sexta-feira, 10 de junho de 2016

Elen de Medeiros (Nelson Rodrigues e as Tragédias Cariocas: A Estética do Trágico Moderno) 5a. Parte, final

www.veja.abril.com.br

Já em A serpente, encontramos apenas elementos trágicos, tanto no sentido acadêmico quando no senso comum. Aqui é um exemplo prático de que o segundo constitui o primeiro, pois a peça é repleta de situações trágicas, o que vai confluir na fundamentação de uma tragédia. O clima é de tensão do início ao fim da peça, causando até um certo desconforto e mal estar em quem a lê. Já de início, Décio e Lígia discutem, enquanto Décio arruma as malas para ir embora:

(É a separação. Décio está fechando a mala. Fecha, levanta-se e vira-se para Lígia, a mulher, que olha com maligna curiosidade.)
DÉCIO – Pronto.
LÍGIA – Você não vai falar com papai?
DÉCIO – Pra que falar com teu pai? Não falei com a principal interessada, que é você? Perde as ilusões sobre teu pai. Teu pai é uma múmia, com todos os achaques das múmias.
LÍGIA – Então por que você não desaparece? Pode deixar que eu mesma falo. Como é suja a nossa conversa.
DÉCIO – Não me provoque, Lígia!
LÍGIA – Acho gozadíssima sua insolência. Não se esqueça que nós estamos casados há um ano e que você.
DÉCIO – Para!
LÍGIA – Me procurou só três vezes. Ou não é?
DÉCIO – Continua e espera o resto.
LÍGIA – Três vezes você tentou o ato, o famoso ato. Sem conseguir, ou minto?
(Décio avança para a mulher. Segura Lígia pelo pulso.) (Idem, ibidem:57)

Esse é o clima no qual transcorrerá toda a ação da peça, com brigas, discussões. Como toda a peça é composta assim, logo a sua estrutura é também de uma tragédia. Dialeticamente, ela é composta pela esfera do “inter”, pois toda a ação é decorrente das vontades das personagens: tanto de Lígia quanto de Guida e de Paulo. Inclusive o fim trágico, quando Paulo mata sua esposa Guida por causa do seu ciúme doentio, jogando-a do alto do prédio onde moram, era uma vontade iminente de Paulo e Lígia. A peça se desenvolve toda no presente, pois desde o início da ação até o seu final é tudo o que precisamos para compreendê-la e ela se forma. Apesar desta peça ser a que mais deixa a desejar, tanto na questão estética quanto temática, ela não escapa do seu lado moderno. Algumas vezes percebem-se cenas forçadas, diálogos simples numa temática que exige mais recursos do autor. Em relação à esfera do “inter”, ela não é pura como no teatro expressionista, apenas podemos nos remeter às vontades intrínsecas das três personagens que movem a ação da peça: Guida deseja Paulo, que deseja Lígia, que deseja Paulo. Como uma quadrilha, os desejos recíprocos de cada um são responsáveis pelas atitudes deles, e, consequentemente, conduzem a trama da peça. O diálogo também não tem sua constituição pura, pois há momentos em que as personagens vêm à boca da cena para um aparte monologado.

(Lígia cai de joelhos. Guida vai fazer sua ária.)
GUIDA – Você foi sempre tudo para mim. Um dia, eu te disse: – “Vamos morrer juntas?” E você respondeu: – “Quero morrer contigo”. Saímos para morrer. De repente eu disse: – “Vamos esperar ainda”. E eu preferia que todos morressem. Meu pai, minha mãe, menos você. E se você morresse, eu também morreria. Mas tive medo, quando você se apaixonou e eu me apaixonei.(Idem, ibidem:61)

Quanto ao tempo, ele sim é absoluto. Linearmente narrada, a peça transcorre unicamente no tempo presente, sem recursos adicionais ou inovadores.
 
Por fim, Toda nudez será castigada, encenada em 1965, foi chamada, por Nelson, de obsessão. Talvez, ao lado de A falecida e Beijo no asfalto, essa seja a peça mais bem estruturada e desenvolvida do dramaturgo. Nessa peça, o herói – Herculano – é casado com uma prostituta, Geni.

Considerando-se que toda a narrativa acontece em flashback, contada por Geni a partir de uma fita cassete gravada, poder-se-ia dizer, num primeiro momento, que tal peça não pertence à gama dos dramas modernos, tal qual descrito por Peter Szondi. Porém, se formos atentar mais detalhadamente em sua estrutura, verifica-se que todo o passado narrado torna-se presente a partir da reconstituição em cena dos acontecimentos descritos pela prostituta. Ou seja, sob uma estrutura dialética interna do texto, os fatos transcorrem coerentemente num tempo presente, pois se tornam conhecidos naquele momento em que são representados em cena. Sendo assim, o terceiro elemento necessário à constituição do drama está presente nesta tragédia. Ao segundo, o diálogo, creio que não seja necessário me ater muito, visto que todas as Tragédias Cariocas de Nelson são construídas a partir do diálogo das personagens, e essa não foge à regra. Além disso, são diálogos criativos e dinâmicos, conforme já foi explicitado antes. Sendo assim, restaria verificar o primeiro elemento do drama, que é a ação intersubjetiva. Vejamos bem: toda a narrativa parte da voz de Geni. Então, tudo o que acontece é sob a ótica de Geni, na perspectiva dela, representando o que ela sofre e o que ela pensa. Assim, as ações da peça são desenvolvidas em uma esfera interna, própria da personagem, ou como preferiu chamar Szondi, de esfera do “inter”.

Mas é esta tragédia uma peça moderna? Evidentemente. Nelson foi, literariamente, moderno. Principalmente no que concerne à estrutura, falando-se de dramaturgia. Vários são os exemplos da sua modernidade, desde os elementos dos sentimentos trágicos até o isolamento do herói e a condução da ação trágica por meio do herói.

Em vários momentos da peça a ação é levada à tensão máxima, provocando um sentimento trágico recorrente no desenvolvimento. Já no início, as tias estão pesarosas com a sanidade de Herculano. Devido ao falecimento de sua esposa, as tias têm medo de que ele se mate, pois está em estado de choque e depressão. Um dos momentos mais trágicos da peça é quando uma das tias revela a Herculano o estupro de seu filho na cadeia:

TIA (contida mas tiritando) – Estou dizendo coisa com coisa. Serginho bebeu e brigou.
HERCULANO – Mas está vivo? Está vivo?
TIA – Prenderam o menino. Botaram o menino no xadrez junto com o ladrão boliviano. O outro era muito mais forte. (Exaltando-se) E, então (tem um verdadeiro acesso), o resto não digo! Vocês não vão saber! (Recua diante de Geni) – Essa mulher não vai ouvir de mim, nem mais uma palavra.
HERCULANO – Mas está vivo?
TIA (incoerente, cara a cara com o sobrinho) – Teu filho foi violado! Violado! Não é isso o que você queria saber? (Vai até Geni e repete para Geni) Violado! Violaram o menino!
HERCULANO (soluçando) – Não! Não!
TIA (mudando de tom. Um lamento quase doce) – O menino serviu de mulher para o ladrão boliviano! Gritou e foi violado! O guarda viu, mas não fez nada. O guarda viu. Os outros presos viram.(Idem, ibidem:208)

Podemos perceber que as ações giram em torno das personagens e do que elas sentem e sofrem. E uma das marcas do moderno é justamente a ação se centrar na necessidade individual do herói. Assim vemos em Toda nudez será castigada a necessidade de Herculano em liberar-se de um enquadramento sexual determinado pela instituição do casamento; ou então, a necessidade de Geni de satisfazer-se, não somente com Herculano, mas com Serginho. O desejo de Serginho de vingar-se do pai o transforma em amante da madrasta. Logo, vemos que as ações são conduzidas pelas vontades das personagens, assim como nas outras peças aqui analisadas também o são. No caso de Toda nudez, principalmente pela necessidade de Patrício se vingar de Herculano.

Nelson Rodrigues, ao extrapolar alguns conceitos do trágico – e até mesmo do moderno –, fundou o que eu prefiro chamar de trágico rodrigueano. O dramaturgo conseguiu, ao menos no ciclo das Tragédias Cariocas, mesclar objetos do trágico antigo e do moderno, mas, não satisfeito, foi buscar recursos de outros gêneros dramáticos para embasar o seu próprio estilo, trágico, tragicômico, melodramático. E, ironicamente, é esse misto de gêneros que o faz grande, complexo e, contraditoriamente, unânime.

 3. Referências bibliográficas
NIETZSCHE, Friedrich. O nascimento da tragédia. Tradução e notas de J. Guinsburg. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
RODRIGUES, Nelson. O reacionário: memórias e confissões. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
______. Teatro completo de Nelson Rodrigues. vol. 3. 6. reimpressão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
______. Teatro completo de Nelson Rodrigues. vol. 4. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.
ROSENFELD, Anatol. Introdução. In: Schiller. Teoria da tragédia. São Paulo: EPU, 1991.
SALOMÃO, Irã. Nelson, feminino e masculino. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2000.
SCHILLER, Friedrich. Teoria da tragédia. São Paulo: EPU, 1991.
WILLIAMS, Raymond. Trágico moderno. São Paulo: Cosac & Naify, 2002.


Fonte:
Literatura : caminhos e descaminhos em perspectiva / organizadores Enivalda Nunes Freitas e Souza, Eduardo José Tollendal, Luiz Carlos Travaglia. - Uberlândia, EDUFU, 2006. ©Instituto de Letras e Linguística da Universidade Federal de Uberlândia e autores

quinta-feira, 9 de junho de 2016

Carlos Lúcio Gontijo (Sentimento do mundo)


Não deis aos cães as coisas santas, nem deiteis aos porcos as vossas pérolas... Há muito se ouve essa frase de Hamlet, príncipe da Dinamarca, de William Shakespeare, que parafraseou ensinamento de Jesus Cristo: “Não lanceis pérolas aos porcos”. E que, mais modernamente, está em música cantada pela banda Titãs: Só quero saber/ Do que pode dar certo/ Não tenho tempo a perder.

Os ditados e filosofias vão sofrendo mudanças de linguagem, mas a essência é alicerce permanente e, no caso em pauta, nos sugere que nosso tempo de vida terrestre é breve e que não devemos desperdiçá-lo com questões imutáveis, como canta Chico Buarque na música À flor da pele: “O que não tem conserto nem nunca terá.../ O que não tem governo nem nunca terá/ O que não tem vergonha nem nunca terá/ O que não tem juízo”.

Nunca foi tão difícil editar livros e dar-lhes a eficiente circulação, contudo os autores que têm literatura e poesia no sangue e as abraçam como o próprio ar que respiram não encontram outra saída que não seja enfrentar os custos gráficos, a indiferença, falta de gosto pela leitura da população e a inexistência de incentivo oficial à propagação da leitura como fator fundamental para a elevação da qualidade educacional, que não tem como ser ampliada sem a moldura da cultura dando sentido prático, emocional e, ao mesmo tempo, sensibilizando os alunos de todos os níveis de ensino, do ensino fundamental aos cursos universitários.

Ir aonde o leitor está e evitar a perda de esforço, além de possíveis decepções, é a meta de todo autor independente, mas como alcançar essa busca, se os leitores estão dispersados de maneira tão rarefeita Brasil afora: temos gente com diploma de curso superior que nada lê, enquanto pessoas de pouco estudo adoram livros; assistimos a gente de alto poder aquisitivo que não passa nem perto de livro, ao passo que trabalhador assalariado faz todo sacrifício para ter acesso à literatura e à poesia. 

Dessa forma, pelo menos no caso da atividade de escriba (maior ou menor) não há como ele evitar a possibilidade de, uma vez ou outra, passar sua obra literária a mãos ignaras que não darão o menor valor ao empenho intelectual e ao dispêndio financeiro carreados na trabalhosa materialização de produto cultural gráfico, seja ele um livro, uma revista ou até um jornal. Entretanto, são os ossos do ofício e, a bem da verdade, tais dificuldades é que garantem aos poetas e escritores carregarem no peito o "Sentimento do mundo", terceira obra poética de Carlos Drummond de Andrade, na qual o poeta nos revela sua limitação e impotência perante este mundão de meu Deus, onde as supostas certezas se perdem no caudaloso mar do contraditório em que banham os seres humanos: "Tenho apenas duas mãos/ e o sentimento do mundo". 

Por outro lado, “Sentimento do mundo" pode ser entendido também como um poema sobre o próprio fazer literário ("minhas lembranças escorrem"), onde os poemas ("escravos") surgem como armas ("havia uma guerra/ e era necessário/ trazer fogo e alimento"). É nesse digladiar contra a realidade perversa e injusta que os poetas e escritores vão enchendo-se de sentimento do "sentimento do mundo", que dão origem a uma visão pessimista tão magnificamente grafada pelos versos de Drummond, clareando-nos a mente, metaforicamente, com um amanhecer "mais noite que a noite".

Engana-se, porém, quem imagina que o poeta maior deixou algum dia o pessimismo lhe sufocar as luzes de esperança que povoam toda escuridão. Foi ele quem um dia, recebendo o meu primeiro livro, cometeu o humano sentimento de mundo, ao me ungir com a possibilidade de algum horizonte em meio às pedras do caminho: ”Rio de Janeiro, 15 de junho de 1977. Prezado Carlos Lúcio Gontijo: Ventre do Mundo está aqui sobre a mesa, com a sua carta informativa e simpática. Obrigado pela lembrança gentil. Um livro de poemas e aforismos que se esgota em quinze dias é sinal de que o seu autor soube dar o recado. E você o fez numa forma gráfica elegante e nova. Deve estar contente. Parabéns, e vá em frente, xará. O abraço e a simpatia cordial de Carlos Drummond de Andrade”.

Fontes:
Colaboração do autor
Imagem do Livro = www.carlosluciogontijo.jor.br

Elen de Medeiros (Nelson Rodrigues e as Tragédias Cariocas: A Estética do Trágico Moderno) 4a. Parte



Já Boca de Ouro, escrita em 1959 e encenada em 1961, é caracterizada como tragédia carioca.  Dentre as oito peças que compõem o ciclo das Tragédias Cariocas, somente esta e Beijo no asfalto (escrita e encenada em 1961) são denominadas assim. Tanto uma como a outra são peças que não possuem elementos nem do farsesco, nem da comédia. São, enfim, coerentes com o intento de Nelson quando da denominação de tragédia. E, mais do que nunca, são cariocas, representadas tendo como pano de fundo o cenário carioca, em geral, suburbano.

A respeito da primeira, Boca de Ouro, podem ser encontrados alguns elementos evidenciados tanto por Schiller quanto por Williams. Se Schiller diz que para um fim moral a tragédia não pode apresentar um herói virtuoso, assim, então, identificamos os heróis rodrigueanos: por mais heróis que eles sejam, nunca são virtuosos, mas, ao contrário, sempre carregados de falhas e fracassos. Justamente por isso eles são representantes da sociedade. Boca de Ouro é o herói da peça, nada virtuoso, ao contrário, tido por um cafajeste sem caráter, inescrupuloso, que mata sem piedade. Mesmo na segunda versão da história, em que D. Guigui diminui a cafajestagem do ex-amante, ele aparece como um homem malandro, sem muitos elogios. D. Guigui também não aparece como uma mulher virtuosa em si, apenas como uma mulher suburbana normal, carregada de desejos e anseios, que muda de versão da história a cada impacto emocional provocado por alguma notícia.

Mas antes de tudo, devo ater-me aos elementos que constituem o moderno dentro do trágico rodrigueano. Em Boca de Ouro, a heroína (D. Guigui) é quem vai conduzir a ação trágica. Ela é a responsável pelas três versões dos fatos a respeito de Boca de Ouro, pois toda a narrativa provém de suas emoções. Assim, tudo o que acontece está de acordo com o que Szondi chamou de esfera do “inter”: dentro da psicologia da própria personagem e coerente com sua estética interna. Cada detalhe do texto não é escrito em vão, mas como parte integrante do todo trágico, que por sua vez é coerente com a intenção do autor em escrever uma tragédia carioca.

Porém, em Beijo no asfalto, as coisas transcorrem diferentemente. Os fatos não vão acontecer somente na psicologia de um herói, mas se centram no isolamento de Arandir, devido ao seu sofrimento, necessário enquanto consequência de um erro moral – que não foi necessariamente dele, mas que se tornou dele por imposição da mídia. Erro moral porque, na sociedade retratada na peça e na qual Arandir está inserido, beijar outro homem na boca é proibido, um crime contra a moralidade. No entanto, Arandir baseia-se no princípio da bondade, pouco se importando com o que é considerado certo ou errado na sociedade. E é aí que se encontra o seu maior erro, maior mesmo do que ter beijado outro homem: ter ignorado as regras impostas pela sociedade.

Não são muitas as cenas trágicas que evidenciam sofrimentos pessoais em Boca de Ouro. Elas são mais evidentes em Beijo no asfalto, pois Arandir carrega seu fardo por ter beijado outro homem na boca. E não somente ele sofre, mas também sua esposa Selminha, que, violentamente interrogada pelo delegado Cunha e pelo repórter Amado Ribeiro, exalta-se e revela estar grávida, numa tentativa de provar a masculinidade do marido. Então, como forma de amedrontá-la, Amado manda que ela fique nua. Um outro exemplo é o desfecho trágico, na última cena, quando Aprígio revela-se apaixonado por Arandir e, em seguida, mata o genro com dois tiros. Ainda que este final carregue um fundo apelativo, voltado ao melodramático, isso não diminui a qualidade estética da peça, muito menos a reação catártica do público.         

A morte de Arandir pode ser vista por dois ângulos que se convergem: o primeiro, a questão do sofrimento do herói enquanto fator de emoção do público, conforme explicado por Schiller. Arandir é o herói virtuoso que sofre impiedosas injustiças e que, consequentemente, comove o espectador/leitor com sua morte. Segundo, porque esse aniquilamento pode ser visto também como a destruição do herói expressionista, que está fadado ao sofrimento e total anulação.

Otto Lara Resende ou Bonitinha, mas ordinária e A serpente formam, juntas, o pequeno conjunto de peça. A primeira, encenada em 1962, é chamada de peça em três atos. Já a outra, escrita em 1978 e encenada somente em 1980, é chamada de peça em um ato (a única peça de Nelson escrita concisamente em um ato). Bonitinha é uma peça que perpassa do cômico grotesco à mais alta tensão trágica em poucas cenas, passando ainda pelas características da comédia de costumes, sem, no entanto, dominar as características de um só gênero. Logo no início da peça, apresenta-se uma atmosfera etílica, na qual estão Edgard e Peixoto numa conversa que não é propriamente tensa, mas que tende à tensão. Eles discutem a frase do Otto Lara Resende, que percorre toda a peça: “O mineiro só é solidário no câncer”. Segundo a explicação de Edgard, não é apenas o mineiro, mas toda a raça humana que não se solidariza com nada. Então, com a frase do Otto acompanhando-o, ele pode fazer qualquer coisa para ganhar dinheiro. Aqui já está lançado o objeto da peça: conseguir dinheiro a qualquer custo. Incluem-se neste caso Ritinha, Edgard e Peixoto, que precisam de dinheiro e são capazes de tudo para conseguir. Já na cena seguinte, na casa de Ritinha, ela está brigando com as irmãs, reclamando que elas não fazem a higiene pessoal corretamente e, numa atitude com total falta de poesia – como diria o próprio Nelson -, Ritinha passa a franja da toalha na orelha da irmã, conforme indica a rubrica. E nessa mesma cena, com algumas inclusões grotescas, há uma tensão no final, quando Ritinha briga com a irmã:

(Estupefata, Ritinha avança para Aurora, que recua, com a cara desfigurada pelo ódio e pelo medo.)
RITINHA (arquejando) – Eu me mato por vocês. Faço uma ginástica. Dou aula até altas horas. Qualquer dia, sou assaltada no meio da rua. E você ainda tem a coragem? Dizer que eu flertei! Agora você vai repetir. Eu flertei?
(As duas irmãs, cara a cara.)
AURORA – Flertou!
(Ritinha esbofeteia. Continua batendo.)
RITINHA – Sua descarada!
(Aurora recua circularmente, debaixo de bofetadas.)
AURORA (aos soluços) – Você vai me pagar! Juro! Você vai ver, Ritinha! Quero que Deus me cegue se. Você vai ver! (RODRIGUES, 1990:254-5)

Nessa cena, há uma rápida transposição do grotesco ao trágico. É evidente que, desde o início da peça, há uma tensão que, se continuada, pode levar a alguma ação trágica. No entanto, provavelmente para quebrar a tensão e provocar o riso, Nelson inseriu numa cena bem cotidiana um fato grotesco, grosseiro, que é Ritinha limpar a orelha da irmã com a ponta da toalha.

Logo adiante, há o que podemos chamar de uma das características da comédia de costumes: o retrato da diferença social existente e o estudo do caráter no ser humano. Edgard, jovem suburbano, aceita se casar com Maria Cecília por causa do dinheiro dela. Então, ele vai até a casa de Werneck para conversar sobre o casamento.

(Passagem de cena. Sala do Dr. Werneck. Ele, exuberante, barrigudo, está enchendo um copo. Presentes também o Dr. Peixoto e a esposa do velho, D. Lígia. Edgard aparece por fim. Senta-se.)
WERNECK (para Edgard) – Você já sabe de tudo?
EDGARD (que ia começar) – De fato.
PEIXOTO (interrompendo) – Contei o caso, por alto.
WERNECK – Bem. Portanto, você sabe que a moça. A moça que sofreu o acidente. Foi um acidente. Assim como um atropelamento, uma trombada. Pois a moça é minha filha. Quer dizer, a filha do seu patrão. Isso é importante. A filha do seu patrão. Entendido?
EDGARD – Sim, senhor.
WERNECK (com uma satisfação brutal) – Gostei da inflexão. Um “sim, senhor” bem, como direi.(Idem, ibidem:266)

Nessa peça, ao contrário das outras desse ciclo rodrigueano, o final não é trágico, não é tenso e não é triste. É, por incrível que pareça, um happy end, bem atípico aos finais de Nelson Rodrigues. Suprimidos os contraventores da peça, Peixoto e Maria Cecília, o final feliz está livre para Ritinha e Edgard, que se libertam de tudo e, numa cena quase cômica para a peça onde está inserida, os dois correm até a praia, onde Ritinha confessa que nunca teve prazer com homem nenhum e que com Edgard será a primeira vez. Porém, por mais contraditório com o estilo rodrigueano que possa ser esse desfecho, encontramos no decorrer da trama personagens que sofrem para manter uma adequação moral, conforme Schiller vê um dos elementos da tragédia. Assim é o caso de Ritinha, que se prostitui para ver as irmãs casadas na igreja, de véu e grinalda.

continua…

Fonte:
Literatura : caminhos e descaminhos em perspectiva / organizadores Enivalda Nunes Freitas e Souza, Eduardo José Tollendal, Luiz Carlos Travaglia. - Uberlândia, EDUFU, 2006. ©Instituto de Letras e Linguística da Universidade Federal de Uberlândia e autores

quarta-feira, 8 de junho de 2016

Belvedere Bruno (Quando as Pessoas Partem)

E as pessoas partem / tão inesperadamente, / sem nenhum sinal.
Fica apenas / o sabor amargo / do não dito,
e a certeza plena / do nunca mais.

Quando uma pessoa se vai, inesperadamente, seja através da morte ou por voltas que a vida dá, muitos se deparam com a consciência gritando em desespero: “Por que não disse o quanto era importante para mim? Por que me foi difícil elogiar aquela gravatinha borboleta que ele usava? Por que não disse a ela o quanto era corajosa por cada mês aparecer com o cabelo de uma cor? Por que nos calamos e omitimos nosso bem querer?”

Sinto muito, mas não faço parte desse time. Sempre fui efusiva, de dizer “te amo” aos que realmente amo, elogiar as qualidades, e até os defeitos pequeninos das pessoas, defeitos esses, que, no fundo, têm seu encanto.

Por isso, quando alguém se vai, sempre estou em paz comigo mesma. Nunca sinto o remorso a corroer minhas entranhas. Fica, e forte, uma saudade boa.

Sempre gostei de exercitar o amor, nas suas mais variadas nuanças.

Lembro-me de um fato ocorrido há muitos anos, quando eu ainda era uma mocinha, cheia de sonhos com finais cinematográficos. Apaixonada por Edson Alvarenga, e não sendo correspondida, tive uma briga feia com ele, prometendo a mim e a todos os amigos que jamais voltaria a olhá-lo. O mundo parecia que havia ruído, tamanha a minha dor! Meus olhos viviam inchados e eu a dizer : - Mil vezes a morte!

Os anos passaram. Numa tarde de verão, caminhando no calçadão da praia, encontrei-o. Fiquei tão feliz que não me contive e abracei-o, falando da minha saudade. Vibrava com o encontro. Havia, ainda, amor dentro de mim, porém diferente, mais amadurecido, sem possessividade Fiquei em estado de graça com a felicidade do amado. Como estava belo, risonho como nos velhos tempos. Havia casado e tinha um casal de filhos, me contou cheio de orgulho. Fiquei absurdamente feliz com a felicidade dele.

Poucos meses depois, soube da partida de Edson, vitimado por uma terrível forma de leucemia, aos vinte e cinco anos.

Fiquei em paz. Na minha concepção, partira com as asas íntegras, pois eu não as havia ferido naquele último e inesquecível encontro na orla.

Fontes:
A Autora
Imagem: http://poetadiogoramalho.blogspot.com

Roberto Tostes (A Marca do Escritor)


Em época de tanta informação e em velocidade cada vez maior, como deixar um sinal pessoal de sua existência, seus textos e de suas palavras na web?

Criar uma assinatura pessoal é fundamental para ser reconhecido e identificar tudo que você produzir em textos, livros, contos, ensaios, entrevistas e outras formas de expressão.

Seja que estilo de escritor você for, deixar a sua marca é fundamental para ter certeza de que seu trabalho possa ser reconhecido e valorizado.

Seguem algumas dicas para criar e consolidar essa identidade digital:

1) Seu nome é sua assinatura, sua identidade, sua palavra-chave

Aquilo que você escolher como assinatura vai ficar associado a você para sempre. Em tempos digitais ter que alterar algo significa recomeçar tudo ou perder um esforço significativo. Nome real ou pseudônimo, faça uma única escolha e não mude mais.

2) Trabalho lento e a longo prazo

A não ser que você tenha muita sorte, seja famoso ou com muitos recursos para investir em sua carreira, sua reputação será resultado de muito esforço. E de muita guerrilha, de insistência, de constância. Para conhecer e ser conhecido, é preciso tempo e esforço. A curto prazo não se consegue nada duradouro.

3) Suas palavras, seu valor

Tudo que você produzir tem sempre por trás uma ideia, uma intenção, um valor. Portanto, saiba o que está produzindo e o porquê. Se acha que sabe pouco, pesquise mais, leia, troque ideias, viva mais experiências. Se está inseguro no que escreveu, espere mais, reescreva.
Só publique o que você tem certeza de ser bom. Não se sinta culpado de largar rascunhos e ideias pelo caminho. Mas se for até o fim e gostar do resultado, lute por isso e divulgue o que você produziu com vontade.

4) Boas opiniões valem muito

Além de desenvolver sua carreira e aprimorar seu texto, é importante se relacionar. Você pode precisar muito dos amigos, leitores, família e até mesmo de estranhos para poder avaliar melhor sua trajetória e sua obra.
Claro que é importante aplicar um filtro, no mundo real ou virtual. Selecione aqueles que dialogam com você de forma crítica e positiva, ajudando a melhorar seu trabalho e indicando caminhos ou soluções.

5) Sua postura, sua verdade

Você é o que escreve, mas também o que lê, o que comenta e divulga. Seja uma frase, texto, foto, vídeo ou texto na web as coisas perduram e você pode se arrepender de alguma atitude impensada.
Como sua própria vida e suas atitudes, seu conteúdo é de sua responsabilidade. Procure sempre um equilíbrio entre vida criativa e pessoal. Tente fazer as duas coisas da melhor forma, escrever e viver.

6) Foco e energia

Dúvidas e imprevistos sempre surgem mas nesta jornada leva vantagem quem sabe o que quer e consegue se manter no trilho. Não devemos depender só da inspiração ou do prazer, por isso achar sua rotina e seu jeito de fazer as coisas ajuda muito.
Concentre o foco naquilo que você realmente quer e vá até o fim. Desvios e imprevistos no seu caminho surgirão mas o pior é adiar escolhas ou não decidir. Siga sua intuição, saiba começar mas também saiba terminar as coisas. Errar e falhar às vezes faz parte do processo.

7) Decisões e persistência

Por mais que você escute e valorize outras opiniões, a decisão final será sempre sua, de alguma forma. Por isso é tão importante acreditar em algo, seguir seu próprio caminho.
Nunca esqueça daqueles ideais e sonhos que ficaram para trás, as referências e influências que definiram e ainda mostram quem você é.
Eles podem ser o melhor apoio nas horas de desespero, desânimo e vazio existencial. Ser fiel a si mesmo é também reconhecer erros, se autocriticar, saber recomeçar e evoluir.

8) Seu nome, seu legado

Quando escrevemos a mão, cada um tem a sua própria letra. Quando você escreve de verdade aquilo que sente, vive, imagina e sonha, produz uma coisa só sua.
Suas palavras são sua memória, sua vida. Elas tem vida própria, emoções, sabor, cheiro e som. Basta que apenas uma pessoa entenda e goste para você ter cumprido sua missão.

Cuide bem de sua marca e escolha bem suas palavras.
Aos poucos, você perceberá que um pouco disso ficará de alguma forma gravado em tudo que você escrever e criar.
Um rastro de mão, dedos, suor e palavras.

Fonte:
http://www.artistasgauchos.com.br/portal/?cid=5143, 22 janeiro 2015.

Olivaldo Júnior (Os Peixinhos do Mar)


Era uma vez um menino que morava pertinho do mar. Seus pais, ribeirinhos, viviam do que o mar oferecia aos que nele colhiam o sustento da casa. A casa, para quem pesca, tem dois lugares. Um deles, é claro, é o mar, que não tem pista, nem pouso, mas decola no peito de quem voa nos barcos, sol a sol, até se pôr... Por tanto ver o pai sair cedinho, aquele menino se pôs a imaginar de onde vinham os peixes, peixinhos do mar. Sabia que eram postos por Deus no verde frio das ondas e trazidos até as redes quentes do pai, dos amigos do pai e do padrinho, para que pudessem viver. Mas, na cabecinha do menino, tão fértil quanto aquele naco de mar à beira deles, um anjinho os desenhava, outro os coloria, Deus os animava e... tchibum! Caíam aos milhares lá do céu, quando ninguém estava olhando!... Claro que nunca tinha visto isso, nem poderia. Dormia cedo, assim como o pai e a mãe, que Deus ajuda quem cedo madruga (e quem sai pra pescar). Um dia, se pudesse aguentar, veria os peixinhos, cada peixe do mar, chover do céu no mar aberto, reluzentes, furta-cores, com escamas inda virgens, sem o sal que encharca a alma e cai dos olhos de quem assiste a essa cena. "Quem te ensinou a nadar? / Quem te ensinou a nadar?"... Dorme, menino, dorme... A vez é sua. Amém, amém, amém.

Fontes:
O Autor
Imagem = http://dar-a-tramela.blogspot.com

Elen de Medeiros (Nelson Rodrigues e as Tragédias Cariocas: A Estética do Trágico Moderno) 3a. Parte

Representada em 1957, Perdoa-me por me traíres foi denominada por Nelson como tragédia de costumes. Para um moderno como Nelson Rodrigues, era de se esperar que houvesse um misto de gêneros em seus textos, o que aqui, mais uma vez, se consolida com a mistura de tragédia e comédia de costumes. Importante observar o conceito de comédia de costumes: “Estudo do comportamento do homem em sociedade, das diferenças de classes, meio e caráter.”(PAVIS, 1999:55) Ora, o estudo que aborda o conceito pode ser encontrado em várias peças de Nelson, mesmo aquelas denominadas como farsas, tragédias, ou tragédias de costumes, pois essa é uma característica evidente na obra do dramaturgo. E essa peça não deixa de ter elementos da farsa, do trágico e também da comédia de costumes, bem como na peça analisada anteriormente.

No início da peça, Glorinha vai a uma casa de meninas com sua amiga Nair. Lá se deparam com duas figuras que compõem o grotesco – elemento da farsa – na tragédia em questão: Pola Negri, um típico “garçom de mulheres”, ou seja, um homossexual, e Madame Luba, dona da casa de meninas. Ambas as personagens são caracterizadas grosseiramente pelo dramaturgo, numa espécie de sátira de determinados elementos sociais. Pola Negri, por exemplo, é descrito da seguinte forma: “Na sua frenética volubilidade, ele não pára. Desgrenha-se, espreguiça-se, boceja, estira as pernas, abre os braços.” (RODRIGUES, 1985:128) Tal observação está em uma rubrica, bem como a descrição de Madame Luba: “Madame Luba é uma senhora gorda, imensa, anda gemendo e arrastando os chinelos. Dá a impressão de um sórdido desmazelo.”(Idem, ibidem:129) Esta última é lituana e carrega consigo um pesado sotaque nas falas.

MADAME LUBA (melíflua) – Como vai, Nair? Como está passando?
(fala com Nair mas não tira os olhos de Glorinha.)
NAIR – Bem. E a senhora?
MADAME LUBA (com violento sotaque) – Eu sempre vou muito bem, nunca ter uma dor de dentes...
NAIR – Trouxe-lhe aqui...
MADAME LUBA – Oh, sim, seu colega de colégio, Glorinha!(Idem, ibidem:129)

Um outro exemplo é a atitude do médico que faz o aborto em Nair. Pago por Madame Luba, mas sem anestesia, o aborto ocorre numa clínica clandestina, onde o médico “aparece, chupando tangerina e expelindo os caroços”(Idem, ibidem:141). Mas além desses elementos grosseiros, que evidenciam o lado cômico desta tragédia, há também os elementos específicos da comédia de costume, ou seja, elementos que demonstram o comportamento do homem dentro de um meio social, evidenciam as diferenças de classes. Como em A falecida havia Pimentel, um homem milionário, que demonstrava a diferença social entre Tuninho e o empresário, em Perdoa-me por me traíres há o deputado, Dr. Jubileu de Almeida, que frequenta a casa de meninas e que oferece à Glorinha um emprego em troca de seus serviços. Tanto na primeira quanto na segunda peça, os homens dotados de poder, superiores, têm domínio sobre as personagens com poder econômico inferior. Estes são bons exemplos para a união entre sujeito e objeto do drama moderno. Personagens que, aparentemente, são dotadas de arbítrio por seguirem suas próprias vontades, mas, ao mesmo tempo, servem de objeto para outras personagens, num ciclo que se repete a cada nova personagem.

Assim como há essa demonstração das diferenças de classes sociais, Nelson utiliza desses elementos da comédia de costumes para ironizar convenções sociais impostas. No caso, Dr. Jubileu é um deputado velho, velhíssimo, como diz a rubrica, que procura serviços da casa de meninas – com meninas de 14, 15 ou 16 anos que estão lá por dinheiro – e que os jornais chamam de “reserva moral”. Do mesmo modo, a casa de meninas, um lugar onde só entram “imunidades”, onde a polícia não aparece, pois está sob controle de Madame Luba.

Mas dentre os três, o elemento mais importante aqui é o trágico. Fatores que compõem a tragédia, enquanto uma tragédia moderna, na peça em questão. Bem mais evidente do que na peça anteriormente analisada, a partir do segundo ato a peça se constituirá basicamente de elementos trágicos, misturados ao cômico, fortalecendo a estrutura tragicômica.

Há vários momentos trágicos na peça, conforme a percepção de Raymond Williams. Ou seja, encontram-se várias passagens em que situações trágicas, carregadas de sofrimento são transcritas para a realidade da peça, como no final dos atos. Logo no primeiro ato, na cena final, é o momento em que o aborto de Nair dá errado e ela está com hemorragia. Num clima tenso, Nair está sofrendo na cadeira e o médico não pode fazer nada. Como único remédio, manda que sua enfermeira reze. Apesar de ser uma cena que carrega em si o sofrimento trágico, é inevitável que a relacionemos à ironia e ao grotesco, bem ao estilo do autor.

(Assombrado diante do destino, o Médico está falando com uma calma imensa, uma apaixonada serenidade.)
MÉDICO – Mas não adianta gaze, nem Pronto Socorro, nada!
NAIR – Não posso mais... Glorinha... vamos morrer... nós duas... Glorinha....
MÉDICO (tem nova explosão. Berrando) – Mas isso nunca aconteceu comigo, nunca! Não sei como foi isso! (para a Enfermeira) Reza, anda reza, ao menos isso, reza!
(A Enfermeira cai de joelhos, une as mãos no peito.)
MÉDICO (berrando) – Não rezas?
ENFERMEIRA – Estou rezando!
MÉDICO (enfurecido) – Mas não reza só para ti! Pra mim também! Eu quero ouvir! Anda! Alto! Reza, sua cretina!
(A Enfermeira ergue-se e rompe a cantar um ponto espírita. O médico soluça.) (Idem, ibidem:144)

No final do segundo ato, a cena está transcorrendo em flashback, rememorando como Judite, mãe de Glorinha, morreu. Na cena final, Tio Raul força Judite a tomar o veneno, logo depois de ela ter confessado que teve vários amantes, que se entregou até por um “bom dia”. Judite bebe todo o conteúdo do copo de uma vez só e cai agonizante no chão. A sequência tensa que converge para o final do ato trágico, unido a outros atos que também carregam o trágico em si – apesar de vinculados ao cômico – fortalecem a estrutura da tragédia, evidenciando uma linha coerente, até então, dentro do conjunto Tragédias Cariocas. Semelhante cena trágica acontece no final do terceiro ato, mas agora quem protagoniza são Tio Raul e a sobrinha Glorinha. Depois de uma cena bastante tensa, em que Tio Raul ameaça Glorinha, os dois combinam de morrer juntos. Mas eis que Glorinha não bebe o veneno e deixa Tio Raul morrer agonizante no chão enquanto ela volta à casa de meninas.

As cenas são compostas basicamente do trágico, sem grande menção a elementos cômicos, que desfaçam a tensão do momento. Mas, por mais que sejam momentos trágicos, eles são apenas parte de um todo que compõe a tragédia enquanto gênero. O trágico é um elemento que se tornou constitutivo da tragédia ao longo de uma tradição, e hoje já é quase indissolúvel, embora também apareça em vários outros gêneros. Assim como em A falecida, e em grande parte das peças desse ciclo, Nelson utilizou o recurso do flashback. Pela perspectiva de Szondi isso poderia ser um problema, pois passado não deve estar mais em cena. No entanto, para o dramaturgo esse recurso é a solução do problema, pois é utilizado justamente para preenchimento de alguma lacuna que, eventualmente, possa ficar no texto. Mas isso não diminui o moderno de Nelson, ao contrário, torna-o ainda mais moderno pelo uso de recursos inovadores. Sendo assim, quando apresentado em flashback, é o presente evidenciado em relação ao passado.

Sete gatinhos, encenada em 1958, foi descrita como divina comédia. Irônico da parte de Nelson ou não, esta é a peça que talvez possua menos elementos cômicos, que evidenciam o riso. Se as três características da comédia são, opostas às da tragédia, provocar o riso no espectador, ter um final feliz e possuir personagens modestas (PAVIS, 1999), esta peça de Nelson não se enquadra nesse gênero. Muito menos faz jus a um “divino”, no sentido restrito da palavra [6]. A peça inteira é composta de elementos trágicos, com algumas referências aos elementos da farsa, mas não à comédia.  Assim como em Perdoa-me por me traíres, há cenas trágicas em sua essência que, unidas aos outros elementos, constituem a tragédia em um todo. Principalmente, por se tratar de uma peça em que a ação é centrada na necessidade individual do herói (de Silene), e que a ação trágica acontece por meio desse herói – ou, no caso, a heroína. Silene é uma menina mimada e se torna o fundamento central desta família – ou melhor, o seu casamento é o objetivo da família. É em torno de sua virgindade que a trama transcorrerá, pois essa é a salvação da família de “Seu” Noronha.

Como referência de ação trágica, pode ser retomada a cena em que Dr. Bordalo, médico da família, revela a “seu” Noronha que Silene está grávida. Neste momento, todo o enaltecimento da jovem menina cai por terra e inicia-se uma sequência de atos trágicos: as irmãs já não veem mais motivos para continuarem se prostituindo para juntar dinheiro para o enxoval da irmã mais nova, revelam-se os podres da família. Descobre-se que “seu” Noronha é o responsável pela prostituição das filhas e, como consequência, há o desfecho trágico: ele é assassinado pelas próprias filhas.

Unindo esses fatores do trágico ao fato de que a peça desenvolve-se em torno de si mesma, como absoluta, sem utilizar-se de nenhum fator externo, a peça se caracterizará como drama moderno. Isto porque, dentro desse absolutismo dramático, reina o diálogo como fator linguístico escolhido para carregar todas as informações necessárias para o desenvolvimento da peça, e ela transcorre num tempo presente, dado o início da ação até o desfecho, com a morte de Bibelot e “Seu” Noronha.
_______________________
NOTA

[6] Por outro lado, “Divina Comédia” também pode ser uma alusão ao poema de Dante.

continua…

Fonte:
Literatura : caminhos e descaminhos em perspectiva / organizadores Enivalda Nunes Freitas e Souza, Eduardo José Tollendal, Luiz Carlos Travaglia. - Uberlândia, EDUFU, 2006. ©Instituto de Letras e Linguística da Universidade Federal de Uberlândia e autores

terça-feira, 7 de junho de 2016

Concurso de Trovas Orlando Woczikosky (Resultado Final)

Comemoração ao Cinquentenário de fundação da UBT-Curitiba

Festividades acontecerão nos dias 14 e 15 de setembro vindouro, cuja programação será divulgada nos próximos dias.

Tema: Plantio

Categoria: Veterano

1º Lugar: 
Manoel Cavalcante 
(Pau dos Ferros - RN)
Quão triste é ver na paisagem
a esperança do plantio
morrer impressa na imagem
da lama seca de um rio...

2º Lugar: 
Luiz Damo 
(Caxias do Sul - RS)
Vitrine, fonte de encanto,
de traje em exposição,
pouco faz lembrar, no entanto,
o plantio do algodão.

3º Lugar: 
Dodora Galinari 
(Belo Horizonte - MG)
Mesmo pisando em espinhos
por travessias penosas,
em todos os meus caminhos
farei plantio de rosas!

4º Lugar: 
Carolina Ramos 
(Santos - SP)
Planta, com garra e ternura,
esse chão ao teu redor,
mesmo a terra seca e dura
se abranda com teu suor!

5º Lugar: 
Maria Luíza Walendowsky 
(Brusque - SC)
Desde o plantio a semente
cumpre um destino fecundo:
o combate permanente 
à fome que ameaça o mundo.

6º Lugar: 
Edmar Japiassú Maia 
(Nova Friburgo - RJ)
Semeia o bem no vazio
de um coração, que ele aceita...
E se é de amor o plantio,
será de amor a colheita!

7º Lugar:
Dulcídio de Barros Moreira Sobrinho 
(Juiz de Fora - MG)
Quando a seca em solo ardido
toda a plantação alcança,
o que não fica perdido
é o plantio da esperança.

8º Lugar: 
Jaime Pina da Silveira 
(São Paulo - SP)
Só saciar-lhe a fome, é vão.
Ensina o plantio, amigo.
Quem tem fácil, sempre, o pão,
nunca vai plantar o trigo!
9º Lugar: 
Carolina Ramos 
(Santos - SP)
No solo certo e fecundo,
Senhor, que eu saiba plantar
as sementes que, no mundo,
só frutos bons possam dar!!!

10º Lugar: 
Jaime Pina da Silveira 
(São Paulo - SP)
Era um terreno vazio...
estéril...seco...Entretanto,
a enxada... o suor e o plantio,
devolvem verde o que planto.

11 º Lugar: 
Antonio de Oliveira 
(Rio Claro - SP)
Comete um grave desvio
a sociedade que aceita
ver o suor do plantio
não se fartar da colheita!

12º Lugar: 
Gilvan Carneiro da Silva 
(São Gonçalo - RJ)
Regue o plantio que eu ponho
certeza no que plantamos,
porque a semente de um sonho
nunca morre se a regamos!

Tema: Plantio
Categoria: NOVO TROVADOR

1° lugar: 
Aparecida Gianello 
(Martinópolis - SP)
É quando amoleço o peito,
que Ele chega com a semente...
Deus tem lá seu próprio jeito
de plantar o amor na gente.

2° lugar: 
Tarcísio José Fernandes Lopes 
(Brasília- DF)
Meu pai deu-me um desafio
ao me dar a educação:
repassá-la no "plantio"
da terceira geração.

3° lugar: 
Maria do Carmo M. Zerbinato 
(Niterói - RJ)
Terra fértil, terra santa
é a que enfrenta o desafio
de salvar aquela planta
que atrofiou no plantio!

4° lugar: 
Valter Rodrigues Mota 
(Taubaté - SP)
No campo quando amanhece,
camponês faz o plantio.
E de noite ele agradece
Por mais esse desafio.

RESULTADO ÂMBITO ESTADUAL -

Tema: Colheita
Categoria: Veterano

1º Lugar: 
Maria Helena Oliveira Costa 
(Ponta Grossa)
Terra infértil, ressecada,
teu peito negou-me - eu sei -
toda a colheita sonhada
dos grãos de amor que plantei!

2º Lugar: 
Lilia Maria Machado Souza 
(Curitiba)
Ao findar a madrugada,
toda a serra se extasia,
e o vermelho da alvorada
nas mãos colhe um novo dia!

3º Lugar: 
Janske Niemann Schlenker 
(Curitiba)
Na vida, as coisas têm preço
e da colheita, hoje sei:
eu ganho mais que mereço,
colho mais do que plantei.

4º Lugar: 
Sônia Maria Ditzel Martelo 
(Ponta Grossa)
Quando a colheita se faz
de uma maneira bem feita
o mundo cintila em paz
e a vida fica perfeita!...

5º Lugar: 
Mário Zamataro 
(Curitiba)
Já não tenho o que falar, 
já não choro, já não rio, 
já não tenho o seu olhar... 
Colho a saudade e o vazio.

6º Lugar: 
Lucília Alzira Trindade Decarli 
(Bandeirantes)
Quem se ocupa do plantio
e zela pela colheita,
não tem celeiro vazio
e nem mente insatisfeita...

7º Lugar: 
Maria Aparecida Pires 
(Curitiba) 
Tenho a colheita no colo,
mas meu olhar não se cansa
de ver plantado no solo
o punhado da esperança!

8º Lugar: 
Sônia Maria Ditzel Martelo 
(Ponta Grossa)
Ó Senhor, quanta emoção,
plantar, zelar e colher,
de um só pequenino grão
vejo a vida renascer!...

9º Lugar: 
Antonio Augusto de Assis 
(Maringá)
Semeia na mocidade
o bem que fores capaz.
Terás na terceira idade
farta colheita de paz.

10 º Lugar: 
Maurício Fernandes Leonardo 
(Ibiporã)
A boa colheita é fruto,
de tempo e dedicação,
que o agricultor resoluto
dispensou à plantação!

11 º Lugar: 
Maria Helena Oliveira Costa 
(Ponta Grossa)
Driblando todo o desgaste,
nós tentamos outra vez.
Semeei. Tu semeaste,
e a colheita então se fez!

12º Lugar: 
Dari Pereira 
(Maringá)
Quem planta com muita fé
semente boa e perfeita,
mantém o Brasil de pé,
por desfrutar da colheita...

13º Lugar: 
José Feldman 
(Arapongas)
Para uma vida perfeita,
devemos ter sempre em mente, 
que toda e qualquer colheita,
deve-se à boa semente.

14 º Lugar: 
Maria Aparecida Pires 
(Curitiba)
Quando a colheita abundante
ganha valor no mercado,
todo trabalho constante
vê o suor recompensado!

Tema: Colheita
Categoria: Novo Trovador

1º Lugar: 
Nilsa Alves de Melo 
(Maringá)
Contemple os campos dourados
que ao bom lavrador deleita:
ontem, bons grãos semeados;
hoje, o prazer da colheita.

2º Lugar: 
Madalena Ferrante Pizzatto 
(Curitiba)
Enxada e foice nas mãos,
com persistência e firmeza,
o agricultor planta os grãos;
mas colher, é uma incerteza.

3º Lugar: 
Wellesley Nascimento 
(Curitiba)
No papel a pena planta,
uma trova tão perfeita...
Seduzindo quem a canta,
pelo encanto da colheita!

4º Lugar: 
Paulo Roberto Walbach Prestes 
(Curitiba)
Enxada e foice na mão,
a família vai unida:
chuva e sol e pé no chão
para a colheita da vida!

5º Lugar: 
Karla Cristiane Bitencourt 
(Curitiba)
Quem planta em solo profundo,
as sementes do perdão,
tem nos braços deste mundo
a colheita da união.

6º Lugar: 
Nilsa Alves de Melo 
(Maringá)
Plante a semente do bem,
da caridade perfeita,
que com o tempo, aqui e além,
surgirá farta colheita.

7º Lugar: 
Lucrécia Welter 
(Toledo)
No calendário das flores
A colheita é permanente
A chama dos seus amores
Aquece o peito da gente

8º Lugar: 
Paulo Roberto Walbach Prestes 
(Curitiba) 
De sol a sol, o seu João
- para alimentar os seus -
da colheita, espera o pão
e no mais, graças a Deus!

9º Lugar: 
Paulo Roberto Moreira Gomes 
(Curitiba)
A colheita quando grande
faz brilhar os olhos meus,
pois assim também se expande
sob as bênçãos do meu Deus.

10º Lugar: 
Paulo Roberto Moreira Gomes 
(Curitiba)
Quem na cama muito deita
deixa o seu tempo passar.
Minguada será a colheita
de quem não soube plantar.

11º Lugar: 
Madalena Ferrante Pizzatto 
(Curitiba)
O caboclo de mão grossa,
com seu penoso labor,
planta com fé sua roça,
colhe o fruto com sabor.

12º Lugar: 
José Arildo Vieira 
(Curitiba)
Das sementes que plantou,
você terá o resultado,
quando a terra que lavrou, 
for plantada com cuidado!

13º Lugar: 
Lila Tecla 
(Curitiba)
Olhei para o chão, perplexo,
a semente que nascia
desabrochando em reflexo
daquilo que eu fiz um dia.

14º Lugar: 
Osires Haddad 
(Curitiba)
Quem se doa em gentilezas
encaminha seu destino:
na colheita vêm grandezas,
mesmo sendo pequenino.

Âmbito Estudantil 
Tema: Semente

1º Lugar: 
Miriam Cristina de Jesus Gouveia 
(10 anos) 
Quando voa o passarinho
lança a semente no chão
que cresce bem de mansinho
enchendo a terra de grão.
Projeto Social Dorcas - Escola Municipal Mirta Naves Prosdócimo - 5º ano

2º Lugar: 
Elias dos Santos de Araújo 
(11 anos) 
O agricultor vai plantar 
uma semente de trigo,
no dia que ela brotar
vai alimentar o amigo.
Projeto Social Dorcas - Escola Mirta Naves Prosdócimo - 5º ano

3º Lugar: 
Tainara Cristina de Oliveira da Cruz 
(13 anos) 
Plantei no meu coração 
uma semente do bem
e nascerá a gratidão,
vou colhendo o amor também.
Projeto Social Dorcas- Escola Estadual Prof. Rosa Frederico Johnson - 8º ano

4º Lugar: 
Miriam Cristina de Jesus Gouveia 
(10 anos) 
Da semente nascem flores 
a rosa, o cravo e o jasmim.
Se juntam em muitas cores 
para enfeitar meu jardim.
Projeto Social Dorcas - Escola Municipal Mirta Naves Prosdócimo - 5º ano

5º Lugar: 
Eduarda Sara Rocha Schwonka 
(12 anos) 
Uma semente no chão,
com água, luz e cuidado,
um pé de arroz ou feijão,
assim crescerá no prado.
Projeto Social Dorcas - Escola Tancredo Neves - 6º ano

6º Lugar: 
Ana Caroline Moreira de Oliveira 
(12 anos) 
Vou no Dorcas aprendendo 
sobre a semente do amor.
Dia a dia vou crescendo
formando um jardim com flor.
Projeto Social Dorcas - Colégio Tancredo Neves. - 7º ano

7º Lugar: 
Kauany Maiara Schroh Silva 
(11 anos) 
Da semente nasce a planta 
desta planta surge a flor.
E sempre uma flor encanta
e de uma flor nasce o amor…
Projeto Social Dorcas - Colégio Estadual Tancredo Neves - 6º ano

8º Lugar: 
Kauê Felipe Bento 
(8 anos) 
A semente cai na terra,
espalha e cresce no chão,
floresce por toda a serra
pra depois colher o grão.
Projeto Social Dorcas - Escola Municipal Mirta Naves Prosdócimo - 4º ano

9º Lugar: 
Thainá Archanjo Ribeiro 
(8 anos) 
Da semente nasce a planta,
com muito amor e cuidado 
cresce no jardim e encanta,
bonita por todo o lado
Projeto Social Dorcas - Escola Municipal Mirta Naves Prosdócimo - 4º ano

10º Lugar: 
Tainara Cristina de Oliveira da Cruz 
(13 anos) 
Da semente nascem flores: 
as rosas e as margaridas, 
com tantos tipos e cores 
crescem lindas e floridas. 
Projeto Social Dorcas - Escola Estadual Prof. Rosa Frederico Johnson - 8º ano

11º Lugar: 
Emanuelle Rodrigues da Silva 
(13 anos) 
Plantei semente amarela
logo nasceu com amor,
e cresceu bem alta e bela…
- É um Girassol esta flor.
Projeto Social Dorcas - Escola Tancredo Neves - 8º ano

12º Lugar: 
Nicole Cristina Camargo do Pilar 
(12 anos) 
Sei que existe uma semente,
está no meu coração, 
pode ser amor ardente
crescendo com emoção.
Projeto Social Dorcas - Colégio Estadual Tancredo Neves - 7º ano

13º Lugar: 
Kauã Machado da Costa 
(9 anos) 
A semente tão contente
No ar ela vai a brilhar.
Ela é tão independente
Que sozinha vai plantar
Escola Municipal Elevir Dionísio - 5º Ano

14º Lugar: 
Beatriz Mendes 
(12 anos) 
A semente brotará
e com amor vai crescer
todo o mundo gostará
do seu belo florescer. 
Projeto Social Dorcas - Colégio Tancredo Neves - 6º ano