sábado, 31 de março de 2012

J. G. De Araújo Jorge (Vozes Femininas)


Para o observador desavisado, a impressão é a de que no Brasil de nossos dias, apenas um nome de mulher se impõe entre os grandes poetas, o de Cecília Meireles. Na verdade, ultimamente, a crítica brasileira tem esquecido injustamente muitos valores expressivos da nossa poesia feminina.

Ainda agora, ao lançar, inteiramente refundida, a terceira edição de “Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou”, volume I, poesia brasileira, contendo quatrocentos sonetos de todos os tempos e escolas, relendo suas provas comprovei essa realidade, diante de peças líricas da maior beleza e emoção, assinadas por nossas poetisas. E figuram no volume, entre outras, mais antigas, ou mais recentes: Amélia Tomás, Ana Amélia, Beatrix dos Reis Carvalho, Benedita de Melo, Carmem Cinira, Colombina (Ylde Schloembach), Corina Rebuá, Cíntia Castelo Branco, Francisca Júlia, Heli Menegali, Gilka Machado, Henriqueta Lisboa, Ilka Sanches, Itacy de Souza Teles, Lilinha Fernandes, Maria Eugênia Celso, Maria José Giglio, Maria José Aranha de Resende, Maria Sabina, Maria Teresa de Andrade Cunha, Nísia Nóbrega, Seleneh de Medeiros, Vivência Jambo da Costa, Vicentina de Carvalho, e mais algumas, todo um grupo de nomes, no mesmo plano em que se encontram nossos melhores poetas.

Nas exíguas proporções de nossa crônica, gostaríamos de destacar quatro vozes líricas, de diapasões diferentes, inexplicavelmente silenciadas ou desconhecidas do grande público. Uma, já desaparecida; três delas, ainda em nosso convívio, muito embora seus cantos se percam na azoada vida contemporânea, onde música e ruído se confundem, onde poesia e charada se identificam.

Quem se lembra de Carmem Cinira? Carioca, falecida com menos de trinta anos, em 1933, seus versos eram publicados por jornais e revistas na última década de sua vida. De uma poesia simples, comunicativa, encontrou no soneto uma de suas formas preferidas de expressão. Selecionei de Carmem Cinira três sonetos para a antologia, um deles, realmente antológico, copiado nos cadernos de poesia, obrigatoriamente incluído em qualquer seleção no gênero. É o intitulado.

INCANSÁVEL

Velho sonho de amor que me fascina,
causa das mágoas que me têm pungido
e que, entanto, conservo na retina
como a fonte de um bem inatingido...

Flana velada, cântico em surdina
de uma alma triste, um coração ferido,
nem pode haver linguagem que defina
o que eu tenho, em silêncio padecido!

Mas, ainda que mal recompensado
meu amor há de sempre desculpar-te
humilde, carinhoso, devotado...

Bendito seja o dia em que te vi,
pois não há maior glória do que amar-te
nem melhor gozo que sofrer por ti!


Citemos agora o nome de uma das maiores poetisas brasileiras de todos os tempos: Gilka Machado. De uma poesia sensorial, de ritmos quentes, pletórica de imagens, Gilka dá continuidade à melhor tradição de nossa sensibilidade e de nossa etnia. Permanece entretanto em silêncio, um injustificado silêncio que nos priva de seus versos tão cheios de belezas. E aqui fica uma pergunta aos nossos editores: porque não reeditar a obra de Gilka Machado, ou pelo menos um volume de suas poesias escolhidas?

Certos antolhos críticos, estreitas convenções estéticas vêm sufocando o que de melhor existe em nossas letras. Gilka Machado é uma vítima dessa “segregação”. Vou escolher ao acaso, um dos quatro sonetos que incluí na antologia:

SONÊTO

Sob o céu, sobre o mar, dentre um profundo
silêncio de ermo, em meio às rochas nuas,
aninhamos na noite, como duas
aves, ébrios de nós, longe do mundo.

Em teus olhos de treva ardiam luas;
errava um cheiro, não sei onde oriundo;
e minhas mãos, de tuas mãos no fundo,
tinham desejos de morrer nas tuas.

Sangrando luz, pendida a trança flava,
uma estrela do além se despenhava...
- Sorriste olhando-a, entristeci-me ao vê-la...

Com a alma em fogo, pela noite fria,
em vertigens de amor eu me sentia
rolar no abismo como aquela estrela.


Destaquemos em seguida, aquela que poderíamos chamar de a nossa Virginia Vitorino: Benedita de Melo. Exímia sonetista, com um verso musical, tal como a grande poetisa portuguesa, Benedita de Melo possui apenas um livro publicado: “Luz da Minha Vida”. E é realmente a sua luz, pois a poetisa cega encontra na poesia seu iluminado mundo interior. Sua lírica vem valorizada pela capacidade de fixar conflitos psicológicos e situações do cotidiano. Um dos mais belos momentos de inspiração é este

VERGONHA

- “Menina!” Disse alguém, no grande instante
em que era dividido em dois um ser...
E essa palavra, pelo mundo avante,
foi meu santo orgulho de viver...

Ser menina. Ser moça. Ser constante.
Ser caráter. Ser honra. Ser dever.
Por mais tropeços que encontrasse adiante
nunca me entristeci de ser mulher.

Mas veio o Amor. Veio a traição ferina
e todo o orgulho meu de ser menina,
roubou-o a sorte, malfadada e crua;

e veio a dor, e veio a mágoa, o tédio,
e a vergonha escaldante e sem remédio
de ter sido mulher para ser tua.


Finalmente, uma outra poetisa de que poucos terão ouvido falar. E a razão é a mesma: possui também apenas um livro publicado. Uma coleção de poemas e sonetos líricos: “Primavera, Escuta...”

Conhecia-a há anos, muito mocinha, em Friburgo. Sei que se casou, que reside em São Paulo, que é uma dona-de-casa feliz, às voltas com todos os problemas rotineiros de um lar. Telefonou-me faz algum tempo, quando lancei a primeira edição da antologia, para agradecer-me o fato de “tê-la incluído entre tantos poetas consagrados”. Mas não fiz favor. Maria Teresa de Andrade Cunha, este o seu nome de solteira, o seu nome literário, disse-me também que não tem mais tempo para a poesia. Não acredito. Estou certo de que apenas recolhe o canto, até nova surpresa. É uma poetisa como as demais, neo-romântica, de expressão moderna. Se poesia é emoção e simplicidade, Maria Teresa faz poesia, e da mais pura. Vamos ouvi-la, numa homenagem à sua arte e à de Friburgo daquele tempo, com o seu soneto:

QUERIA QUE CHEGASSES

Festiva, em frente, se ergue a serrania
tocada de um dourado cambiante;
queria que chegasses neste instante;
nem sabes como está bonito o dia!

Anda no ar transparente uma alegria
uma alegria imensa, delirante...
Como está perto o azul do céu distante!
Que perfume e que luz, na tarde fria!

Queria que chegasses de surpresa.
É tão maravilhosa a natureza,
juncando esse caminho, há tanta flor!

...Sairíamos juntos, devagar...
Sem destino, sem pressa de voltar
de mãos dadas, felizes, meu amor!


Fonte:
JORGE, J. G. de Araújo. No mundo da poesia. Edição do autor, 1969.

A. A. de Assis (Revista Virtual de Trovas “Trovia”, n. 148 – abril de 2012)


Inesquecíveis
Espremam o coração
deste vate trovador,
e vocês conhecerão
o doce suco do amor!
Francisco Macedo


Tu gostas do que não gosto,
e eu sofro por ser assim...
Vou ver se de mim desgosto,
para gostares de mim!

 Luiz Otávio

Filhos... mistério profundo
que a vida assim justifica:
os frutos correm o mundo,
mas a raiz... sempre fica!
Milton Nunes Loureiro

Quem, superando a fadiga,
luta com fé e com garra,
tem na vida de formiga
a alegria da cigarra.

 Nádia Huguenin

Sobre mulher não discutam;
seus impulsos não se medem:
as mais fracas também lutam,
as mais fortes também cedem.
 
Nydia Iaggi Martins

Sonho um mundo de homens puros,
sem fronteiras, sem entraves,
onde as casas não têm muros,
onde as portas não têm chaves.
Orlando Brito
Adeus, Francisco Macedo, / querido poeta e irmão... /
Partiste, porém sem medo, / cheio de trovas na mão! (aaa)

Brincantes

Bem muito longe do inverno,
a nudez é tão normal,
que se alguém passar de terno
vão pensar que é carnaval...
Elisabeth Souza Cruz – RJ

Tenho medo de mulher
com marido e mesmo sem...
-- da solteira porque quer...
-- da casada porque tem...
 
Izo Goldman – SP

Quando vovó faz faxina,
vovô teme o seu capricho,
pois ela tudo examina:
não tem uso? Vai pro lixo!
Jotão Silva – RJ

Tem dois nomes a magreza
nesta vida pouco séria:
quando é de rico, é beleza;
quando é de pobre, é miséria.
 
Milton S. de Souza – RS

A trova nos apresenta
detalhes que nos comovem:
os menores de sessenta
são chamados de “ala jovem”...
Osvaldo Reis – PR

Vagando por sobre a cama,
fantasma do falecido
viu, surpreso, o seu pijama
a vestir outro marido!
 
Renato Alves – RJ

Se nas revistas reparas,
verás que é questão de gosto:
alguns preferem ver Caras,
outros preferem o oposto...
 
Rodolpho Abbud – RJ

Confuso, o dono do empório
não anda bom da veneta:
na orelha um supositório,
mas nem sinal da caneta!
Sérgio Ferreira da Silva – SP
Líricas e filosóficas

Se a justiça, um dia, enfim,
a todos der vez e voz,
Deus dirá que agora, sim,
mora no meio de nós!
A. A. de Assis – PR

Num triste e cruel enredo
escrito por poderosos,
a Terra treme com medo
das mãos dos gananciosos.
Ademar Macedo – RN

Xadrez? Tenha paciência!...
Amor, não quero jogar;
opto pela transparência
que brilha no teu olhar.
 
Agostinho Rodrigues – RJ

O orvalho, do céu liberto,
de uma flor se fez amante,
e em seu regaço entreaberto
pôs um límpido brilhante!
 
Amaryllis Schloenbach – SP

Nos jardins, bela e vaidosa,
enfeita-se a natureza:
recende o aroma de rosa
e põe brincos-de-princesa!
Angélica Vilella Santos – SP

Quantas trovas já fizemos
agarradinhos na cama...
Cada uma que relemos
traz saudade... e nos inflama!
Arnaldo Ari – RJ

O mar da vida parece
que às vezes quer me afogar,
mas Deus, que nunca me esquece,
atira a boia no mar!
 
Carolina Ramos – SP

Vivei sempre a hora errada:
quando criança, mocinha;
aos quinze, mulher casada;
e aos quarenta, já sozinha.
 
Cida Vilhena – PB

Na chama deste desejo,
que é paraíso e é cruz,
Qual mariposa me vejo
a consumir-me na luz.
Conceição de Assis – MG

En el polen de tu beso
nace la flor del amor;
mi corazón está preso
en tu fuego abrasador.
Cristina Fervier – Argentina

Com movimentos velozes,
expressam seu linguajar...
Os dedos das mãos são vozes
de quem não pode falar...
Darly O. Barros – SP

Não me negues teu retrato,
que isso é tola precaução,
pois já o tenho, de fato,
gravado no coração!
 
Diamantino Ferreira – RJ

Vou perder-me além dos dias,
no teu perfume e calor,
vou curar minhas sangrias.
com muitos beijos de amor.
 
Dirce Montechiari – RJ

Nesta vida rotineira,
tua saudade em minha alma
é cantiga de goteira
em noite de chuva calma!
Domitilla B. Beltrame – SP

Coração deixado vago
lamenta ter que informar:
fizeram-lhe tanto estrago,
que não dá mais pra morar.
Dorothy J. Moretti – SP

Utopias!... Por vivê-las
e a elas me aprisionar,
quando desejo as estrelas,
deixo meu sonho voar!
 
Edmar Japiassú Maia – RJ
Do jeito que o tempo faz,
correndo sem piedade,
uma decisão me apraz:
nunca mais contar idade.
 
Euclymar Porto – RJ

Este silêncio, tão mudo,
que o nosso olhar escondia...
nos fez sentir quase tudo
de tudo o que eu já sentia!
Eva Yanni Garcia – RN

Sou sertanejo e não nego,
crestei meus pés neste chão.
Nestas marcas que carrego,
carrego o próprio sertão!
 
Francisco Garcia – RN

Tem São Francisco a pobreza
mais pobre do que ninguém...
Mas... quem me dera a riqueza
de ser pobre assim também!
Gasparini Filho – SP

Pedi perdão ao Senhor
por minhas horas vazias,
pelas horas sem amor,
e Ele as encheu de alegrias!
 
Gislaine Canales – SC

Gosto da trova da roça
com cheiro de mato e flor.
Seu recado me remoça,
como um abraço de amor.
 
Humberto Del Maestro – ES

Heresia é não amar;
é deixar, no coração,
lentamente se apagar
o fogo d’uma paixão!
 
J. B. Xavier – São Paulo

Numa espera doce e mansa,
qual zelosa tecelã,
bordo rendas de esperança
pra enfeitar nosso amanhã!
Jeanette De Cnop – PR

Meu coração não se cansa,
meu coração não se farta,
e repleto de esperança
meu coração não se infarta.
 
J.J. Germano – RJ

Ou na cidade ou na roça,
com arte, engenho ou suor,
cada qual faça o que possa,
e o mundo será melhor!
 
Jorge Fregadolli – PR

Quando a gente se endivida
com o empréstimo da idade,
quantos, no Banco da Vida,
são os juros da saudade!
 
José Fabiano – MG

Nas minhas tardes de criança,
brincadeiras de corrida.
Hoje danço em outra dança,
danço no circo da vida.
José Feldman – PR

A inspiração, que nos toca
como o sol da primavera,
foge quando a gente invoca,
vem quando menos se espera.
 
José Lucas de Barros – RN

O tempo passa de depressa,
mas quem diz que eu envelheço?
– cada olhar é uma promessa!
– cada espera... um recomeço!
José Ouverney – SP

Nos garimpos desta vida,
que o destino abandonou,
eu sou bateia esquecida
que nem cascalho pegou.
José Valdez – SP

Por excesso de vaidade,
de soberba, de altivez,
valores, como a igualdade,
estão hoje em escassez.

 Lisete Johnson – RS

Nas horas tristes, sombrias,
a esperança é a companheira
que afugenta as nostalgias
e nos ergue... a vida inteira!
 
Lucília Decarli – PR

Tu, velho manto bordado,
foste muito mais feliz!
Sentiste as mãos, no passado,
daquela que não me quis.
 
Luiz Antonio Cardoso – SP

Nessa vereda que é a vida,
vou de tropeço em tropeço,
pois cada nova subida
é sempre um novo começo.
 
Luiz Carlos Abritta – MG

Debruçada sobre o berço
do seu querido filhinho
busca a mãe, rezando o terço,
indicar-lhe um bom caminho.
 
Luiz Hélio Friedrich – PR
Se alguém publicar uma trova sua, mande pelo menos um “oi”. Senão pode parecer que você não gosta que divulguem seus trabalhos.


Se insone um dia já estive,
pra ver você ao meu lado,
quero que o sono me prive,
porém que eu sonhe acordado.
 
Marcos Medeiros – RN

Ao encantar-lhes a vida,
calando as dores secretas,
a Lua... ninguém duvida...
é o talismã dos Poetas!...
 
Maria Lua – RJ

Eu já fui um beija-flor
em outras vidas passadas:
era segredo em louvor
às flores desamparadas.
 
Mª Luíza Walendowsky – SC

A vida me faz cobrança
pelas chances que me deu ...
Mas meus mitos de criança,
roubou-me, e não devolveu...
 
Maria Nascimento – RJ

A vida é tênue fumaça,
é uma linha de retrós...
Dizem que é o tempo que passa,
mas quem passa somos nós!
 
Ma. Thereza Cavalheiro – SP

Eu trago, junto do peito,
silente, a lembrar, constante,
o teu retrato, que estreito,
feito uma joia galante.
Maurício Friedrich – PR

As pessoas nunca morrem,
simplesmente elas encantam;
vivem sempre, e nos socorrem,
com as obras que aqui plantam.

 Ney Garcez – PR

No circo da vida explode
o que a vida sempre dá:
um é pipoca se pode;
outro apenas piruá!
Nilton Manoel – SP
Prestigiar quem muito faz pela trova
é também um modo de trabalhar pela trova.



Viajei pelo mundo inteiro
e nunca mais pude achar
o que no instante primeiro
encontrei em seu olhar.
 
Olga Agulhon – PR

Esta saudade tão rude,
que faz minha alma deserta,
vem desde o tempo em que pude,
mas não fiz a escolha certa!
 
Pedro Mello – SP

Não interrogue o amanhã,
pois ele pertence a Deus,
que acorda a cada manhã
a vida e os milagres seus!…
Sônia Ditzel Martelo – PR

Bravura é viver sorrindo,
embora seja evidente
que a vida é dor insistindo
em ser mais forte que a gente.
 
Thalma Tavares – SP

Sei que viver é lutar,
mas luto em desigualdade.
Eu sou concha e a vida é o mar
em noite e tempestade.
Therezinha Brisolla – SP

Pobre velhice! Em seu jeito
de solitário cismar,
tem serenatas no peito...
sem ter para quem cantar.
 
Vanda Fagundes Queiroz – PR

Almejo trilhas sem fim,
ornamentadas de rosas...
Mãe, vais à frente de mim,
cultivando as mais formosas!
 
Wagner Lopes – MG

"Volta, amor!" – Esse é o chamado
da saudade, ao ver-te ausente –
"Em memória do passado,
eu te peço este presente."
Wanda Mourthé – MG


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Trova Ecológica 77 - Wagner Marques Lopes (MG)

Vera Lúcia de Souza Lima (Cartas: verdades tristonhas, mentiras risonhas)


Longe vai o tempo em que um moleque de recados, uma ama cúmplice ou um criado fiel se prestavam aos serviços de pombo-correio. Hoje, quando telefones e celulares sofisticados estão disponíveis para conversas, encontros e declarações ao pé do ouvido, a internet, um recurso tecnológico desprovido de romantismo e glamour, paradoxalmente, trouxe de volta o hábito requintado de escrever cartas.

Mas convenhamos, são as cartas tradicionais, dentro de envelopes, com destinatário, remetente e, de preferência manuscritas, que despertam maior fascínio.

Povoando canções, narrativas de ficção, filmes e peças teatrais, alimentam nosso imaginário tanto mais quanto maiores forem os indícios de que se trata de uma carta de amor ainda que ridícula, pois como afirma Fernando Pessoa “Todas as cartas de amor são ridículas”.

Do ponto de vista literário, as cartas, que pertencem ao gênero ensaístico foram batizadas pelos franceses com um nome especial: écriture intime, tendo sido acolhidas com grande entusiasmo pelas mulheres, as quais, confinadas aos espaços domésticos, adequaram-se com perfeição a esse estilo de escrita do eu, que lhes viabilizava a comunicação com o mundo exterior, sem exigir-lhes o apagamento das características pessoais, as marcas do seu mundo privado.

O tom menor, íntimo, descontraído, a liberdade de expor, de discutir sentimentos e idéias, a flexibilidade de poder deslizar de um assunto a outro, e, dessa forma, deixar fluir, consciente ou inconscientemente, comentários, sonhos, frustrações, desejos, passíveis de serem elaborados nos diálogos com o interlocutor ausente, atraíram para o gênero, cientistas, artistas, estadistas e intelectuais vários.

Assim, Freud, Jung, Van Gogh, Joaquim Nabuco, Hanna Arendt, Franz Kafka, Rainer Maria Rilke, Mário de Sá Carneiro, Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Fernando Sabino, Clarice Lispector, Vinicius de Moraes, Caio Fernando Abreu entre outros, se encarregaram de construir com sua extensa correspondência, um vasto acervo epistolar.

Reunidas em livro, muitas vezes depois de um exaustivo trabalho de pesquisa, as cartas constituem uma literatura especialmente instigante. Nelas, os leitores buscam vislumbrar aspectos biográficos inusitados e a revelação, quem sabe, do lado mais humano de figuras de renome. Nelas, os leitores encontram depoimentos e retratos de uma época pontuada pelos diversos acontecimentos relatados.

Delas, os leitores extraem narratividade. Sim, porque as cartas na sua organização em seqüência contam histórias várias, entretecidas nas conversas entre emissores e destinatários, que a escrita dramatiza e pereniza.

Antigas cartas medievais, escritas em latim, encerram a tragédia do grande e sofrido amor de Abelardo e Heloísa, amor condenado à sublimação mística.

- “Como o Senhor é justo e misericordioso! A odiosa traição de teu tio me fez crescer na virtude, quando me privou desta parte do meu corpo, que era a sede de minha libertinagem e a fonte única dos meus desejos” declara Abelardo. Convicto de que é justiça e benefício o que lhe aconteceu, tenta persuadir Heloísa a aceitar a renúncia e a vida monástica.

Ela, insubmissa, tomada por Eros, nega, indignada, as circunstâncias da sua conversão, afirmando que foi a determinação de Abelardo e não a vocação divina, que a levou a tomar o hábito monástico.-“Mas em mim esses aguilhões da carne se excitam mais pelos ardores de uma juventude ávida de prazeres e pela experiência que tive das mais inebriantes volúpias”, protesta Heloísa.

Abelardo, ídolo intelectual do seu tempo, mestre, poeta e músico, aos trinta e oito anos encontra em Heloísa, dezessete anos, sua aluna, sensível, inteligente e belíssima, o arrebatamento intelectual e o sensual. Separados, unidos por um casamento secreto e novamente separados em função de muitos preconceitos, são atingidos pela castração física de Abelardo, a mando do tio e preceptor de Heloísa, o cônego Fulbert.

Recentes cartas pós-modernas, escritas em linguagem coloquial, encenam uma outra tragédia contemporânea. Não o amor impossível de dois jovens, mas a vida de um jovem escritor, tornada impossível pela ação do vírus da Aids.

“-Pois é amiga. Aconteceu – estou com Aids – ou pelo menos sou HIV+,” informa Caio Fernando Abreu à sua amiga Lídia Magliani no livro Cartas (2002). “Te escrevo da minha suíte do hospital Emílio Ribas onde estou internado há uma semana” contextualiza com ironia.

Fraternas cartas, publicadas recentemente, dramatizam os vários momentos e as várias modulações de um sentimento, talvez o mais sublime de todos os sentimentos humanos: a amizade. “Depois de ler fico pensando que realmente doce é a companhia dos amigos”, diz Fernando Sabino, autor de Cartas na mesa, registro de sua correspondência, endereçada aos outros três cavaleiros mineiros do Apocalipse: Hélio Pellegrino, (Pellegruventz), Otto Lara Rezende (Pagé), Paulo Mendes Campos, (Nicodemus). È o desejo de sempre trocar, de conversar, de partilhar, de ver com os amigos a vida passar, que anima o comovente furor epistolográfico do escritor mineiro, o qual de 1943 a 1992, escreve muitas cartas, enviadas dos diversos lugares onde residiu: Juiz de Fora, Rio, New York, Frankfurt, Paris, Roma, Londres, Rio novamente. Nelas está sempre presente o apelo da amizade.

“Sinto que vocês estão se afastando de mim, Hélio, e eu não queria que isso acontecesse. Já não estou presente quando vocês se encontram aí, percebo que o tempo está me empurrando para frente com força demais, e isso é terrível. Eu queria ficar com vocês, Hélio, e estou cada vez mais longe (creio que será bom prevenir que enquanto escrevo esta carta estou com os olhos molhados)”.

Sob o fio condutor – a relação entre os amigos – a prosa que flui, ágil e saborosa, fragmentando-se ao final de cada carta, para depois fluir e novamente fragmentar-se, traz temas envolventes: reflexões filosóficas, análises de situações políticas, visões culturais de outros países, referências e informações sobre figuras do meio literário.

Diz Fernando: “Clarice chegou, viu e venceu, mas em termos: com exceção de mim, que sou suspeito, ainda não conquistou para o seu novo livro os leitores que merece”.

Trepidantes, as cartas reunidas no volume Querido Poeta – Correspondência de Vinicius de Moraes, organização de Ruy Castro. Agrupadas por décadas, elas dramatizam os movimentos de um escritor pleno, a vida vivida intensamente, nos acordes de uma lira muito singular, personalíssima.

O poeta e diplomata envia e recebe cartas, ao escrevê-las, expõe com coragem, angústia e medo, sua relação consigo próprio e com o mundo, relação que se constrói com base no amor e na entrega total aos objetos desse amor: mulheres (muitas), esposas, namoradas, filhos, mãe e pai, irmãs, amigos (muitos).

Assim, numa carta à filha Susana de Moraes se queixa: “Filhinha, meu amor, o seu velho está aqui no auge de tristeza, longe de vocês e da namorada dele (Lucinha Proença)... Esses dois meses que tenho de esperar pela vinda de Lucinha parecem dois anos, de tal forma os minutos se arrastam, pesam, fazem valer cada segundo”.

Noutra, comunga com o amigo Antonio Maria:... ”Você, meu Maria, que, além de meu amigo, é meu parente, e como eu gosta da noite, teria adorado esse começo de primavera, que de primaveral aliás só mostrou poucos dias”.

Pelo viés das cartas é possível flagrar o poeta envolvido com a poesia, a sua e a dos outros. Declara, a propósito de um poema recebido de Bandeira: “Seu ‘Epitalâmio’ nos deixou comovidíssimos, não só pela ternura do poema em si, como porque foi assim como a nossa certidão de casamento... E mostra que um poeta deve ser realmente um conhecedor de almas, um ‘expert’ no ser humano, um fisiognomista que não precisa de Husserl nem da escola alemã para intuir o essencial do comportamento de um semblante.... “Estou escrevendo minha nova peça, Uma rosa nas trevas, d’après o verso de Mallarmé. Danadamente difícil”.

Pelo viés das cartas é possível entender melhor que malgrado a poesia, o poeta é um homem que assume as preocupações prosaicas de todos os mortais. “Esta remoção, do ponto de vista financeiro, é um bom safa onça e vai me permitir pagar uma série de dívidas chatas aqui e aí. Pois a merda era grande, Braga”.

Com a ousadia que caracterizou sua vida, o querido poeta não hesita na sua correspondência em abrir seu coração, desnudar-se e avaliar-se a si próprio e a sua geração, fato que fica evidente numa carta endereçada a Ribeiro Couto: “Eu vim numa geração posterior, angustiada, errada em sua formação e que teve que descobrir tudo por si mesma, deixando, em sangue, seus melhores pedaços pela estrada. Mas não há de ser nada. A etapa foi vencida e agora só me resta congratular-me comigo mesmo de ter sobrevivido a tanto sofrimento ( por vezes tão inútil) e poder agora apreciar devidamente o meu passado, os meus amigos, o que ficou de bom de tudo isso”...

Nas cartas visitadas, as descobertas, as surpresas, as revelações. Nas malhas da letra pessoal, um universo paralelo, um eu que se estrutura e se constrói à sombra de uma persona social. Onde a verdade do ser?
------------------
Vera Lúcia de Souza Lima é Doutora em Literatura Brasileira pela UFRJ e professora do Departamento de Letras da PUC-Rio.

Fonte:

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 513)

Uma Trova de Ademar

Uma Trova Nacional

A solidão mais secreta
ganha forma de Poesia,
quando a pena do poeta
encontra a folha vazia...
–EDMAR JAPIASSÚ MAIA/RJ–

Uma Trova Potiguar


Busquei no universo um dia,
uma resposta eficaz;
que transformasse a POESIA
num hino de amor e paz!!!
–PROF. GARCIA/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


Fazer versos é mania
que qualquer um pode ter;
mas os versos com POESIA
nem todos podem fazer!
–ARCHIMINO LAPAGESSE/SC–

Uma Trova Premiada


2007 - Bandeirantes/PR
Tema - DESVELO - M/E.


Desvelo é aquele cuidado
com que o poeta, a seu jeito,
passa uma noite acordado
buscando um verso perfeito.
–ARLINDO TADEU HAGEN/MG–

Simplesmente Poesia

Doze de Março 2012.
JOSÉ LUCAS/RN (Em agradecimentos)


Hoje colhi mais um ano
no canteiro da existência,
sem mágoa e sem desengano,
porque o Mestre Soberano
não usa a palavra ausência.
Quando tiveram ciência
deste novo amanhecer,
amigos de mil paragens
mandaram tantas mensagens,
que nunca vou merecer!
Nem é preciso dizer
da alegria e da emoção
que, encontrando a porta aberta,
me invadiram, sem alerta,
alma, vida e coração.
Ainda existe um mundo irmão
onde o dom do amor habita,
nutrindo a fraternidade
e abençoando a amizade;
por isso a vida é bonita!
Feliz é quem acredita
que é possível ser feliz,
na vida, em qualquer idade,
pois, mesmo a longevidade,
tem sonhos primaveris.
E assim, as vozes gentis,
portadoras da emoção
de pessoas tão amadas,
hoje ficaram gravadas,
pra sempre, em meu coração!

Estrofe do Dia

Quem carrega, como nós,
o vírus da poesia,
tem no sangue uma plaqueta
que se altera todo dia,
aumentando a quantidade
e pondo mais qualidade
nos versos que a gente cria...
–ADEMAR MACEDO/RN–

Soneto do Dia

Poeta
–DOROTHY JANSSON MORETTI/SP–


Nunca lhe falta a sensibilidade,
a sutileza, o dom de transferir
às palavras toda a expressividade
na alegria ou na mágoa de sentir.

O poeta é assim, é versatilidade...
Seja o que for que intente traduzir,
mergulha em vida, em sonho, em realidade,
faz de uma noite a aurora reflorir.

Transcende as dores de um mundo sofrido,
pisa os mistérios do desconhecido,
traz as estrelas para o nosso chão.

E quem o escuta, exclama, fascinado:
“Era assim que eu queria ter cantado,
se soubesse escrever minha canção!”

Maria Elizabeth G. de Vasconcellos (Contos de Fada: Nossos Medos e Nossos Sonhos)


As fadas... eu creio nelas! Umas são moças e belas, Outras, velhas de pasmar... [...] Quem as ofende...cautela! A mais risonha, a mais bela, Torna-se logo tão má, Tão cruel, tão vingativa! É inimiga agressiva, É serpente que ali está!
Antero de Quental


Quando se fala de contos de fada, três nomes da literatura vêm à baila: Charles Perrault, os irmãos Grimm e Hans Christian Andersen. Mas afinal, quais as marcas que fazem a atemporalidade dessas narrativas? Por que elas constituem eternos e sedutores convites à leitura e à releitura? Que sonhos e utopias nelas se inscrevem? Quando se fala de contos de fada, três nomes da literatura vêm à baila: Charles Perrault, os irmãos Grimm e Hans Christian Andersen. Mas afinal, quais as marcas que fazem a atemporalidade dessas narrativas? Por que elas constituem eternos e sedutores convites à leitura e à releitura? Que sonhos e utopias nelas se inscrevem?

Comecemos por afirmar que uma das principais marcas que ali circulam é o medo. Os nossos e eternos medos, quer individuais, quer coletivos. E aqui vale lembrar Jean Delumeau, na obra da História do medo no ocidente: .... não só os indivíduos tomados isoladamente, mas também as coletividades e as próprias civilizações estão comprometidos num diálogo permanente com o medo. [1]

Vivendo, portanto, assolado pelo medo, o homem procura uma compensação que o liberte dessa agonia.

É preciso que encontre respostas que preencham as angustiantes lacunas do seu dia-a-dia. É então que, movido pela necessidade de sonhar uma outra História, o homem cria suas utopias pois, como ensina Hilário Franco Jr., [....] utopia é negação de um presente medíocre e sufocante, é espaço futuro sem limites, sustentado pelo desejo, é sonho apaziguador de regresso a perfeição das origens, é reencontro do homem consigo mesmo. [2]

Neste final de século – e de milênio –, quando heranças quer de um passado remoto, quer de um passado próximo misturam-se aos velozes progressos de uma moderna tecnologia, será necessário rever a História e repensar as utopias de ontem para entender os sonhos de hoje. E só assim seremos capazes de ter um amanhã.

Estudar as utopias de uma sociedade é lidar com o desejo dessa sociedade; é trabalhar com a falta e a esperança que circulam em seu imaginário. É preciso, então, revisitar a História que ali se viveu e ouvir as histórias que ali se contavam. E para tal há que se recorrer a determinadas pistas: aquelas deixadas pelos historiadores e pelos cronistas, pelos pintores e escultores, pelos poetas, romancistas e contistas.

Sendo assim, vamos encontrar nos contos de fada [3] as utopias que respondem aos eternos desejos da humanidade, pois como afirma Karl Mannheim, na obra Ideologia e Utopia,

Quando a imaginação não encontra sua satisfação na realidade existente, busca refúgio em lugares e épocas desiderativamente construídos. Mitos, contos de fada, promessas supraterrenas da religião, fantasias humanísticas, romances de viagens têm sido expressões, em contínua mutação, do que estava faltando na vida real. [4] (o grifo é nosso)

Em busca da abundância, da justiça e do amor – sonhos que embalam o imaginário social através dos tempos –, as personagens dos contos de fada vivem suas histórias que funcionam como respostas aos eternos desejos da humanidade. E por isso os contos tornam-se atemporais, como ensina Pierre Mabille:

Os contos, repetidos de boca em boca, de geração a geração, seguem uma trajetória comparável à de um eco gigante que se prolonga ao infinito. [5]

Assim entendidos, os contos de fada constituem documentos onde se inscrevem nossos medos e os mecanismos para neutralizá-los – as utopias. São eles que agora revisitaremos.

Contemporâneo de Luis XIV, o Rei-Sol, Charles Perrault (1628-1703) publica as suas Histórias ou contos dos tempos passados com algumas moralidades em 1697. A obra consta de oito contos de prosa: A Bela Adormecida, Chapeuzinho Vermelho, O Barba Azul, O Gato de Botas, As Fadas, A Gata Borralheira, Henrique de Topete e O Pequeno Polegar. Cada um é encerrado com uma moralidade em verso. No frontispício, a obra apresenta uma gravura com a inscrição Contes de ma mère L'Oye (Contos da Mamãe Ganso).

O tempo é de contrastes na França de então; ao lado do extremo fausto da corte de Versailles, os camponeses vivem em alarmante penúria, como salienta Robert Darnton:

Para a maioria dos camponeses, a vida na aldeia era uma luta pela sobrevivência,
e sobrevivência significava manter-se acima da linha que separava os pobres dos indigentes. A linha da pobreza variava de lugar para lugar, de acordo com a extensão de terras necessária para pagar impostos, dízimos e tributos senhoriais; separar grãos suficientes para plantar no próximo ano;e alimentar a família. [6]

Esse universo de fome e miséria inscreve-se em contos como O Gato de Botas e o O Pequeno Polegar. Para ajudar o terceiro filho de um pobre moleiro falecido, o Gato usa das mais refinadas trapaças e consegue para seu dono até um casamento com a filha do rei. Já o Polegar – sétimo filho de um lenhador também pobre –, após ser abandonado com seus irmãos, na floresta, pelos pais, consegue um lugar na corte, como correio, graças às botas que rouba do ogre; lá enriquece e emprega também toda a família. A lição dos contos é clara: num mundo onde as injustiças sociais e as diferenças econômicas são flagrantes, é preciso ser esperto para burlar o esquema e vencer.

Também nos contos dos irmãos Grimm (Jacob, 1785-1863; Wilhelm, 1786-1859) vamos encontrar idênticas situações em que o fraco (pobre) vence o forte (rico): são situações que alimentam o desejo de prosperidade e de fartura das classes menos favorecidas. Desejo este substantivado na utopia da Terra da Cocanha à qual os Grimm dedicam um conto homônimo. Nessa terra de abundância, retrato do «mundo às avessas», ninguém precisa trabalhar, pois «um rio de mel escorria como água de um vale profundo no cume de uma montanha muito alta» e «em um pátio próximo, se achavam outros quatro cavalos debulhando milho e duas cabras acendiam um fogão, enquanto uma vaca assava pães no forno». [7]

O ano da publicação dos Contos de criança e do lar dos irmãos Grimm é de 1812 e vamos encontrar a Europa vivendo sob o signo do Romantismo. Os contos fazem parte, portanto, de uma literatura que reflete as mudanças rápidas e profundas que a sociedade de então experimentava. Viajando pela Alemanha, os dois irmãos vão colhendo de diversos narradores as histórias que circulavam na boca do povo, cheias de tradições e, ao mesmo tempo, cheias de sonhos de renovação.

Quando as narrativas elegem o terceiro irmão (o bobo) – ou ainda um simples caçador (como em Os dois irmãos) – para protagonizar a aventura e finalizá-la com sucesso (muitas vezes casando-se com a filha do rei, como no conto citado), parecem responder a determinadas expectativas do público. Num mundo que vivia os ideais da Revolução Francesa, os contos apontam para a necessidade de revisão de atitudes despóticas da nobreza e da aristocracia: mais importantes que a força e a linhagem são a bondade, a coragem e a temperança. E para confirmar tais lições, as narrativas incorporam características daquele momento literário.

A vivência da Natureza, por exemplo, tão a gosto do espírito romântico, passa a constituir, nos contos de Grimm, importante marca para qualificar o herói. Lugar de refúgio ou de desamparo, a Natureza propicia muitas vezes ao personagem cenas de união e de compensação, como acontece com o caçador de Os dois irmãos. Auxiliado pela lebre, pelo urso, pelo lobo e pela raposa, casa-se com a filha do rei. É certo que tal união subverte a ordem, mas é muito bem aceita por um público que vive o sonho de «liberdade, igualdade e fraternidade». E esse final feliz alimenta, sem dúvida, a ilusão de ascensão econômica e social das classes menos favorecidas.

Mas se sonha com a ascensão social – desejo individual –, o homem sonha também com uma sociedade equilibrada, com uma terra regida por um soberano justo. Recorrendo a certos perfis já cristalizados no imaginário do ocidente cristão (como o Rei Arthur, o Imperador Carlos Magno, e até o fora-da-lei Robin Hood), as narrativas vão construindo heróis que satisfazem o eterno desejo das sociedades: o de um pai protetor.

Retrato da perfeição física e moral, o herói conta muitas vezes com a ajuda sobrenatural (de fadas, gnomos, objetos mágicos e até de animais encantados, como já salientamos anteriormente) para vencer o inimigo (muitas vezes também sobrenatural, como bruxas, ogres, anões malvados, dragões) e qualificar-se para ocupar o lugar de soberano. É o que acontece em Os dois irmãos. Assim como Arthur, personagem das histórias da Távola Redonda, o nosso herói – um caçador – é um predestinado para retirar a espada mágica de uma pedra:

Lá no alto, havia uma igreja e no altar havia três taças, cheias até a borda, e ao lado havia uma inscrição que dizia: «Quem esvaziar estas taças será o homem mais forte da terra e poderá brandir a espada que está enterrada ao lado de fora da porta». O caçador não bebeu. Saiu e achou a espada enterrada, mas não conseguiu arredá-la do lugar. Voltou e esvaziou as taças. Aí ficou bem forte, conseguiu tirar a espada do chão e manejá-la à vontade. [8]

De posse da arma, luta com o dragão que todos os anos exigia uma donzela imaculada, mata-o e ganha a mão da princesa, sendo em seguida proclamado herdeiro do rei. Esse final feliz – que é muitas vezes repetido nos contos – aponta para o nascimento de uma sociedade mais justa. Coroado, o herói reina por muito tempo, com muita sabedoria. Cumpre-se utopia da justiça.

Mas se o dragão é desafio constante ao jovem herói, é verdade que há outro oponente que se lhe apresenta igualmente tenebroso: a bruxa. Figura diabólica, a bruxa espalha malefícios que atingem a todos: a nobres, a camponeses e a crianças perdidas na floresta.

Através dos séculos – através dos contos –, detalhes anatômicos vão sendo acrescentados a um retrato de mulher que o desejo rejeita: ela é velha, é feia, corcunda, sua pele é enrugada aponteada de verrugas. Seus dedos de ossos longos completam-se com unhas tortas e ponteagudas. Demonizada, ela representa o ser marginal que a ordem rejeita. Ela opõe-se à fada que o desejo almeja. Mas como chegamos a esses perfis tão distintos?

Ao revisitarmos a literatura dos séculos XII e XIII – principalmente aquela que aflora a chamada matéria de Bretanha, de substrato celta –, aprendemos, através do exame de alguns perfis femininos (como Isolda, Viviane, Morgana e Mab), que fada e bruxa são representações das duas faces de uma mesma história da mulher. Como grande fiandeira, reeditando o fazer de Láquesis, Cloto e Átropos, as três parcas da tradição clássica, a fada é aquela que tece o destino (fatum) do homem. Como a sábia alquimista que prepara mezinhas e conduz os partos, a bruxa é aquele agente perigoso que se atreve a penetrar nos segredos da ciência, invadindo, assim, os domínios masculinos. É na fala de Mercúrio, personagem da obra Romeu e Julieta de Shakespeare que melhor vemos apresentada essa bipolaridade:

Pelo que vejo, foste visitado Pela rainha Mab. Ela é a parteira Entre as fadas. E é tão pequenininha. Como a ágata do anel que os conselheiros usam no indicador.[....] É essa mesma Mab que, de noite, Entrança as crinas sujas dos cavalos E dá-lhes nós feéricos, os quais Enfeitiçam aqueles que os desatam. Ela é bruxa que aperta as raparigas Que se deitam de papo para o ar, E lhes ensina na primeira vez Como se hão de portar para aguentar a carga. [9]

Com o passar dos séculos, cada uma dessas facetas vai ganhando autonomia, e fada e bruxa passam a ser representações distintas e antagônicas. Na obra dos Grimm, por exemplo, são abundantes os retratos de fadas e de bruxas e no conto João e Maria a descrição da bruxa muito se aproxima daquelas que foram feitas na Baixa Idade Média – séculos XIV e XV –, período em que a caça às bruxas atingiu o apogeu:

A velha, porém, apenas fingira ser boa. Na verdade era uma perversa feiticeira, que fizera aquela casa de pão doce, bolos e açúcar-cande com a intenção de atrair crianças. Quando uma criança caía em seu poder, ela a matava, cozinhava e devorava, pois, para ela, não havia um prato mais delicioso do que carne de criança.

As bruxas têm os olhos vermelhos e enxergam muito mal, mas por outro lado, têm um faro igual ao de certos animais e, mesmo sem vê-lo, percebem quando um ser humano se aproxima. [10]

Mas afinal, que motivos levaram uma sociedade – como a cristã medieval, da qual herdamos vários tabus e muitos medos – a alimentar esse amedrontador perfil feminino? É bem verdade que o medo da mulher não é uma invenção dos ascetas cristãos. Por ter sido um constante enigma para o homem, a mulher sempre o amedrontou, como salienta Jean Delumeau:

Mal magnífico, prazer funesto, venenosa e enganadora, a mulher foi acusada pelo outro sexo de ter introduzido na terra o pecado, a desgraça e a morte. Pandora grega ou Eva judaica, ela cometeu a falta original ao abrir a urna que continha todos os males ou ao comer o fruto proibido. O homem procurou um responsável para o sofrimento, para o malogro, para o desaparecimento do paraíso terrestre, e encontrou a mulher. Como não temer um ser que nunca é tão perigoso como quando sorri? [12]

Mas se é verdade que o medo da mulher não é invenção do ascetismo cristão, é certo também que foi o cristianismo que muito cedo o integrou em seu ideário e trabalhou esse espantalho até o limiar do século XX. Se o indecifrado existe, se incomoda e amedronta, é preciso buscar um motivo que justifique sua perseguição e até, se possível, sua neutralização – a mais perfeita que se puder. E no que se refere à mulher, a Europa da Baixa Idade Média viveu, com toda violência, uma clima favorável a essa cena. É Jeffrey Richards, na obra Sexo, desvio e danação, quem sintetiza:

As pessoas do período medieval viviam num mundo de medo: medo de impostos, doença, guerra, fome, da morte e do inferno. Era uma sociedade que acreditava no sobrenatural,no poder das forças das trevas em ação de Satã e de seus demônios no mundo.Acreditava também na bruxaria, que era uma explicação conveniente tanto para as catástrofes naturais súbitas (fome, epidemias,tempestades, enchentes, destruição de safras e animais) quanto para problemas familiares recorrentes, tais como impotência,infidelidade, mortalidade infantil. [....]

As acusações de bruxaria eram geralmente levantadas por vizinhos indispostos contra mulheres específicas: as velhas, as solitárias, as impopulares, as neuróticas, as insanas, as mal-humoradas,as promíscuas, as praticantes de medicina popular ou parteiras, mulheres que, por motivos variados, haviam se tornado alvo do ódio local. [....]

As bruxas satânicas do final da Idade Média eram, assim, os bodes expiatórios perfeitos, uma minoria inventada, uma imagem compósita do mal, pronta para ser usada e aplicada a qualquer pessoa que discordasse dos dogmas da Igreja e que, pelo uso da tortura e do terror, se tornava realidade. [13]

Autos de fé são comuns e a execução de bruxas na fogueira traz o aval das Escrituras: «Não deixarás viva uma feiticeira», diz o Êxodo, 22, v. 18. Infração cometida, castigo imposto. Castigo que se eterniza através dos séculos e que também se inscreve no universo dos contos de fada. É o que acontece, por exemplo, em Os dois irmãos, de Grimm, com a bruxa da floresta que encantava a todos que por lá passassem:

– Sua macaca velha! Devolve a vida imediatamente a meu irmão e a todas as criaturas que estão aí, ou então vai para o fogo! Ela pegou uma varinha e tocou
as pedras. O irmão e os animais voltaram à vida. E muitos outros homens também, mercadores, artesãos, pastores. Todos se levantaram,agradeceram ao caçador e foram para casa. Os gêmeos se abraçaram e se beijaram, contentíssimos por se encontrarem novamente. Agarraram e amarraram a bruxa e a jogaram na fogueira. [14]

E agora o nosso terceiro autor, o dinamarquês Hans Christian Andersen (1805-1875). Imprimindo à sua obra marcas de sua hipersensibilidade, timidez, e de seu temperamento depressivo, Andersen publica seus Contos em 1835. Neles também desfilam personagens em busca de abundância, da justiça e do amor. É deste que trataremos agora.

Acossado pelo medo da diferença encarnada pelo outro, pelo medo, enfim de sua natureza seccionada, o homem (a humanidade) responde com a utopia da androginia. Através do sonho de amor, homem e mulher buscam a unidade perdida, isto é, procuram reviver o tempo em que, como recorda Aristófanes em sua fala em O Banquete, de Platão, [....] nossa natureza outrora não era a mesma que a de agora, mas diferente. Em primeiro lugar, três eram os gêneros da humanidade, não como agora, o masculino e feminino, mas também havia a mais um terceiro, comum a estes dois, do qual resta agora um nome, desaparecida a coisa; andrógino era então um gênero distinto, tanto na forma como no nome comum aos dois, ao masculino e ao feminino... [15]

Tais seres possuíam muita força e, presunçosos, voltaram-se contra os deuses. Zeus, para punir tal ousadia, delibera cortá-los ao meio, para enfraquecê-los. E assim, seccionados, viviam à procura da outra metade. E continua Aristófanes:

O motivo disso é que nossa antiga natureza era assim e nós éramos um todo; e portanto ao desejo e procura do todo é que se dá o nome de amor. [16]

Será, então, na expressão literária que o amor se imortaliza: na paixão vivida por Tristão e Isolda, por Romeu e Julieta e por tantos outros casais. São também muitos os contos de fada onde se lê a busca do par: A Bela Adormecida e a Gata Borralheira, nas versões de Perrault e Grimm; A Bela e a Fera, na versão de Madame Leprince de Beaumont (meados do século XIX); Branca de Neve, Cinderela, Rapunzel, A Moça dos Gansos, na versão dos Grimm, dentre outros.

Já nos contos de Andersen essa busca não constitui tema recorrente; há narrativas em que o final é feliz – como em A Princesa e o Grão de Ervilha e Os Cisnes Selvagens –, mas certamente há outras em que se acentua o pessimismo em relação ao amor, como em Os Namorados. E em A Sereiazinha, que reedita, ainda que de maneira eufemizada, a eterna sedução das sereias, é trágico o final para a figura feminina: não conseguindo o amor do príncipe, e não desejando matá-lo, como recomendara a bruxa do mar, para reassumir sua antiga natureza de sereia, a Sereiazinha joga-se ao mar e transforma-se em espuma.

E em relação a esse final, vale ressaltar que é também trágico, em outras narrativas de Andersen, o destino das personagens femininas, como as dos contos Os Sapatinhos Vermelhos e A Menina dos Fósforos, por exemplo.

Encerrada a viagem através do universo literário dos três autores selecionados – Perrault, Grimm e Andersen – é importante lembrar, ainda, que o primeiro livro infantil publicado no Brasil data de 1894 e é de autoria de Figueiredo Pimentel (1869-1914): Contos da Carochinha. A ele somam-se Histórias da Avozinha e Histórias da Baratinha, do mesmo autor. Nessa trilogia são incluídos os contos clássicos, já presentes nas obras dos três autores mencionados, e muitos outros.

Por traduzirem as eternas paixões humanas, os contos de fada tornam-se atemporais, como salientamos ao início. Sendo assim, tendo já visitado a produção clássica, cabe agora dirigir nosso olhar para a produção destas últimas décadas do século XX e observar como tais contos são recontados.

Reaproveitando o já escrito, os autores vão recontando as histórias ouvidas (ou lidas) aqui e ali e, nesse processo, vão descobrindo novos sentidos, multiplicando, assim, o já contado. É como salienta Marina Colasanti no conto Com voz de mulher da obra Longe como o meu querer:

Foi quando uma mulher que havia estado no estábulo passou a repetir as histórias de deus para outros habitantes da cidade. Repetir exatamente, não. Aqui e ali, acrescentava coisas, tirava outras e cada história, sendo a mesma, era outra. Mais que contar, recontava. Depois houve um rapaz, que também. E, o tempo passando, ninguém mais podia dizer com certeza de onde tinha vindo esta ou aquela história, e quem a havia contado primeiro. [18]

Também nas narrativas agora produzidas vamos encontrar os mesmos medos de ontem: o medo da morte, da fome, da solidão, da doença, da injustiça. A forma de tratá-los é que é diferente. Em vez de narrativas que caminham para um final fechado (muitas vezes feliz), agora privilegia-se um final aberto, que conduz o leitor à reflexão. É o que acontece, por exemplo, em R, a Princesinha de Ziraldo, que retoma A Sereiazinha de Andersen. Em vez de transformar-se em espuma, como no conto clássico, a sereia transforma-se em reticências, que, sem dúvida, constituem o sinal de pontuação mais aberto que conhecemos... E é Nasuta, a bruxa, quem explica às irmãs da sereia:

Olha: no final de uma frase, as reticências significam que há ainda alguma coisa mais a dizer, certo? As letrinhas já tinham suas lágrimas quase secas.

Se colocarmos, porém, as reticências no princípio de uma frase, isto quer dizer que alguma coisa dita antes foi interrompida e vai começar, não é verdade, minhas...

Ééééé! ... queridas? Logo, as reticências fazem exatamente essa ligação entre o que foi e o que virá a ser. As irmãs se olharam, tentando descobrir se todas haviam compreendido a explicação da bruxa. E ela continuou:

Como a espuma do mar, sua irmãzinha vai voltar ... [19]

E se, ainda, nos contos tradicionais imperava o claro esquema antitético entre Bem (fada) e Mal (bruxa), já agora tais opostos se mesclam, sugerindo que de fada e de bruxa todos nós temos um pouco. E é o que lemos em Uxa, ora fada, ora bruxa, de Silva Orthof; Onde tem fada tem bruxa, de Bartolomeu Campos Queirós; e Bruxa e fada: menina encantada, de Ieda Oliveira.

Como paródias (para = ao lado de; ode = canto), isto é, uma narrativa ao lado da outra, as produções atuais exigem do leitor um conhecimento prévio do texto clássico para que o entendimento se estabeleça. É o que propõem os Contos de Fadas Politicamente Corretos, de James Finn Garner, onde encontramos deliciosas paródias de Chapeuzinho Vermelho, Cinderela, Branca de Neve, dentre outras.

Ainda na esteira da paródia, podemos citar Ervilina e o Princês, de Silvia Orthof, que parodia o conto de Andersen A Princesa e Grão de Ervilha, mostrando que o destino da mulher não é mais o de ser escolhida, mas o de fazer sua própria escolha. E nessa linha de inauguração de uma nova história da mulher podemos ler também História meio ao contrário, de Ana Maria Machado; Mulheres de coragem, de Ruth Rocha; Heróis e guerreiras, de Heloísa Prieto; Doze reis e a moça no labirinto do vento, Entre a espada e a rosa, O lobo e o carneiro no sonho da menina e Ofélia, a ovelha – todos de Marina Colasanti.

Produzida sob o signo de uma cultura de propaganda, do consumo, da velocidade, a própria arte insere-se nessa rede de exigências. Narrativas curtas, à moda dos clips da linguagem televisiva, constituem a literatura ideal para o leitor de hoje. Assim é construída, em seis volumes, a coleção «Assim é se lhe parece» de Angela Carneiro, Lia Neiva e Sylvia Orthof. Cada volume contém três sketches que viram pelo avesso elementos e situações dos contos clássicos. No volume intitulado Chamuscou, não queimou, encontramos um dragão doente, casado com uma princesa indomada. Ao neutralizar o dragão como encarnação do Mal, a narrativa anula também o poder que o criou e a tradição que o manteve como sustentáculo do forte maniqueísmo repressor. O episódio final, à moda de um besteirol, conduz à perplexidade, perplexidade que é, enfim, a do próprio leitor num mundo estilhaçado como o desse final de século, onde até o amor é descartável. Desfazendo o seu casamento com o dragão, a princesa Marinalva volta para o castelo real, apaixona-se pelo sapo e depois pelo bode, levando o seu pai ao desespero:

O rei estava enfezado,e disse, assim assado:Perdôo só desta vez,ó filha, desajuizada,ficaste toda ensapada,estou danado! Marinalva se cuidou,desensapou. Aí ela viu um bode... vê se pode! Marinalva virou cabra? Abracadabra! Esta história é inventada, sou muito inventadeira, a história verdadeira por outros será contada. Eu brinco, rebolo, bolo, canto mentiras na feira, sou Orthofia, a feiticeira... quanta besteira! [20]

A palavra irreverente que provoca o riso, como essa de Sylvia Orthof, é mais uma das características das narrativas da atualidade; e pode também funcionar como uma das mais eficazes estratégias para neutralizar os nossos medos...

E já que falamos de riso, vamos concluindo também de maneira irreverente o passeio através do mundo encantado dos contos de fada: «entrou por uma porta e saiu por outra, e quem quiser que conte outra».”

Bibliografia

I – Repertório crítico-teórico
1 – BAROJA, Julio Caro. As bruxas e seu mundo. Lisboa, Vega, s/d.
2 – CHAUÍ, Marilena. Repressão sexual. São Paulo, Brasiliense, 1984.
3 – COELHO, Nelly Novaes. O conto de fadas. São Paulo, Ática, 1987.
4 – DARNTON, Robert. O grande massacre de gatos. Rio de Janeiro, Graal, 1986.
5 – DELUMEAU, Jean. História do medo no ocidente. São Paulo, Companhia das Letras, 1989.
6 – FRANCO Jr., Hilário. As utopias medievais. São Paulo, Brasiliense, 1992.
7 – MABILLE, Pierre. Le miroir du merveilleux. Paris, Minuitt, 1976.
8 – MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia. 3. ed. Rio de Janeiro, Zahar, 1976.
9 – PASTOUREAU, Michel. No tempo dos cavaleiros da Távola Redonda. São Paulo. Companhia das Letras, 1989.
10 – PAZ, Noemí. Mitos e ritos de iniciação nos contos de fadas. São Paulo, Cultrix, 1995.
11 – PLATÃO. O Banquete. 2. ed. São Paulo, Difel, 1970.
12 – PLACE, Robin. Os celtas. 2. ed. São Paulo, Melhoramentos, 1989.
13 – RICHARDS, Jeffrey. Sexo, desvio e danação. Rio de Janeiro, Zahar, 1993.
14 – SANT'ANNA, Affonso Romano de. Paródia, paráfrase & Cia. São Paulo, Ática, 1985.
15 – SOUZA, Angela Leite de. Contos de fada: Grimm e a literatura oral no Brasil. Belo Horizonte, Lê, 1996.

II – Repertório ficcional
1 – ALLSBURG, Chris Van. A vassoura encantada. São Paulo, Ática, 1996.
2 – ALMEIDA, Fernanda Lopes de. A fada que tinha idéias. 10 ed. São Paulo, Ática, 1984.
3 – ANDERSEN, Hans Christian. Contos. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1981.
4 – BANDEIRA, Pedro. Chapeuzinho e o Lobo Mau. 5. ed. São Paulo, Moderna, 1990.
5 – –––––. O fantástico mistério de Feiurinha. São Paulo, FTD, 1986
6 – BERNADINHO, Adriana (adap. de). Tristão e Isolda. São Paulo, FTD, 1996.
7 – BIRD, Malcom. Manual prático da bruxaria em onze lições. Rio de Janeiro, Ática, 1996.
8 – BUARQUE, Chico. Chapeuzinho Amarelo. 5. ed. Rio de Janeiro, Barlendis & Vertecchia, 1983.
9 – COLASANTI, Marina. Doze reis e a moça no labirinto do vento. Rio de Janeiro, Nórdica, 1982.
10 – –––––. Entre a espada e a rosa. Rio de Janeiro, Salamandra, 1990.
11 – –––––. Longe como o meu querer. São Paulo, Ática, 1997.
12 – –––––. O lobo e o carneiro no sonho da menina. Rio de Janeiro, Ediouro, 1994.
13 – –––––. Ofélia, a ovelha. 2. ed. São Paulo, Melhoramentos, 1989.
14 – ESTERL, Arnica. As penas do dragão. Rio de Janeiro, Ediouro, 1996.
15 – FUNARI, Eva. A bruxa Zelda e os oitenta docinhos. São Paulo, Ática, 1994.
16 – –––––. O feitiço do sapo. São Paulo, Ática, 1995.
17 – GARNER, James Finn. Contos de fada politicamente corretos. Rio de Janeiro, Ediouro, 1995.
18 – GRIMM, Jacb & GRIMM, Wilhelm. Branca de Neve e outros contos de Grimm. Sel. e trad. de Ana Maria Machado. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986.
19 – –––––. Cinderela e outros contos de Grimm.Sel. e trad. de Ana Maria Machado. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1996.
20 – –––––. Chapeuzinho Vermelho e outros contos de Grimm.Sel. e trad. de Ana Maria Machado. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986.
21 – –––––. Contos de fadas. Belo Horizonte, Villa Rica, 1994.
22 – LARRUELA, E. & CAPDEVILLA, R. As memórias da bruxa Onilda. São Paulo, Scipione, 1990.
23 – LUKESCH, Angelika. A Excalibur de Arthur. Rio de Janeiro, Ediouro, 1995.
24 – MACHADO, Ana Maria. História meio ao contrário. São Paulo, Ática, 1994.
25 – MASTROBERTI, Paula. Cinderela. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1997.
26 – –––––. Os sapatinhos vermelhos. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1995.
27 – NEIVA, Lia et alii. «Coleção assim é se lhe parece». Rio de Janeiro, Ediouro, 1994. 6v.
28 – –––––. O castelo da torre encantada. Rio de Janeiro, Ediouro, 1996.
29 – OLIVEIRA, Ieda. Bruxa e fada: menina encantada. Rio de Janeiro, Ao Livro Técnico, 1994.
30 – OLIVEIRA, Rui de. A Bela e a Fera. São Paulo, FTD, 1994.
31 – ORTHOF, Sylvia. Ervilina e o Princês. Rio de Janeiro, Memórias Futuras, 1986.
32 – –––––. Uxa, ora fada, ora bruxa. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1985.
33 – PERRAULT, Charles. Contos. Lisboa, Estampa, 1977.
34 – PIMENTEL, Figueiredo. Contos da Carochinha. Rio de Janeiro, Garnier, 1992.
35 – –––––. Histórias da Avozinha. Rio de Janeiro, Garnier, 1994.
36 – –––––. Histórias da Baratinha. Rio de Janeiro, Garnier, 1994.
37 – PREUSSLER, Otfried & SPÍRIN, G. A história do unicórnio. São Paulo, Ática, 1993.
38 – PRIETO, Heloísa. Heróis e guerreiras. São Paulo, Cia. das Letrinhas, 1995.
39 – QUEIRÓS, Bartolomeu Campos. Onde tem bruxa tem fada... 24. ed. São Paulo, Moderna, 1983.
40 – QUENTAL, Antero de. As fadas. Lisboa, Contexto, 1983.
41 – ROCHA, Ruth. Mulheres de coragem. São Paulo, FTD, 1991.
42 – –––––. Sapo-vira-rei-vira-sapo. 8. ed. Rio de Janeiro, Salamandra, 1983.
43 – RÓNAI, Cora. Sapomorfose. Rio de Janeiro, Salamandra, 1983.
44 – ROSA, João Guimarães. Fita verde no cabelo. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1992.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 512)

O AMANHECER NA PRAIA DA "PONTA VERDE" - MACEIÓ/AL

Uma Trova de Ademar

O sentimento mais lindo
em nós vai se esparramando...
Meu tempo diminuindo
e o nosso amor aumentando.
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


Quem compra amor por dinheiro,
como quem vai ao mercado,
não compra do verdadeiro,
compra do falsificado.
–CLARISSE BARATA SANCHES/PRT–

Uma Trova Potiguar


Das luzes da mocidade,
que deram luz à ilusão,
sobrou sombra de saudade,
dando sombra à solidão.
–LUIZ DUTRA BORGES/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


N'alma, a esperança reflete
uma risonha mentira,
pois é o que a vida promete
em troca do que nos tira...
–WALTER WAENY/SP–

Uma Trova Premiada


2006 - São Paulo/SP
Tema - CIÚME - Venc.


Ciúme é como se fosse
um veneno sedutor...
Amargo, se mostra doce,
matando aos poucos o amor.
–FRANCISCO JOSÉ PESSOA/CE–

Simplesmente Poesia

Canção de Amor
–THALMA TAVARES/SP–


Meu olhar, qual veio d' água,
lavou de meu peito a mágoa...
Já não temo a ingratidão.
Assim, se um dia voltares
esquecerei meus pesares,
te estenderei minha mão.
Como outrora, quando a vida
nos sorria colorida
e eu tinha o teu coração,
terás de novo meus beijos,
meus carinhos, meus desejos,
meu ardor, minha paixão.
Pois só quem ama de fato
perdoa o parceiro ingrato,
muda o rancor em bondade...
Todo amor é um sonho alado,
é um pássaro encantado;
não vive sem liberdade.
Maior que a vida, que a morte,
o amor é sempre mais forte,
vence a própria eternidade;
muda em virtude o defeito,
vence a dor que oprime o peito...
Mas só não vence a saudade.

Estrofe do Dia

Uma prostituta mancha
a moral e o destino,
num restaurante grã-fino
a milionária lancha,
uma gangue se desmancha
num tiroteio da favela,
um bebum cutuca a goela
pra vomitar na calçada;
são cenas que a madrugada
mostra a quem visita ela.
–BIU SALVINO/PB–

Soneto do Dia

Lágrimas
–AUTA DE SOUZA/RN–


Eu não sei o que tenho... Essa tristeza
que um sorriso de amor nem mesmo aclara,
parece vir de alguma fonte amara
ou de um rio de dor na correnteza.

Minh'alma triste na agonia presa,
não compreende esta ventura clara,
essa harmonia maviosa e rara
que ouve cantar além, pela devesa.

Eu não sei o que tenho... Esse martírio,
essa saudade roxa como um lírio,
pranto sem fim que dos meus olhos corre,

Ai, deve ser o trágico tormento,
o estertor prolongado, lento, lento,
do último adeus de um coração que morre...

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 511)


Uma Trova de Ademar

Todo amigo verdadeiro
tem sempre a mão estendida
para livrar seu parceiro
dos escorregões da vida!...
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


A minha grande alvorada
será eterna ... Eu suponho!
Se um sonho não der em nada ...
Eu troco por outro sonho!
–DILVA MORAES/RJ–

Uma Trova Potiguar


Só uma prisão eu respeito,
quando rendo-me à paixão...
Qualquer castigo eu aceito,
se a cela é o teu coração!
–FRANCISCO MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


A desgraça no mais forte
mais robustece a esperança;
nunca descreias da sorte;
quem espera sempre alcança.
–SOARES BULCÃO/CE–

Uma Trova Premiada


2010 - Ribeirão Preto/SP
Tema - VIAGEM - M/H


De viagem, vem o vento
e beija a flor quando passa...
É um amor só de momento
como tantos que há na praça.
–MARINA BRUNA/SP–

Simplesmente Poesia

Feridas
–ELISA ALDERANI/SP–


Abri a gaveta das lembranças
Tirei tudo o que dentro estava.
Fechei todas as portas e janelas,
Não queria que elas saíssem por ai,
Para espalhar minha historia.
O mundo está cheio
De palavras inúteis.
Não enobrecem a vida.
Preciso agora descobrir
Os segredos da alma:
Curar, ungir, suturar feridas...
Sutis, apodrecidas.
Dobras doentes
Procurando refrigério,
Procurando alento,
Na simples caricia
Do toque do vento...
Depois, com carinho, guardo-as novamente,
Na última gaveta da minha mente.

Estrofe do Dia

Morre a noite, nasce a aurora
com seu brilho radiante
e nesse preciso instante
em que as trevas vão embora
surge no céu, sem demora,
para cumprir seu afã,
com sua mão tecelã,
o Sol, rendeiro celeste,
e, com véu dourado, veste
os seios nus da manhã!
–JURACI SIQUEIRA/PA–

Soneto do Dia

Inspiração.
–THALMA TAVARES/SP–


Encantada senhora de meus passos
que em tudo pões a flor da poesia,
que me acorrentas em teus meigos braços
quando te fazes minha estrela guia.

Teu servo sou, sem peias nem cansaços,
- escravo desse fogo que alumia
meu dia, minha noite, meus espaços
num misto de prazer e de agonia.

Não te peço alforria. Em minha senda
a tua luz uma outra luz desvenda
e põe um facho em minha escuridão.

És fenômeno antigo e sempre raro.
Não vale a vida sem o teu amparo
nem vale o verso sem o teu clarão.

sexta-feira, 30 de março de 2012

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 510)


Uma Trova de Ademar

Nos arquivos da memória
guardei minha juventude;
quis reviver minha história...
Deu uma pane, não pude!
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


Tenho, por certo, em verdade,
bem vivo e, embora, poungente,
que a mais pungente saudade
é aquela de alguém. . . presente!
–MAURÍCIO N. FRIEDRICH/PR–

Uma Trova Potiguar


Se todos fossem honestos,
ninguém veria, na praça,
mendigos comendo restos
do pão que a miséria amassa!
–CLARINDO BATISTA/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


No portão, os namorados,
são como os barcos no cais:
pelos beijos amarrados,
querem ir...e ficam mais...
–CLEONICE RAINHO/MG–

Uma Trova Premiada


2011 - CTS-Caicó/RN
Tema - PEGADA - 7º Lugar


Ela chega e me incendeia,
mas é ventura fugaz,
como pegadas na areia
que a onda vem e desfaz.
–JOÃO COSTA/RJ–

Simplesmente Poesia

Cidade Grande.
–WELTON MELO/PE–


Cidade grande de ilusões e sonhos
cheguei em busca de oportunidade
mas vi que aqui a desigualdade
é um fantasma que se faz presente.
Em cada esquina ver-se uma criança
cheirando cola sem ter esperança
sentindo a falta de uma mãe ausente,
cidade grande, quanta e quanta gente
abandonou o seu torrão natal
e veio em busca de melhores dias
no colo duro desta capital.
Mas no tumulto da grande cidade
seu sonho veio a morrer prematuro
e estando em meio a desigualdade
viu que a paz e que a felicidade
estão distantes deste solo impuro.

Estrofe do Dia

Amor è um carpinteiro
que ri com ar de matreiro,
cerrando forte e ligeiro
na tenda do coração..
Põe pregos de resistência,
ferrolhos na consciência,
tranca as portas da razão.
–ADELAIDE DE CASTRO ALVES/BA–

Soneto do Dia

E n l e v o.
–DOROTHY JANSSON MORETI/SP–


Às vezes, quando a insônia bate à porta,
envolvo a mente em requintados véus,
e nela deixo apenas o que importa
para elevar meu pensamento aos céus.

Afasto a lógica indistinta e torta
que quer ligar-me ao jugo dos incréus,
e imersa na Poesia, que conforta,
de olhos cerrados “vejo” os meus troféus.

Cada um deles revela , em minha história,
o momento fugaz de alguma glória
que conquistei ao dom que Deus me deu.

A insônia vai fugindo lentamente...
E em canção de ninar macia e quente,
me entrego inteira aos braços... de Morfeu

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 509)

Aniversário do Poeta Zé Lucas em Março

Uma Trova de Ademar

Qual um Profeta eficaz,
digo, por querer-te bem:
Tu vais viver muito mais
que viveu Matusalém...
ADEMAR MACEDO/RN– (Para Zé Lucas)

Uma Trova Nacional


Zé Lucas não viveria
em alegria completa,
sem o sertão e a poesia
dando mais vida ao poeta.
–WANDIRA FAGUNDES QUEIROZ/PR–

Uma Trova Potiguar


Contra o ente que fingisse
nutrir por nós, amizade,
bom seria que existisse
detector de falsidade.
–PEDRO GRILO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


Chega a noite... Fecho as portas,
nosso amor cresce, querida,
e a calma das horas mortas
nos abre as portas da vida!...
–ALOÍSIO ALVES DA COSTA/CE–

Uma Trova Premiada


2009 - Niterói/RJ
Tema - PRÊMIO - Venc.


Meu prêmio dentro da vida
foi fazer, na minha história,
de toda ilusão perdida
sempre mais uma vitória!...
–LARISSA LORETTI/RJ–

Simplesmente Poesia

Poemeto...
–HUGO ARAUJO/PE–


se a vida é uma pintura
o meu quadro é de revolta
pois dei várias pinceladas
numa natureza morta

... mas depois analisei
quão errado eu estou
a tinta da nossa vida
foi jesus que fabricou

aproveite então e pinte
colorindo uma tela
agradecendo ao divino
e pintando uma aquarela

Estrofe do Dia

Com a inspiração que navega
nas ondas da sua mente,
Zé Lucas sempre carrega
um mar de versos pra gente;
e quem ler sua poesia
sente uma doce magia
que só o seu verso traz;
e com rimas sempre novas,
ninguém no mundo faz trovas
como as Trovas que Ele faz!...
–ADEMAR MACEDO/RN– (Para Zé Lucas)

Soneto do Dia

José Lucas de Barros...
–DELCY CANALLES/RS–


Doze de março. Como eu gostaria
de poder abraçar-te, meu amigo,
de chegar em Natal, bem no teu dia!
Mas é sonho! Em verdade, não consigo!

E, com teus acadêmicos, queria
junto com Rose e, também, contigo,
poder falar de trova e de poesia
e deste afeto que trago comigo!

Aqui, no Sul, rodeada de coxilhas,
lembrarei nossa troca de sextilhas
e de trovas nascidas da afeição!

Tu sabes que eu te estimo de verdade,
que existe, entre nós, tanta amizade,
que não há mais distâncias, meu irmão!

J. G. de Araújo Jorge (Verão, Compromisso com a Felicidade)


Uma vez um amigo meu estranhou que “chovesse tanto” em minha poesia. A chuva -disse-me ele - é uma constante em vários poemas, e em todos os seus livros. Curioso com a observação passei os olhos por minha obra. Mas se constatei, realmente, que escrevi muitos poemas sugeridos pelos dias de chuva, nem por isso, homem que sou dos trópicos, escapei às influencias poderosas do sol, do verão.

Confesso até meu “estranho remorso” num poema de “Eterno Motivo”:

“Às vezes, quando escrevo feliz uma poesia,
me assalta um estranho remorso, incompreensível,
que não sei de onde vem:
Quem sabe? Pode ser que esse meu canto de alegria
faça mal a alguém...
meu irmão triste, meu irmão doente,
perdoem-me a cantiga frívola e contente,
que me fugiu dos lábios na manhã alvissareira
de verão...
Ela brotou sem querer na minha felicidade!
É que eu trago uma cigarra cantadeira
e imprudente/ dentro do coração!”.

Um dos sonetos meus mais difundidos é justamente aquele “Bom dia Amigo Sol!” que está no mesmo livro. Lembram-se?

Bom dia amigo Sol! A casa é tua!
As bandas da janela abre e escancara!
Deixa que entre a manhã sonora e clara
que anda lá fora alegre pela rua!

Entra! Vem surpreende-la quase nua,
doura-lhe as formas de beleza rara,
na intimidade que a deixei, repara
que a sua carne é branca como a lua!

Bom dia, amigo Sol! É esse o meu ninho...
Que não repares no seu desalinho
nem no ar, cheio de sombras, de cansaços...

Entra! Só tu possuis esse direito
de surpreende-la, quente dos meus braços,
no aconchego feliz do nosso leito...

Ainda no mesmo livro, além do “Desejos na Manhã de Sol”, há uma verdadeira declaração de amor à manhã, vale dizer ao dia, ao sol: “A manhã é a minha namorada.” “Ela entrou no meu quarto trêfega e contente/ e com seus dedos de sol tocou nos vidros e metais/ mexeu em tudo que viu/ e espiou para os lençóis da minha cama desfeita.../ Depois, fugiu.../ Lá se foi pelo caminho com as mãos cheias de pássaros/ levada pela aragem numa doida correria,/ rasgando seu vestido/ de galho em galho.../ e as contas do seu colar espatifando-se no espaço/ eram gotas de orvalho...”/.

Sim, mas terei de confessar que a noite é a minha companheira, e com ela as madrugadas. Sou um nostálgico do silêncio das sombras. A luz grita, o sol atordoa. O verão é um desafio constante. Parece jogar-nos na cara todos os instantes: “Vê se consegues ser claramente feliz como eu!”

Um dia de verão é um compromisso com a felicidade. E ai dos que não podem sintonizar o coração com a harmonia e a luminosidade do mundo ao redor. São esmagados. Por isso escrevi aquele “Manhã para se Ser Feliz” que está em “Espera”.

Esta é uma manhã para se ser feliz
em algum lugar, de algum modo
- é uma manhã para se ser feliz...

Esta é uma manhã para dois, para dois juntos
abraçados e tontos num remoinho,
não como nós, eu aqui, diante do sol, das árvores, de tudo
envergonhado porque estou sozinho...

Esta é uma manhã que me fala de ti
na transparência do ar,
neste azul do céu, imaculado,
na beleza das coisas tocadas de sonho
e imaterialidade...

Uma manhã de festa
para se ser feliz de verdade!
Esta é uma manhã
para te ter ao meu lado...
Quando Deus fez uma manhã como esta
estava com certeza apaixonado!”

E eis a razão das fugas constantes para os dias de chuva, dias que parecem feitos para a solidão; quando mesmo sozinho, não sabe tão funda a tristeza. Ficou-me na alma e no ouvido, além do mais, aquele rumor da chuva nos telhados de zinco da minha infância, no Acre. Daí, entre tantos, aquele poema em forma de oração, do “Cantiga do Só”:

Irmã chuva, com teu manto cor de cinza
teus olhos embaciados
teus gestos mansos,
solidária com as nossas fadigas
que acaricias nosso tédio com teus dedos molhados
e embalas nosso coração sussurrando baixinho doces cantigas...

Irmã chuva, que sempre vens quando ficamos doentes
de sol
ou de alegrias,
exaustos de verão e de calor,
e que, com teus gestos suaves e compressas frias
acalmas nossa fronte ardente
e adormeces nosso amor...

Irmã chuva... Que bom teres chegado assim, tão calma...
Pareces que adivinhas a aflição da minha alma...
Ainda bem, que mansamente
E inesperadamente,
Vieste me ver...

Irmã chuva, que aconchegas o coração da gente,
para a gente adormecer…

Fonte:
JG de Araujo Jorge. "No Mundo da Poesia " Edição do Autor -1969

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 508)

Lual em João Pessoa/PB

Uma Trova de Ademar

Almoço e janto poesia.
E, neste meu universo,
mastigo um pão todo dia
amanteigado de verso!
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


Partes, levando a metade
da metade que eu já sou,
deixando inteira a saudade
na metade que restou...
–DIVENEI BOSELI/SP–

Uma Trova Potiguar


Pelas manhãs vou buscando
minha esperança perdida.
Há sempre um sonho vagando
nas alvoradas da vida!
–PROF. GARCIA/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


A mulher sempre é mais pura,
mais bonita e mais completa,
quando a ponho na moldura
dos meus olhos de poeta.
–ORLANDO BRITO/MA–

Uma Trova Premiada


2009 - Nova Friburgo/RJ
Tema - SAUDADE - M/H


Partiu, deixando o seu traço
no meu caminho dos sós…
- A saudade é esse espaço
que existe sempre entre nós.
JOSÉ VALDEZ C. MOURA/SP–

Simplesmente Poesia

As Duas Flores
–CASTRO ALVES/BA–


São duas flores unidas
são duas rosas nascidas
talvez do mesmo arrebol,
vivendo, no mesmo galho,
da mesma gota de orvalho,
do mesmo raio de sol.

Unidas, bem como as penas
das duas asas pequenas
de um passarinho do céu..
como um casal de rolinhas,
como a tribo de andorinhas
da tarde no frouxo véu.

Unidas, bem como os prantos,
que em parelha descem tantos
das profundezas do olhar...
como o suspiro e o desgosto,
como as covinhas do rosto,
como as estrelas do mar.

Unidas... Ai quem pudera
numa eterna primavera
viver, qual vive esta flor.
juntar as rosas da vida
na rama verde e florida,
na verde rama do amor!

Estrofe do Dia

Se você é pessimista
orgulhoso e prepotente,
aprenda a vergar a alma
se quiser viver contente;
ouça a paz que lhe convida,
toda reforma da vida
começa dentro da gente.
–GERALDO AMANCIO/CE–

Soneto do Dia

Amigo! Um irmão que a gente escolhe...
FRANCISCO NEVES MACEDO


Fazer escolhas, nesta minha vida,
é o dia a dia que se faz dever,
e quando eu erro vem todo um sofrer,
mas, se a escolha é banal, fica esquecida.

Um carro, um disco, um anel, uma bebida,
uma mulher, um livro para ler,
a nossa fé, time para torcer,
uma viagem, um som, uma comida.

Fiz tantas vezes essa escolha errada,
usei o livre-arbítrio para nada!
mas, quem está na chuva, que se molhe...

Há uma escolha que é definitiva,
e eu me baseio nesta afirmativa:
Amigo é aquele irmão que agente escolhe.

José Feldman (Até Mais, meu Irmão) - Dedicado a Chico Macedo

quinta-feira, 29 de março de 2012

Trova Triste - Francisco Neves de Macedo (RN)

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 507)


Uma Trova de Ademar

Tem homem com maus intentos,
que, por maldade ou desdém,
às vezes, gasta quinhentos
para o outro não ganhar cem...
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


Se a vida é a maior graça,
que do bom Deus recebemos,
ergamos a nossa taça
enquanto vida nós temos.
–ZÉ REINALDO/AL–

Uma Trova Potiguar


Meu olhar ficou defronte,
ao seu olhar, de repente...
E este encontro se fez ponte
entre os corações da gente.
–FRANCISCO MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


Faço versos se estou triste,
faço versos de alegria,
a minha alma não resiste
aos apelos da poesia.
–CORA LAYDNER/RS–

Uma Trova Premiada


2004 - Nova Friburgo/RN
Tema - REFÚGIO - 1º Lugar


Baú velho, tampo torto,
Cartas e fotos mofando...
- refúgio de um sonho morto
Que eu vivo ressuscitando!...
–JOSÉ OUVERNEY/SP–

Simplesmente Poesia

Libertação
–DOMITILLA BORGES BELTRAME/SP–


Cortei as amarras,
soltei o meu barco,
tracei nova rota...
Disse adeus ao velho cais,
e, qual errante arrais
navego outros mares...
Quero ancorar em ignoradas margens,
desbravar uma diferente terra,
encontrar novas paisagens,
descobrir o segredo do outro lado da serra...
Correr leve e solta
pelas brancas areias de novo sonho
já não mais tristonho,
e, quem sabe, olhos nos olhos,
mãos nas mãos,
viver um amor inesperado,
entregar os beijos que não dei
escrever os versos que guardei!...

Estrofe do Dia

Minha vida tem sido uma peleja,
quando venço um problema outro aparece,
quando alguém me ajuda outro me esquece,
toda mão que eu encontro me apedreja;
procurei um vigário na igreja
disse: padre eu só vim me confessar,
disse o padre você tem que pagar
uma conta que deve a natureza;
minha vida é um filme de tristeza
que eu deixei de assistir pra não chorar.
–BIU SALVINO/PB–

Soneto do Dia

O Ideal
–LUIZ OTÁVIO/RJ–


Esculpe com primor, em pedra rara,
o teu sonho ideal de puro artista !
Escolhe, com cuidado, de carrara
um mármore que aos séculos resista !

Trabalha com fervor, de forma avara !
Que sejas no teu sonho um grande egoísta !
Sofre e luta com fé, pois ela ampara
a tua alma, o teu corpo em tal conquista !

Mas, quando vires, tonto e deslumbrado,
que teu labor esplêndido e risonho
ficará dentro em breve terminado,

pede a Deus que destrua esse teu sonho,
pois nada é tão vazio e tão medonho
como um velho ideal já conquistado ! ...