sábado, 11 de julho de 2009

João do Rio (A Menina Amarela)



Havia oito dias, Pedro de Alencar, aquele rapaz tão distinto e com uma posição invejável, ia seguidamente à casa de Flora Berta. Toda a roda estava admirada. Pedro - criatura feita de aristocracias inatas, cultor de elegâncias, encafuado num conventilho da Cidade Nova, entre mulheres de má vida, apaixonado pela Flora Berta, gordinha e vulgar nos seus vinte anos! Parecia impossível! Era decerto um novo vício, mais uma esquisitice moral.

Depois, Flora, curioso ser de instinto, tinha um amante, sujeito forte e carnudo, em casa a noite e o dia; e mais uma tropa de amigos íntimos que se aproveitavam dos esquecimentos da proprietária; para almoçar, jantar, dormir e, sempre que havia ocasião, amar. Não! Era impossível. Entretanto, Pedro de Alencar estava cada vez mais preso, e ao encontrar um dos seus mais acirrados amigos, deu a solução do enigma daquela atração.

- É esplêndido, filho, de inconsciência moral! Não imaginas a atmosfera permanente de animalidade vestida. Há meia dúzia de mulheres que só pensam nos homens, uma caterva de homens a galopar pelos corredores. E tudo, até os móveis, parecem gritar a falta de vergonha. Com um mês de estadia naquela casa, fica-se a perguntar onde está o pudor. Realmente, existe o pudor? Existiu mesmo? Estou de observação, meio alegre e meio triste.

A casa em que Pedro de Alencar estava de observação tinha no quarto da frente Flora Berta, com uma cama quebrada, um sofá servindo de toilete e as fotografias e os cartões postais dos seus apaixonados, pregados a tacha pelas paredes. As paredes estavam cobertas dessa ilustração amorosa e edificante. No quarto pegado, morava a Rosinha da Gruma, uma pobre mulher de boca mole e dentadura postiça, que se fizera especialista em amar meninos. Tinha talvez trinta permanentes, dos treze aos dezoito anos, que lhe levavam os magros vinténs, ardendo de devotamento e choravam quando se viam preteridos pelo mais velho, bela envergadura de atleta, cujo primeiro e único carinho fora a aplicação de uma sova tremenda. Na alcova pegada, morava um tipozinho franzino e pintado, a Formiga, apaixonada por um adolescente belo como o Perseu de Benevenuto, e no quarto da sala de jantar, rebaixada por falta de pagamento, Nina Banez, ex-cantora de café-concerto, subitamente empolada pelas caretas de um cômico jovem chamado Andrade. Ainda para os fundos moravam a velha mãe de Flora, com um tipo valentaço, que lhe batia diariamente, o irmão de Flora, ser ambíguo e serpentino, e a criada - uma criada baiana, sempre envolta num chalé e fumando certo cachimbo tão comprido, que parecia mais um narguilé.

Esse pessoal fazia ponto de reunião na estreita casa de jantar, onde, além da mesa, de um guarda-comida e da bilha de barro, havia uma lousa negra, em que se expunham os nomes das pessoas devedoras. Para passar aos quartos, passava-se por ali. Quartos havia que exigiam mesmo a passagem por outro. De modo que de repente, na conversa animada, havia um silêncio. Era alguém que entrava.

- D. Rosinha está?

Se era conhecido, o silêncio transformava-se em alarido.

- Ora, entra, deixa de partes!

Se era coisa nova, ou havia complicações, uma companheira dizia sempre:

- Vou ver.

Ia apenas prevenir. O que estava, saía por outra porta a vir tomar cerveja, e a Rosinha aparecia calma e sorridente:

- Só agora, seu mau! Estou à espera há tanto tempo!...

As damas estavam sempre em roupão, ou em camisa, os homens à frescata. A noite, assim por volta de uma hora da manhã, quando voltavam do teatro e dos cafés, organizavam-se ceias súbitas. Cada rapaz ia comprar uma coisa. Alguns, quando não tinham dinheiro nem para isso, vestiam as camisas das damas e ordenavam os outros com ares dominadores.

Pedro de Alencar assistia às cenas desenfreadas com um excelente bom humor. A princípio Flora Berta fazia sair o rapaz vigoroso por um dos quartos, para não se encontrarem. Pedro deu com o rapaz um dia à porta...

- O Sr. Francisco?

- As suas ordens.

- Subamos juntos.

- Parece-me...

- Nada mais interessante.

O Sr. Francisco subiu. Foi um acontecimento. Entre Francisco e Pedro, Flora Berta irradiava de orgulho e de prazer. Francisco era a sua satisfação física. Pedro o seu apetite de efeito. O segundo era mostrado como se mostra um colar de preço; o outro era invejado como um jantar sempre quente. E, verdadeiramente repartida, pendida para Pedro, com as mãos para Francisco, parecia felicíssima. De resto, embaixo, o automóvel de Pedro carbunculava na treva, e ela não resistia em ir correr a imensa Avenida do Mangue, um manto apenas sobre as espáduas nuas como Frinéia, só com o seu homem de luxo...

As conversas gerais nunca eram de uma inteira cordialidade. De suscetibilidade grande, essas damas zangavam-se por qualquer coisa, umas com as outras. Um vocabulário assustador surgia, portas batiam, gritos, ameaças de conflito. De vez em quando o ardente sustentador da mãe da dona da casa aparecia alcoolizado, com um punhal formidável, querendo matar toda a gente. As mulheres atiravam-se às janelas, pedindo socorro, e como a delegacia era próxima, minutos depois, soldados de espadagão trepavam escada acima, prestes aprender todos os presentes. Como, porém, o delegado tinha uma especial amizade a Flora Berta, tudo continuava na mesma. E ela vociferava indignada:

- Canalhas! Se não fosse eu, estava tudo preso!

Mas o agradável eram as tardes e as noites passadas na sua alcova paupérrima. Berta fechava-se por dentro, farta daquela vida, querendo uma casinha com palmeiras e canários. De um lado Francisco, sempre enleado, sorria; de outro, Pedro, muito alegre, fazia-lhe perguntas, e ela deitada, ria a morrer e contava coisas, como desde criança imaginara ser raptada, a fuga aos quatorze anos com o marido, um barbeiro, aliás, meio tolo, o abandono da casa por causa dos ciúmes da mamã, a quem sustentava.

- Afinal, sempre é mãe, não achas?

Depois tinha ternuras de voz:

- Na minha vida, até agora não tinha gostado de ninguém.

- E agora?

- Agora gosto de vocês dois.

E piscava os olhos para o Francisco, se Pedro estava voltado, tendo o cuidado de significar por um sinal qualquer a Pedro a sua preferência. O Sr. Francisco talvez acreditasse. Pedro divertia-se, amando, afinal, como devia amar essa criaturinha, ingênua, apesar de perdidíssima naquele ambiente de crápula. Era dos que se contentam com o que as mulheres dão, achando-as sempre generosas, por piores que elas sejam. E isso dava-lhe em pouco tempo uma enorme vantagem sobre todos os outros.

- Duvido! bradava ele.

- Juro!

- E estes retratos todos?

Ela então contava a história e as particularidades de cada um daqueles cavalheiros, ia buscar as cartas para lerem alto, rindo. Um dia, Pedro propôs o degolamento geral do exército de fotografias.

- Apoiado! fez com uma alegria terrível o Sr. Francisco.

- Não! não! clamava Flora Berta, louca de riso com a idéia do julgamento e da morte dos retratos.

Horas depois as paredes estavam nuas e Pedro sentia aquele misto de contentamento e de tristeza que tem todo o homem moderno, quando irreparavelmente o mundo lhe mostra o vácuo dos sentimentos. Era inacreditável! Não sentiam aqueles seres, não pensavam, não tinham um toque que os díferençasse dos animais, e pareciam felizes e viviam. Talvez fosse melhor não sentir, porque o pudor é a diferenciação do homem, e aqueles sem pudor viviam radiantes. Nenhum deles teria ao menos um laivo de decoro d'alma?

Talvez tivesse, mas tão apagado, tão liquefeito, e com certeza tão extemporâneo! Os homens pareciam ir ali despir a vergonha para estar à vontade; as mulheres nascidas naquele meio desde crianças, ainda impúberes e já com o conhecimento completo das mais tremendas luxúrias, prestando-se a todas as ignomínias, ignoravam mesmo o que fosse o pudor. E a sua dignidade, - porque elas tinham dignidade - era ter muitos amantes e não se zangar quando as outras lhes tomavam alguns.

- Meus restos, criatura...

O ceticismo romântico de Pedro tornava-se de uma análise penetrante, fazia-o um avaliador de algumas frases inconscientes daquela gente que ele tivera a ilusão de julgar um pouco melhor que a roda da diversão e prazer caro. Pois era pior. Pior porque não era imoral. Nem isso. Pior porque era a alma nua espojando-se e mostrando as mazelas. Aquelas mulheres tinham sido virgens, talvez tivessem ignorado a vida. Nenhuma delas, porém, mostrava, na abundante tagarelice, um sentimento perfumado, uma vaga emoção dignificadora, - tropa meio bamba de bacantes permanentes, com instintos selvagens. E, entretanto, Pedro não desanimava. Fazer-se amar pela Flora Berta? Pobrezita! Não. Ver uma daquelas mulheres mostrar subitamente qualquer coisa de nobre? Não. Pedro esperava o terrível, o imprevisto, lugubremente horrível que há sempre a pairar nos transbordamentos banais da luxúria. E naquela casa aberta a toda a gente, onde se praticava a vida animal sem mistério, sem recato, na sarabanda das ceias, nas mais desenfreadas orgias, em diálogos com a velha mãe de Flora, diariamente espancada, forçando a intimidade com o amoroso Francisco, a cada instante parecia-lhe sentir que impalpavelmente a revelação imprevista ia surgir.

Uma vez, Pedro estava só com a Flora, quando bateram à porta:

- É o Francisco.

- Não, ele bate de outro modo. Decerto alguém que vai passar para o quarto da Rosinha.

Deu a volta à chave, abriu. Diante deles estava, com a sua saia suja, o casaco em tiras, o cabelo de estopa por pentear, uma pobre menina.

Era horrível.

Pequena, miúda, magra, o pescoço fino, tremia como se viesse da neve. E parecia que lhe tinham dado por dentro da pele um violento banho de enxofre. Tinha jalde a face, a pele das mãos era amarela, os lábios, sem sangue, laivavam-se de amarelo, e nas olheiras cor-de-perpétua a esclerótica era cor-de-ovo. Lembrava um espectro de pesadelo, um ser irreal, onde só os seios duros e eretos davam uma impressão de vida impetuosa.

Quando viu Pedro, agarrou-se à porta, a face contraída, tremendo.

- Que queres? indagou colérica Flora.

- Foi a senhora sua mãe que mandou. Pensava estar só, balbuciou a petiz.

- Não disse já que não aparecesse aqui?

- Foi sem vontade. Desculpe. Eu não gosto, não, de aparecer.

E foi recuando, pávida. Berta fechou a porta.

- Que bicho é esse?

- Uma rapariguita, que está aí de favor. Ajuda lá na cozinha.

- Não a tinha visto ainda.

- Tem medo, é uma tola. Imagina tu que tem medo aos homens! Por isso não aparece.

- Mau lugar escolheu ela.

Mas de novo arranhavam à porta. E de fora uma voz lívida, voz de medo, de angústia, de pavor, de choro, quase soluçante, dizia:

- Sou eu ainda, minha senhora. Sua mãe manda buscar a bacia...

Prevendo uma violência da encantadora Flora e mais do que tudo cheio de curiosidade, Pedro ergueu-se rápido e tomou abrir a porta.

- Vá, entre.

A pequena hesitou como se fosse atirar-se a um abismo, fechou os olhos, arregalou-os muito, esticou as mãos amarelas, andou um pouco. Tinha os pés nus e sujos e andando arfava como um duende aterrado. Agarrou a bacia, sobraçou-a. Era atroz, assustadoramente atroz.

- Vem cá. Como se chama você?

- Fala, menina, não tremas. Este senhor não te faz mal. É isso. Vê homem, começa a tremer! Ó Maria, como te chamas? Conta como foi, rapariga, vem cá...

A pequena amarela olhou-os um instante mais, convulsionou-se num soluço que lhe esbugalhava o olhar e deitou a correr pelo corredor. Houve um silêncio, logo interrompido pelo riso de Flora Berta.

- Está há muito tempo contigo?

- Três meses. Foi o pai que a colocou aqui. Tem doze anos e já com aqueles seios...

- Mas está doente, filha. Nunca vi na minha vida uma criatura tão amarela.

Flora voltou-se no leito. Estava linda com a sua carne de leite e rosa.

- Não. Aquilo foi de repente. Há quatro meses um carroceiro, amigo do pai, agarrou-a de noite, à força. No outro dia foram encontrá-la assim, a soluçar, não podendo olhar os homens sem tremer, sem fugir. Nem mesmo o pai. E amarela, toda amarela, filho. O médico disse que foi de horror...

No dia seguinte os hóspedes alegres da casa de Flora Berta verificaram com mágoa que Pedro de Alencar, aquele rapaz tão distinto e com uma posição invejável, deixava de aparecer.

Fontes:
RIO, João. A mulher e os espelhos. Rio de Janeiro, Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural, 1990.
– Imagem = http://tresequinze.blogspot.com

Dicionário do Folclore (Letra R)



. A rã, como acontece também com o sapo, é tida como a protetora das nascentes d’água. As rãs, quando coaxam, estão chamando chuva, razão pela qual os índios chamam-na de mãe da chuva.

RABADA. É um prato da culinária nordestina, bastante apreciado. A carne da rabada do boi ou da vaca, cozida com temperos convencionais, é servida com o pirão feito do próprio caldo, com molho de pimenta.

RABECA. É um tipo de violino de timbre mais baixo, com quatro cordas de tripa, afinadas por quintas, sol-ré-lá-mi, que são friccionadas por um arco de crina untado com breu. A rebeca é uma espécie de violino popular. Seu som é fanhoso e triste. A rebeca é um instrumento universal e tocada nos bailes matutos do sertão.

RABICHO-DA-GERALDA. É o mais antigo modelo da gesta do gado que se conhece, poesia contando as proezas de um boi do Ceará que, durante nove anos, resistiu aos vaqueiros da região que saíam em sua perseguição sem êxito. A poesia é em quadras ABCB. O rabicho da geralda foi abatido a tiros de bacamarte.

RABO-DE-GALO. É a tradução do cock-tail. Mistura de bebidas alcoólicas. Rabo-de-galo, em São Paulo, é a mistura de vermute e cachaça; já no Recife é a mistura de conhaque, vermute e gim ou conhaque e vermute.

RAFAEL. No Rio Grande do Sul Rafael é sinônimo de apetite, de fome, na linguagem popular. Lá, a expressão chegou-o-rafael, significa que está na hora do almoço ou do jantar.

RAINHA-DO-MAR. Veja IEMANJÁ.

RAIO. A maioria das crendices referentes ao raios foi trazida pelos colonizadores portugueses. Para evitar a morte pela fulminação dos raios é bom queimar as palhas secas de coqueiro guardadas do Domingo de Ramos, fazendo-se, também, cruzes com a mesmas palha, cruzes que devem ser pregadas na porta de entrada da casa. Os santos que protegem as casas contra os raios são Santa Bárbara e São Jerônimo. Algumas famílias, nos dias de tempestade, costumam cobrir os espelhos.

RAIVA. É um bolinho feito com farinha de trigo, ovos e açúcar, em Portugal. No Brasil, a farinha de trigo é substituída pela goma de mandioca; assim, a raiva fica mais gostosa.

RAIZEIRO. Nome que se dá às pessoas que lidam com plantas medicinais, sabendo prepará-las e usá-las para curar doenças diversas. Também conhecido como Doutor-Raiz, tipo encontradiço nas feiras do Nordeste.

RALA-BUCHO. É a dança popular, o forró.

RAMALHÃO. É o nome que se dá a uma dança popular paulista, com a finalidade de serem pagas as promessas feitas a São Gonçalo. Consiste a dança em uma fileira de homens e outra de mulheres, frente a frente, fazendo evoluções, permutando os lugares ao som da viola. Os versos que cantam às vezes são improvisados.

RAMO. É doença, enfermidade veiculada pelo ar, de natureza infecciosa. Várias são as modalidades de Ramo: Ramo do Ar, Ramo Ruim, congestão cerebral, estupor, paralisia, gota serena.

RANCHO. 1. No Nordeste é uma casinha rústica, pousada, hospedaria, onde os vaqueiros, que conduzem boiadas, param para dormir, descansar. 2. Na Bahia e no Sul, é um grupo festeiro das solenidades populares do Natal, cantando e dançando. Também é conhecido como reisado.

RAPADURA ou RASPADURA. É um tijolo de açúcar mascavado e constitui uma gulodice no Norte do Brasil. Várias são as espécies de rapadura: as de açúcar branco, rapadura de laranja, confeitadas com cravo e castanha de caju. As conhecidas são as rapaduras do Cariri que não têm forma de tijolo e são envolvidas por palha seca de bananeira e são conhecidas como rapadura batida, mais moles, macias e de gosto um pouco diferente por conta do cravo.

RASGA-MORTALHA. É uma pequena coruja alvacenta, de vôo pesado e baixo. O atrito de suas asas produz o som de um pano que está sendo rasgado. Quando ela passa sobre uma casa onde alguma pessoa está doente, o povo acredita que ela esteja rasgando mortalha do doente, prestes, assim, a morrer. Veja CORUJA.

RASOURA. É o nome dado às procissões de curto percurso, geralmente em torno da igreja.

RASPA-RASPA. É uma mistura de gelo raspado com xarope de fruta muito vendido nas feiras, nas praias, na entrada dos campos de futebol e nas ruas das cidades do Nordeste.

RASPADOR. É o nome dado ao reco-reco na Folia de São Benedito do Amazonas. É feito com um pedaço de taquara grossa, fechada nas suas extremidades pelos próprios nódulos da madeira, com parte de sua superfície dentada. Sobre a superfície dentada, raspa-se com uma vareta. O raspador é o instrumento do mestre-sala através do qual dá todos os comandos.

RASPADURA. Veja RAPADURA.

RASTEJADOR. É a pessoa que descobre onde a caça ou seres humanos se encontram seguindo o rastro que vão deixando pelo chão onde passam ou através dos galhos quebrados dos pequenos arbustos. Onde existe floresta, mata, caatinga, existe sempre o rastejador.

RATOEIRA. É uma dança regional de Santa Catarina. Dança-se a ratoeira, formando-se um círculo de moças e rapazes de mãos dadas. No meio da roda fica um rapaz ou uma moça que canta uma quadrinha enquanto os da roda avançam, repetindo a quadrinha. É a ocasião própria para as declarações de amor ou para os desafios entre os rivais.

REALEJO. Veja FOLE ou GAITA.

REBAÇÃ. Veja RIBAÇÃ.

RECADO-PELO-MORTO. Em alguns países da Europa e da África o recado-pelo-morto era uma prática antiga. Até mesmo aqui, no Nordeste, pode-se encarregar um defunto, que vai ser enterrado, de dar um recado a outra pessoa falecida anteriormente.

RECO-RECO. É um instrumento de percussão feito com um gomo de bambu, com talhos transversais e que, friccionado com uma vareta de ferro ou mesmo de madeira, produz um som de rapa. Na Bahia o reco-reco é conhecido como ganzá.

REDE. 1. Feita de tecido resistente e suspenso pelas extremidades em armadores ou ganchos, a rede é uma espécie de leito – para dormir ou descansar – muito usada no Nordeste. Os meninos sertanejos não dormem em berços; depois que nascem, são acostumados a dormir em rede, que as mães balançam até o sono chegar; 2. Rede também é o nome que se dá a uma peça feita de cordões/fios entrelaçados para pescar; 3. Rede-de-arrasto é, também, a moça que tem muitos namorados, na linguagem do povo.

REDEMOINHO. É o vento, em espiral, também conhecido como remoinho e rodamoinho. O povo acredita que o redemoinho seja o encontro, a briga, a vadiação dos ventos. No Sul, o Saci-Pererê é o responsável pelos redemoinhos. Ela salta no meio dos ventos, roda, gira, corcoveia, arrebatando folhas, garranchos e poeira. Para fazer cessar o redemoinho, atira-se nele um rosário de contas brancas ou uma palha benta.

REIS. Festas populares em alguns países da Europa dedicadas aos Reis Magos em sua visita ao Menino Deus. Na Espanha e em Portugal os reis continuam comemorados, sendo a época de se dar e receber presentes. O Dia de Reis marca o fim do ciclo natalino, com a queima-da-lapinha e a exibição do bumba-meu-boi, da chegança, do fandango, dos congos.

REIS-DO-BOI. Veja BUMBA-MEU-BOI.

REISADO. É o nome que os eruditos dão aos grupos que cantam e dançam na véspera e Dia de Reis.

REMATE. É um prato nordestino feito com carne picada, farinha bem peneirada ou farinha de milho, temperado a gosto de quem faz.

RENDA. Renda feita a mão, também conhecida como renda de almofada, é um artesanato muito comum no Nordeste, em Santa Catarina e outros estados brasileiros. Trazido pelo colonizador português, a renda é o entrelaçamento de fios formando desenhos. Para se fazer renda são necessários: a almofada, os bilros, os espinhos de carda ou alfinetes, tesoura e pique. A almofada (um acolchoado de forma cilíndrica) serve de base para a confecção da renda. Os bilros são uma espécie de bobina onde a linha é enrolada, servem para tramar a renda, o que se consegue trocando-os em diferentes posições. O pique, que mede 20 cm, é o padrão da renda que se vai fazer. Cada tipo de renda tem o seu pique, seu padrão, que passa de geração a geração e que é preso na almofada por alfinetes. As rendeiras, sentadas no chão, com a almofada nas coxas, trabalham o dia todo, ora conversando, ora cantando. A linha pode ser colorida, dependendo da vontade do freguês. São diversos os tipos de renda.

RENDEIRA. 1 É a mulher que faz rendas e está no cancioneiro popular: "Olê, mulher rendeira/ Olê, mulher rendá/ Tu me ensina a fazer renda/ Qu’eu te ensino a namorar"; 2. Rendeira também é a mulher que trabalha na terra dos outros, pagando uma renda anual, um foro.

REPÚBLICA. É a casa, onde moram os estudantes que não têm família nas cidades onde estudam.

RESTILHO. Dá-se o nome de restilho à cachaça quando é duas vezes destilada nos alambiques.

RETIRANTE. É como são conhecidos os sertanejos que, acossados pelas estiagens prolongadas, abandonam tudo à procura de trabalho noutros lugares. Quando chove, muitos retirantes voltam para suas casas e tornam a cuidar de suas plantações, de seus animais. O único remédio capaz de combater as secas é a irrigação das terras sertanejas, o que já está acontecendo com as plantações situadas às margens do Rio São Francisco. Abrir frentes de trabalho é medida paliativa que não combate a seca.

RETORCIDA. É uma dança sapateada pertencente ao fandango, no Rio Grande do Sul. Ver FANDANGO.

RETUMBÃO. Retumbão é uma das danças da Marujada na festa de São Benedito, na cidade de Bragança-PA. É a mesma coisa que carimbó, corimbó, curimbó, como a dança é conhecida em outras regiões paraenses. A orquestra da dança do retumbão é composta de tambores grandes e pequenos pandeiros, cuíca (onça), rabeca, viola, cavaquinho e violino. Não se canta no retumbão.

REVIRADO. O revirado, também conhecido como roupa-velha ou mexido, é um prato feito com o que sobrou da refeição anterior. Feijão, arroz, carne e legumes são colocados em uma frigideira e levados ao forno brando para esquentar, acrescentados de farinha de mandioca a gosto. É um prato da culinária fluminense.

REZA. São orações populares rezadas pelos rezadores ou benzedores para curar doenças, pedir proteção e saúde para as pessoas que os procuram. É uma prática existente no país todo.

REZA-DE-DEFUNTO. São orações que os parentes e os amigos do morto rezam em voz alta ou cantadas, costume tradicional nordestino. As orações podem ser: a) Terço rezado pelos presentes ao velório; b) Ofício de Nossa Senhora ou dos defuntos; c) Excelências diversas: 1. Excelência da hora; 2. Excelência da hora do dia, isto é, quando o dia vai clareando, amanhecendo; 3. Excelência Maria, em que se cantam as partes do corpo do falecido e as partes de sua roupa; 4. Excelência da roupa ou da mortalha, quando vestem o defunto; 5. Excelência do cordão da mortalha; 6. Excelência da despedida, por ocasião da saída do caixão para o cemitério, cantada até o cortejo desaparecer. E a ladainha de Todos os Santos.

REZADOR ou BENZEDOR. É a pessoa que cura as doenças proferindo rezas, acompanhadas por gestos, sinais, cruzes, aspersões quando na presença do doente. Mas o rezador pode rezar um doente a distância, sem vê-lo. No Nordeste é um tipo muito comum. Geralmente são mulheres que, quando vão ficando velhas, só ensinam sua rezas à filha mais velha. Caso não tenha filha, pode ensinar à sobrinha mais velha. Geralmente o rezador ou benzedor usa um galho de arruda quando faz seu trabalho.

RIAMBA. Outro nome de MACONHA.

RIBAÇÃ. No Nordeste a ribaçã também é conhecida como rebaçã, arribaçã, avoante, avoente. Elas costumam aparecer, todos os anos, nas caatingas do sertão nordestino, em grandes bandos, pousando sempre nos lugares onde tem o capim-milhão, e são abatidas pelos caçadores e vendidas nas feiras.

RITA. Padroeira de muitas paróquias brasileiras, Santa Rita de Cássia nasceu em 1381 e faleceu em 1480. É uma santa muito popular no Nordeste, onde também é conhecida como Santa Rita dos Impossíveis. Seu Rosário de Santa Rita é muito rezado pelo povo.

ROBERTO CÂMARA BENJAMIN nasceu em 1943, na cidade do Recife, PE. Filho do professor Coronel José Émerson Benjamin e da professora e Inspetora Federal do Ensino Laudelina Câmara Benjamin. Fez o primário no Grupo Escolar João Barbalho, o secundário no Colégio Marista, ambos do Recife. Bacharel em jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco, especializou-se em Ciências da Informação no Centro Internacional de Estudos Superiores de Periodismo para América Latina, em Quito, Equador. Promotor Público, professor-adjunto da Universidade Federal Rural de Pernambuco, professor titular da Universidade Católica de Pernambuco, membro das Comissão Pernambucana de Folclore, foi diretor do Departamento de Cultura da Secretaria de Educação de Pernambuco, Roberto Câmara Benjamin tem participado de muitos congressos, seminários realizados em todo o país e tem diversos trabalhos publicados em revistas científicas e jornais sobre Comunicação Rural, Folclore: Os Folhetos Populares e os Meios de Comunicação Social (1969), Literatura de Cordel, Expressão Literária Popular (1970), Religião nos Folhetos Populares (1970), A Festa do Rosário do Pombal (1976), Maracatus Rurais (1976), Os Congos da Paraíba (1977), Cambindas da Paraíba (1978), Maracutus Rurais de Pernambuco (1982), São Gonçalo – Uma Devoção reprimida (1984), Rabecas (1997) e outros.

ROÇA. 1. É o nome que se dá a uma plantação de mandioca. 2. O mesmo que roçado.

ROER-A-CORDA. Não cumprir com a palavra dada, empenhada. Voltar atrás no que disse, no que prometeu fazer.

ROER-TAMPA-DE-PENICO. Diz-se de quem passa privações, sem dinheiro, sem ter o que comer.

ROGER BASTIDE nasceu em 1898, na cidade de Lyon (França). Diplomado pela Faculdade de Letras de Bordéus (França), professor e Sociologia da Universidade de São Paulo, ensaísta, crítico, folclorista, veio para o Brasil em 1937 e, depois de haver publicado vários livros sobre o folclore brasileiro, entre os quais Psicanálise do cafuné (1941), A poesia afro-brasileira (1943), Imagens do Nordeste místico em preto e branco (1945), Estudos afro-brasileiros – 3v (1946/53), A cozinha dos deuses (1952), Sociologia do Folclore brasileiro (1959), Candomblés da Bahia (1961) e outros, além de ensaios e artigos em revistas especializadas e jornais – voltou à França em 1954. Faleceu no dia 11 de abril de 1974, na cidade de Paris (França).

ROLETE. Pedaços de cana-da-açúcar vendidos nas cidades da zona canavieira. Descascada a cana, de preferência caiana por ser mole e doce, cortada em rodelas e enfiadas nas hastes de um pedaço de bambu ou taquara em forma de guarda-chuva, as unidades são arrumadas em tabuleiros que os meninos vendem nas ruas das cidades que estão à sombra da cana-de-açúcar.

ROMARIA. Dá-se o nome de romaria ao grupo de pessoas que, a pé ou em caminhões, viaja muitos quilômetros, com a finalidade de chegar aos locais onde a Igreja Católica, em suas capelas ou basílicas, igrejas ou matrizes, venera um santo religioso ou popular, como no caso do Padre Cícero Romão Batista (CE), São Severino do Ramo (PE), Nossa Senhora aparecida (SP) e outros. Depois de pagar sua promessa por uma graça alcançada, o romeiro deposita no altar do santo, sua velas, seus ex-votos, suas espórtulas. Outros centros de romaria são: Nossa Senhora de Nazaré (Belém-PA), São Francisco do Canindé (Canindé-CE), Bom Jesus de Pirapora (Pirapora-SP) e Bom Jesus do Bonfim (Salvador-BA).

ROQUEIRA ou RONQUEIRA. É uma peça feita de um pedaço de cano de ferro preso num toro de madeira e que, depois de carregado (por uma das bocas do cano que fica aberta) dispara-se com um tição junto ao ouvido (um buraco feito na extremidade fechada do cano) provocando uma violenta explosão. A roqueira ou ronqueira faz parte dos festejos juninos.

ROSSINI TAVARES DE LIMA nasceu no dia 25 de abril de 1915, na cidade de Itapetininga (SP). Fez primário no Ginásio Osvaldo Cruz e o secundário no Ginásio do Estado. Freqüentou a Faculdade de Direito de São Paulo até o 3° ano, quando se transferiu para o Conservatório Dramático e Musical de São Paulo. Foi professor do Ginásio Osvaldo Cruz, da Escola Técnica do Comércio, do Liceu Acadêmico de São Paulo, do Liceu Piratininga e professor de História da Música e Folclore Nacional do Conservatório. Fundou e dirigiu a revista Folclore e publicou, na área do Folclore, Nótulas sobre pesquisas de folclore musical (1945), Aí ,eu entrei na roda (sd), Poesias e adivinhas (1947), O Folclore na obra de Mário de Andrade (1950), Achegas ao estudo do romanceiro no Brasil (1951), Abecê do Folclore (1968), Geografia do folguedo popular (1968). Rossini Tavares de Lima faleceu no dia 5 de agosto de 1987.

ROUPA-DE-VER-A-DEUS. É o termo feito de boa fazenda, de cor escura ou preta, que os homens costumam ter para ser usada em ocasiões solenes, missas, batizados, casamentos, enterros e que, muitas vezes, são sepultados com ela. Daí, o nome.

ROUPA-VELHA. 1. É um prato preparado com o que sobra da refeição anterior; 2. Prato feito de carne seca de boi ou de porco, com cebola e manteiga.

ROXO. É uma mistura de café com cachaça, no interior de São Paulo.

RUDÁ. Rudá ou Perudá, um guerreiro que reside nas nuvens, é o deus do amor indígena, encarregado da reprodução dos seres criados. Sua missão é criar o amor no coração dos homens, despertando-lhes a saudade e fazendo com que voltem para a tribo de onde saíram em suas guerras e peregrinações.

RUM. É o atabaque maior dos candomblés da Bahia.

RUMPI. É o atabaque médio nos candomblés da Bahia.

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O Dicionário completo pode ser obtido em http://sites.google.com/site/pavilhaoliterario/dicionario-de-folclore
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Fontes:
LÓSSIO, Rúbia. Dicionário de Folclore para Estudantes. Ed. Fundação Joaquim Nabuco
Imagem = http://www.terracapixaba.com.br/

Palavras e Expressões mais Usuais do Latim e de outras linguas (Letra N)


nascuntur poetae, fiunt oratores
Latim: Os poetas nascem, os oradores fazem-se.

natura non facit saltus
Latim: A natureza não dá saltos. Leibniz quis com este aforismo mostrar que não existem gêneros ou espécies completamente isolados, mas são todos interligados.

necessitas non habet legem
Latim: A necessidade não tem lei. Aforismo de Santo Agostinho que indica a cessação da lei diante da necessidade.

nec plus ultra
Latim: Não mais além. Termo ou ponto que não se deve ultrapassar. Indica também o que há de melhor.

nec semper lilia florent
Latim: Nem sempre florescem os lírios. As coisas não nos favorecem continuamente; existem os dias de contratempo.

nemine discrepante
Latim: Sem a discrepância de ninguém. Por unanimidade.

neque semper arcum tendit Apollo
Latim: Nem sempre Apolo retesa o arco. Ninguém pode trabalhar sem descanso, nem mesmo Apolo.

ne quid nimis
Latim: Nada de mais. Todo excesso é condenável.

nescio vos
Latim: Não vos conheço. Palavras de rejeição, na parábola das dez virgens (Evangelho seg. Mateus, 25.12), na qual Cristo aconselha a prudência e a vigilância no que concerne à salvação.

nescit vox missa reverti
Latim: Palavra expressa não pode voltar. Horácio refere-se à palavra escrita, aconselhando os escritores a reverem os escritos antes de os publicarem. Aplica-se também à palavra falada (pensar antes de falar).

nessun maggior dolore che ricordarsi del tempo felice nella miseria
Italiano: Não há maior sofrimento do que recordar-se do tempo feliz na miséria. Palavras que Dante coloca nos lábios de Francisca de Rímini, que narra ao poeta suas desventuras (Divina Comédia, Inferno, V, 121-123).

ne, sutor, ultra crepidam
Latim: Sapateiro, não vá além do calçado. O pintor Apeles assim responde ao sapateiro que, depois de criticar a sandália, pretendia analisar o resto do quadro.

ne varietur
Latim: Que não se altere. Usado pelas editoras quando querem a obra exatamente de acordo com os originais.

nigro notanda lapillo
Latim: Para ser marcado com pedra preta. Referência dos antigos aos dias nefastos.

nihil actum credens, dum quid superesse agendum
Latim: Crendo que nada fora feito, enquanto restasse alguma coisa por fazer (Lucano, Farsália II, 657).

nihil admirari
Latim: Não se admirar de nada. Princípio adotado pelos estóicos e também pelos indiferentes e apáticos.

nihil diu occultum
Latim: Nada oculto por muito tempo.

nihil novi sub sole
Latim: Nada de novo sob o Sol. Expressão do Eclesiastes (I, 10).

nihil obstat
Latim: Nada obsta. Fórmula usada pelos censores eclesiásticos ao permitir a publicação de um livro.

nimium ne crede colori
Latim: Não acredite muito na cor. As aparências enganam.

nisi utile est quod facimus, stulta est gloria
Latim: Se não é útil o que fazemos, a glória é vã. Não pode haver glória nas coisas inúteis.

noblesse oblige
Francês: A nobreza obriga. Um cavalheiro educado não pode comportar-se como um desclassificado.

nocturna versate manu, versate diurna
Latim: Versai com mão diurna, versai com mão noturna. Conselho de Horácio àqueles que desejam aprimorar o estilo: devem ler constantemente os bons autores.

noli me tangere
Latim: Não me toques. 1 Palavras de Jesus, logo após a ressurreição, a Madalena, que provavelmente lhe queria beijar os pés. 2 Pessoa muito melindrosa, que com tudo se amua e ofende.

nomen juris
Latim Direito: Denominação legal; o termo técnico do direito.

non bis in idem
Latim Direito: Não duas vezes pela mesma coisa. Axioma jurídico, em virtude do qual ninguém pode responder, pela segunda vez, sobre o mesmo fato já julgado, ou ser duplamente punido pelo mesmo delito.

non decet
Latim: Não convém.

non dominus
Latim Direito: Não dono. Diz-se daquele que não é proprietário da coisa de que se trata.

non ducor, duco
Latim: Não sou conduzido, conduzo. Divisa do Estado de São Paulo.

nondum natus eram
Latim: Eu ainda não era nascido. Passagem de Fedro, que a põe na boca do cordeiro, acusado pelo lobo de turvar a água.

non eadem miramur
Latim: Não admiramos as mesmas coisas; cada qual tem o seu gosto.

non multa, sed multum
Latim: Não muitas coisas, mas muito. Não seremos importantes pelo número, mas pela qualidade de nossas ações.

non nova, sed nove
Latim Direito: Não coisas novas, mas (tratadas) de (modo) novo.

non omne quod fulget aurum est
Latim: Nem tudo que brilha é ouro. Cuidado com as aparências.

non omnia possumus omnes
Latim: Todos nós não podemos tudo. Frase de Virgílio que põe termo à auto-suficiência humana.

non omnis moriar
Latim: Não morrerei inteiramente. Não morrerei completamente, minhas obras prolongarão minha vida. Pensamento de Horácio.

non plus ultra
Latim: Não mais além. Aplica-se com referência ao que não pode ser excedido.

non possumus
Latim: Não podemos. Resposta de São Pedro e São João ao príncipe dos sacerdotes que tentava proibir-lhes a pregação do Evangelho (Atos, IV, 19-20).

non videbis annos Petri
Latim: Não verás os anos de Pedro. Frase que se aplica aos sucessores de São Pedro, pois, de 261 papas, apenas Pio IX e Leão XIII superaram em anos a São Pedro no trono pontifício.

nosce te ipsum
Latim: Conhece-te a ti mesmo. Frase inscrita na entrada do templo de Delfos, na Grécia. Os filósofos gregos aproveitaram-na para suas lucubrações e a ascética cristã faz dela a base da perfeição.

nostrum baixo
Latim: O nosso, isto é, remédio ou preparado de fórmula secreta.

nota bene
Latim: Note bem. Locução empregada em alguns textos, para chamar a atenção para o que segue. Abreviadamente: N. B.

noverim te, noverim me
Latim: Que eu te conheça, que eu me conheça. Frase de Santo Agostinho, quando, nos Solilóquios, dirige-se a Deus para pedir-lhe o conhecimento (de Deus), para amá-lo, e de si próprio, a fim de se humilhar.

novissima verba
Latim: As últimas palavras; as palavras mais recentes.

nulla dies sine linea
Latim: Nenhum dia sem linha. Plínio diz esta frase de Apeles que não passava um dia sem exercitar-se na pintura.

nulla poena sine lege
Latim Direito: Nenhuma pena sem lei. Não pode existir pena, sem a prévia cominação legal.

numero Deus impare gaudet
Latim: Deus gosta de número ímpar. Referência de Virgílio às propriedades místicas atribuídas aos números ímpares.

nunc dimittis servum tuum
Latim: Despede agora o teu servo. 1 Cântico do velho Simeão ao tomar nos braços o Menino-Jesus, no templo de Jerusalém, agradecendo a Deus a ventura de ver, antes da morte, o Salvador de Israel. 2 Este mesmo hino, recitado em Completas, no breviário romano.

nunc est bibendum
Latim: Agora é beber. Horácio convida os seus contemporâneos a festejarem a vitória romana na batalha de Actium. Emprega-se esta locução quando se quer comemorar algum acontecimento auspicioso.
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As outras letras:

LETRA A http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/10/palavras-e-expresses-mais-usuais-do.html
LETRA B http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/10/palavras-e-expresses-mais-usuais-do_07.html
LETRA C http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/10/palavras-e-expresses-mais-usuais-do_21.html
LETRA D http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/11/palavras-e-expresses-mais-usuais-do.html
LETRA E http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/11/palavras-e-expresses-mais-usuais-do_28.html
LETRA F http://singrandohorizontes.blogspot.com/2009/01/palavras-e-expressoes-mais-usuais-do.html
LETRA G-H http://singrandohorizontes.blogspot.com/2009/05/palavras-e-expressoes-mais-usuais-do.html
LETRA I http://singrandohorizontes.blogspot.com/2009/06/palavras-e-expressoes-mais-usuais-do.html
LETRA J-L
http://singrandohorizontes.blogspot.com/2009/06/palavras-e-expressoes-mais-usuais-do_21.html
LETRA M
http://singrandohorizontes.blogspot.com/2009/07/palavras-e-expressoes-mais-usuais-do.html
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Fonte:
Por Tras das Letras

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Trova XLI

Armando Bettinardi (Poesias)



MEUS SONHOS
(inspirado em Raimundo Correia)

Amanhece…
A revoada dos meus sonhos recomeça;
Um após outro, batem asas e partem;
Vão em busca do infinito….

Voltarão? …
Quem sabe, sim; talvez, jamais! …

Uma certeza eu tenho:
No fim do dia,
Eu vou sorrir e também chorar;
Pois os meus sonhos fiéis estarão de volta;
E, tantos outros, não voltarão jamais.
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AFINAL

Falemos de nós,
Dos seus anseios
E dos meus anseios.

Vontade de ser feliz,
Necessidade de fazer
Alguém feliz.

Eu e você: dois desejos
Talvez iguais,
Duas vontades

Nada mais;
Quem sabe, seja assim
Até o fim, afinal.
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DE BEM COM A VIDA

Por força do meu destino
Que sempre foi caprichoso
Sou outra vez um menino
Feliz, alegre, jocoso.

Escuto tocar o sino
De um dia radioso
É um convite divino
Para folguedo e gozo.

Eu nunca mais serei triste;
Pois, em mim ainda existe
Aquele jovem que diz:

Melhor é sorrir pra vida
E ter cabeça erguida
De eterno aprendiz.
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CAMINHANDO

Por que o sol,
a praça,
o burburinho da cidade
estão aqui?

Por que: a luz
o dia aberto diante de mim,
o convite à vida,
se eu estou sozinho?

Sem você, o momento
passa como o vento,
sem consumação,
naturalmente, inutilmente.

Não entendo momento,
só momento, sem ação,
sem movimento,
sem nós dois
que juntos somos vida.

Só aceito momento,
que não seja fugaz nem
efêmero;
- que seja total completamente.

Então, seremos nós
eu e você,
caminhando juntos,
de mãos dadas
rasgando a luz da tarde;
rumo ao crepúsculo.

Agora, o dia ainda está todo
aberto diante de nós;
e, é um convite à vida.

Vamos pois, inebriados
beber a vida, gota a gota
até o fim, enquanto,
juntos caminhamos.
* * * * * * *

Criança é natureza
Isenta de todo o mal,
A mais perfeita beleza,
Espontânea, natural.

Se não existe um jeito
De esquecer-te, saudade,
Vais conviver no meu leito
Com a minha soledade.
*******

VOCÊ

Você… sempre você,
ocasião, motivo e razão
do meu viver.

Você é tudo para mim,
a luz, o som, o princípio e o fim.

A melodia da tarde,
minha eterna canção,
o sol, a sombra,
tudo o que me cerca
é você.

A razão, não sei porque;
talvez tudo o que passou,
tudo o que virá,
a vida, enfim,
será para mim:
você!
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Armando Bettinardi (1928)



Academia de Letras de Maringá
Cadeira nº. 35 – Patrono: Raimundo Correia

Bettinardi nasceu em Capinzal, Estado de Santa Catarina, em 5 de março de 1928. Na cidade de origem, cursou cinco anos do primário e dois anos do curso complementar. Em Joaçaba – SC, no colégio Frei Rogério, dos irmãos Maristas, cursou o ginásio. Curso Clássico no Colégio Novo Ateneu, em Curitiba/PR Iniciou três cursos universitários, que abandonou por impossibilidade de cumprir a freqüência obrigatória. Participou das três Coletâneas dos Poetas de Maringá (1966, 1997 e 2007) e das Coletâneas da ALM.

Publicou: Angústias (poesias, 1962), SSS – Silêncio, Solidão, Saudade (poesias, 1982), Cidade Verde (crônicas, 1994), Contos do Manduca (1997), Meus três espectros (poesias, 2003), e Saudades sem fim (poesias, 2007).

Fonte:
Academia de Letras de Maringá

Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafayette



A história da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafayette tem suas origens, ainda que indiretamente, no Grêmio Literário Napoleão Reys, fundado em Queluz de Minas, entre as décadas de 20 e 30, no século passado. Era uma época de efervescência cultural na cidade que já havia sido cognominada por Nelson de Senna, no início daquela centúria, como cidade “dos livros e das flores”. A existência do Grêmio foi efêmera, mas o espírito sensível às letras e às artes em geral continuou a mover muitos queluzenses e lafaietenses, que voltaram a tentar se reunir em um sodalício na década de 80.

Passados cerca de 50 anos, o professor Alberto Libânio Rodrigues, que por meio do jornal Panorama, o qual dirigia, dava um novo impulso às manifestações culturais, começou a reorganizar a Academia Lafaietense de Letras, tendo, inclusive, começado a divulgar a biografia dos futuros acadêmicos nas páginas de seu hebdomadário e a formar a diretoria. Mas o ideal, por motivos vários, arrefeceu-se. No entanto, o professor guardou consigo o projeto e, dez anos depois, com um grupo de idealistas como ele, reorganizou o silogeu, com a denominação de Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafayette (ACLCL).

A ACLCL foi instalada em 18/09/1993, em sessão solene realizada no Teatro Municipal “Placidina de Queirós”. O evento integrou a programação oficial das comemorações do 203o aniversário da emancipação política do município. O presidente de honra da sessão foi o historiador Fenelon Ribeiro, membro do Instituo Histórico e Geográfico de Minas Gerais, empossado na cadeira 9. Naquela ocasião, foram aprovados os estatutos da entidade, elaborados por uma comissão formada por um grupo de 13 intelectuais, responsáveis pela organização da entidade. Também foram empossados 65 acadêmicos.

A princípio, a ACLCL era formada por 100 cadeiras, pois seus idealizadores desejavam que ela abrangesse todos os segmentos das ciências, letras e artes, por isso demandaria um número maior de vagas, a modelo, também, do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais. No entanto, após alguns anos, deliberou-se reduzir esse número para 80, a fim de reunir apenas os expoentes das ciências e letras que sejam, realmente, uma referência em sua respectiva área, não obstante o ideal fosse ter como paradigma a Academia Francesa, assim como o fez as academias Brasileira e Mineira de Letras, com 40 cadeiras...

A primeira diretoria ficou assim formada:

Presidente - Alberto Libânio Rodrigues
Vice-presidente - Luiz Antônio da Paz
1º secretário - Márcia Terezinha Carreira Rodrigues
2º secretário - Paulo Roberto Antunes
1º tesoureiro - Geraldo Augusto de Freitas
2º tesoureiro - Aloísio do Carmo Elói.

O conselho superior compunha-se dos seguintes acadêmicos: Antônio Francisco Pereira (presidente), Efigênia Chaves Janoni (secretária), Carlo José de Menezes, João Batista Ferreira Lima, Márcio Verdolin Hudson, Benedicto Fernandes Carlos, Edir Pires.
Participaram da comissão organizadora dos atos constitutivos da ACLCL: Alberto Libânio Rodrigues, Antônio Francisco Pereira, Antônio Luiz Perdigão Batista, Benedicto Fernandes Carlos, Carlo José de Menezes, Carlos Elói Castro Trajano, Dimas da Anunciação Perrim, Fenelon Ribeiro, Geraldo Augusto de Freitas, Hortência Hudson Vilela, Márcio Verdolin Hudson e Zeni de Barros Lana.

O primeiro membro efetivo empossado por ocasião da fundação foi a acadêmica Avelina Maria Noronha de Almeida, que, na ocasião, recebeu o título de “Madrinha dos Poetas Lafaietenses”, representado por um diploma especial que lhe foi entregue durante a solenidade.

De acordo com os estatutos, são os objetivos da ACLCL:

- Promover e difundir as ciências humanas, letras e artes;
- Promover reuniões e eventos lítero-musicais, seminários e encontros nas áreas pertinentes às suas atividades;
- Exposições de arte (pintura, escultura, fotos etc.);
- Incentivar e colaborar, na medida do possível, com o incremento ao teatro, música, jograis e outras atividades afins;
- Promover cursos e concursos literários;
- Colaborar com todos os esforços particulares e oficiais que visem ao aperfeiçoamento constante do nosso idioma;
- Apoiar as manifestações culturais de Lafaiete e de outros municípios, que envolvam os interesses dos sócios da entidade nas cidades em que eles estejam residindo;
- Manter intercâmbio cultural com entidades congêneres;
- Outras atividades literárias e culturais.

A ACLCL promove as reuniões ordinárias sempre no último sábado de cada mês, às 15h, em sua sede, na Casa de Cultura “Gabriella Mendonça”. Também são promovidas, mensalmente, uma Reunião de Estudos, cada uma com um tema específico, bem como as sessões solenes em ocasiões especiais, como no aniversário de fundação, a 18 de setembro, e no final do ano, quando são premiados os vencedores do Concurso Literário Internacional Prêmio Cidade de Conselheiro Lafaiete.

A sede da ACLCL abriga uma biblioteca contendo, principalmente, trabalhos dos acadêmicos e de seus patronos. A este acervo se juntaram outros, por doação, como o do Monsenhor José Sebastião Moreira, do Dr. Luís Bonifácio Lafayette de Andrada e do fundador Prof. Alberto Libânio Rodrigues. Também na sala-sede da entidade está o arquivo com as pastas dos acadêmicos, contendo documentos e trabalhos vários, e a galeria de fotos dos patronos das cadeiras.

Os membros

As categorias de membros da entidade são: membros efetivos, aqueles que ocupam uma determinada cadeira; membros correspondentes, os que residem fora de Lafaiete; membros eméritos, concedido àquelas pessoas que se destacam pela qualidade de sua obra ou atuação no meio cultural, mas que, por algum motivo, estão impedidas de cumprir com as disposições estatutárias, mas mantêm uma relação de cordialidade com a ACLCL, engrandecendo-a mais e mais.

Atividades diversas

Desde a sua fundação, a ACLCL desenvolve diversos projetos. Alguns tiveram execução temporária, outros se mantêm até hoje, como o das Academias Mirins criadas nas escolas. A proposta é incentivar o hábito de leitura nos alunos e a produção literária. Hoje, esse projeto já dá bons frutos, graças à dedicação da acadêmica Lêda Maria Augusta Vieira de Faria, que não mede esforços, mesmo com as limitações que a saúde lhe impõe. Na Escola Estadual “Professora Maria Augusta Noronha”, por exemplo, já foram quatro edições da antologia “Escrevendo com a alma”, com trabalhos dos alunos. Nessas escolas realizam-se, também, as Olimpíadas Literárias, surpreendendo, a cada ano, com um número maior de livros lidos por eles, que são argüidos sobre as obras.

Esse projeto nas escolas fortaleceu-se, mais ainda, após o lançamento do Movimento Caravelas. Idealizado pelos acadêmicos Avelina Maria Noronha de Almeida e Carlo José de Menezes, a declaração assinada em 1999 propunha a inserção, na grade curricular do ensino fundamental ou médio, do estudo da Literatura Mineira. O projeto foi muito bem recebido nos meios intelectuais de Minas, no entanto, a Assembléia Legislativa de Minas Gerais não atentou pela sua importância e logo o resumiu a um “adendo” à matéria de Literatura geral que já existia no currículo.

Diversas datas históricas marcantes são lembradas pela Academia, em suas reuniões e publicações, como o aniversário de nascimento ou de morte dos patronos das cadeiras ou de algum vulto célebre. Vários livros de acadêmicos também foram lançados durante as festividades da entidade. Há também a promoção de uma Exposição Bienal Temática de Pintores Lafaietenses, reunindo os nomes expressivos das artes plásticas na cidade.

A ACLCL, promovendo a difusão dos acadêmicos e escritores lafaietenses, mantém a publicação do Informativo Caravelas e apóia a edição da antologia “Lafaiete em Prosa e Verso”, desde 1994, onde publica-se o Anuário da Academia, com as principais efemérides. Sempre que possível, apóia também a publicação de outras obras, tendo já realizado a do poema épico “Queluzíadas”, de autoria do Prof. Alberto Libânio Rodrigues, que canta, em versos decassílabos (a exemplo de Camões), a história de Conselheiro Lafaiete, desde os tempos de Carijós e Queluz. Sua publicação foi comemorativa no cinqüentenário de seu nascimento, em 2004.

Assim, a ACLCL dá continuidade aos trabalhos, inspirada na gesta de seus fundadores, tendo como norte a promoção e difusão das ciências e das letras, soando aos ouvido de seus membros a sonoridade poética do canto que envolve as suas armas: Labore scriptisque ad immortalitatem.

Fonte:
Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafayette

Autores Premiados nos Prêmios Sesc de Literatura



2008

O momento mágico

Trata do tema solidão, a partir da reflexão de um homem de 88 anos que deseja a morte, mas não é contemplado com ela. Ao analisar seu passado, o personagem fica ainda mais deprimido e procura então provar a si mesmo que ainda está vivo.

Márcio Ribeiro Leite

Médico e psicoteraupeta, o baiano Márcio Ribeiro Leite usou seus trabalhos clínicos e observação de idosos como inspiração para o romance O momento mágico, escrito em dois meses. Bastante ligado a família, o autor de 51 anos se declara um escritor intimista e garante que, após a premiação, vai se dedicar mais a carreira literária.

2008

Mentiras do Rio

Os contos mostram dois lados da vida na cidade do Rio de Janeiro: o cotidiano de um lugar bonito com pessoas interessantes, e a tensão da violência do mesmo dia a dia.

Sergio Leo de Almeida Pereira

Nascido no Rio de Janeiro, em 1963, Sergio Leo é jornalista desde 1983, formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, e especialista em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília. Escreveu Mentiras do Rio a partir de experiências pessoais e profissionais da época em que viveu no Rio de Janeiro. Atualmente, mora em Brasília e trabalha como repórter especial e colunista do Valor.

2007

Beijando Dentes

A coletânea de contos aborda como tema central a incomunicabilidade entre as pessoas. A partir de cenas e falas banais do cotidiano, o autor faz um exame das tensões nos relacionamentos humanos, por gênero ou geração.

Maurício Fiorito de Almeida

Maurício nasceu em Campinas, em 1982. Formou-se em Antropologia pela Unicamp. É co-autor das peças Transparências da carne e No meio da Noite.

2007

Zé, Mizé, Camarada André

A história trata da independência de Angola e das experiências de um jornalista brasileiro no país, narradas a partir da vivência do autor na África, entre 1978 e 1980.

Sergio Guimarães

Nascido em Santo Anastácio, São Paulo, em 1951, Sérgio Guimarães é representante do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em Honduras, e vive entre São Paulo e Tegucigalpa, em Honduras. Professor por formação, deixou de lado a carreira acadêmica em 1978 para viver em Angola, trabalhando pela Unesco, de onde tirou experiência para escrever seu livro.

2006

Correio litorâneo

Apesar de abordarem os mais diferentes universos, os contos de Correio litorâneo estão amarrados em torno de notícias de jornal, o que lhes dá uma rara unidade temática. No caso, um jornal fictício, com o mesmo nome do livro.

Nereu Afonso da Silva

Nascido em 1970, em São Paulo, Nereu é formado em Filosofia pela USP. Foi um dos Doutores da Alegria (palhaços em hospitais).

2006

Casa entre Vértebras

Preso em sua habitação, um homem com a mente em redemoinho rumina cartas nunca escritas, esboça angustiado um labirinto de ideias e assombrações. Seus temas: solidão, infância, amor, memória, morte, loucura, religião.

Wesley Peres

Escritor e psicanalista, Wesley nasceu em Goiânia em 1975. Idealizador e colunista da Revista Ruído Branco. Participou da programação da Folia Literária do SESC Paraná em setembro de 2007.

2005

A secretária de Borges

A narrativa gira em torno das franjas de uma mudança drástica por parte dos personagens. Como no conto O divórcio, em que uma mulher sente em plenitude a potencialidade de sua nova situação. Outro conto em que a personagem feminina passa por uma arrepiante mudança de opinião – na verdade, quase uma mudança mais radical de postura – é o bem-humorado Tatuado no braço.

Lúcia Bettencourt

Lúcia lançou em 2008 seu segundo livro de contos Linha de sombra. Professora de português-literatura, Lúcia foi a primeira vencedora do Prêmio SESC na categoria contos.

2005

Hoje está um dia morto

Ficção que trata de um tema bastante comum na vida moderna: a falta de utopias da qual decorre a ausência de perspectivas existenciais. Os personagens Jean e Fabiana retratam de maneira muito autêntica a juventude brasileira, nas suas dúvidas, aspirações e conflitos.

André de Leones

Nascido em Goiânia, em 1980, André lançou em 2008 seu segundo livro, desta vez de contos, intitulado "Paz na Terra entre os monstros"

2004

As netas da Ema

Em uma narrativa que mistura sonhos, realidade, lembranças do passado e flashes do cotidiano, Eugenia Zerbini conta a história de uma mulher que, depois de ser assaltada na rua e ver a morte de perto, se põe a refletir, obsessivamente, sobre a vida que lhe foi devolvida.

Eugenia Zerbini

Nascida em São Paulo, Eugenia contribui para o site Digestivo Cultural e mantém o blog As nestas da Em@. Escreve atualmente a biografia romanceada da imperatriz Teresa Cristina, mulher de Pedro II.

2003

Santo Reis da Luz Divina

O romance é um painel épico que alia romance histórico e saga familiar. A trama começa no Rio de Janeiro ao tempo da Guerra do Paraguai e termina nos anos 90, no Paraná. Nessa trajetória entrecruzam-se famílias que vão formar o grande encontro das migrações, no sul do país.

Marco Aurélio Cremasco

Paranaense, Cremasco vive em Campinas, São Paulo, e é professor de Engenharia Química da Unicamp. Seu romance foi indicado ao Prêmio Jabuti em 2005. Em 2007 lançou o livro de contos Histórias prováveis, pela Editora Record

Fonte:
http://www.sesc.com.br/premiosesc/

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Trova XL

Antonio Brás Constante (Escrevendo sobre a Morada da Escrita)

Pintura de Iaman Maleki
Se o livro é a casa do escritor, seu universo é nômade e segue itinerante pelas feiras dos livros. Feiras que voam como pássaros livres ao sabor dos ventos, e que anualmente vem nos visitar, esperando por nossa vinda, para que junto com seus filhos textuais possamos alçar nossa mente ao infinito e também voar.

O que é o livro senão uma expressão do ser e do viver, viver e respirar, respirar e sentir, sentir e amar. Seja através do toque dos olhos nos símbolos desenhados no papel, como se eles dançassem em um baile, ou da visão tácita ao se deslizar a ponta dos dedos que acariciam folhas em Braille. Formas diferentes de sorver a literatura, ambas unidas pelo mesmo saber e sabor, transmitidos pela leitura.

Do concreto se erguem as cidades, das palavras se constroem os livros, e ambos se encontram nas feiras dedicadas a leitura. Jovens cidades centenárias, com problemas de gente grande (por exemplo, escrever é tão viciante quanto viver, a droga é que muitos preferem as drogas), e que são feitas de ferro e famílias, vidro e vida, aço e amizade, cimento e sonhos, tudo mesclado em mil fragmentos, e impulsionada por milhares de corações.

Pelas veias desses lugares onde repousam nossos lares, andamos rumo ao futuro, muitas vezes esquecendo que somos parte do presente onde se trilham os caminhos que poderão melhorar ou piorar o seu semblante, e que isto depende de nós e de nossos semelhantes. Somos moradores de seu ventre, e nele tantas vezes descansamos, e ao acordar continuamos nossa história, que se torna parte da memória de nossa cidade.

Neste contexto, aqui transcrito em forma de texto, quando percebermos o poder que temos na existência e na vida das localidades onde moramos, e que atos singelos como partilhar de eventos tão belos como as feiras do livro, podem vir a transformar nossos caminhos. Prestigiar tais acontecimentos torna-se mais do que uma manifestação social, sendo um gesto de amor.

Somos pessoas divididas por faixas e trilhos, muros e cercas, individualismo e medo, mas quando nos vemos unidos, formamos um povo com centenas, milhares e até milhões de seres vivos e pensantes. A partir daí começamos a ter a noção da força que podemos ter como sociedade, e de que conseguiríamos fazer até o céu tremer e o chão flutuar com o poder de nossa união.

Cada um de nós é uma letra, nossas famílias formam as palavras, nossos círculos de amizades criam frases, e todas estas frases compõem a cidade onde moramos. As feiras do livro são chances de nos encontrarmos com nossos semelhantes, enquanto nos perdemos no salutar hábito da leitura. E a leitura é alimento que não sacia, ao contrário, ela instiga o apetite do leitor, tornando-o um devorador assíduo de textos, recheados de palavras, temperados com novas idéias e, em muitos casos, adoçados com pitadas de poesia e humor.

Ao terminar de escrever este texto, tendo o frio como companheiro, quis dar minha contribuição não apenas como escritor, mas como cidadão, transformando sentimentos em palavras. Espero que estas palavras tragam a tona à energia que reside dentro de você, conduzindo-o até os livros que esperam por sua chegada de páginas abertas.

Fonte:
Colaboração do autor

Curso de Férias (Técnicas de Contar Histórias)



CURSO DE FÉRIAS
Técnicas de Contar Histórias

Que tal incrementar seu repertório, seus recursos e suas técnicas de contar histórias?
Venha aprender como tornar o momento da leitura um momento mágico e inesquecível para as crianças.

Data: 25 de julho de 2009
Horário: 14:00 às 18:00
Valor: R$ 50,00
Local: Rua Ana Carmela Jurado Ferro, 93
Jardim Emilia - Sorocaba

Público alvo:
Professores de Educação Infantil e Fundamental;
Contadores de Histórias;
Catequistas;
Universitários e
Voluntários .

Objetivos:
Ampliar e incrementar o repertório e recursos de contar histórias;
Conteúdo do programático:
Dicas para o sucesso da contação de Histórias (como contar, como escolher uma história, entonação de voz, postura, que recurso utilizar).
Confecção de fantoches (meias, sucatas, dobraduras, objetos, desenhos)

Fontes:
Colaboração de Douglas Lara
Leitura Viva

Laureano Barros: O homem que fugiu com uma biblioteca


Ele planejava tudo. Era organizado, previdente e perfeccionista. Inflexível com a verdade, a liberdade, a independência, o rigor e a pontualidade, exigia-os de si e dos outros. Laureano Barros tinha, portanto, poucos amigos, mas bons. Antes de morrer, fez uma lista das únicas cinco pessoas que deveriam ser avisadas. Arnaldo Sousa era uma delas.

Costumavam combinar encontros, para conversar. Arnaldo, de 46 anos, que é poeta e professor de Filosofia, conduzia até ao portão da Quinta da Fonte da Cova. Estacionava e esperava no carro, olhando para o relógio, até três minutos antes da hora que tinham marcado. Era esse o tempo exato que levava a chegar, a passo, à porta da casa. Cronometrara-o escrupulosamente. Só então saía. Era um dos contratos que tinham, ao longo de mais de 20 anos de amizade: pontualidade absoluta. Outro era sobre as "datas obrigatórias": era proibido desejar Feliz Natal no dia de Natal, ou dar os parabéns no dia do aniversário. Nessa data, também não se ofereciam presentes.

Outro contrato era a sinceridade. Nunca estariam um com o outro se não o desejassem. Quando fosse preciso dizer não, di-lo-iam sem receio.

Um dia, Arnaldo teve vontade de apresentar Laureano a um psiquiatra seu amigo, que o visitava em Ponte da Barca. Há muito que falava a Zeferino do velho colecionador de livros Laureano Barros, a pessoa que mais admirava no mundo. Telefonou para a quinta e explicou a sua intenção, cheio de entusiasmo. "Posso levá-lo?"

"Não." Arnaldo poderia ter perguntado porquê, mas ficou satisfeito. Respeitar a vontade do amigo era uma obrigação contratual.

"Não quer saber por que eu disse 'não'?", concedeu Laureano.

"Não, não quero saber. Disse 'não' e isso basta-me."

"Mas eu quero explicar-lhe: é que eu não tenho interesse em conhecer mais ninguém."

Resposta implacável. Mas ao mesmo tempo a chave para uma certeza auspiciosa: quando Laureano dissesse "sim", a sua vontade seria genuína.

Recebia Arnaldo para almoçar, com toda a formalidade e etiqueta. Sentava-o a seu lado, mandava servir os pratos que sabia serem os seus prediletos. Ficavam na sala a conversar, durante cinco, seis horas. A empregada, a sr.ª Mariquinhas, entrava apenas quando Laureano tocava a campainha. Por vezes, no Verão, almoçavam na cozinha. Aí, Arnaldo reparou que Laureano lhe oferecia sempre a cadeira onde ele próprio se costumava sentar, em frente à porta, que dava para as árvores da quinta. Uma vez perguntou-lhe e Laureano explicou a razão: "Porque tu és poeta, e os poetas devem ver a natureza."

Falavam de todos os assuntos: literatura, política, filosofia, ciência, a vida e a morte, a amizade e o amor. Laureano era especialista em tudo. Amava a razão, a oratória e o contraditório. Esmiuçava os temas até às últimas consequências. No fim, quando Arnaldo chegava a casa, não era raro ter já vários telefonemas do amigo, que entretanto se lembrara de mais uma achega, mais um argumento. Ligava-lhe e ficavam mais umas horas a debater um pormenor qualquer. Não havia matérias irrelevantes. Todas eram dignas de elucubração e polêmica. A escolha do nome de um cão, por exemplo.

Após uma tarde de discussão, decidiram chamar Preto a um novo cachorro da quinta, por causa das manchas escuras que apresentava no pêlo. À noite, porém, Laureano telefonou a Arnaldo. Mudara de idéias. Ali perto, explicou, estavam hospedados, devido às obras da barragem do Alto Lindoso, alguns trabalhadores africanos. Poderiam ficar ofendidos quando ouvissem chamar pelo cão, que acabaria por ser batizado simplesmente como P, já que, segundo vários livros da especialidade consultados por Laureano, os canídeos só fixam a primeira consoante do nome.

Outro contrato, que também foi cumprido: Arnaldo, que durante algum tempo foi diretor do jornal da terra, não deixaria que O Povo da Barca desse a notícia da morte de Laureano, quando ocorresse.

A juventude

Foi quando foi viver para o Porto, para frequentar o liceu, que o jovem Laureano Barros começou a comprar livros. Frequentava os alfarrabistas e iniciou uma coleção, tal como fazia com os paliteiros, bengalas, relógios, louças, antiguidades ou alfaias agrícolas. Mas ao contrário de toda a traquitana que sempre gostou de trazer para casa, aos livros ergueu uma fidelidade. Não os vendia, não desistia nem se esquecia deles. Começou a acumulá-los na moradia que o pai lhe comprou para se instalar na cidade, na Foz, continuou a ampliar a coleção enquanto viveu nessa casa com a primeira mulher, Leonor, e depois quando se divorciou dela e das seguintes. De cada vez que se separava da mulher com quem vivia (e foram mais mulheres do que os três casamentos), deixava-lhe tudo: a casa, os móveis, as antiguidades. Mas levava consigo a biblioteca. Eram livros de Matemática, de Filosofia, de Botânica, mas acima de tudo de Literatura Portuguesa, e, cada vez mais, volumes curiosos e raros, obras pouco conhecidas, primeiras edições. Por alguns autores tornou-se obcecado e comprava tudo. Depois estendeu a obsessão a todos os escritores. Comprava e lia, várias vezes, os livros de Camilo, Eça, Pessoa, Torga. Sempre teve insônias, e passava-as a ler. Dono de uma memória prodigiosa, sabia páginas e páginas de cor. Perdia horas a arrumar os livros, a manuseá-los, a acariciá-los.

Para ele, eram um salvo-conduto contra a efemeridade de tudo o resto. E também contra a desilusão, como se nada, além dos livros, estivesse à altura dos padrões de excelência que estabeleceu. Do grau de pureza que cedo definiu para a sua vida.

Tendo concluído a licenciatura em Matemática com alta classificação, Laureano foi logo convidado, com 21 anos, para assistente de Rui Luís Gomes, um dos professores mais prestigiados da Faculdade de Ciências do Porto. A bela colega Leonor Moreira obtivera, no secundário, a segunda melhor classificação a Matemática (19) e ele (que teve 20) casou com ela, quando eram ambos estudantes no curso de Matemática da Faculdade de Ciências. Teriam três filhos: Carlos, Rui e Margarida, futuros médico, arquiteto e professora de Matemática.

Mas Rui Luís Gomes era um antifascista incorrigível. Em 1947, a seguir a vários episódios pouco felizes com a PIDE, foi expulso da faculdade, juntamente com outros dois matemáticos, José Morgado e, claro, o reto e incorruptível Laureano Barros, após terem enviado ao Governo uma carta protestando contra a prisão de uma aluna.

Desempregado, Laureano, então com 26 anos, montou uma sala de explicações, em frente ao mercado do Bolhão. Durante mais de 20 anos, viveu disso e pouco mais. Os rendimentos das propriedades familiares de Ponte da Barca, quando chegavam, convertiam-se imediatamente nalguma edição rara de Camilo ou Eça. O mesmo acontecia com as poucas remessas de Angola, onde o pai entretanto se estabelecera e constituíra outra família. Qualquer dinheiro extra era aplicado em extravagâncias bibliófilas, que incluíam, por exemplo, contratar um estudante para lhe catalogar a biblioteca.

Foi o primeiro emprego de Alexandre Outeiro. Laureano Barros pagava ao jovem de Ponte da Barca a estadia numa pensão, mais um salário simbólico, para ele passar os dias a fazer fichas dos livros no T2 que, depois de se divorciar pela segunda vez, arrendara na Rua de Sá da Bandeira. Alexandre cumpria o seu horário de trabalho sozinho no apartamento, mas por volta do meio-dia recebia um telefonema de Laureano convidando-o para o almoço num restaurante, onde passaria a refeição a falar-lhe de livros, cultura e aventuras.

Alexandre ficou a saber, maravilhado, como Laureano, que nunca foi comunista, deu guarida, na casa da Foz, ao militante comunista na clandestinidade Rogério de Carvalho, ou como se encontrou, a meio da noite, num pinhal em Vila do Conde, com a linda militante clandestina do PC Cândida Ventura, que ele não conhecia, para lhe passar uma pasta com documentos secretos. Ou ainda como numa aldeia chamada S. Martinho da Anta havia um velho olmo negro, descrito por Miguel Torga...

Nesta altura já Laureano e Alexandre eram amigos, e davam passeios de vários dias pelo Norte do país, a convite de Laureano, que pagava comidas e dormidas, mas no carro de Alexandre, porque o outro nunca teve carta de condução. Mesmo assim, Alexandre sabia que tinha de chegar ao encontro com o amigo à hora exata que haviam marcado. Se atrasasse um minuto, Laureano era capaz de, zangado, ir sem abrir a boca do Porto a Braga. "Ele exagerava", admite Alexandre Outeiro, que é hoje diretor de uma delegação da Caixa Geral de Depósitos em Gaia. "E sabia que exagerava. Mas era assim. Um homem de um rigor extremo, em tudo o que fazia."

A biblioteca

Depois do 25 de Abril de 1974, Rui Gomes da Silva regressou do exílio no Brasil para ser nomeado reitor da Universidade do Porto. A primeira coisa que fez foi convidar Laureano para dar aulas na Faculdade de Ciências. Relutante, ele aceitou, mas, por discordar dos arbitrários saneamentos de professores, demitiu-se meses depois. Ainda voltou às explicações e lecionou num colégio, mas não se adaptou à balbúrdia da época e, após a morte do irmão, Joaquim, em 1976, mudou-se definitivamente para Ponte da Barca. Ia no terceiro casamento, com a professora de Francês Maria José Caleijo, que continuou a viver no apartamento de Sá da Bandeira. Os livros, esses, viajaram com Laureano. Agora, que herdara a casa grande da família, tinha espaço para eles.

Primeiras edições de Fernão Mendes Pinto, Camões, Vieira, Verney, Eça, Pessoa, Antero ou António Nobre, obras juvenis de Guerra Junqueiro, Torga ou José Gomes Ferreira, edições raras de poetas quinhentistas de Ponte da Barca - a biblioteca começou a crescer em majestade, a tornar-se maior do que si própria, misteriosa e imortal, exigindo reverência e devoção. Laureano foi ficando solitário. Ninguém sabe ao certo porquê.

Laureano Alves, primo de Laureano Barros, acha que ele se tornou um homem desiludido. "Passava muito tempo sozinho, embora adorasse conversar." O comportamento dos outros entristecia-o. Principalmente o dos mais comprometidos com o mundo. Por isso foi cortando elos. Recusou tudo o que lhe ofereceram. Foi convidado para professor catedrático da Faculdade de Ciências, como se tivesse lecionado durante todo o tempo desde a expulsão, em 1947. Não achou justo. Aceitou o cargo de diretor da Escola Secundária de Ponte da Barca, mas por pouco tempo. Segundo uma investigação que instaurou, descobriu serem falsos os atestados médicos que uma professora apresentava para faltar às aulas. Como ela não foi demitida, alegadamente por ter amizades no Ministério da Educação, Laureano pediu a reforma. Mais uma vez, recusou que lhe fosse contado o tempo de serviço desde a sua expulsão da Função Pública, como tinha direito, pelo que ficou com uma pensão miserável.

"Para ele, tudo tinha de ser perfeito", explica o primo.

Não facilitava. Essa era provavelmente a razão por que, sendo um amante da literatura, não escrevia. "O que fizesse teria de ser perfeito. Até uma carta, demorava semanas a escrevê-la. Esse perfecionismo paralisava-o. E, no entanto, escrevia muito bem." Também terá sido por causa do perfecionsmo e obsessão pela verdade que não conseguiu manter nenhum casamento, explica um amigo. Não suportava situações menos que perfeitas, e não conseguia mentir: de cada vez que tinha uma infidelidade, contava logo, o que acabava por levar à separação. Mas continuou amigo de todas as ex-mulheres.

A última, Maria José Caleijo, foi companheira até à sua morte, durante 45 anos, apesar de tudo. A certa altura, por imperativos de coerência, divorciaram-se, embora tivessem continuado juntos.

A solidão

Laureano isolou-se em Ponte da Barca, onde passaria os últimos 30 anos de vida. Fugia das pessoas, e ao mesmo tempo procurava-as. Os outros surgiam-lhe como entidades algo imateriais e o encontro com eles não raro o fazia sentir-se perdido.

Para não se desiludir, preferia por vezes manter à distância aqueles de quem gostava, ignorando a crueldade da atitude. Quando Margarida, a filha, regressou de Inglaterra, onde, muito jovem, fora fazer o doutoramento em Matemática, Laureano fez tudo para que ela não o fosse visitar. Tinha medo que ela tivesse voltado muito esquerdista, e que se zangassem à primeira discussão. Fizera tudo, aliás, para que ela não seguisse Matemática, receando que não conseguisse. Margarida empenhou-se em mostrar que ele estava enganado, concluindo a licenciatura com média de 17.

Talvez cultivasse o relacionamento com os que se prestavam a ser amigos imaginários, metáforas de si próprios. Dizem os psicólogos que os colecionadores compulsivos sofrem de incapacidade de lidar com os outros. Se isso é verdade, os livros, metáforas perfeitas da vida, são a coleção ideal do filantropo solitário.

No entanto, Laureano tornou-se amigo de pessoas que admirava. Lagoa Henriques, Óscar Lopes, Costa Gomes, que foi seu colega de faculdade. O general era visita regular da Quinta da Fonte da Cova, até quando foi Presidente da República (Laureano chegou a enviar-lhe uma carta criticando-o pelas cedências aos comunistas), e o mesmo acontecia com vários intelectuais e artistas, alguns bem pouco convencionais, como Luís Pacheco ou Eugénio de Andrade. Nestes, o austero e rígido Laureano apreciava a liberdade e a capacidade de surpreender. Mas mais tarde ou mais cedo a tolerância levava à colisão.

Eugénio passava grandes temporadas na quinta. Sentia-se em casa e dava largas às suas muitos próprias jovialidade e loucura. Mas quando a mãe de Laureano morreu, não mostrou grande consternação, explicando simplesmente que não gostava de funerais.

Uma vez, numa festa, Laureano apresentou-lhe uma personalidade de Ponte da Barca, um sujeito baixo e gordo que sorria de deferência para com o poeta. Eugénio apertou-lhe a mão - "Muito prazer!" - mas ao mesmo tempo disse para o lado, alto e bom som: "Isto é um homem ou é um cagalhão?"

Foi de mais. Laureano cortou com ele relações, que só viria a reatar, décadas depois, pouco antes da morte do amigo.

A vida na quinta

Em Ponte da Barca, Laureano era amado e odiado, e retribuía ambos os sentimentos. As eminências locais tinham a noção de ter ali uma personalidade de craveira nacional, e tentavam aproveitar-se, oferecendo-lhe cargos e medalhas. Laureano nunca aceitou, alegando que nada fizera pela terra, o que não podia ser mais verdade.

Limitava-se a ser um exemplo, o que nem sempre era devidamente apreciado. Para desconforto de muita gente, a legalidade fiscal era uma das obsessões de Laureano. Quase uma doença. Pagava tudo antes do tempo e até mais do que devia, para não correr o risco de errar. Não admitia a mínima batota. Nas transações de propriedades, era comum assinar-se a escritura por um valor inferior ao real, para pagar menos imposto. Laureano recusava-se, o que lhe impediu alguns negócios. Mas não cedia. Uma vez, quis vender uma das terras da família por 100 mil euros. O comprador aceitava o preço, desde que se fizesse escritura por 10 mil. Laureano fez um acordo: pagaria ele próprio o montante do imposto de transação correspondente a 90 mil euros, que era devido ao outro. Foi aceite e o negócio fez-se.

Intransigente em relação à dignidade das pessoas, Laureando comia com os seus trabalhadores à mesma mesa, o que muitos consideravam esquisito.

Foi também o primeiro, na região, a fazer descontos para a reforma e segurança social dos trabalhadores. Os outros agricultores sentiram-se prejudicados com este precedente e nomearam um representante para interceder junto de Laureano. Quando aquele chegou à quinta sugerindo, com falinhas mansas, que o "senhor doutor", pelo menos, descontasse para a segurança social apenas um dia ou dois, e não a semana inteira, foi corrido com insultos.

A Quinta da Fonte da Cova era um oásis de legalidade. E de alguma loucura também.

Os "meninos"

O patrão achava que devia iniciar os empregados no mundo da bibliofilia e da cultura. Lia para eles, convocava-os para sessões temáticas nos aposentos por onde se distribuía a biblioteca: a sala, a salinha, o quartinho ou mesmo a saleta. Por vezes, anunciava-lhes que iam dar um passeio. Chamava então Arlindo, o seu taxista de serviço, e partiam para um tour literário pelas aldeias do Gerês. No fim, jantavam todos no Restaurante Elevador, no Bom Jesus de Braga. Previamente informado, o gerente reservava uma mesa num recanto discreto, para que o grupo (de "secretários", como Laureano os apresentava) não assustasse os clientes normais do luxuoso restaurante. E lá iam, o Nelinho, o Carlos, o Nuno, o Gi e todos os jornaleiros da quinta, incluindo o lenhador José Corga, que carecia de uma indicação especial à cozinha do restaurante. Corga era um fenômeno: só comia batatas (em dias de festa, com bacalhau - era a sua única concessão), mas não em doses normais. Precisava de um prato especial, de Viana, onde coubesse "meia quarta" (o equivalente a três quilos) de batatas cozidas. Repudiava, aliás, a idéia de que alguém conseguisse comer mais do que ele.

Laureano, que se maravilhava com os prodígios da Natureza, gostava de encorajar e exibir este apanágio do empregado. Por isso, no Elevador, o senhor Corga tinha direito ao seu prato especial de batatas.

O "senhor" Corga. Laureano tratava toda a gente por "senhor". Até um pobre que ia lá a casa levar a carne do talho merecia sempre um "Obrigado, senhor Manuel". Para o Nelinho, isto era pura magia. Nunca tinha visto nada assim. Laureano tinha o estranho poder de elevar as pessoas. De transformar um zé-ninguém num senhor.

"O doutor foi a pessoa mais honesta e culta que conheci à face da terra", diz Manuel Rocha, a quem Laureano chamava Nelo, ou Nelinho, que hoje tem 36 anos, mas está na quinta desde criança. "Ele para mim era tudo. Sempre pensei: com este homem, não preciso de mais nada."

Nelo era uma das várias crianças que trabalhavam ou habitavam na Quinta da Fonte da Cova, tais como o seu irmão, Carlos, o Nuno Leitão ou o Moisés Cerqueira (conhecido como o "Gi"), ou os sobrinhos mulatos de Laureano (filhos dos seus meios-irmãos de Angola), que lá iam passar férias.

O pai de Nelo fora jornaleiro na quinta. Levava-o para lá na época da apanha da maçã, trabalho que requeria gente pequena e leve. Mas um dia emigrou para França e deixou com o "doutor" os filhos, Nelo e Carlos. O "doutor Manuel" e o "engenheiro Carlos", como Laureano passou a designá-los, celebrando o talento para a conversa de um e o jeito de mãos do outro.

Carlos, com efeito, acabaria por arranjar emprego como mecânico de máquinas, e passou a ir à quinta apenas às quartas-feiras, almoçar. Nelo continuou a viver lá, até à morte de Laureano, no ano passado. Encarregava-se de vários trabalhos na quinta, mas também tomava conta da biblioteca e, acima de tudo, tornou-se discípulo, amigo e confidente do patrão. "Nelinho, hoje o dia já está ganho, vamos conversar", chamava Laureano. "Nelinho, comprei um livro novo, vamos vê-lo". E Nelo interrompia o trabalho na quinta, sentava-se na salinha. "Isto, Nelinho, fica só entre nós. Não sai daqui", dizia-lhe Laureano, depois de contar uma visita a um alfarrabista ou a um leilão para adquirir um certo livro raro.

Nelo percebera que a biblioteca se tornara muito valiosa, e não convinha que isso constasse. Era um segredo que guardava. "Nelinho, hoje vamos tirar os livros daquela prateleira. Vamos vê-los." Ou então: "Vai ali à saleta, à segunda prateleira da estante do meio, encostada à janela, tira o terceiro livro a contar do lado norte para sul. Abre na página 153..."

Nelo abria e Laureano, da outra sala, começava a dizer o texto de cor, excertos enormes de Camilo ou Pessoa. Conhecia ao pormenor cada um dos seus livros e sabia exatamente onde se encontrava.

Um dia, Nuno Leitão, que trabalhou na quinta mas depois estudou Informática de Gestão, ofereceu-se para catalogar toda a biblioteca em computador. Laureano agradeceu, mas não precisava: tinha os ficheiros todos na cabeça.

Nuno chegou a viver na Fonte da Cova, mas acabou por ir estudar, encorajado por Laureano. O "Gi", que foi criado na quinta, sairia para casar e arranjar emprego como serralheiro.

A família dele, muito pobre, vivia numa casa em frente. Eram oito irmãos, que cedo se fizeram aos caminhos do fracasso ou do crime. Para lhe dar um futuro alternativo, a mãe de "Gi" pô-lo a viver na quinta, aos seis anos.

Ele e o Nelo, bem como o Carlos e o Nuno, eram como filhos de Laureano. Os seus "meninos", dizia ele. Todos falam do "doutor", hoje, com incondicional afeto e uma orgulhosa emoção. A exaltação quase fanática, possessiva, de quem sente ter tocado uma esfera superior da existência. "Faço questão de ser como ele, na minha vida", diz o Nelinho. "Em cada situação, penso: se o senhor doutor fosse vivo, faria assim. E tento fazer igual."

Não é fácil entender que tipo de influência Laureano exerceu sobre os espíritos destes jovens. Mas basta falar um pouco com eles para perceber que ainda lhe estão submetidos. Têm uma transparência comovente no olhar, que nos faria confiar-lhes a própria vida, sem hesitação.

Não que Laureano tenha sido condescendente com eles. Mas talvez por isso mesmo. "Gi" não teve uma relação fácil com o "doutor", que se zangava, e lhe batia, se ele chegava tarde a casa. Para o punir, mandava a Mariquinhas cozinhar favas com carne, o prato que "Gi" detestava. Uma vez, por ele ter ido ver as cheias do rio e não comparecer a horas no trabalho, deu-lhe uma bofetada. "Gi" fugiu para casa dos pais. No dia seguinte, Laureano telefonou-lhe a pedir que voltasse.

Acima de tudo, irritava-se por o seu "menino" não levar os estudos a sério. Ele ia, no entanto, concluir com êxito o secundário, não tivesse Laureano, que era na altura diretor da escola, irrompido pela reunião de professores, expressamente para não os deixar aprovar o "Gi". "Eu estou com ele em casa e vejo que ele não estuda", garantiu o diretor. "Gi" chumbou e foi trabalhar como serralheiro. Mas não ganhava o suficiente e teve de emigrar para Andorra, porque o "doutor", com os seus rígidos princípios, se recusou a meter uma cunha para lhe arranjar um emprego.

Já o Nelo não quis continuar os estudos, nem empregar-se, para ficar com Laureano. "No meu íntimo, eu sentia que não podia deixar o doutor. Achava que ele precisava de mim", explica o Nelo, que ainda continua na quinta, sem saber que ela vai ser vendida. "A minha filosofia de vida era: enquanto o doutor for vivo, eu fico com ele."

Parece que os dois competem pela maior dedicação a Laureano. "Gi" conta que passou muitos Natais sozinho com ele, quando nem os filhos o vinham visitar. E que, pouco antes da sua morte, era ele quem lhe dava banho.

Nelo e "Gi" contam cheios de vaidade estas compassivas intimidades, como se defendessem um fundamental patrimônio humano.

Laureano dissera à empregada: "Maria, se eu morrer, chama os meninos, para virem ajudar." Foi nessa altura que escreveu a lista de quem deveria ser avisado e as regras para o funeral, que incluíam ser enterrado sem caixão, sem discursos e sem cerimônia religiosa, de preferência na quinta (vontade que, obviamente, não pôde ser cumprida).

Nos últimos tempos de vida, aliás, depois de ter ficado doente, Laureano começou a preocupar-se com a posteridade. Não teve nenhuma fraqueza religiosa - manteve-se agnóstico até ao fim - mas passou a tomar disposições. Uma delas fora o divórcio com Maria José Caleijo, para não causar aos filhos problemas com a herança. Margarida, aliás, que só soube pelos jornais do casamento do pai, foi convidada formalmente para um almoço de divórcio.

Depois, Laureano doou todos os bens aos filhos. Quis poupá-los a burocracias e eventuais contendas. Organizado e precavido como era, passou os últimos anos a preparar o seu desaparecimento. Distribuiu as casas e os terrenos pelos três filhos, mas a sua grande preocupação eram, obviamente, os livros.

"Este ficará para a minha filha", ia dizendo ao Nelinho, "esta coleção para o Carlos...", mas à medida que se aproximava do fim, e ia perdendo o interesse por tudo exceto pelos livros, apercebia-se também de que os filhos não queriam a biblioteca. Pensou em várias soluções - doar as obras a uma instituição, criar uma fundação (idéia do filho Carlos). Mas nenhuma lhe agradou. Por fim, deixou de pensar no assunto. Mergulhou numa estranha apatia, uma inconsciência meticulosa e desesperada, que apenas aos seus "meninos" era visível. E os fazia sofrer.

Como pôde aquele homem que tudo calculava e tudo prevenia ter cometido um erro tão grosseiro? No seu afã de tudo medir pela beleza dos livros, de sublimar neles os seus dias e o seu futuro, nunca lhe passou pela cabeça que a biblioteca pudesse não ser eterna.

Mas não deixou, mesmo sabendo (e decerto aceitando) que em breve tudo aquilo seria vendido em leilão, de folhear, tratar e acariciar os seus livros, com a leveza confiante com que uma criança diz adeus a quem ama. A mesma com que, pouco depois, as mãos grossas e calejadas do "Gi" lhe seguraram o rosto que partia.

Fonte:
Colaboração de Douglas Lara sobre artigo de autoria de Paulo Moura, em 5 de julho de 2009, para o jornal Público.