domingo, 19 de fevereiro de 2012

Clevane Pessoa (Livro de Trovas)


Trovas de Carnaval

Nossas máscaras do dia
nem sempre nos fazem mal
a esconder dor ou alegria
de um eterno carnaval...

Nenhum carnaval da Terra
traz de volta os que se vão
-a saudade nos encerra
em um fechado salão…

Trovas sobre Gatos

Gato pardo e belicoso
Arqueia o corpo robusto,
Projeta as unhas, raivoso
Vira um puma no seu susto

Gatos à noite são bardos
E miam versos para a lua
Dizem que então ficam pardos
parecem da cor da rua...

O gato passa, elegante,
sem nenhum medo de altura...
E lá em baixo, um cão gigante,
late e não alcança a criatura...

Com a pata, na vidraça,
gato bate e avisa o dono:
está voltando da caça,
-"pode abrir, que estou com sono..."

Meia dúzia de gatinhos,
uns nos outros, enroscados,
são novelos bem quentinhos
parecem interligados

DESEJO
Trovas encadeadas, a que chamo "Quadras, quadrinhas";

Desejo, impulso intrigante
que nos arrasta consigo,
efervece num instante,
preso, a dançar qual o trigo,

Às vezes, nunca se acaba,
deixa frustrado quem ama,
mas se o do outro, em nós desaba,
faz brotar lótus da lama...

Desejo é chama votiva
ou um incêndio em labaredas
se dele ,você se esquiva,
morre frustrado entre sedas...

Se ficamos satisfeitos,
essa ânsia pode ir embora.
Parte depressa dos leitos,
mas retorna sem demora...

Só quem não ama, não deseja,
mas sem amor, a paixão,
simula o encontro,que almeja
uma longa duração...

Não sei se importa saber,
qual sentimento o norteia.
Melhor é satisfazer
tais ondas em nossa areia...

Bem gostoso é adormecer
depois de saciar a fome
-logo depois perceber
que o desejo não tem nome…

BOMBEIRO

Mesmo quando o fogo o abrasa,
o bombeiro com cuidado,
salva a tudo, numa casa,
por ser sempre bem treinado.

A vítima foi o bombeiro,
que salvou todos, coitado!
Todo mundo foi primeiro,
mas ele caiu, esgotado...

São heróis do cotidiano,
que salvam além do fogo,
resgatam gatos e piano,
fraternidade é seu jogo!

EDUCAÇÃO

Quem é rico, na verdade,
recebeu educação,
-o saber não tem idade.
nem se esgota com ação…

ALEITAMENTO

No aleitamento materno,
a ligação da mãe ao filho,
produz um amor bem terno
com o qual me maravilho!

NATAL

Sempre espero um bom natal
quando todos, solidários,
se abraçam, mas afinal
depois seguem seus fadários...

Jamais terei um presente
qual o que desejo mesmo:
a presença que está ausente
porque no céu caminha a esmo...

Coisa gostosa na vida
é ver abrir seus presentes
a meninada envolvida
por papéis e por parentes...

Em vão espera um brinquedo
um menininho de rua...
Risca no chão, com um dedo,
um foguete e vai prá lua...

Ao ver as meias, coitado
o vovô pensa:-"Já sei!
Essas, dei no ano passado
no retrasado ,as ganhei..."

-Para a sogra muito amada,
um ovo de cerzir roupas...
-Nem no Natal? Que massada!
Meu genro, tu não me poupas?

O peru tomou cachaça
para ficar bem macio...
Borracho, quebrou a vidraça
e fugiu, quente no frio...

No natal verde-vermelho
todos querem um presente...
Eu, no entanto, olho no espelho
e só desejo um ausente..

DIVERSAS

O amor oculto floresce
qual rara flor, num penedo:
perfume que remanesce
das delícias de um segredo...

É minha mãe quem me inspira
os temas do coração.
De seu amor, sonora lira
eu tiro qualquer canção...

Meu pai, menino crescido,
brinca mais que meus irmãos...
Meu coração, comovido,
vê os calos em suas mãos...

O meu vovô trovador
ensinou-me a silabar,
no seu colo, com amor,
aprendi o que é rimar...

Meu avô que era um maestro
ensinou-me a solfejar
hoje, a música no meu estro,
ajuda a metrificar...

Um avô era jornalista,
me ensinou a afastar todo estro...
E se minha alma é musicista,
devo ao avô que era maestro...

Nesses muros tão pichados
vejo os conflitos do povo...
E sinto que os desgraçados
querem ser "Homens", de novo...

Eu nunca desejo o alheio
e quero MESMO, o que é meu...
prefiro ficar no meio
com tudo que Deus me deu...

Via Crucis...O Cristo exangue,
exaurindo os seus humores,
em cada gota de sangue
vai salvando os pecadores...

Os teus lábios são macios,
rosas rubras, onde o Amor
pôs o calor dos estios,
deixou, do maná, o sabor...

A primeira vez da gente
causa marcas por demais!
Mas qual estrela cadente
ao céu não volta jamais...

Quando sabemos que o "amigo"
Rompe o cristal da amizade,
Lembramos que há joio no trigo
Dourado da ingenuidade...

Tem gente que tanto mente,
Fala inverdades, faz fita,
Que, na verdade descrente,
Nem em si próprio acredita...

Quando traem nossa amizade
Parece que nos falar o ar,
Pois o que não tem lealdade
Bem sabe onde apunhalar...

Sempre que uma criança mente
Ou tem medo de castigo
Ou se defende da gente
Ou faz do sonho, um amigo…

Impossível conhecer
Mesmo o presente obscuro:
Sem fantasiar o futuro
Tudo pode acontecer

Ajudar a cada irmão
Fazer tudo o que pudermos
— Pois essa é a nossa missão,
Se o crescimento quisermos...

No mistério dos vitrais
Há captação da energia
Que o Cosmos, às catedrais
Manda em plena luz do dia...

A solidão que me embala
Canta-me tristes cantigas...
Será que o silêncio fala?
Serão as sombras, amigas?

Ouvindo vozes "de fora"
Quantos loucos, conectados
Com o Alto, sem demora,
São deste mundo, afastados.

Parecem falar sozinhos
Os dementes, todavia,
Traduzem, dos passarinhos
Os recados e a magia...

Deve-se amar aos doidinhos
São filhos de Deus, também
Agem como os passarinhos
Não fazem mal a ninguém...

Com lucidez peculiar
Quantos "doidos" são mais certos
Que os que pensam acertar
Julgando-se muito espertos…
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Fontes:
LOPES, Clevane Pessoa de Araújo. Pana Paná – Chuva de Borboletas. Portal CEN, 2003.
http://clevanepessoa.net/publicacoes.php?categoria=J

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