e poderá haver também uma vida nova. Estamos, na realidade, desejando: Feliz Vida Nova para Você!

E nessa hora de festa, é como se todos se sentissem obrigados a ser felizes. Como se temessem a tristeza como uma doença, ou como se receassem aparecer diante dos seus deuses com as máscaras de suas dores e de seus desenganos. As claridades que estão no céu não são apenas as de um novo dia, mas as de uma felicidade entressonhada, nunca tarde demais para chegar.

Estranho. Nessas ocasiões me acovardo. As festas coletivas me intimidam. Receio não ter forças nem condições para sintonizar com as grandes felicidades.

Naquele exato momento, entre o ano que finda e o que nasce, quando uma onda de alegria contagia a todos, quase que indistintamente, fico à margem, numa invisível praia solitária, como um náufrago. À toa, sem saber que fazer da vida. Uma das horas mais pungentes para mim, inexplicavelmente, é sempre aquela em que os ponteiros se casam na meia-noite do dia 31 de dezembro de cada ano. Enquanto sobem foguetes, espocam garrafas de champanha, tinem taças, ouvem-se cantos, bocas se beijam, abraços se estreitam, não consigo evitar meu invencível e súbito estado de levitação interior, entre atordoado a atônito.

Tal como no carnaval, ou no Natal, o último dia do ano me apanha sempre desprevenido. O encontro com essa felicidade barulhenta, exibicionista, que estoura como um petardo, me paralisa. Caio em mim, e sinto-me de repente, fundo, distante de todos, incapaz de segui-los, de entrar em seus “ranchos” e “blocos”. Como já escrevi, certa vez: Me sinto cada vez mais no “bloco do eu sozinho”. Desculpem-me esta cinza com que escrevo. Alguma coisa ainda se queima, e o vento trouxe. Resta o consolo de que alguma coisa ainda há para queimar, para arder. Podia ser pior.

Francamente, sou um homem incapaz de “entrar no Ano Novo”. Não sei que gostaria de fazer, quem gostaria de encontrar. Talvez porque não consiga mesmo distinguir essa “última noite” do ano de todas as outras noites. Não gosto das datas vermelhas dos calendários. Gosto dos feriados que a vida, avaramente, cada vez mais avaramente, decreta para mim. Meu Ano Novo começa qualquer dia e qualquer hora.

Me lembro, por exemplo, de que esse último dia do ano, enquanto a festa atordoante se diluía na noite, e pulsava em todos os segundo, eu me sentia um homem banal, perdido, sem contatos com a Terra. Receio muito que esteja me tornando, cada vez mais, um homem difícil, nesses tempos difíceis.

Mas, de coração, desejo felicidades para todos vocês.

Afinal o Ano Novo é um estado de espírito. Que o tenham, festejando como um Natal - algo novo que nasce, que brilha como uma estrela.

Sim, desejo a todos vocês uma estrela brilhante, neste Ano Novo que se inicia!

Fonte:
JG de Araujo Jorge. "No Mundo da Poesia " Edição do Autor -1969

Ademar Macedo (Mensagens Poética n. 496)

Monte do Galo - Carnauba dos Dantas/RN

Uma Trova de Ademar

Sem ter interlocutores,
aos Trovadores, diria:
quem faz trovas, são doutores,
com mestrados em poesia!!!
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


“Mãe-Natureza!” – eis o nome
de quem, em nome do amor,
gera o fruto e estanca a fome
do seu próprio predador!
–JOSÉ OUVERNEY/SP–

Uma Trova Potiguar


Certo vaqueiro, tristonho,
já vencido pela idade,
afaga, como num sonho,
seu alazão – a saudade...
–REVOREDO NETTO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


Tão calmo e frio eu te vejo,
que tristemente recordo:
acordava com o teu beijo
e hoje nem vês quando acordo...
–NYDIA IAGGI MARTINS/RJ–

Uma Trova Premiada


2009 - Cantagalo/RJ
Tema: SERTÃO - 6º Lugar

Sou sertanejo e não nego
crestei meus pés neste chão.
Nestas marcas que carrego ,
carrego o próprio sertão!
–PROF. GARCIA/RN–

Simplesmente Poesia

Não Sei
–ROLDÃO AIRES/SP–


Não sei se são os teus olhos,
ou se o teu jeito inocente,
faz com que eu sinta, pelo
meu corpo inteiro, algo que
não sentia, alguma coisa
diferente.
Me pego às vezes, pelos cantos
a falar, palavras que há muito
não dizia.
Sinto que renovo-me,
que procuro uma maneira,
de poder vir a possuir um novo
sonho para ser vivido,
um novo amor, que dentro tenho,
e não pode ser contido.

Estrofe do Dia

Sinto falta da voz de Gonzagão
decantando a canção "TRISTE PARTIDA"
que retrata a família e sua vida
apos retirar-se do Sertão.
Já não ouço Luiz Rei do Baião
cantando "DEPOIS DA DERRADEIRA"
Dominguinhos, sanfona de primeira
Genival e o "ROCK DO JUMENTO";
Precisamos fazer um movimento
Em defesa da música Brasileira.
–RODRIGUES LIMA/SP–

Soneto do Dia

Tempo de Amar
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–


Se a gente olhar a vida com carinho,
inda que more embaixo de uma ponte,
verá flores à margem do caminho
e sorrisos de estrelas no horizonte.

Quem sabe ouvir o borbulhar da fonte
e o sereno trinar de um passarinho
já não se entrega à dor, mesmo defronte
de ingratidões, de pedras e de espinho.

Nem a velhice pesa, quando a gente
se faz jovem no espírito e na mente,
cultivando a alegria de viver,

e, na existência pecadora e santa,
escuta a voz de um coração que canta
o amor que o tempo não logrou vencer.

Teatro da Terra (O Ciclista, de Karl Valentin) 1 a 11 de Março


Maria João Luís encena e encarna Karl Valentin, autor maior da dramaturgia alemã.

Valentin, artista dos sete ofícios cria, fotografa, representa, filma, escreve, enquanto a sua Alemanha atravessa duas guerras mundiais, sempre atento ás dificuldades que um pais em guerra impõe, sem se conformar com a tendência que a propaganda nazi alinhava com a superioridade da raça ariana, foi por isso censurado e esquecido. Só a partir dos anos 70, com traduções francesas, é redescoberto e reconhecido como um dos maiores autores cômicos de sempre.

O Teatro da Terra leva à cena o seu humor corrosivo e irreverente para que não caia outra vez no esquecimento, este talento gigante, muitas vezes apelidado como o Charles Chaplin dos dadaístas de Munique.

de 1 a 11 de Março

4ª a Sábado às 21h30 | Domingos às 16h00


Teatro Cinema de Ponte de Sor

Info e reservas
967 710 598 | 242 292 073
teatrodaterra@gmail.com

bilhetes preço único: 7€

texto Karl Valentin
tradução Maria Adélia Silva Melo e Jorge Silva Melo
encenação Maria João Luís
com Inês Pereira, Maria João Luís, Pedro Mendes, Joaquim Rocha, João Fernandes
cenografia Maria João Luís
figurinos Maria João Castelo
dir. produção e luz Pedro Domingos


Com os melhores cumprimentos
Pedro Domingos
(Direcção de Produção)


TEATRO DA TERRA
CENTRO DE CRIAÇÃO ARTÍSTICA DE PONTE DE SOR, CRL
Herdade do Colmeal, Ribeira das Vinhas
7400-070 Galveias
+351 967 710 598
teatrodaterra@gmail.com | https://teatrodaterra.wordpress.com

Escritório de Produção
Av. da Liberdade, 64
7400-218 Ponte de Sor
+351 242 292 073

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

J. G. de Araújo Jorge (Uma Casa na Lembrança)


Com a mecanização avassalante da vida moderna, muitas vezes me pergunto qual será a imagem do lar do futuro?

A dona-de-casa trabalha fora, absorvida por mil e uma preocupações estranhas ao seu tradicional mundo doméstico; desaparecem as empregadas; os apartamentos se resumem a cubículos, com peças únicas, escamoteáveis, armários embutidos, sofás e poltronas-camas, quitinetes; aparelhos elétricos capazes de improvisar papas liquidificadas à guisa de refeições. Os filhos amontoam-se em camas-beliches, em espaços exíguos de camarotes de navio.

Amanhã, numa sociedade-síntese, em que se unirão as conquistas do conforto capitalista ao sistema de vida socialista, como sobreviverão o homem, a mulher e os filhos?

Francamente, não sei se serão agradáveis as casas dos nossos tetranetos. E quando digo casa, na me refiro apenas ao espaço onde nos recolhemos depois da luta de cada dia, mais justamente aos elementos humanos que a compõem e que, somados, transforma a casa em lar.

Confesso que não gosto de imaginar essa casa solitária, despojada de tantos valores tradicionais, espécie de robô habitado, onde as coisas acontecem sumariamente, a simples toques mágicos, sem a presença necessária e o calor da convivência humana.

Lembro-me de como me senti, certa vez, num pós-operatório, imobilizado num leito de hospital, ligado por tubos que me alimentavam e satisfaziam necessidades, numa cama que se mexia por mim.

Temo que a casa do futuro desumanize o homem. Tire-lhe uns restos de paisagem que ainda resistem como decoração. A intromissão da máquina em nossa vida particular vai reduzindo ao mínimo as perspectivas desse poético mundo prosaico que é o mundo de nossas casas, tão rico de belezas singelas em seu aconchego e em sua tranqüilidade.

A casa do futuro talvez acabe tornando o homem mais solitário que o faroleiro, montado numa penha perdida, em mar alto.

E como será esse homem que prescinde de seus semelhantes, que vive cercado de instrumentos, alimentando-se de pastilhas, procriando por inseminação artificial, em companhia de seres que estarão mais longe de seu espírito que os planetas de seu universo?

Não acredito que a dona-de-casa feliz seja a dona-de-casa sem casa, sem empregadas, para quem os afazeres naturais que constituem a sua vida e a sua alegria se transformem em gestos mecânicos, em atos frios e automáticos.

Eu, por mim, gosto das casas grandes, antigas, impregnadas de histórias, de tradições. Numa delas deixei minha infância, minha adolescência. E quando falo de casas antigas, lembro-me da casa de meu avô, o casarão dos Tinoco, na Rua da Piedade, em Bota-fogo. Está num poema:

“Me lembro da minha rua
velha rua da Piedade
Mudou pra Clarice Índio
Clarisse Índio do Brasil;
o nome de alguma dama
muito importante, quem sabe?
Muito importante, quem viu?”

(A Outra Face).

Bem que o guardo na memória, abrindo suas janelas altas, com grades de ferro, para a rua; o jardim lateral, a grande amendoeira, as acácias; e ao fundo, como uma vaga reminiscência das senzalas, as casas das empregadas. E me ocorrem visões de nossa velha aristocracia patriarcal.

Os romances de Manuel de Macedo e de Alencar fixaram para sempre os aspectos e a paisagem dessa sociedade de fins do século passado. Casas com telhados coloniais; janelas com gelosias românticas; amplas varandas com cadeiras de balanço, com redes preguiçosas, arrastando franjados no assoalho; quintais com uma infinita variedade de árvores, cada vez mais raras: abieiros, caramboleiras, sapotizeiros; salas-de-visitas com lustres e candelabros como jóias cintilantes, espelhos bisotês, estofados rococós; uma quantidade de quadros, salas, corredores, onde os filhos dos senhores brancos andavam de cambulhada com toda uma gama de mulatinhos vivos, filhos das escravas, das mucamas, às vezes com o senhor branco, cuja elástica moral era a do “faça o que eu digo e não o que eu faço...”

O casarão do meu avô Tinoco era, evidentemente, mais recente, mas recendia a sociedade patriarcal, quase ao tempo dos “sinhôs” e das “sinhás”, quando os maridos tratavam respeitosamente as esposas por Vossa Mercê... Lá estava, junto ao quarto de dormir, o oratório dedicado a Nossa Senhora da Conceição, com a candeia de azeite sempre acesa, as jarras com flores, a palha benta.

E a copa e a cozinha, enormes, fervilhantes de empregadas e tias (nesse tempo eu tinha 16!) nos dias de festas, onde pontificava a Maria Cozinheira e seus quitutes! Minha infância está presa à memória pelo paladar. Falar nela é ficar com água na boca, e lembrar-me da hora do lanche, quando a grande mesa da sala-de-jantar (nosso reino encantado!) ficava rodeada por minha avó, tias, primos, primas e suas amigas. Lá estavam os biscoitos de polvilho, os rocamboles, os pãezinhos de minuto, de bolos, as tortas, por entre bules fumegantes de chocolate, café, chá, leite. E nos aniversários e festas vinham os quindins, canudinhos de coco, baba-de-moça, as ameixas recheadas, bolos de nozes, que sei eu?

Sim, ficou-me no coração a nostalgia das casas-grandes, povoadas pelo bulício e a algazarra de tantos parentes e amigos, numa época em que as próprias empregadas como que faziam parte da família também. Até hoje com a carapinha algodoada, ainda vive a Maria Cozinheira, mãe-preta de nossa infância, que recorda com os olhos marejados de lágrimas aquele tempo. E não me esqueci também da Juventina, da Conceição, da Adriana, e até das babás, moças e roliças, que me ajudaram em algumas primeiras “lições de coisas...” Não sei como serão as casas do futuro, cada vez mais apartamentos, ou “apertamentos”. Mas não trocaria, por nada deste mundo, algumas das casas da minha infância, intactas, de pé, nas ruas da memória e do coração.

As casas são como seres que nos envolvem, com suas paredes, nos abrigam e protegem; nos falam; partilham de tantos dos nossos momentos; nos amam e passam, e às vezes morrem, como entes queridos.

Assim ficou o velho casarão de meu avô Tinoco: não como uma casa comum, mas como a lembrança de um primeiro amor, ideal que nunca se esquece e que não morre nunca!

Fonte:
JG de Araujo Jorge. "No Mundo da Poesia " Edição do Autor -1969

Ademar Macedo (Mensagens Poética n. 495)


Uma Trova de Ademar

A minha fé não se abala
e sinto uma força estranha
toda vez que alguém me fala
sobre o sermão da montanha!...
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional

A mentira mais fingida
que aprendi desde criança,
foi ouvir, que pela vida,
quem espera sempre alcança!
–EDUARDO A. O. TOLEDO/MG–

Uma Trova Potiguar

Gotinhas d'água na aurora
sobre a mata destruída,
traduzem pranto que chora
a Natureza agredida.
–CLARINDO BATISTA/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Pelo tamanho não deves
medir valor de ninguém.
Sendo quatro versos breves
como a trova nos faz bem.
–LUIZ OTÁVIO/RJ–

Uma Trova Premiada

2009 - Cantagalo/RJ
Tema: SERTÃO - 13º Lugar


Este silêncio enlutando
de cinzas o pobre chão...
é a voz do sertão chorando
a morte da plantação.
–VANDA FAGUNDES QUEIROZ/PR–

Simplesmente Poesia

Quem
–ISABEL CÂMARA/MG–


Quem diante do amor
ousa falar do Inferno?
Quem diante do Inferno
ousa falar do Amor?
Ninguém me ama
ninguém me quer
ninguém me chama de Baudelaire.

Estrofe do Dia

Como a onda que bate e deixa espuma
teu encanto chegou de sobressalto
invadindo meu mundo de assalto
como o vento que passa e deia a bruma;
teu sorriso me acalma e me perfuma
transformando meu mundo mais perfeito,
se te amar demais é meu defeito
mas a alma se sente aliviada;
teu olhar é trovejo de invernada
que inunda a vazante do meu peito.
–HÉLIO CRISANTO/RN–

Soneto do Dia

Mocidade Efêmera
–DIAMANTINO FERREIRA/RJ–


Reparaste, algum dia – na fumaça
que de um cigarro evola – em espirais?...
não poderás em breve vê-la mais,
de célere e fugaz que ela esvoaça...

Mas, nesse breve instante, à mente lassa,
quanta saudade e sonhos divinais
que tu não podes esquecer, jamais,
não vêm, enquanto aquele fumo passa!...

E assim, tão breve quanto o fumo, a vida
passa tão rápida e despercebida
que o nascimento e a morte são rivais;

tudo se esvai, tudo sucumbe e passa;
e parte, junto aos rolos de fumaça,
a mocidade – que não volta mais!...

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Alerta Sobre as Postagens

Esta semana, em virtude de que estarei mudando de residência, as postagens poderão ser irregulares. Procurarei ao menos manter uma certa regularidade, dentro do possível das Mensagens Poéticas do Ademar Macedo, para que não fiquem muito desatualizadas.

Espero a compreensão dos leitores do blog, caso ocorra algum dia sem postagem.

Estando instalado na nova residência, volto às postagens normais.

Aproveito este para solicitar aos irmãos trovadores de Minas Gerais que me enviem suas trovas ou dos trovadores mineiros falecidos ou não, para o lançamento do Minas Gerais Trovadoresco.

Obrigado
José Feldman

J. G. de Araújo Jorge (Um "Quadro " de Rimbaud)

Escrevi uma vez: um poema, um quadro, uma estátua, uma partitura, existem, têm vida própria, como um organismo, independente do artista que os criou.    Na realidade,  um poema tem sangue, nervos, coração, voz, alma, fala, comove, tal como ser, tal como o próprio homem. Daí um poeta chileno, Vicente Huidobro ter afirmado:

    “Um poema és um poema, tal como uma naranja és uma naranja y no uma manzana.”

A arte é o reverso da grande criação. Deus morre nos homens todos os dias. O artista se eterniza todos dias, em sua obra. O eterno criou o efêmero; o efêmero cria o eterno. Na realidade tudo é eterno e efêmero:  o artista, mortal, cria “seres” eternos; Deus eterno, cria seres  mortais.

Ocorreram-me estas idéias no dia em que me dispus a realizar as primeiras traduções. Preparava os originais da antologia que publicaria com o título de “Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou”.    

Lançaria o primeiro volume, só de sonetos brasileiros,  mas  queria  completar a obra,  com  um  volume de sonetos  estrangeiros.

Nossos leitores têm muito poucas oportunidades de conhecer a poesia de outros povos. Raros podem ler o francês, o inglês, ou mesmo o espanhol. Pedi, pois, a escritores, poetas, meus amigos, que me ajudassem. O que vinha encontrando, já realizado no passado,  pelos poetas românticos  e parnasianos,  era pouco, ou de difícil aceitação.  As traduções encontram-se  eivadas  de preciosismos, palavras mortas, expressões em completo desuso.                                                                  

Desde o momento, entretanto, em que comecei a receber a colaboração de meus amigos, senti-me na obrigação de participar também do livro, não apenas como seu idealizador, mas com alguns trabalhos. Tratava-se de uma experiência inteiramente  nova  para  mim,  mas,  que não se dissesse depois, que eu estava apenas explorando a produção alheia. E pus mãos a obra.                                     

Convenci-me, então, que traduzir é uma tarefa apaixonante. Não se trata de um simples  jogo  de  palavras.Em  sua  realização,  opera-se  uma  verdadeira “reencarnação” literária. Não trocamos apenas o corpo do poema  -suas palavras-,  de  um   idioma  para  outro,  mas  sopramos-lhes  um  novo   espírito,  o nosso, ao tentarmos captar a inspiração do original. E cada poema que sentimos, que se comunica conosco, que de alguma forma se identifica com a nossa sensibilidade, transforma-se num desafio, naquele justo momento em que nos dispomos a trocá- lo por um material diferente, para reconstruí-lo num idioma diverso.                     

Há no trabalho de recriação, todas as alegrias da verdadeira criação.                    

Surpreende-nos a emoção de suas revelações, quando  as vamos  descobrindo, assim como um arqueólogo em suas escavações, saboreando os detalhes do seu achado, um a um, a proporção que o vai vislumbrando.                                          

Foi  o  que  se deu, por   exemplo,  quando  me  dispus  a  escalar  as   alturas rimbausianas, atendendo a um concurso promovido pela página literária de um de nossos matutinos. Tratava-se de traduzir um soneto de Rimbaud; “Lê dormeur du Val”. E a escolha recaira intencionalmente, sobre uma das peças mais difíceis do grande  simbolista,  não  apenas  pela  sua   peculiar semântica poética, mas pela própria complexidade sintática de sua escola literária.                                          

Aceitei o desafio. Estava justamente com a “ mão na massa ”. Mandei a tradução, com um pseudônimo, e afinal para a minha surpresa, “entre mais de mil trabalhos lidos e selecionados”, como acentuou a Comissão julgadora, acabei saindo vencedor.

Eu trabalhava com cuidado. Para me manter, tanto quanto possível, fiel, não apenas à idéia central do soneto, mas à beleza das imagens, e a certos detalhes, indispensáveis à visão do conjunto e ao efeito final. E porque tentei reproduzir o ritmo dos versos, tive que sacrificar alguns elementos clássicos: adotei versos brancos (sem rimas, portanto), e não respeitei a cesura interna dos alexandrinos. No que diz respeito, aliás, a tonicidade, Rimbaud adotou liberdades que eram comuns entre os simbolistas.

Mas o soneto é uma pequena obra-prima. E Rimbaud, nele, não é apenas o poeta, mas  se desdobra  no  músico  e   no  pintor,  pela  sonoridade  de   alguns vocábulos, suas relações dentro dos versos, e pelo colorido do quadro esboçado.

Sim, trata-se de um pequeno quadro, descrito por um passeante, que avista a cena à distância, vai se aproximando encantado, e... o imprevisto final. O leitor o acompanha  despreocupado,  e  participa  da  emoção   do poeta  ante o desfecho surpreendente. Eis o “encontro” com                                                                       
LE DORMEUR DU VAL

C’est un trou de verdure, où chante une rivière
accrochant follement aux herbes des haillons
I’argent, oú le soleil, de la montangne fière
luit. C’est un petit val qui mousse de rayons.

Un soldat jeune, bouche ouverte, tête nue
et la nuque baignant dans le frais cresson bleu,
dort; il est étendu dans l’herbe, sous la nue,
pâle dans son lit vert où la lumière pleut.

Les pieds dans les glaïeuls, il dort. Souriant comme
sourirait un enfant malade, il fait un somme.
Nature, berce-le chaudement: il a froid!

Les parfuns ne font pas frissonner sa narine;
Il dort dans le soleil, la main sur sa poitrine,
tranquile. Il a deux trous rouges au côté droit.
    E a tradução:
O ADORMECIDO DO VALE

É uma clareira verde, onde canta um riacho
prendendo alegremente às ervas seus farrapos
prateados; onde o sol da orgulhosa montanha
brilha. É um verdadeiro a espumar claridades.

Um jovem soldado, a boca aberta, e a cabeça
descoberta a molhar-se na erva fresca, azul,
dorme; está estirado ao chão, a céu aberto,
pálido no seu leito verde, à luz que chora.

Os pés nos lírios roxos, dorme. E sorri como
sorriria uma criança enferma, em sono leve.
Natureza. - aconchega-o bem: êle tem frio!

Os perfumes não mais lhe excitam as narinas;
Dorme ao sol; tem a mão abandonada ao peito.
Dois rubros orifícios sangram-lhe à direita.

Repito: uma tradução é uma estranha e singular “reencarnação” em palavras.

Ninguém discutirá, está claro, que o original é o original, a cópia a cópia, a tradução a tradução. Mas, na medida do possível, quando as figuras de linguagem, as  imagens,  são  reconhecíveis;  quando  as   palavras  comunicam,  e t êm correspondentes nos dicionários; quando suas combinações fixam símbolos e realidades subjetivas universais, sem projeções esotéricas ou hermetismos pessoais,  uma  tradução pode  ser   tentada, de poeta para poeta, com bons resultados. Mas, só entre poetas. Como no caso de uma “transfusão” de sangue, só possível com sangues do mesmo tipo.                                                                 

Então vale a pena tentar.

Fonte:
JG de Araujo Jorge. "No Mundo da Poesia " Edição do Autor -1969

Gladis Deble/RS (Livro de Poemas)

BIOGRAFIA

Se o espelho conservasse as imagens
Eu desfilaria sem roupas
por extensas paisagens
mas o espelho não tem memória.
Não retém o formato dos corpos,
tão pouco devolve o feedback
das histórias vividas.
Da aparência de ontem
nem a sombra,
Na dispersão dos ventos
nenhum oi.
No pequeno infinito
do espelho do meu quarto
cruzo as asas...
Ao descer a cortina
pinto a boca distraída,
Não sei porque fui esquecer
a senha desse acesso.
Só os trevos cultivados
em torno da retina
continuam a gravar
minha biografia.

LÁPIS

Emcaixado confortável
bailando entre meus dedos
grava marcas no papel
este objeto delgado.

Fino lenho preparado
com recheio de grafite
traz a história preservada
torna a arte permanente.

A terna função de escriba
que assumo intuitiva,
não mais me torna cativa
dos sonhos que construí.

Seguindo o velho roteiro
dos sonhos que encoragei
Surgiu o esboço vivo,
no poema me libertei.

Esta pequena varinha
que carrego como fada
vai desenhando o caminho
risca o lápis minha estrada.

A POESIA

A poesia salta da idéia
e cria vida própria.
Sonda lugares fantásticos,
descreve outras paisagens

Percorre distantes países
pensa novas matrizes
dança e reluz
como grão de poeira
projetado na luz.

Descreve trajetória errante
esmiuça sentimentos alheios,
redescobre lugares
que nunca esteve,inventa matizes.
Abraça todos os povos,
faz acordos com o insólito.

A poesia saltitante itinerante
navega na rede,traduz signos gravados
para o mundo ela escapa...
depois de cansado seu corpo de letras,
enroscada na folha como bicho inocente
adormece no livro protegida na capa.

PASTORIL

Apascentei rebanhos nas encostas
conduzi os animais a boa aguada
trouxe ramos de alecrim e flor do campo.
Compuz versos singelos na caverna
junto as cabras espiando o chuvisqueiro
e a neblina pondo a capa na campina.

A luzir a lanterna nos caminhos
rodopiei audaz,desviando o precipício
onde rolam pedras sózinhas no desfiladeiro.

A voz do bosque atraente me chamando
para um encontro mágico na fonte
com água transparente e oração
margeiam musgos, fungos na vertente
santuário verde onde em versos pastoris
esparramei minha canção.

GARATUJAS

Da grafite silenciosa
surgem figuras reais,
rabisco na santa paz
imagens do inconsciente.

O desenho em fragmentos
surge livre no papel
faz deliciosos os momentos
pensando num tal rapaz.

O fundo dessa gravura
de tal forma é texturado
que parece usar recursos
da velha xilogravura.

Rabiscos que crio hoje
tentando fazer desenhos
fugiram pela tangente.
E a imagem que eu queria
desmanchou-se em garatujas
virou pequena poesia.

DAS NAVEGAÇÕES...

Se teu olhar oblíquo descobrisse
a viagem que acontece a revelia
eu nem me atreveria a explicar.

Esfarelo versos na ponta dos dedos
adormeço salpicada de vontades
no afã de te encontrar ...

Acarinho certas verdades
escovo a cabeleira revolta
querendo ancorar conforto.

Desdobrada e solitária
sigo a jornada, embora
navegues em mim

Nunca nós dois atracaremos
nossos barcos para dormir
juntos no mesmo porto.
Fonte:
http://gladisdeblepoesia.blogspot.com/

Gladis Deble

Gladis Cleonice Veloso Deble reside em Bagé, RS. Professora de artes e ativista cultural.

Formada em Educação Artística e Artes Plásticas com Pós-graduação em Arte-educação pela Urcamp-Universidade da Região da Campanha.

Foi presidente da AGA Associação Gaúcha de Arte-educação de 1987 até 1990.

Participou da oficina de Arte dramática do CENARTE da Urcamp.

Realizou projetos para a Secretaria Municipal de Cultura Desporto e Lazer como o 'Passeio Poético por Bagé' destacando os locais históricos da cidade e sua rica arquitetura.

Promoveu atividades culturais com jovens na comunidade da Colônia Nova.

Cultura alemã e gaúcha e características do povo da fronteira,[Uruguai e Brasil] no município de Aceguá.

Peça de teatro 'Nós Aceguá e o Meio Ambiente'.

Publicou seus poemas na Antologia da Poemas a Flor da Pele, lançada em Bento Gonçalves no XVII Congresso Brasileiro de Poesia.

É conselheira do CPERS Centro de Professores do Estado do Rio Grande do Sul.

Tem uma página no site;Poemas a flor da pele.ning, e os blogs;www.danacd.blogspot.com www.gladisdeblepoesia.blogspot.com

Nilto Maciel (A Salvação da Alma)

Constantino acordou sobressaltado. Mais um minuto de sono e chegaria atrasado à igreja. O padre estaria nervoso e seria capaz de o mandar embora.

— Você não se emenda, traste — brigava a mulher.

Aquilo acontecia quase todo dia. Saía da igreja e entrava nas bodegas. E bebia feito uma raposa. Insaciado, antes de ir para casa, Constantino pedia uma garrafa cheia e mandava o bodegueiro anotar a despesa. No fim do mês, quando o padre pagasse o ordenado, saldaria a dívida.

E assim era há muitos anos.

— Cala a boca, mulher — gritava.

E se preparava para sair. Mais um dia de muita labuta naquela igreja imensa e sempre cheia de poeira.

Como todo dia, pôs-se a espanar o altar e seus arredores. Nenhum cisco poderia ficar sobre nada. O padre exigia limpeza total. Padre exigente!

Passou aos bancos onde os fiéis se sentavam e oravam. Sempre havia sujeira. E objetos esquecidos: terços, missais, véus, dinheiro, bilhetes.

Imensa igreja para um homem só zelar. Aquele padre era também mesquinho. Podia arranjar mais um zelador. E pagar ordenado maior.

Ninguém, no entanto, falava mal do padre na cidade. Nem mesmo nas bodegas. Todos preferiam falar de si mesmos, dos vizinhos, dos cachorros de rua...

— Como vai a igreja, Constantino?

Além do altar e dos bancos dos fiéis, havia outros lugares e móveis a limpar. Como os confessionários.

E o cansado zelador abriu a portinhola de um dos confessionários. Olhou para o assento de palha. Nenhuma sujeira aparente. Nenhum cheiro de mofo ou peido. Nada a limpar. No entanto, que bom lugar para descansar! E Constantino sentou-se, puxou a porta, abraçou o espanador. Num minuto, virava padre. Do lado de fora do confessionário uma fiel contava pecados. Nem muito graves nem pouco leves.

— A senhora está perdoada.

— Nenhuma penitência, padre Constantino?

— Sim, a senhora vai limpar a igreja todo dia, até o fim de sua vida.

— E tem pagamento?

— Tem: a salvação de sua alma.

Mal ditou a penitência da pecadora, um berro o acordou:

— Constantino, saia já daí, seu preguiçoso!

Dos olhos do padre saltavam chispas de ódio.

Fonte:
MACIEL, Nilto. Pescoço de Girafa na Poeira, contos. Brasília: Secretaria de Cultura do Distrito Federal/Bárbara Bela Editora Gráfica, 1999.

Ademar Macedo (Mensagens Poética n. 494)

Uma Trova de Ademar

Luiz Otávio deu provas
ser bom em verso e poesia;
meu desejo é fazer trovas
como as que Luiz fazia!
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


Nesses teus olhos risonhos,
Senti que o amor chegaria...
foram-se os dias tristonhos,
chegaram, os de alegria!
–VICENTE ALENCAR/CE–

Uma Trova Potiguar

As portas do nosso lar
são largas e sempre abertas
para quem necessitar
de ajuda em horas incertas.
–HILTON DA CRUZ GOUVEIA/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


O que ele foi não importa...
Foi alguém que não me quis.
Folha branca, folha morta
de um poema que eu não fiz.
–CARMEM OTTAIANO/SP–

Uma Trova Premiada


2006 - Pindamonhangaba/SP
Tema: RESGATE - M/E


Amor de perdas e danos,
triste contabilidade:
resgate dos desenganos;
sobras de caixa-saudade!
–SELMA PATTI SPINELLI/SP–

Simplesmente Poesia

Mares e Shoppings
               –CARLOS LÚCIO GONTIJO/MG–


Por não saber nadar
O mar eu mal conheço
Nem shopping-center sou de frequentar
Pois na profundidade das águas
Ou na claridade das vitrinas
A chama do espírito humano
Vive o drama de afogar-se.

Estrofe do Dia

Eu já passei tanta coisa
Que na vida nem pensava,
Pra minha felicidade
A mulher que eu procurava,
Deus teve pena de mim
Mostrou aonde ela estava.
–JOÃO LOURENÇO/PB–

Soneto do Dia

Azul
                         –OSCAR MACEDO/RN–


Azul, cor que em meus versos divinizo
e que meu estro definir procura,
azul, cor da inocência e da candura ,
cor da graça infantil, cor do sorriso!

Azul, cor da pureza e da doçura,
cor dos salões, sem fim, do paraíso,
azul, cor que ao fitá-la me eletrizo
por ser das cores, de todas, a mais pura.

Azul é a cor que eu definir quisera,
cor que circunda e que emoldura a esfera,
cor dos céus, cor do mar, cor do berilo!

Azul, cor da safira e da turquesa,
nenhuma outra cor te excede na beleza
cor dos olhos da Virgem de Murilo!

Nelson Rodrigues (A Mulher Sem Pecado)

A Mulher Sem Pecado, de 1941, é a primeira peça de Nelson Rodrigues. Seu contexto apresentava uma vinculação entre teatro e crônica jornalística. Logo no início da obra, as marcas de sua infância e adolescência, aliadas ao seu inovador estilo, fizeram com que a história se transformasse num terrível drama. A peça estreou no ano seguinte.

Nelson Rodrigues enfrentando dificuldades financeiras, teve a idéia de escrever uma chanchada para ganhar dinheiro. A iniciativa resultou nesta obra que não era uma chanchada e tampouco trouxe dinheiro a seu autor. Este texto já trazia os valores dramáticos, temáticos e poéticos que consagrariam o autor como o grande renovador do teatro brasileiro.

A Mulher Sem Pecados narra as aflições de Olegário, casado com Lídia, é um paralítico que convive com os fantasmas e medos de sua imaginação doentia. Morre de ciúmes de sua mulher e desconfia de que está sendo traído.

Com a ajuda de Umberto, o chofer, e de Inézia, a criada, tenta controlar a esposa. Suspeita de todos, inclusive de Maurício, irmão de criação de Lídia.

Tomando por um ciúme compulsivo e perseguido pela idéia de traição, um homem maltrata a mulher. Por sua vez, a mulher, inocente, arquiteta um plano de fuga para escapar da insana perseguição. Esta fica atordoada com as perguntas e cobranças diárias do marido e resolve tomar uma decisão drástica. Quando o marido reconhece seu erro, a esposa já havia partido.

A peça faz uma análise de uma situação transcorrida no plano real, e embora construída sobre eixo frágil, o autor administra bem o espetáculo que é feito em três atos de contínua e crescente criação de atmosfera.

Fonte:
http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/resumos_comentarios/a/a_mulher_sem_pecado

Franz Kreüther Pereira (Painel de Lendas & Mitos da Amazônia) Parte 8

Trabalho premiado (1º lugar) no Concurso "Folclore Amazônico 1993" da Academia Paraense de Letras

IARA
Uiara, Oiara, Eiara, Igpupiara, Hipupiara


Mito baseado no modelo das sereias dos contos homéricos, a Iara é a Vênus amazônica; é uma ninfa loira de corpo deslumbrante e de beleza irresistível. Sua voz é melodiosa e seu canto, tal como no original grego, é capaz de enfeitiçar a todos que o ouvem, arrastando-os em sua direção, até o fundo do rio, lagos, igarapés, etc., onde vivem esses seres fabulosos. Na Amazônia o tapuio que escuta o cantar da Iara fica "mundiado" e é atraído por ele; o mesmo se dá com as crianças que desaparecem misteriosamente. Crêem os ribeirinhos que essas crianças estão "encantadas" no reino da "gente do fundo". Lá o menino é instruído no preparo de todos os tipos de puçangas e remédios. Ao fim de sete anos, durante os quais foi iniciado nas artes mágicas, na manipulação de plantas e ervas, etc.; o jovem pode retornar para junto dos seus, onde, geralmente, se torna um grande xamã, um medicine-man.

Se as sereias e seu consorte, o Tritão, existem realmente, ninguém sabe, mas um caso acontecido com o senhor Cícero, velho pescador e antigo delegado da cidade de Soure, na Ilha do Marajó, quase nos deixa com um testemunho da existência dessas criaturas. O caso nos é contado pelo neto do protagonista, o pesquisador e estudioso de magia nativa, Antonio Jorge (Brito da Silva) Thor[6].

Corria o ano de 1925, e como sempre faziam, seu Cícero e seus amigos prepararam-se para mais uma pescaria no seu pesqueiro favorito, de onde nunca saíam sem que estivessem carregados dos mais diversos peixes. Este lugar era secreto, conhecido apenas por eles, mas naquela noite enluarada, uma estranha calmaria, uma quietude desconhecida no mar,  prenunciava surpresas.

As horas passavam e, estranhamente, nenhum peixe beliscava as imóveis iscas e anzóis. De repente o senhor Cícero sentiu um forte puxão na linha, indicativo evidente de que fisgara um dos grandes; o que foi confirmado pelo esforço que fazia para puxar a presa, tanto que teve de pedir ajuda aos companheiros. Deixemos que Thor continue:

"Em dado instante a parte que parecia estar bem iscada, cedeu!... Naquele momento, oportunamente, o pensamento foi um só: - Perdemos o peixe! Entretanto, ao chegar com o anzol a flor d'água [...]estava lá, bem enrolado no anzol de bom tamanho, algo que os faria interrogativos para o resto de suas vidas: - um monte de cabelos loiros, os quais mediam entre 1,5 metro a 2,5 metros."

O pavor que tomou conta dos surpresos pescadores foi tanto que fugiram do local abandonando anzóis, linhas e, provavelmente, a única prova palpável, insofismável, de que as sereias, as Iaras, existem.

Na nossa cultura o mito da deidade fluvial Iara, mesclou-se com seus congêneres europeus (sereias) e africanos (Iemanjá) causando alguma confusão. Confusão esta provocada pelo que Victor Jabouille chama de "espírito de evangelização", que todo colonizador se acha possuído, a ponto de "destruir as velhas tradições e os velhos mitos pela imposição das  realidades alheias. "Por força dessa circunstância, outro de nossos mitos autóctones que incorporou elementos europeus e africanos foi o do SACI PERERÊ que é muito confundido com o CURUPIRA e com o CAAPORA.

CAAPORA

Na bibliografia que compulsamos, a maioria dos pesquisadores não apresenta um consenso quanto às características e particularidades deste que vêm a ser um dos mais férteis nume caboclo. Encontramos os seguintes nomes e grafias: cayapóra, cayapora, kaápora, caipora, jurupari, anhangá, koropyra, curupira, currupira, tatacy, çacy, saci, saci-pererê, sacy-cererê, maty, matinta, matinta pereira, mati-taperê ou simplesmente sererê.

O que queremos mostrar é a dificuldade para se dar a esse mito um contorno definido e esclarecer as funções da divindade. E é exatamente aí o fulcro da confusão que coloca o  Caapora, o Curupira e o Saci, como uma só entidade. Embora exista uma diferença estrutural evidente entre Caapora e Çacy*, ambos são membros da mesma família. O vocábulo Caá-pora, ligado à imagem de protetor, função exercida pelo Curupira e pelo Saci, na nossa opinião, é o verdadeiro foco da confusão. Veremos mais adiante, com um pouco mais de detalhes, alguns dos elementos que compõem a família dos demônios protetores das selvas amazônicas. Mas, voltemos ao Caapora, que Gonçalves Dias[7] registrou em "O Brasil e a Oceania" com as seguintes palavras:

"O Caapora veste as feições de um índio anão de estatura, com armas proporcionais ao seu tamanho; habita o tronco das árvores carcomidas onde atrai os meninos que encontra desgarrados na floresta, outras vezes divaga sobre um tapir ou governa uma vara de infinitos caitetus, cavalgando o maior deles. Os vaga-lumes são seus batedores, é tão forte seu condão que o índio que por desgraça o avistasse era mal sucedido em todos os seus passos. Daqui vem chamar-se Caipora ao homem a que tudo se dá ao contrário."

O Caapora apresenta-se como um moleque pretinho, que cavalga porcos selvagens; mas também pode ser descrito como uma caboclinha de longos cabelos, duros feito espinhos, e que, em troca de tabaco, é capaz de dar ao caçador tanto a caça que ele deseja quanto o próprio sexo.

Os índios e caboclos acreditam que prendendo um Caapora, ele é obrigado a conceder um "poderzinho" ou atender a um desejo, em troca da liberdade. A armadilha para capturá-lo e a isca utilizada consistem apenas numa cuia e aguardente. Derrama-se a cachaça na cuia, que deve ser colocada num lugar onde ele já tenha aparecido, ou no local para onde tenha sido chamado previamente. Depois de ter bebido a cachaça, torna-se presa fácil para qualquer um, porém até hoje ninguém conseguiu realizar tal façanha.

Apesar de, em alguns casos, essa entidade aparecer como má e vingativa, a versão geral é de que ele é um duende protetor da floresta e da caça. Daí alguns autores o identificarem com o Curupira, como já vimos, mas ele guarda, também, certa semelhança com outro habitante das matas, outro gênio florestal, o MAPINGUARI.
 
MAPINGUARI

Esta criatura é descrita como um macaco de tamanho descomunal -5 a 6 metros - peludo como porco espinho, "só que os pêlos são de aço"[8]. Dentro dessa descrição - um grande macaco, "uma espécie de orangotango, coberto de longo e denso pelágio", etc. - encontramos, como veremos, o Curupira, mas as semelhanças não terminam aí; numa versão o Mapinguari tem um só olho, enorme, no meio da testa, e uma bocarra vertical que desce até o umbigo; Hurley descreve o Curupira de maneira parecida.

Cada passo do Mapinguari mede três metros e seu alimento favorito é a cabeça das vítimas, geralmente pessoas que ele caça durante o dia, deixando para dormir à noite. Há aqueles que afirmam ser impossível matá-lo: é invulnerável. Noutra versão ele é apresentado como um ser dos mais fantásticos, com dois olhos, mas "três bocas", sendo uma debaixo de cada braço e outra sobre o coração. Essa última é considerada seu "calcanhar de Aquiles", pois quando ele abre a boca pode-se acertar seu coração, única maneira de matá-lo.

    Em  reportagens para a revista ISTOÉ nos 1266 e 1294 (05/01/1994 e 20/07/1994, p.35-36 e p. 44-47, respectivamente), o norte-americano David C. Oren, doutor em zoologia e especialista em biodiversidade amazônica do Museu Paraense Emílio Goeldi, derruba a lenda que o Mapinguari é um grande símio. Ele afirma a existência de um gigantesco bicho-preguiça terrestre de 200 a 300 quilos e 2 metros de altura, ainda vivo nas selvas amazônicas, que ele diz ser o Mapinguari. O Dr. Oren baseia suas teorias, afirmações e pesquisas em restos fossilizados e relatos de índios e garimpeiros: “Conheci pelo menos 30 pessoas que viram o Mapinguari e mais de 100 que acharam seus rastros”.   E  sentencia:

 “Da mesma forma que a Cobra Grande é baseada na cobra sucuriju, e o boto encantado que vira homem para engravidar as mulheres se origina no boto da bacia amazônica, a inspiração do Mapinguari é o preguiça terrestre.”.   
–––––-
Notas
*    Além dos caracteres físicos, diferem também nos etimológicos: Caá significa mato e Cy, mãe, portanto "Çacy" é  Mãe do Mato; enquanto “Caá-pora” significa, morador da mata.
6 THOR (ou THOT, como é chamado atualmente), Antonio Jorge. Introdução à teoria dos elementais. Edição do autor. Não tem ficha catalográfica, mas nos garantiu ele que foi publicado no ano de 1985, em Belém.
7  DIAS, A. Gonçalves. O Brasil e a Oceania. Paris: H. Garnier. s. d.
8   OLIVEIRA, Adélia Engracia de. O mundo encantado e maravilhoso dos índios Mura. Belém: Falangola,
        1984, p. 35.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Edigles Guedes (Livro de Sonetos)


NAUFRAGO-ME NA SUPERFÍCIE

Páginas e mais páginas, folheadas
A inconsútil dedo, vagam por horas
A fio, na escrivaninha tão recheada
De livros imaginários… agora!…

Eis uma escrivaninha inexistente
Povoando a memória indelével de mim!…
Quem me dera! se eu pudesse navegar
Por entre as escumas, co’ odor de jasmim

A perseguir minhas ilusões!… Vagar,
Quiçá, por livros, que férteis são terras
De ideias mirabolantes, minha mente!…

E o vento sopra no meu rosto… Serra
Vai, monte vem… Montanha vai, planície
Vem… E eu naufrago-me na superfície…

DESCRIÇÃO MARÍTIMA

Ribombou o velho mar!… Tuas tênues ondas
Tecem fios de fiandeira na escuma atroz!…
Voa ligeiro e mais que veloz o albatroz,
Qual o sorriso de tua “La Gioconda”!…

Ostras perambulam por entre rochas
Anônimas!… Sociedades de corais
Pintam de Picasso os azuis anormais!…
Anêmonas acendem tortas tochas

De neurotoxinas… Peixes naufragam
Nos frios d’águas… Caranguejos afagam
A textura insondável do rochedo!…

É noite e o mar baloiça as velas, toscas
E trêmulas, voejam… Foscas moscas
Brincam com a lixeira do penedo…

TUA MÃO

Teu corpo de pérola em meu corpo
Deitado e vagamundo… Psiu tosco
De mão que mão se namora… Rede
Sem peixe para pescar: só mágoa…

Teia de aranha que arranha essa pele
De tigre… Peçonha que me chora
De dor inconcebível… Insídia
De cavaleiro medieval… Mídia

Sem suporte técnico… Parede
Sem porta ou caminho nu sem saída…
Sentimentos que me enredam… Pepe

Legal (cabuloso) sem Babalu,
Seu escudeiro; assim, ando por tabu
E teimosia… Acho tua mão lânguida!…

LUA DE OCEANO AQUÉM

Lua: bacia de prata, em que me banho de seus raios
Argênteos, na Noite fria e calma co’ essa chuva
Renitente… Descontente com as estrelas
Cadentes que nenhum dos meus desejos realizam…

Eis que Lua bamba, pendurada no trampolim
Da vaidade, sofre porque sofre com desmaios
De gravidade ausente!… Andorinha viúva
Procura marido em páginas amarelas…

Entretanto, essas estrelas parabenizam
A caçadora intrépida e seu vulgar gaiolim,
Que me prenderam aos grilhões: de Amor cárcere!…

Coruja corveja, abre asas, corre célere,
Zomba de minha insensatez, por amar a quem
Não me ama, qual Lua solitária, do oceano aquém.

ROSA CEGA

Corre e abraça-me com abraços longos
E apertados... Olha-me olhos oblongos,
Perquirindo o Tempo pretérito na
Minha face rústica... Bela Dona

Que balança seus quadris de ondas do mar...
No azo, torno-me domador a domar
Minha dor tão madura!... Cai, qual fruto
Proibido de ósculos, no plano astuto

Da Serpente devoradora de olhos
Humanos. Eis que não vejo a luz tênue
No final do túnel!… Sim, cata-piolho

Brigou com fura-bolo na bacia, aiuê!
De algodão-doce… Ah! Porquanto Amor caolho
Esconde a rosa cega de seu buquê!…

ABRAÇOS AMARGOS

Instantâneo segundo, que passo sem olhar
Fundo nos olhos de minha Dama, uma náusea
Bruta brota no meu peito de árvore pérsea!…
Mas, o outono chega: eis pungente esse desfolhar

De olhos castanhos, tão castos quanto suaves são;
Que seduzem e encantam límpido coração
Aventureiro, qual Xerazade com lábias
Mil na boca enganadora… Loucas e sábias

Palavras misturam-se em grão caldo de cana…
A Noite dadivosa vem pé de mansinho,
Com seu odor de blandícia, carícia e carinho…

Sem pedir licença, entra perfume de alfana
Nas minhas narinas; ouço os passos mui largos
De minha Flor: eis nossos abraços amargos!…

PROCURA-SE UM TROPEÇO

Procurei um sentido no sem sentido que sente
A alma gemente da gente, que anda descontente
Com o Fado: artista arlequim, guizos de Lua algente,
Malcriada e fatal mulher de olho concupiscente.

De tanto procurar esqueci-me de achar o que
Procurava; como tenra criança com bilboquê,
A qual se esquece do tempo com terno brinquedo
Na mão cândida e venturosa. Sim, corro e quedo.

Almejo alcançar o infinito do pensamento,
Desbravar a aventura néscia do sentimento,
Destronar do meu coração trágico lamento.

Ó alma tremente! se logrei meu intento, conheço
O fim do fio da meada que procuro; o começo,
Mas é duro; por isso, quero lembrar… tropeço!

AMOR MADURO EM CAIXA DE CHUMBO

Tu inoculas teu veneno de serpe
Aleivosa, que me engana como Eva
Embrulhou Adão no Jardim do Éden. Treva
Logrou ambos com sua língua, trapuz, de erpe!

Mas, é doce a peçonha que me adoça
O Fado ingente. Louca, consomes chá
De meus passos, após receber crachá:
“Ando a servir ao próximo por troça!”

Tu és serpente tremente de ódio por mal
Que nunca fiz a ti, antes salvaguardei
Nosso Amor maduro em caixa de chumbo.

Se Amor adoeceu em profundeza abismal,
Certamente a ele jamais eu reservei
Maléficos intentos, sons de zumbo!

CORAÇÕES ENGRINALDADOS

Lembro-me do retrato na parede do nosso
Quarto de dormir. Nossos olhos enamorados clamam
Um pelo outro, em suspiros de desejos; declamam
Poemas eróticos às quatro paredes!… Que osso

É a vida!… Foi ontem que subimos, jungidos beijos,
A ladeira do tálamo. Tu estavas formosa;
Esplendias com todas as primaveras!… Oh! rosa
Do meu jardim de Amor e delícias… Onde queijos

De Lua se esconde do paladar da minha boca,
Fremente de prazer e gozo?… Sim, eis quão louca
Paixão me consome o íntimo meu ser… Quiçá ninguém

Me escute o dessegredo… Ó coelhinha na toca
De amores! acolhida nos meus braços de mouca
Libido, que pena sou na alcova mais um alguém!…

Fonte:
http://www.sonetos.com.br/meulivro.php?a=110