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sexta-feira, 20 de abril de 2012

J. G. de Araújo Jorge (A Cantiga Do Só) Auto-Retrato


A fronte larga como larga pista
para as idéias levantarem vôo...
Os olhos verdes: - sinal sempre aberto
para a vida passar, sem obstáculos...

E estas narinas dilatadas, como
se fossem feitas para grandes haustos
saborear o mais simples dos prazeres:
- o de encher os pulmões... e respirar!

Um coração desordenado e boêmio,
e um sentimento de justiça, intenso,
como traço marcante do caráter.

A humildade de ser, para os pequenos,
o orgulho de enfrentar os poderosos
e a alegria de amar sem ter limites!

Fonte:
JORGE, J.G. de Araújo. Cantiga do Só. 2. ed. 1968.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Odorico Mendes (Hino à Tarde)



Que amável hora! Expiram os favônios;
Transmonta o Sol; o rio se espreguiça;
E, a cinzenta alcatifa desdobrando
Pelas azuis diáfanas campinas,
Na carroça de chumbo assoma a tarde...
Salve, moça tão meiga e sossegada;
Salve, formosa virgem pudibunda,
Que insinuas cos olhos doce afeto,
Não criminosa abrasadora chama!
Em ti repousa a triste humana prole
Do trabalho do dia, nem já lavra
Juiz severo a bárbara sentença,
Que há de a fraqueza conduzir ao túmulo.
Lasso o colono, mal avista ao longe
A irmã da noite coa-lhe nos membros
Plácido alívio: — posta a dura enxada,
Limpa o suor que em bagas vai caindo..
Que ventura! A mulher o espera ansiosa
Cos filhinhos em braço, e já deslembra
O homem dos campos a diurna lida;
Com entranhas de pai ledo abençoa
A progênie gentil que a olho pula.
Não vês como o fantasma do silêncio
Erra, e pára o bulício dos viventes?
Só quebra esta mudez o pastor simples,
Que, trazendo o rebanho dos pastios,
Coa suspirosa frauta ameiga os bosques...
Feliz! que nunca o ruído dos banquetes
Do estrangeiro escutou, nem alta noite
Foi à porta bater de alheio alvergue.
Acha no humilde colmo os seus penates,
Como acha o grande em soberbões palácios.

Ali também no ouvido lhe estremecem
De mãe, de amigo os maviosos nomes;
Conviva dos festins da natureza,
Vê perfazerem-se as funções mais altas:
— O homem nascer, morrer, e deixar prantos...
Agora ia entre prados, após Laura,
O ardido vate magoando as cordas;
E a selvática virgem, recolhendo
A grave dor cristã, que a assoberbava
Do mancebo cedia à paixão nobre,
Grande e sublime, como os troncos do ermo...
Ai! mísera Atalá!... mas rasga o fogo,
E o sino soa pelas brenhas broncas.
Tarde, serena e pura, que lembranças
Não nos vens despertar no seio d'alma?
Amiga terna, diz-me, onde colhes
O bálsamo que esparges nas feridas
Do coração? Que apenas dás rebate,
Cala-se a dor; só geras no imo peito
Mansa melancolia, qual ressumbra
Em quem sob os seus pés tem visto as flores
Irem murchando, e a treva do infortúnio
Ante os olhos medonha condensar-se.
Longe dos pátrios lares, quem não sente
Os arrebóis da tarde contemplando
Um súbito alvoroço? Então pendíamos
Dos contos arroubados que verteram
Propícios deuses nos maternos lábios;
E branda mão apercebia o berço
Em que ternos vagidos
Infausto anúncio de vindouras penas.
Sobre o poial sentada a fiel serva
Que vezes atentei chamando ao pouso
A ave tão útil que arrebanha os filhos,
E adeja e canta, e pressurosa acode!
Coa turba de inocentes companheiros,
Agora sobre a encosta da colina,
A casta Lua como mãe saudávamos,
E suplicando que nos fosse amparo,
Em jubilosa grita o ar rompíamos.
Mas da puerícia o gênio prazenteiro
Já transpôs a montanha; e com seus risos
Recentes gerações vai bafejando.
A quem ficou a angústia que moderas,
Ó compassiva tarde? Olha-te o escravo,
Sopeia em si os agros pesadumes:
Ao som dos ferros o instrumento rude
Tange, bem como em África adorada,
Quando (tão livre) o filho do deserto
Lá te aguardava; e o eco da floresta,
Da ave o gorjeio, o trépido regato,
Zunindo os ventos, murmurando as sombras,
Tudo, em cadência harmônica, lhe rouba
A alma em mágico sonho embevecida.
Não mais, ó musa, basta; que da noite
Os pardos horizontes se tingiram,
E me pesa e carrega a escuridade.
Oh! venha a feliz era que da pátria
Nessas fecundas, dilatadas veigas
Tu mais suave a lira me temperes
Da singela Eponina acompanhado
Na escura gruta que nos cava o tempo
Hei de ao vale ensinar canções melífluas
Nos lindos olhos, nos mimosos beiços,
Nos alvos pomos, no ademã altivo
Irei tomar as cores que retratem
Da natureza os íntimos segredos.
Do ardor da esposa; do sorrir da filha;
Do rio que espontâneo se oferece
Da terra que dá fruto sem o arado
Da árvore agreste que na densa grenha
Abriga da pendente tempestade
A sobreolhar aprenderei haveres,
A fazer boa sombra ao peregrino,
A dar quartel a errado viandante
Lá estendendo pelos livres ares
Longas vistas, nas dobras do futuro,
Entreverei o derradeiro dia...
Venha; que acha os despojos do homem justo
Ó esperança, toma-me em teus braços;
Com a imagem da pátria me consola!
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segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Angelo Batista (Quem me dera)



Ter conhecimento das estrelas
e ao vê-las chamá-las de você
intimamente, sem deixar de dar um oi
ao sol estrela menor.

Andar pelo firmamento alhures
como se chutasse latas
em uma viela de minha cidade

Como se as enormes galáxias
fossem como um oceano, uma montanha
e suas entranhas sem novidade.

Conhecedor do universo, do mundo
seria eu senhor da vida
e aí sonhar com o que
seria um Deus, sonhar pra que?

(Extraído do seu livro "Poetas da Feira e da Pátria Brasileira - 1994)
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sábado, 7 de novembro de 2009

Felliciano (Ainda Durmo)



Poesia sob o pseudônimo Felliciano, de Londrina (PR) para o I Premio Talentos de Poesia 2009

Ainda durmo meu amor
Não me acorde
Mesmo que os acordes
Da nossa canção
Toquem mais forte
Não me acorde...
Apenas me beije
E deixe
Que o sono dos sonhos
Envolva, aporte e nos reporte
Para mais uma vez amar
Não me deixe acordar...
Sinta o cheiro do amor
Misturado ao gosto e sabor
Das palavras, planos,
Desejos, loucuras e rendição
Não me acorde não...
Envolva-se em meu ser
Até que eu não saiba dizer
Quem sou eu
Quem é você
Deixe-me viver...
Os sussurros rompem as barreiras do som
Damos para o amor um novo tom
Compomos as mais lindas melodias
Dedilhadas na sintonia
Cantadas em nosso olhar....
O infinito nesse momento tem seu fim
Deixe-me continuar a dormir
Eu te peço: Não me acorde...
Até que minh’alma suporte
Saber que não te tenho mais.
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quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Elomar (O Poeta Cantador)


ACALANTO

Certa vez ouvi contar
Que muito longe daqui
Bem pra lá do são francisco, ainda pra lá...
Em um castelo encantado,
Morava um triste rei
E uma linda princezinha,
Sempre a sonhar...

Ela sempre demorava
Na janela do castelo
Todo dia à tardezinha, a sonhar...
Bem pra lá do seu castelo,
Muito além, ainda mais belo,
Havia outro reinado,
De um outro rei.

Certo dia a princesinha,
Que vivia a sonhar
Saiu andando sozinha,
Ao luar...

E o castelo encantado
Foi ficando inda prá lá
Caminhando e caminhando,
Sem encontrar.

Contam que essa princezinha
Não parou de caminhar,
E o rei endoideceu,
E na janela do castelo morreu,
Vendo coisas ao luar.
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CANTO DO GUERREIRO MONGOIÔ

Uiúre iquê uatapí apecatú piaçaciara
Unheên uaá uicú arauaquí ára uiúre Ianêiara
Depois, depois de muitos anos
Voltei ao meu antigo lar
Desilusões qui disinganos
Não tive onde repousar
Cortaram o tronco da palmeira
Tribuna de um velho sabiá
E o antigo tronco da oliveira
Jogado num canto prá lá
Qui ingratidão prá lá
Adeus vô imbora pra Tromba
Lá onde Maneca chorô
De lá vô ino prú Ramalho
Prú vale verde do yuyú
Um dia bem criança eu era
Ouvi de um velho cantador
Sentado na Praça da Bandeira
Que vela a tumba dos heróis
Falou do tempo da conquista
Da terra pelo invasor
Qui em inumanas investidas
Venceram os índios mongoiós
Valentes mongoiós
Falou de antigos cavaleiros
Primeiros a fazer um lar
No vale do Gibóia no Outeiro
Filicia, Coati, Tamand[ua
Pergunto então cadê teus filhos
Os homens de opinião
Não dói-te vê-los no exílio
Errantes em alheio chão
Nos termos da Virgem imaculada
Não vejo mais crianças ao luar
Por estas me bato em retirada
Vou ino cantar em outro lugar
Cantá prá não chorar
Adeus vô imbora do ri Gavião
No peito levarei teu nome
Tua imagem nesta canção
Por fim já farto de tuas manhas
Teus filtros tua ingratidão
De deixo entregue a mãos estranhas
Meus filhos não vão te amar não
E assim como a água deixa a fonte
Também te deixo prá não mais
Do exílio talvez inda te cante
Das flores a noiva entre os lenções
Dos brancos cafezais
Adeus, adeus meu-pé-de-serra
Querido berço onde nasci
Se um dia te fizerem guerra
Teu filho vem morrer por ti
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UM CAVALEIRO NA TEMPESTADE

- Quem é quem chega a estas horas
que insiste a demora
na porta a bater?
bandidos vagam às escuras
da noite à procura
de quem mal fazer
- abrí-me a porta ó senhora
um instante é a demora
só enquanto sossega
o corcel que transporta-me
através de tempos espaços e eras
sem poder negar a animal condição
medo ao fulgir do raio
e o rugir feroz do trovão
não temais pela donzela
da alcova as janelas travadas estão
o perigo é a descrença
e o inimigo avança
num mundo em falência
abrí-me senhora
porta ou consciência
não ouves cá fora
o rugir do trovão?
- buscam na noite os morcegos
sem trégua e sossego
o sangue a volar
em forma de anjo os demônios
com ardis mais medonhos
nos tentam enganar
- saí de vossos cuidados
por armas não porto
nem punhais nem dardos letais
só a espada de luz
a palavra do Sagrado Mestre
que vos acalenta
em vossas aflições
que bane a insegurança
respondo a paz nos corações
- mesmo em face à tempestade
é uma temeridade
vos a porta abrir
vejo a tormenta já é finda
no vadis ainda mais eu quero ouvir
- eis que é cessada a procela
vou indo embora
ao lume da estrela
meu nome? Se importa
assenteis nos livros
de anais desta Casa
quem em noite varrida
negastes guarida
aos guardiões da vida
a Fé e a Esperança
e a própria Caridade
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Fontes:
Letras extraídas dos Cds de Elomar
"Nas barrancas do Rio Gavião"
"Na quadrada das águas perdidas"
"Cartas Catingueiras"

Vinicius de Moraes (Elomar…das barrancas do Rio Gavião)


Texto de Vinícius de Moraes, para a contracapa do LP "Elomar ...das barrancas do Rio Gavião", de 1973:

"A mim me parece um disparate que exista mar em seu nome, porque um nada tem a ver com o outro, No dia em que "o sertão virar mar", como na cantiga, minha impressão é que Elomar vai juntar seus bodes, de que tem uma grande criação em sua fazenda "Duas Passagens", entre as serras da Sussuarana e da Prata, em plena caatinga baiana, e os irá tangendo até encontrar novas terras áridas, onde sobrevivam apenas os bichos e as plantas que, como ele, não precisam de umidade para viver; e ali fincar novos marcos e ficar em paz entre suas amigas as cascavéis e as tarântulas, compondo ao violão suas lindas baladas e mirando sua plantação particular de estrelas que, no ar enxuto e rigoroso, vão se desdobrando à medida que o olhar se acomoda ao céu, até penetrar novas fazendas celestes além, sempre além, no infinito latifúndio.

Pois assim é Elomar Figueira de Melo: um príncipe da caatinga, que o mantém desidratado como um couro bem curtido, em seus 34 anos de vida e muitos séculos de cultura musical, nisso que suas composições são uma sábia mistura do romanceiro medieval, tal como era praticado pelos reis-cavalheiros e menestréis errantes e que culminou na época de Elizabeth, da Inglaterra; e do cancioneiro do Nordeste, com suas toadas em terças plangentes e suas canções de cordel, que trazem logo à mente os brancos e planos caminhos desolados do sertão, no fim extremo dos quais reponta de repente um cego cantador com os olhos comidos de glaucoma e guiado por um menino - anjo a cantar façanhas de antigos cangaceiros ou "causos" escabrosos de paixões espúrias sob o sol assassino do agreste.

Elomar nasceu em Vitória da Conquista, cidade que também deu vez a Glauber Rocha e Zu Campos, e depois de formar-se em arquitetura pela Universidade Federal da Bahia, ocupa atualmente o cargo de Diretor de Urbanismo em sua cidade. Mas do que gosta realmente é de sua caatingueira, uma das mais ásperas do sertão brasileiro, onde cria bodes e carneiros. Já me foi contado que um de seus reprodutores, o famoso bode "Francisco Orellana", quando a umidade do ar apresenta seus índices mais baixos - que usualmente é 10 graus - senta-se em posição estratégica sobre as patas traseiras e não se peja de urinar na própria boca, de modo a aproveitar, num instintivo e engenhoso recurso ecológico, a própria água do corpo para dessedentar-se.

E tem a onça. Vez por outra, a madrugada restitui a carcaça sangrenta de um bode ou um carneiro, e todas as preocupações cessam, a não ser chumbar a bicha. E a conversa entre os fazendeiros fica sendo apenas essa: onça, suas manias, suas manhas, seus pontos fracos.

Todo mundo se oncifica. Elomar sai à noite para tocaiá-la, e quando a avista só atira nela de frente.
- Um bicho que vem de tão longe para matar meus bodes, esse eu respeito! - diz ele em seu sotaque matuto (apesar da boa cultura geral que tem) e que faz questão de não perder por nada, enojado que está da nossa suposta civilização.

Quando lhe manifestei desejo de passar uns dias em sua companhia e de sua família (Elomar é casado e tem um par de filhos, sendo que a menina tem o lindo nome de Rosa Duprado) para descobrir, em sua companhia e ao som do excelente violão que toca, essas estrelas reconditas que já não se consegue mais ver nos nossos céus poluídos, Elomar me disse:
- Pode vir quando quiser. Deixe só eu ajeitar a casa, que não está boa, e afastar um pouco dali minhas cascavéis e minhas tarântulas...

É... Quem sabe não vai ser lá, no barato das galáxias e da música de Elomar, que eu vou acabar amarrando um bode definitivo e ficar curtindo uma de pastor de estrelas..."

Vinícius de Moraes
Abril de 1973