Constantino acordou sobressaltado. Mais um minuto de sono e chegaria atrasado à igreja. O padre estaria nervoso e seria capaz de o mandar embora.
— Você não se emenda, traste — brigava a mulher.
Aquilo acontecia quase todo dia. Saía da igreja e entrava nas bodegas. E bebia feito uma raposa. Insaciado, antes de ir para casa, Constantino pedia uma garrafa cheia e mandava o bodegueiro anotar a despesa. No fim do mês, quando o padre pagasse o ordenado, saldaria a dívida.
E assim era há muitos anos.
— Cala a boca, mulher — gritava.
E se preparava para sair. Mais um dia de muita labuta naquela igreja imensa e sempre cheia de poeira.
Como todo dia, pôs-se a espanar o altar e seus arredores. Nenhum cisco poderia ficar sobre nada. O padre exigia limpeza total. Padre exigente!
Passou aos bancos onde os fiéis se sentavam e oravam. Sempre havia sujeira. E objetos esquecidos: terços, missais, véus, dinheiro, bilhetes.
Imensa igreja para um homem só zelar. Aquele padre era também mesquinho. Podia arranjar mais um zelador. E pagar ordenado maior.
Ninguém, no entanto, falava mal do padre na cidade. Nem mesmo nas bodegas. Todos preferiam falar de si mesmos, dos vizinhos, dos cachorros de rua...
— Como vai a igreja, Constantino?
Além do altar e dos bancos dos fiéis, havia outros lugares e móveis a limpar. Como os confessionários.
E o cansado zelador abriu a portinhola de um dos confessionários. Olhou para o assento de palha. Nenhuma sujeira aparente. Nenhum cheiro de mofo ou peido. Nada a limpar. No entanto, que bom lugar para descansar! E Constantino sentou-se, puxou a porta, abraçou o espanador. Num minuto, virava padre. Do lado de fora do confessionário uma fiel contava pecados. Nem muito graves nem pouco leves.
— A senhora está perdoada.
— Nenhuma penitência, padre Constantino?
— Sim, a senhora vai limpar a igreja todo dia, até o fim de sua vida.
— E tem pagamento?
— Tem: a salvação de sua alma.
Mal ditou a penitência da pecadora, um berro o acordou:
— Constantino, saia já daí, seu preguiçoso!
Dos olhos do padre saltavam chispas de ódio.
Fonte:
MACIEL, Nilto. Pescoço de Girafa na Poeira, contos. Brasília: Secretaria de Cultura do Distrito Federal/Bárbara Bela Editora Gráfica, 1999.
— Você não se emenda, traste — brigava a mulher.
Aquilo acontecia quase todo dia. Saía da igreja e entrava nas bodegas. E bebia feito uma raposa. Insaciado, antes de ir para casa, Constantino pedia uma garrafa cheia e mandava o bodegueiro anotar a despesa. No fim do mês, quando o padre pagasse o ordenado, saldaria a dívida.
E assim era há muitos anos.
— Cala a boca, mulher — gritava.
E se preparava para sair. Mais um dia de muita labuta naquela igreja imensa e sempre cheia de poeira.
Como todo dia, pôs-se a espanar o altar e seus arredores. Nenhum cisco poderia ficar sobre nada. O padre exigia limpeza total. Padre exigente!
Passou aos bancos onde os fiéis se sentavam e oravam. Sempre havia sujeira. E objetos esquecidos: terços, missais, véus, dinheiro, bilhetes.
Imensa igreja para um homem só zelar. Aquele padre era também mesquinho. Podia arranjar mais um zelador. E pagar ordenado maior.
Ninguém, no entanto, falava mal do padre na cidade. Nem mesmo nas bodegas. Todos preferiam falar de si mesmos, dos vizinhos, dos cachorros de rua...
— Como vai a igreja, Constantino?
Além do altar e dos bancos dos fiéis, havia outros lugares e móveis a limpar. Como os confessionários.
E o cansado zelador abriu a portinhola de um dos confessionários. Olhou para o assento de palha. Nenhuma sujeira aparente. Nenhum cheiro de mofo ou peido. Nada a limpar. No entanto, que bom lugar para descansar! E Constantino sentou-se, puxou a porta, abraçou o espanador. Num minuto, virava padre. Do lado de fora do confessionário uma fiel contava pecados. Nem muito graves nem pouco leves.
— A senhora está perdoada.
— Nenhuma penitência, padre Constantino?
— Sim, a senhora vai limpar a igreja todo dia, até o fim de sua vida.
— E tem pagamento?
— Tem: a salvação de sua alma.
Mal ditou a penitência da pecadora, um berro o acordou:
— Constantino, saia já daí, seu preguiçoso!
Dos olhos do padre saltavam chispas de ódio.
Fonte:
MACIEL, Nilto. Pescoço de Girafa na Poeira, contos. Brasília: Secretaria de Cultura do Distrito Federal/Bárbara Bela Editora Gráfica, 1999.
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