sábado, 31 de agosto de 2019

Isabel Furini (O Círculo do Poema)


Carlos Drummond de Andrade (A Viúva do Viúvo)


Conheceram-se, namoraram, amaram, casaram, tiveram filhos, desamaram, separaram-se, depois de tanto verbo conjugado em comum. Ele sumiu por aí, no anonimato sem responsabilidades. Ela ficou criando a trinca sem pai. Sem notícia um do outro, tempo passando, acontecimentos acontecendo, vida no corre-corre.

Ela até nem se lembrava mais de que fora casada. Eis que o marido reaparece na lembrança, quando uma filha lhe diz:

— Mãe, o pai está no hospital.

Que pai? Não sabia de pai nenhum, o seu morrera há tanto tempo, depois de dar tanto trabalho. (Descansa em paz, deixando a família descansada.) Há outros pais vivos por aí? De quem?

— O meu, uai.

Ah, sim. O pai dessa moça que está à sua frente, essa moça que é sua filha, e que antigamente tivera um pai. Um pai que fora seu marido, e que nunca mais aparecera, jogando sobre suas costas a obrigação de criar e educar os filhos.

Como as coisas emergem de um poço escuro, de repente! Pois não é que o ex-marido voltava à tona, com seus sinais particulares, seu modo de falar, seu jeito de ser e viver? Tão antigo, tão inexistente — mas ali.

Ela parecia não dar mais atenção ao que a filha ia dizendo.

— Escutou o que eu disse?

— Hem?

— O pai está no hospital.

— Que é que ele foi fazer lá? Vender seguro de vida aos doentes? (Agora se recordava de que ele fora corretor de seguros.)

— Está doente.

— Como você soube?

— Mandou me avisar. Não tem ninguém com ele, só a gente do hospital.

Então estava sozinho, depois de muitos anos, e se lembrava da filha para ter companhia no hospital. Não chegou a ter pena. Estavam tão distanciados os dois, que era como se soubesse que um japonês em Yamagata sofria de dor de dentes. A filha esperava um comentário, uma reação.

— Vai lá, querida.

Mais do que isso não poderia dizer, porque não havia nada mais a exprimir. Amores fanados não reverdecem, quando a vida caprichou em esmagá-los bem.

Se alguma coisa tivesse ficado exposta à luz, se um gesto dele, mínimo que fosse, ao longo de tanto tempo, alimentasse um resto possível de sentimento, ela agora teria pena. Mas pena de quê? de quem? se nem de si mesma sentia mais pena, conformada que estava com o irremediável das coisas, e refugiada, também, no pequeno mundo que se construíra e em que convivia com artistas obscuros do passado, através de estudos e pesquisas que eram uma fonte de prazer, compensador de alegrias que não tivera no casamento?

— Vai, minha filha, e vê o que ele precisa.

A filha foi e voltou contando que ele estava mal, parece que dessa não escapava. Como de fato não escapou. Sem pessoa alguma para cuidar do enterro, nem bens que pudessem custear a despesa, quem tomaria providências?

Então a ex-esposa, pessoa decidida, acostumada a fazer na hora certa o que é necessário fazer, decidiu presentear o ex-marido com o enterro decente que ele não tinha merecido, e que a ela custaria uma nota desarrumadora do seu orçamento modesto. Procurou a funerária, disse que pagaria tudo.

O empregado perguntou-lhe, entre xereta e reticente:

— A senhora… era companheira do falecido?

— Companheira? Sou viúva dele!

— Perdão, mas o falecido, quando se internou no hospital, declarou que era viúvo. A senhora quer ver? Vamos lá na Secretaria.

— Pois eu sou a viúva do viúvo, entende? E não estou fazendo nada para ficar com a herança dele, que não deixou um tostão de seu, além de me matar no papel. E vamos com esse serviço depressa, que eu preciso cuidar da minha vida de viúva-desquitada há muito tempo, tá bom?

Fonte:
Carlos Drummond de Andrade. 70 Historinhas.

Antonio Cabral Filho (Colar de Trovas) Dia do Nordestino


Tema: O Dia do Nordestino, 08 de outubro

01
Oito de outubro hoje é dia
De velho,  moço e menino,
saudar com toda alegria
*o dia do nordestino.*
Marcos Medeiros

02
O dia do nordestino,
como data especial,
merece ganhar um hino
e *feriado nacional*.
Antônio Cabral Filho
Jacarepaguá/RJ


03
Feriado nacional,
é um dia festejado;
nordestinos em geral
*curtem esse dia amado.*
M. Zilnete de M. Gomes
Campos dos Goytacazes/RJ

04
Curtem esse dia amado
os nordestinos felizes,
levando pra todo lado
*cultura em suas raízes.*
Aurineide Alencar
Dourados/MS


05
Cultura em suas raízes
o Nordeste tem demais,
muitos atores e atrizes
*que nos tratam como iguais.*
Antonio Francisco Pereira
- MG


06
Que nos tratam como iguais
sempre da melhor maneira
seus feitos são triunfais
*nação humilde e guerreira.*
Adriano Bezerra
Sta.Cruz/RN


07
Nação humilde e guerreira,
na luta por seu destino,
luz da nação brasileira,
*viva o povo nordestino!*
Antonio Cabral Filho
Jacarepaguá/RJ


08
Viva o povo nordestino,
que à nossa pátria dá vida!
Ser guerreiro é seu destino;
*sua luta é destemida!*
Oliveira Caruso
Niterói/RJ


09
Sua luta é destemida
no passado e no presente.
Jamais fugindo da lida
*nordestino é boa gente.*
Antonio Francisco Pereira
- MG


10
Nordestino é boa gente
tem um grande coração,
carrega vivo na mente:
*cultivar sua tradição.*
Aurineide Alencar
Dourados/MS


11
Cultivar sua tradição
é fator edificante,
para essa jovem nação
*pois, o Nordeste é importante!....*
Luiz Cláudio
 – RN


12
Pois, O Nordeste é importante,
também outras regiões;
é orgulho do habitante 
*das cidades e rincões.*
M. Zilnete de M. Gomes
Campos dos Goytacazes/RJ


13
Das cidades e rincões
chamo essa gente querida,
pra soltamos foguetões
*que meu Nordeste convida!...*
Luiz Cláudio
– RN

14
Que meu nordeste convida
terra do Luiz Gonzaga!
essa gente mui querida
*o meu coração afaga.*
Madalena Cordeiro
– ES


15
O meu coração afaga
todo o povo nordestino
e em mim nunca se apaga
*as lembranças de menino.*
Adriano Bezerra
Sta.Cruz/RN


16
As lembranças de menino
nas cantadas do Nordeste
têm cunho quase franzino
*quando vaqueiro se veste.*
Prof. Roque
- RS


17
Quando o vaqueiro se veste,
sua alma se contagia,
nordestino se reveste
*de orgulho e de alegria!*
Talita Batista
Campos dos Goytacazes/RJ


18
De orgulho e alegria
se encobre toda a nação,
sempre uma boa companhia
*nordestino coração.*
Prof. Roque
- RS


19
Nordestino Coração
Celebre com euforia
Com festa e muita emoção
*Oito de outubro é o dia.*
Adriano Bezerra
Sta.Cruz/RN


Fonte:
Trovadores do Brasil

João do Rio (História de Gente Alegre)


O terraço era admirável. A casa toda parecia mesmo ali pousada á beira dos horizontes sem fim como para admira-los, e a luz dos pavimentos térreos, a iluminação dos salões de cima contrastava violenta com o macio esmaecer da tarde. Estávamos no Smart-Club, estávamos ambos no terraço do Smart-Club, esse maravilhoso terraço de vila do Estoril, dominando um lindo sítio da praia do Russel — as avenidas largas, o mar, a linha ardente do cais e o céu que tinha luminosidades polidas de faiança persa. Eram sete horas. Com o ardente verão ninguém tinha vontade de jantar. Tomava-se um aperitivo qualquer, embebendo os olhos na beleza confusa das cores do ocaso e no banho viride [1] de todo aquele verde em de redor. As salas lá em cima estavam vazias; a grande mesa de baccarat [2], onde algumas pequenas e alguns pequenos derretiam notas do banco — a descansar. O soalho envernizado brilhava. Os divãs [3] modorravam em fila encostados às paredes — os divãs que nesses clubes não têm muito trabalho. Os criados, vindos todos de Buenos Aires e de S. Paulo, criados italianos marca registrada como a melhor em Londres, no Cairo, em New York, empertigavam-se. E a viração era tão macia, um cheiro de salsugem [4] polvilhava a atmosfera tão levemente, que a vontade era de ficar ali muito tempo, sem fazer nada.

Mas a noite já estendia o seu negro brocado picado de estrelas e no pleinair do terraço começavam a chegar os smart-diners. Que curioso aspecto! Havia franceses condecorados, de gestos vulgares, ingleses de smoking e parasita à lapela, americanos de casaca e também de brim branco com sapatos de jogar o football e o lawn tenis [5], os elegantes cariocas com risos artificiais, risos postiços, gestos a contragosto do corpo, todos bonecos vítimas da diversão chantecler, os noceurs [6] habituais, e os miches [7] ricos ou jogadores, cuja primeira refeição deve ser o jantar, e que apareciam de olheiras, a voz pastosa, pensando no bacchemin-de-fer[8], no 9 de cara e nos pedidos do último béguin [9]. O prédio, mais uma “ vila ” da bacia do Mediterrâneo, ardia na noite serena, parecia a miragem dos astros do alto; as toalhas brancas, os cristais, os baldes de christofle [10] tinham reflexos. Por sobre as mesas corria como uma farândola [11] fantasista de pequenas velas com capuchons [12] coloridos, e vinha de cima uma valsa lânguida, uma dessas valsas de lento enebriar, que adejam vôos de mariposas e têm fermatas que parecem espasmos. No meio daquela roda de homens, que se cumprimentavam rápidos, dizendo apenas as últimas sílabas das palavras: — B’jour, Plo... deus! goo, iam chegando as cocottes [13], as modernas Aspásias [14] da insignificância. Algumas vinham a arrastar vestidos de cinco mil francos; outras tinham atitudes simplistas dos primitivos italianos. Havia na sombra do terraço, um desfilar de figuras que lembravam Rossetti e Heleu, Mirande e Herman-Paul, Capielo e Sem, Julião e também Abel Faivre, porque havia cocotes gordas, muito gordas e pintadas, ajaezadas de jóias, suando e praguejando. Falavam todas línguas estrangeiras — o espanhol, o francês, o italiano, até o alemão com o predomínio do parigot, do argot, da langue verte [15]. Só se falava mesmo calão de boulevard [16]. Fora, à entrada, paravam as lanternas carbunculantes [17] dos autos, havia fonfons roucos, arrancos bruscos de máquinas H. P. 60. Aquele ambiente de internacionalismo à parisiense cheio do rumor de risos, de gluglus de garrafas, de piadas, era uma excitação para a gente chique. O barão André de Belfort, elegantíssimo na sua casaca impecável convidara-me para um jantar a dois em que se conversasse de arte antiga — porque ele tinha estudos pessoais sobre a noção da linha na Grécia de Péricles. Evidentemente, antes de terminar o jantar teríamos a mesa guarnecida por alguma daquelas figurinhas escapas de Tanagra [18] ou qualquer dos gordos monstros circulantes...

De súbito, porém, na alegria do terraço ouvi por trás de mim uma voz de mulher dizer:

— Pois então não sabes que a Elsa morreu hoje de madrugada?

Não me voltei. A mulher conversava noutra mesa. Mas senti um pasmo assustado. Elsa! Seria a Elsa d’Aragon, uma carnação maravilhosa de dezoito anos, lançada havia apenas um mês por um manager [19] de music hall, cuja especialidade sexual era desvirginar meninas púberes? Seria ela com os seus olhos verdes, a pele veludosa de rosa-chá e aquela esplêndida cabeleira negra de azeviche? E morrer em plena apoteose, cheia de joias e de apaixonados! Indaguei do meu conviva:

-— Morreu a Elsa d’Aragon?

O barão Belfort encomendava enfim o car­dápio. Acabou tranquilamente a grave operação, descansou o monóculo em cima da mesa.

— Exatamente. Parece que a apreciavas? Pobre rapariga! Foi com efeito ela. Morreu esta madrugada.

— De repente?

— Com certeza. Devia ter sido uma linda morte. Beleza horrível. Não se fala noutra coisa hoje nas pensões de artistas, em todos os conventilhos elegantes patronados pelas velhas cocotes ricas, nas rodas dos jogadores. A Elsa era muito nature [20], com a fobia do artifício, mas soube morrer furiosamente.

— Como foi?

Neste momento chegara a “bisque” [21] e o balde com a Môet, brut imperiale [22], que o velho dandy [23] bebe sempre desde o começo do jantar.

O barão atacou a “ bisque”, deu não sei que ordem ao maître-d’hôtel, e murmurou:

— É uma história interessante. Você de certo ainda não quis fazer a psicologia da mulher alegre atirando-se a todos os excessos por enervamento de não ter o que fazer? Quase todas essas criaturas, altamente cotadas ou apenas da calçada, são, como direi? as excedidas das preocupações. Estão sempre enervadas, paroxismadas. O meio é atrozmente artificial, a gargalhada, o champanhe, a pintura encobrem uma lamentável pobreza de sentimentos e de sensações. Ao demais, a vida tem um regulamento geral de excessos, e elas fatalmente pela lei, têm que fazer pagar caro e arruinar os idiotas, têm de amar um rapazola miserável que lhes coma a chelpa [24] e as bata, têm que embriagar-se e discutir os homens, os negócios das outras, tudo mais ou menos exorbitando. Uma paixão de cocote é sempre caricatural, é sempre para além do natural, do verdadeiro, e a sua pobre vida, tenha ela centenas de contos ou viva sem um real pelas bodegas reles, é sempre uma hipótese falsificada de vida, uma espécie de fiorde num copo d’água, à luz elétrica. Todas amam de modo excepcional, jogam excessivamente, embriagam-se em vez de beber, põem dinheiro pela janela à fora em vez de gastar, quando choram, não choram, uivam, ganem, cascateiam lágrimas. Se têm filhos, quando os vão ver fazem tais excessos que deixam de ser mães, mesmo porque não o são. Duas horas depois os pequenos estão esquecidos. Se amam, praticam tais loucuras que deixam de ser amantes, mesmo porque não o são. Elas tem varias paixões na vida. Cinco anos de profissão acabam com a alma das galantes criaturinhas. Não há mais nada de verdadeiro. Uma interessante pequena pode se resumir: nome falso, crispação de nervos igual à exploração dos “gigolôs” e das proprietárias, mais dinheiro apanhado e beijos dados. São fantoches da loucura movidos por quatro cordelins da miséria humana.

— A Elsa, então?

— A Elsa foi atirada subitamente numa pensão do Catete. Sabes o que é a vida em casas de tal espécie. Elas acordam para o almoço, em que aparecem vários homens ricos. O almoço é muito em conta, os vinhos são caríssimos. A obrigação é fazer vir vinhos. Desde manhã elas bebem champanhe e licores complicados. Nesses almoços discute-se a generosidade, a tolice, ou a voracidade dos ma­chos. A tarde é dada a um ou a dois. Às cinco, toilette e o passeio obrigatório. À noite, o jantar em que é preciso fazer muito barulho, dançar entre cada serviço ou mesmo durante, dizer tolices. Depois o passeio aos music-halls, com os quais tem contrato as proprietárias, e a obrigação de ir a um certo clube aquecer o jogo. Cada uma delas têm o seu cachê por esse serviço e são multadas quando vão a outro — que, como é de prever, paga a multa. O resto é ainda o homem até dormir. Nesse fantochismo lantejoulado há vários gêneros: o doidivana, o sério, o reservado, o nature, o romântico, e para encher o vazio, os vícios bizarros surgem. Elas ou tomam ópio, ou cheiram éter, ou se picam com morfina, e ainda assim, nos paraísos artificiais são muito mais para rir, coitadas! mais malucas no manicômio obrigatório da luxúria. A Elsa era do gênero nature. Ancas largas, pele sensível, animal sem vícios. Tentou os petimetres, [25] os banqueiros fatigados, os rapazes calvos e, com oito dias estava com os nervos esgarçados, estava excedida. Mesmo porque, desde a primeira hora olhava-a com o seu olhar de morta a Elisa, a interessante Elisa.

— Ah!

— Elisa é um tipo talvez normal nesse ambiente. Tem os cabelos cortados, usa eternamente um gorro de lontra. Nunca a vi com uma joia e sem o seu tailleur cor de castanha. É feia, não deve agradar aos homens, mas presta-se a todos os pequenos serviços dessas damas. Escreve cartas, arranja entrevistas, tem conhecimentos, e dizem-na com todos os vícios, desde o abuso do éter até o unissexualismo [26]. Ora, era Elisa com os seus dois olhos mortos e velados que olhava Elsa, e Elsa sentia uma extraordinária repugnância, um nojo em que havia medo ao mais simples contato. Elisa sorria, a Elisa que está sempre nesses lugares, sem colete com o seu corpo de andrógino morto. E era em toda parte aquele mesmo olhar acompanhando Elsa, pregando-se a todos os seus gestos, lambendo cada atitude da criatura. Uma noite, as duas Lacroix Ducerny, as que vestem sempre iguais e fazem fortuna em comum, asseguraram-me que Elisa já não servia para nada, perdida, louca de paixão; e, com grande pasmo meu ao entrar num clube ultra infame, eu vi a Elsa com um conhecido banqueiro e, muito naturalmente, Elisa ao lado. Era a aproximação...

— Safa!

— Meu caro, nada de repugnâncias. Prove este faisão. Está magnífico. Ora, ontem, no Casino, como a pobre Elsa estava totalmente fora dos nervos e com um vestido verdadeiramente admirável, tive prazer em ir apertar-lhe a mão. — “ Então, como vai com esta vida?” — “ Como vê, muito bem.” — “ Mas está nervosa.” — “ Há de ser de falta de hábito. Acabo por acostumar.” —“Com um tão belo físico...” — “Não seja mau, deixe os cumprimentos.” E de súbito — “ Diga-me, barão, não há um meio da gente se ver livre disto? Não posso, não tenho mais liberdade, já não sou eu. Hoje, por exemplo, tinha uma imensa vontade de chorar.” — Chore, é uma questão de nervos. Ficará de certo aliviada.” — “Mas não é isso, não é isso, homem!” — “ Se a menina continua a gritar, participo-lhe que vou embora.” —“Não, meu amigo, perdoe. É que eu estou tão nervosa! tanto! tanto... Queria que me desse um conselho. — “Para que?” — “ Para aliviar-me.” — “É difícil. Você sofre de um mal comum, a surmenage [27] do artifício. Eu podia dizer-lhe: re­colha-se a um convento. Mas pareceria brincadeira e talvez viesse a morrer mística, a conversar com os anjos, como Swedenborg [28]. Conheci algumas que acabaram assim. Podia também, se fosse um idiota, aconselhar a vida honesta. Mas isso seria impossível porque o pesar de ter saído desta em que o desperdício é a norma, a saudade e as lembrança deixá-la­iam amargurada. Depois não tem recursos e teria sempre que pôr em circulação o seu lindo capital.” — “ Barão, por quem é, fale-me sinceramente.” —“Então, minha filha, aconselho uma paixão ou um excesso, um belo rapaz ou uma extravagância.” —. “ Nesta roda não há belos rapazes.” — “ De acordo, há quando muito velhos recém-nascidos. Mas é recorrer à multidão, passar uma noite percorrendo os bairros pobres, experimentar. Ou então, minha cara, um grande excesso : champanhe, éter ou morfina...” Voltei-me para a sala. Num camarote fronteiro a Elisa olhava com os seus dois olhos de morta. “ E se não a repugna muito uma grande mestra dos paraísos artificiais, a Elisa”. — “ Não fale alto, que ela percebe.” — “Então já a sabia lá?”. — Corri-a ontem do meu quarto. É um demônio.”— “ Mas você precisa de um demônio.” — “ O que ela faz...” — “ Já sei, toda a gente faz. Mas naturalmente ela é excepcional.” — “ Barão, vá embora.” — “ Adeus, minha querida.” Quando dei a volta para falar a Elisa, já esta deixara vazio o camarote.

— E então, como morreu a linda criatura?

—- Aceitando o meu conselho. A sua morte pertence ao mistério do quarto, mas devia ser horrível. Elsa partiu do music-hall diretamente para casa, pretextando ao banqueiro que lhe ia pôr um pe­queno palácio, a forte dor de cabeça — a clássica migraine [29] das cocotes enfaradas ou excedidas E apareceu na ceia da pensão como uma louca, a mandar abrir champanhe por conta própria. Quando por volta de uma hora apareceu a figura de larva [30] da Elisa, deu um pulo da cadeira, agarrou-lhe o pulso: “ Vem; tu hoje és minha!” Houve uma grande gargalhada. Essas damas e mais esses cavalheiros tinham uma grande complacência com a Elisa, e aquela vitória excitava-os. Elisa molemente sentou-se ao lado da Elsa, que bebia mais champanhe, sentia afrontações e torcia os dedos da apaixonada por baixo da mesa. Era o desespero. Mimi Gonzaga assegurou-me que ela recebera uma carta da mãe logo pela manhã. No fim, Elsa, pálida e ardente, dizia: “Viens, mon cheri, que je te baise!” e mordia raivosamente o pescoço da Elisa. Via-se a repugnância, a raiva com que ela fazia a cena de Lesbos — pobre rapariga sem inversões e estetismos à Safo [31]... A ceia acabou em espetáculo, e acabaria com todos os espectadores, se algumas mulheres com ciúmes dos seus senhores — ah! como elas são idiotas! — não os tivessem levado. Elsa às duas e meia fez erguer-se a Elisa, calada e misteriosamente fria. “Vão tomar morfina? interrogou um dos assistentes, cuidado, hein?” Elsa deu de ombros, sorriu, saiu arrastando a outra. E a desaparição foi teatral ainda. Os olhos verdes da Elsa bistrados [32], a sua cabeleira desnastra [33], agarrando com um desespero de bacante a pastosidade oleosa e alourada da miserável que a queria.

Que horror!

— A coitadinha aturdia-se. É o processo habitual. Para mostrar a sua livre vontade caía na extravagância, agarrava o tipo que a repugnava, para mergulhar inteiramente no horror. Estive quase a acreditar que tivesse recebido alguma lembrança dos parentes, e imaginei um instante a cena sinistramente atroz do quarto em que enfim, como uma larva diabólica, o polvo louro da roda iria arrancar um pouco de vida àquela linda criatura ardente, ainda com uns restos de alma de mulher... Nunca porém pensei no fim súbito.

Pelas cinco horas da manhã, a pensão acordava a uns gemidos roucos, que vinham do quarto de Elsa. Eram bem gritos estertorados de socorro. As mulheres desceram em fralda, os criados ergueram-se com o sorriso cínico habituado àquelas madru­gadas agitadas de ataques e de delírios histéricos. A porta do quarto estava fechada. Bateram, bateram muito, enquanto lá dentro o som rouco rouquejava. Foi preciso arrombar a porta. E a cena fez recuar no primeiro momento a tropa do alcouce. Como luz havia apenas a lamparina numa redoma rosa. O quarto. cheio de sombra, mos­trava, em cima das poltronas, as sedas e os dessous [34] de renda da Elsa. Um frasco de éter aberto, empestava o ambiente. A Elisa, o corpo da Elisa estava de joelhos à beira da cama. Os braços pendiam como dois tentáculos cortados. Inteiramente nua, o corpo divino lívido, os cabelos negros amarrados ao alto como um casco de ébano, Elsa d’Aragon, as pernas em compasso, a face contraída, ainda sentada agarrava com as duas mãos numa crispação atroz, a cabeça da Elisa. Era Elisa que rouquejava. Elsa estava bem morta, o corpo já frio. Devia ter havido luta, resistência de Elsa, triunfo da mulher loura e por fim sem fim até a morte, enquanto a outra se estorcia, apertava-a, arrancava-lhe os cabelos, machucava-lhe o rosto — aquele horror. Elsa entrara no nada debatendo-se, vítima de um suplício diabólico, mas no último espasmo as suas mãos agarram a assassina. Quando esta afinal satisfeita quis erguer-se, sentiu-se presa pelos cabelos, tentou lutar, viu que a pobre era cadáver. E passou-se então para o monstro o momento do indizível terror, o momento em que se vê para sempre o mundo perdido porque ficou imóvel rouquejando, de joelhos, a cabeça no regaço do cadáver, que mantinha nas mãos cerradas a massa dos seus cabelos de ouro. Os dedos de resto pareciam de aço. Uma das mulheres recorreu à tesoura para despegar a cabeça de Elisa das mãos do cadáver. Quando o corpo tombou no leito com o punhado da cabeleira nas mãos, o bando estremunhado viu surgir a face de Elisa, tão decomposta, tão velha, que parecia outra, como que aparvalhada.

Houve um silêncio. O criado servia frutas geladas, esplêndidas peras de Espanha e uvas das regiões vinhateiras da Borgonha, grandes uvas negras. O barão trincou de uma pêra.

— Foi uma complicação para afastar a polícia e impedir notícias nos jornais que desmoralizariam a casa. Elisa seguiu horas depois para o hospício, babando e estertorando. A Elsa devia ter sido enterrada hoje á tarde. Estive lá a ver o cadáver. Tinha ainda nas mãos cerradas fios de cabelos louros, como se quisesse arrancar para o túmulo a prova desesperada da sua morte horrível.

E mordeu com apetite a pera. No salão de cima uma valsa lenta, chorada pelos violinos, enlanguescia o ar. Das mesas do terraço entre a iluminação bizantina das velas de capuchons coloridos subia o zumbido alegre feito de risos e de gorjeios de todas aquelas mulheres que o jantar alegrava.
______________________
Notas:
[1] Verde, esverdeado.
[2] Jogo de cartas de origem francesa, em que tomam parte um banqueiro e vários jogadores, ganhando o grupo que com duas ou mais cartas, perfizer o total de pontos mais próximo de nove. Bacará.
[3] Espécie de sofá ou canapé de origem persa, sem encosto ou braço.
[4] Maresia.
[5] Tênis de gramado. Em inglês no texto.
[6] Pessoa de vida dissoluta, boêmio.
[7] Michês. Diz-se de quem paga ou recebe por favores sexuais. Em francês no texto.
[8] Modalidade do bacará. Em francês no texto.
[9] Flerte. Em francês no texto.
[10] Aplicação ornamental de ouro em cristal, vidro ou metal, que recebeu o nome de seu criador, o industrial francês Charles Christofle (1808-1863).
[11] Tipo de dança popular provençal.
[12] Protetor de velas de cera, que as impede de serem apagadas pelo vento. Em francês no texto.
[13] Mulheres de vida alegre. Em francês no texto.
[14] Companheira de Péricles, governante de Atenas durante o século V AC., o período áureo do cultura clássica.
[15] Parigot, argot e langue verte são denominações da gíria parisiense do baixo mundo.
[16] Rua larga e arborizada, símbolo da modernidade de Paris após a reforma urbana de Haussmans. No Rio de Janeiro, o prefeito Pereira Passos realizou reforma semelhante entre 1904 e 1909, inaugurando a Avenida Central ( Rio Branco), um típico boulevard carioca. Em francês no texto.
[17] De carbúnculo, ou rubi. Da cor vermelha.
[18] Relativo à cidade grega de Tanagra, célebre por suas esculturas de linda mulheres esbeltas.
[19] Empresário. Em inglês no texto.
[20] Mulher que dispensa os artifícios da maquiagem. Em francês no texto.
[21] Sopa de frutos do mar. Em francês no texto.
[22] Marca nobre de champanhe. Em francês no texto.
[23] Tipo de homem elegante e refinado, com senso de humor debochado e iconoclasta, típico do período entre 1870 e 1918 (Bele-époque). Oscar Wilde e João do Rio foram típicos dândis. Em inglês no texto.
[24] Dinheiro.
[25] Indivíduo vestido com apuro exagerado. Janota. Novo-rico.
[26] Homossexualismo.
[27] Exagêro.
[28] Emanuel Swedenborg (1688-1772), cientista e filósofo sueco, que também estudou o mundo sobrenatural. Suas ideias influenciaram muito o Romantismo. Uma seita de seus seguidores foi estudada por João Rio in As religiões no Rio (1904).
[29] Enxaqueca. Em francês no texto.
[30] Fantasma. Espírito malfazejo que vaga entre os vivos para fazer o mal.
[31] Poetisa da Grécia clássica, que instituiu na ilha de Lesbos uma escola apenas para moças. Originou-se daí a denominação de lesbianismo ou safismo para o homossexualismo feminino.
[32] Olhos bistrados: com olheiras.
[33] Destrançada.
[34] Roupas de baixo. Em francês no texto.


Fonte:
João do Rio. Dentro da Noite.

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Varal de Trovas n. 65


Francisca Júlia (Anacreonte)


Em Téos, na Grécia antiga, havia um poeta que se chamava Anacreonte.

Era velho, tinha os cabelos inteiramente brancos e as barbas aneladas e longas, que lhe cobriam o peito e lhe davam um aspecto simpático e venerando.

Era o homem mais feliz que havia. Como todos o amavam e o distinguiam com uma admiração sem limites, nada lhe faltava.

Sua habitação ficava à beira do mar, cujas ondas, na enchente, vinham até à sua porta, quebrando-se em espumas alvas.

Pela manhã, mal a aurora tinha nascido, as camponesas de Téos vinham em grupo trazer ao poeta o sustento do dia. Uma trazia um cântaro de barro cheio de leite gordo, outra um púcaro de saboroso vinho espumante e frutas de todas as qualidades; outra ainda um vaso de água pura para as abluções matinais do poeta. Depois untavam-lhe as barbas e cabelos com óleos aromáticos, perfumavam-lhe os pés com mirra sândalo, e esperavam, sentadas no chão, os agradecimentos do velho.

Anacreonte ficava em pé, majestoso na sua inspiração poética, e, com largos gestos e voz grave, ia cantando as odes que tinha composto durante a noite, fazendo-se acompanhar a uma lira de prata, cujas cordas desferiam os mais melodiosos acordes.

As raparigas sabiam em seguida e atravessavam o campo em direção às suas casas, cantando as odes do poeta com suas vozes juvenis. Os camponeses, que não podiam ir fazer ao velho a visita matinal, porque os impedia o trabalho da lavoura, a criação das ovelhas e o fabrico do vinho, contentavam-se com vir ao encontro das moças, para ouvir dos seus lábios as últimas composições de Anacreonte.

Assim vivia ele, absolutamente feliz, querido e admirado por todos, preocupando-se apenas com seus .versos, indiferente a outros afazeres.

Policrato, porém, tirano de Samos, curioso por conhecer o poeta, ouvir-lhe dos próprios lábios a poesia das suas odes, mandou chamá-lo.

Anacreonte, uma bela manhã, sobraçando a sua lira de prata encordoada de novo, com sua túnica de púrpura preza aos ombros, uma coroa de pâmpanos e heras em torno afronte, embarcou numa galera, e partiu mar fora.

Policrato tinha ordenado que se preparasse um banquete real para festejar-lhe a recepção. Anacreonte apareceu.

Todos os que estavam ao redor da mesa, onde se ostentavam as mais extraordinárias iguarias, levantaram-se com as taças transbordantes e gritaram:

— Evohé! — que era o grito de satisfação dos gregos.

Anacreonte, então, em pé no meio dos convivas, admirável na sua roupagem de púrpura, empunhou o instrumento sonoro, arrancou um acorde e começou a entoar um hino de louvor a Policrato. Seus versos eram tão belos, tão inspirados, sua voz tão clara, que todos estavam suspensos de admiração, embriagados de poesia. Policrato aproximou-se do poeta, curvou-se em sinal de admiração ao seu gênio, deu-lhe uma bolsa cheia de moedas de ouro, e disse-lhe:

— Toma esta bolsa; é tua; contém uma fortuna. Quero que sejas o homem mais poderoso de Samos. Amanhã cantar-me-ás uma ode igual a essa.

Anacreonte agradeceu. À noite, quando se retirou para os seus aposentos, começou a pensar na fortuna que lhe pertencia, nas terras que havia de comprar à beira mar, plantadas de vinha, nas ovelhas brancas pastando pelos outeiros, no cortejo de escravos que havia de ter, na felicidade, enfim, que lhe dariam aquelas pesadas moedas de ouro. E não pode dormir, tal era a satisfação de que se achava possuído.

Pela manhã tinha um aspecto doentio, os olhos amortecidos.

Procurou Policrato e disse:

— Senhor! aqui está a vossa bolsa e o ouro que ela contém. Não a quero. Desde que a poesia bafejou minh'alma, ainda se não passou uma noite em que não compusesse uma ode; ontem, porém, a riqueza que me destes preocupou tanto minha imaginação, que não consegui dormir nem compor a ode que me pedistes. Adeus. Quero partir para Téos, pobre como vim, porém feliz na minha pobreza. Para que servem fortunas? Nada me falta: tenho o bom leite, o excelente vinho, a água fresca para as minhas abluções e a amizade dos meus vizinhos. Esta é a minha riqueza. Adeus.

Fonte:
O Poeteiro (Iba Mendes)

Caldeirão Poético XXXI


A. J. PEREIRA DA SILVA
(1876-1944)

INCOGNITUS


Anda comigo uma tristeza estranha...
Tristeza? Não. Saudade inconsequente
De um país que uma luz de lua doente,
Como os minguantes outoniços, banha,

Essa ideia imanente me acompanha
De tal maneira o espírito vidente,
Que já sofro da falta desse ambiente
De clima luminoso e ar de montanha.

Vivi alhures? Guardo, impercebida,
Como na calma azul de um céu profundo,
A ingênita memória de outra vida?

Quem sabe? Um senso incógnito me diz
Que de outra forma viva e noutro Mundo
Pode alguém ser feliz... e eu fui feliz.

BONFIM SOBRINHO
(1875-1900)

NOIVADO FÚNEBRE

Negra tristeza meu semblante encova,
Ó noiva amada, lírio meu fanado!
Porque não vamos na mudez da cova
Em círios celebrar nosso noivado?

Nos sete palmos desse leito amado,
Ao frio bom de uma volúpia nova,
Há de embalar o nosso amor gelado
O coveiro a cantar magoada trova.

E os nossos corpos gélidos, inermes,
Em demorados e famintos beijos,
Serão depois roídos pelos vermes...

E do leito final que nos encerra
Em plantas brotarão nossos desejos,
E o nosso amor, em flores, sobre a terra.

FRANCISCA JÚLIA DA SILVA
(1874-1920)

A FLORISTA


Suspensa ao braço a grávida corbelha,
Segue a passo, tranquila... O sol faísca...
Os seus carmíneos lábios de mourisca
Se abrem, sorrindo, numa flor vermelha.

Deita à sombra de uma árvore. Uma abelha
Zumbe em torno ao cabaz... Uma ave, arisca,
O pó do chão, pertinho dela, cisca,
Olhando-a, às vezes, trêmula, de esguelha...

Aos ouvidos lhe soa um rumor brando
De folhas... Pouco a pouco, um leve sono
Lhe vai as grandes pálpebras cerrando...

Cai-lhe de um pé o rústico tamanco...
E assim descalça, mostra, em abandono,
O vultinho de um pé macio e branco.

HENRIQUE CASTRICIANO
(1874-1947)

A MISSA DO MAR


Eis-nos sós, companheiro! Amargurado Oceano,
Deixa-me descansar ao pé de ti, meu velho...
Depois de ter ouvido o Ritual Romano,
Quero aprender de cor o teu santo Evangelho.

Abre o verde Missal! Como um Padre, de joelho,
Põe nos ombros azuis o manto soberano;
E do Sol preso ao Céu, de seu disco vermelho,
Faze uma hóstia de luz, faze um símbolo humano.

Sobe o dia no Azul. Tontas de amor, no Espaço,
Gaivotas vão subindo... Ergue-se, ao longe, o braço
De um monte secular, entre nimbos risonhos...

E, ao ver tudo ascendendo, eu procuro o infinito
De tua Alma sem fim, para esconder, num grito,
Minhas queixas! meus ais! minhas penas! meus sonhos!

JONAS DA SILVA
(1880-1947)

Ó LARANJAL SEM FLOR!


Ó laranjal sem flor, ó limeira sem lima,
De braços hirtos como os de um Crucificado,
Talvez S. Sebastião, ao cumprir o seu fado,
Contra vós atirasse a maldição do clima.

Folha a folha, o tufão foi despindo a alta cima
Onde outrora cantava o sabiá namorado;
Hoje apenas lembrais o imortal torturado
Ou um mártir da Ilusão no Calvário da rima.

Como somos irmãos nesta vida em que vamos!
Voltarão pelo inverno os rebentos de outrora,
Os sabiás voltarão a cantar sobre os ramos.

E esta alma encontrará novamente a que estima?
E esta alma encontrará novamente a que adora?
Ó laranjal sem flor, ó limeira sem lima...

JOSÉ ALBANO
(1882-1923)

SONETO

Bom Jesus, amador das almas puras,
Bom Jesus, amador das almas mansas,
De ti vêm as serenas esperanças,
De ti vêm as angélicas doçuras.

Em toda parte vejo que procuras
O pecador ingrato e não descansas,
Para lhe dar as bem-aventuranças
Que os espíritos gozam nas alturas.

A mim, pois, que de mágoa desatino
E, noite e dia, em lágrimas me banho,
Vem abrandar o meu cruel destino.

E, terminado este degredo estranho,
Tem compaixão de mim, Pastor Divino,
Que não falte uma ovelha ao teu rebanho.

LUÍS GUIMARÃES FILHO
(1878-1940)

VÊNUS


Lembro-me ainda dessa esbelta e flava
Carícia dos teus braços amorosos...
Por mais que evite o encanto, os impiedosos
Perseguem sempre a minha carne escrava!

Eram suaves, cálidos, cheirosos,
Como doces damascos! Eu beijava
Aquela morna pele que tentava
O paladar! Oh! braços deliciosos,

Como esquecer as núpcias perturbantes,
Os longos desalentos delirantes
Que sem misericórdia vós me dáveis?

Ah! torna, Vênus, para o sacro Elêusis!
Fui condenado à morte pelos deuses,
E quero-a nos teus braços implacáveis

MENDES MARTINS
(1876-1915)

VELHINHOS

E vai fugindo o tempo. E, aos poucos, vem chegando,
Ai, vem chegando a idade em que eu serei velhinho,
Sopra o vento lá fora, as árvores curvando
E, em busca de outro lar, deserta o passarinho

- Ai, que frio! - eu murmuro. E, cheia de carinho,
Te chegas para mim, as minhas mãos tomando.
Ai, que frio, meu Deus! - torno a dizer baixinho,
De teu colo moreno as rugas contemplando.

E a lamparina estala e, trêmula, esmorece...
Lá fora, o temporal, bramindo, recrudesce
E solta, finalmente, os últimos arrancos...

E à luz crepuscular, que te sombreia os traços,
Tenho assomos de moço: aperto-te em meus braços
E beijo, apaixonado... os teus cabelos brancos.

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Mensagem na garrafa – 1 -

Criação JFeldman com Microsoft Bing

Victor Hugo
França, 1802 – 1885

DESEJO

Desejo primeiro que você ame,
E que amando, também seja amado.
E que se não for, seja breve em esquecer.

E que esquecendo, não guarde mágoa.
Desejo, pois, que não seja assim,
Mas se for, saiba ser sem desesperar.

Desejo também que tenha amigos,
Que mesmo maus e inconsequentes,
Sejam corajosos e fiéis,
E que pelo menos num deles
Você possa confiar sem duvidar.

E porque a vida é assim,
Desejo ainda que você tenha inimigos.
Nem muitos, nem poucos,
Mas na medida exata para que, algumas vezes,
Você se interpele a respeito
De suas próprias certezas.
E que entre eles, haja pelo menos um que seja justo,
Para que você não se sinta demasiado seguro.

Desejo depois que você seja útil,
Mas não insubstituível.
E que nos maus momentos,
Quando não restar mais nada,
Essa utilidade seja suficiente para manter você de pé.

Desejo ainda que você seja tolerante,
Não com os que erram pouco, porque isso é fácil,
Mas com os que erram muito e irremediavelmente,
E que fazendo bom uso dessa tolerância,
Você sirva de exemplo aos outros.

Desejo que você, sendo jovem,
Não amadureça depressa demais,
E que sendo maduro, não insista em rejuvenescer
E que sendo velho, não se dedique ao desespero.
Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e
É preciso deixar que eles escorram por entre nós.

Desejo por sinal que você seja triste,
Não o ano todo, mas apenas um dia.
Mas que nesse dia descubra
Que o riso diário é bom,
O riso habitual é insosso e o riso constante é insano.

Desejo que você descubra ,
Com o máximo de urgência,
Acima e a respeito de tudo, que existem oprimidos,
Injustiçados e infelizes, e que estão à sua volta.

Desejo ainda que você afague um gato,
Alimente um cuco e ouça o joão-de-barro
Erguer triunfante o seu canto matinal
Porque, assim, você se sentirá bem por nada.

Desejo também que você plante uma semente,
Por mais minúscula que seja,
E acompanhe o seu crescimento,
Para que você saiba de quantas
Muitas vidas é feita uma árvore.

Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro,
Porque é preciso ser prático.
E que pelo menos uma vez por ano
Coloque um pouco dele
Na sua frente e diga "Isso é meu",
Só para que fique bem claro quem é o dono de quem.

Desejo também que nenhum de seus afetos morra,
Por ele e por você,
Mas que se morrer, você possa chorar
Sem se lamentar e sofrer sem se culpar.

Desejo por fim que você sendo homem,
Tenha uma boa mulher,
E que sendo mulher,
Tenha um bom homem
E que se amem hoje, amanhã e nos dias seguintes,
E quando estiverem exaustos e sorridentes,
Ainda haja amor para recomeçar.
E se tudo isso acontecer,
Não tenho mais nada a te desejar.

Monteiro Lobato (Os Perturbadores do Silêncio)


O silêncio em Oblivion é como o frio nas regiões árticas: uma permanente. Não se compreende a segunda sem o primeiro. Ele a completa; ela o define.

Durante a noite aquele silêncio faz-se inteiriço como a escuridão. Por mais que se apurem, os ouvidos nada ouvem a não ser um vago e remoto ressoar, que lembra miríade de grilos microscópicos em imperceptível surdina chiadeira.

Durante o dia, porém, a integridade do silêncio em Oblivion sofre lesões. Uns tantos rumores, sempre os mesmos e periodicamente repetidos, constelam-no de quebras de continuidade. O velho inimigo do Silêncio, o Som, a espaços berra dentro dele gritos sediciosos, tal o relâmpago que momentaneamente destrói o império das trevas. Mas o Silêncio logo subjuga e absorve o intruso.

À frente desse grupo de irreverências está o sino da igreja. Repicando missa aos domingos ou chorando a defunto, alegre ou fúnebre, é o Sino o mais violento perturbador do Silêncio em Oblivion.

Outra, é a capina trimensal das ruas: o raspar das enxadas perturba o silêncio com a insistência do coaxar do sapo-ferreiro.

Outra, é o fim das aulas. Quando soam quatro horas o portão do Grupo Escolar borbota um fluxo de meninos rompidos em algazarra, a berrar, a cantar — e adeus silêncio.

Outra, e esta deveras notável, é o carrinho da Câmara. O carrinho da Câmara constitui o veículo mais importante de Oblivion — que além dele só conta mais um, o Zé Burro, sólido preto-mina empregado no transporte das coisas pesadas. E é o principal por várias razões ponderosas, entre as quais a de ser ele todo de ferro, ao passo que o outro é de carne. Verdade que o carrinho só tem uma roda e o preto tem duas pernas. Mas como a roda do carrinho é bem centrada e as pernas do Zé são cambaias, aquela superioridade desaparece e o carrinho instala-se de vez no primado.

Mas esta questão de primazias não vem ao caso. O caso é a perturbação do Silêncio determinada pelo carrinho, fato que se dá da seguinte maneira. Como o carrinho tem pouco serviço e passa a maior parte do tempo a cochilar no depósito, a ferrugem, insidiosa inimiga da inação, sub-repticiamente vem pintar de vermelho o eixo das rodas, de modo que, mal sai à rua o veículo, o pobrezinho do eixo grita como um gotoso, geme, range, ringe — perturbando lamentavelmente o Silêncio de Oblivion.

Quando Isaac Factótum — um mulato retaco, grosso e curto como certas taturanas — recebe ordem para ir a tal parte formicidar um olheiro de saúvas, o rolete de homem mete as garrafas de formicida, a enxada e o fósforo dentro do carrinho e, imagem da Compenetração, símbolo da Convicção Inabalável, parte nhem-nhim, nhem-nhim, através das vias principais da cidade, em busca do mal aventurado olheiro.

De sobrecenho carregado, Isaac leva o olhar atentamente fito à frente — para “evitar algum desastre”. Nas ruas desertas apenas um ou outro cachorrinho se estira ao sol. Isaac, a vinte passos, divisando o vulto de um, para, ergue a mão em viseira, firma os olhos.

— Diabo! Amode que é o Joli do Pedro Surdo? —, e com uma pedra o espanta: — Sai, porqueira! Não ouve o carro? Não tem medo de morrê masgaiado?

E, convencido de que salvou a vida a um cristão, Isaac-Garrafa-de-Licor-de-Cacau retoma os varais e lá segue por Oblivion afora, nhem-nhim, nhemnhim, com solenidade de dalai-lama do Tibete.

Às janelas acode gente. Crianças repimpadas no peitoril gritam para dentro:

— Mamãe, o carrinho “evem”* vindo!

Muita moça nervosa deixa a costura e tapa os ouvidos:

— Que inferneira! Não se pode com essa barulhada!

Não obstante, o terrível veículo passa, indiferente à admiração como à censura, garboso, todo de ferro e ferrugem, nhem-nhim, nhem-nhim, empurrado pela dignidade infinita de Isaac-Toco-de-Vela.

E enquanto o carrinho da Câmara não torna ao depósito municipal, o Silêncio não reentra na posse dos seus domínios.
_____________________________
Glossário:
* Evem – Expressão correspondente às locuções verbais lá vem, ali vem, já vem. Muito utilizada no interior de Minas Gerais.

Fonte:
Monteiro Lobato. Cidades Mortas.

Milton S. Souza (Poemas Avulsos)


AMADA AMIGA

Se, por ventura, eu fosse (sim!!!) teu namorado,
eu pegaria, docemente, em tua mão
e te diria, neste dia consagrado,
palavras lindas, brotadas do coração.

E falaria de mil sonhos, de paixão,
com meu olhar no teu olhar entrelaçado.
E te diria que és a única razão
para que eu viva sempre mais apaixonado.

Mas nada disso a vida permite que eu diga,
só posso, mesmo, te chamar de “minha amiga”
e, quando muito, tentar te fazer feliz.

Com este sonho guardado no pensamento,
uma certeza amplia mais o meu tormento:
eu sei que entendes tudo o que o meu olhar diz.

CHEGA DE ERRAR

Agora é o fim: não quero mais. Chega de dor.
Não tenho mais nem pranto para derramar.
Amor assim, brigas sem fim, é falso amor:
alguém precisa ter coragem de mudar!!!

A gente briga, a gente volta e, sem notar,
mata conceitos e perde o próprio valor.
Este perdão, que estamos prontos para dar,
é um passaporte para a briga posterior.

Somos adultos em quase todos assuntos,
mas quando temos que assumir os riscos juntos,
nos transformamos em assustadas crianças.

Chega de errar. Vamos parar e, com cuidado,
rever os rumos deste amor tão complicado
enquanto ainda temos sonhos e esperanças.

DIA DO AMIGO

Uma amizade verdadeira é raridade
que poucas vezes encontramos nesta vida:
alguém que aplauda o instante de felicidade
e esteja junto, repartindo a hora sofrida.

Que troque afeto pela esperança perdida,
que seja luz, quando rarear a claridade,
que seja apoio, quando não tiver saída,
e aponte os rumos, se sentir necessidade.

Muito obrigado pela luz do teu sorriso,
por ser presença no momento mais preciso,
por este abraço que amplia a fraternidade.

Muito obrigado pela paz que tu me deixas,
pela paciência ao escutar as minhas queixas,
muito obrigado por me dar tua amizade…

LUZ NA ESCURIDÃO
Caminhar lento, tateando pela calçada,
faz a bengala ser a luz na escuridão.
Ouvido atento: som é mensagem cifrada,
calcula o espaço em cada passo pelo chão.

A cada instante, bate forte o coração
pela incerteza que pode surgir do nada.
Algumas vezes, sente a força de uma mão
que muda o rumo da indecisa caminhada.

Olhar sem vida, noite eterna na retina,
ele usa os sonhos... e com eles ilumina
os horizontes onde busca os seus totais.

Nada reclama, porém mostra, do seu jeito,
que o mundo deve um pouquinho mais de respeito
para com todos deficientes visuais.

MORRI DE SAUDADES...
Morri de saudades... - Toda a culpa é tua:
tua ausência encheu de trevas meus espaços.
Definhei tristonho...  namorando a lua,
coração sangrando... perdendo os pedaços.

Morri de saudades... Longe dos teus braços...
chorando baixinho... sentindo a alma nua...
tentei, muitas vezes, seguir os teus passos
com meus pensamentos: não te achei na rua.

Morri de saudades... mas minha esperança
continua viva, teima e não se cansa
de olhar o horizonte, sempre a te esperar.

E ela me garante que, ao te ver chegando,
eu que, mesmo morto, sigo assim chorando,
vou sorrir de novo, vou ressuscitar…

NOSSA ESTRELINHA

Uma estrelinha se apagou bem lentamente,
deixando um rastro de tristeza em seu lugar.
Esta estrelinha tinha um brilho diferente:
deixava um pouco de magia em cada olhar

Era tão meigo o seu jeito de cintilar,
que na sua luz ninguém ficava indiferente:
Não deveria parar cedo de brilhar
quem neste mundo foi presença reluzente.

Ela era linda, mas sua luz tão fraquinha
foi se apagando, até fazer nossa estrelinha
sumir no espaço, colorindo as amplidões.

Antes porém de viajar para o infinito,
deixou sementes do seu brilho mais bonito
nas nossas vidas e nos nossos corações.

SEM DEPOIS

Não sei porque...nem quero tentar explicar
esta loucura que tem sabor de pecado.
Só sei que eu não consigo mais me controlar:
preciso estar o tempo inteiro do teu lado.

Sei muito bem que estamos no caminho errado,
que nesta estrada não vamos poder voltar,
que este presente, sem futuro e sem passado,
traz consequências: pode nos fazer chorar.

Mas é impossível sufocar esta vontade
de saborear os frutos da felicidade
que brotam fartos dos momentos de nós dois...

Nestes mergulhos nos prazeres proibidos,
um só desejo domina os nossos sentidos:
que o tempo pare neste agora sem depois.

SEM GRAÇA
Morrer é a única certeza desta vida,
mas tantos vivem loucamente, sem pensar
que, sem aviso, vai chegar a despedida,
que esta hora triste ninguém consegue evitar.

Tempo e saúde: não devemos esbanjar
pois, se nos faltam, não encontramos saída.
O tempo é louco, corre sempre sem parar,
saúde é ouro, não se gasta sem medida.

A vida ensina, mas não adianta a experiência:
nunca sabemos enfrentar aquela ausência
de quem conosco foi presença muito amada.

A morte sempre marca forte o nosso rosto:
ela não passa de piada de mau gosto
que faz chorar por ser contada na hora errada.

Arthur de Azevedo (Dez por Cento)


Naquela noite o Gama e o Carvalho, dois famosos banqueiros de roleta, inauguravam a sua casa de jogo no Rocio, que naquele tempo não era ainda a Praça Tiradentes.

Os dois sócios não se furtaram a despesas; o antro estava mobiliado e alcatifado com certo luxo; os móveis eram do Moreira Santos.

Na sala de frente, em cujas paredes se ostentavam dois suntuosos espelhos e quatro enormes gravuras de Jazet (Jean Pierre Marie Jazet, 1788-1871, pintor francês), ricamente emolduradas, havia um magnífico bilhar.

Na sala de jantar, a mesa, posta para um banquete, agradava aos olhos, pela risonha promiscuidade das flores, dos frutos, das porcelanas e dos cristais.

A roleta ficava ao fundo, num vasto compartimento que tinha sido dormitório nos bons tempos em que a casa era habitada por uma família patriarcal e honesta.

* * *

Às nove horas o Carvalho dava à bola com a serenidade olímpica de um veterano encanecido (envelhecido) naquelas campanhas.

Não só todos os lugares estavam ocupados, como havia muitos indivíduos de pé, uns em volta da banca, debruçados, enchendo de fichas policromas o pano verde, outros afastados, assistindo de longe à batalha, esperando o palpite.

De todos os jogadores o mais calmo era o Coronel Mascarenhas.

Sentado à extremidade da banca, a luneta bifurcada no nariz, olhando com tranquilidade, ora para as soberbas paradas que fazia, ora para o banqueiro, sem que nada mais lhe distraísse a atenção, ele apontava exclusivamente nos seis últimos números do pano: 31, 32, 33, 34, 35 e 36.

* * *

Esse homem que, havia cinco anos, a fatalidade afastara da sua bela fazenda de Cantagalo, e conduzira a uma casa de jogo da Rua da Constituição, estava completamente subjugado pelos tentáculos do vicio.

Todos os seus teres e haveres tinham, pouco a pouco, desaparecido naquele medonho sorvedouro: terras, casas, apólices, tudo perdeu, inclusive mulher e filhos, que se apartaram dele, salvando uns tristes vestígios da fortuna de outrora.

Mascarenhas não tinha agora outra ocupação nem outra preocupação que não fosse o jogo. Dormia numa casa de pensão até às duas horas da tarde, e dessa hora em diante deixava-se absorver pelo vício até de madrugada, jantando e ceando fartamente nas casas onde jogava.

Dantes era um parceiro arrogante, muito orgulhoso da sua propriedade agrícola, afrontando a sorte com um garbo e uma sobranceria que todos admiravam; depois de arruinado, tornara-se uma criatura humilde, joão-ninguém vencido pela adversidade, tolerado pelos banqueiros apenas em atenção ao seu passado de perdulário. Era mal visto pelos jogadores felizes, que o consideravam “cabuloso”; vivia de expedientes, frequentando muitas vezes as casas de jogo apenas para alimentar-se, aproveitando as “aragens” para tentar reaver a sua posição e o seu dinheiro.

* * *

Na véspera da inauguração do “clube” (chamavam-lhe clube) do Gama e do Carvalho, o Coronel Mascarenhas tivera, sem dúvida, uma dessas “aragens”: dez vezes comprou cem fichas de dez tostões, e dez vezes, coitado! a bola rodou sem cair em nenhum dos seis números em que ele apontava. O rateio do banqueiro levou-lhe um conto de réis.

Depois de perdido o último vintém, o desgraçado passeou pelos circunstantes um olhar que solicitava um pouco de piedade, mas ninguém deu por isso. Dirigiu-se então ao Carvalho, que continuava a dar à bola, imperturbavelmente, e disse-lhe em voz alta:

– Faz favor de me dar os vinte por cento?

– Quais vinte por cento? perguntou o banqueiro, arregalando os olhos. É boa! Os vinte por cento a que têm direito os pontos sobre as quantias que perdem.

– Direito?!

– Direito, sim, senhor! É uma concessão que fazem hoje todas as casas de jogo!

– Todas, menos esta!

– Não me diga isso!

– Digo, sim senhor! A casa não preveniu a ninguém que faria semelhante concessão!

– Não preveniu, mas estava subentendido, porque não há hoje banqueiro de roleta que não dê os vinte por cento…

– Há, sim, senhor, e esse banqueiro sou eu!

– Nesse caso devia ter-me avisado que os não dava, porque tão tolo não seria eu que, gozando dessa vantagem na casa do Jojoca, na do Quincas e na do Machado, viesse jogar aqui!

– O que disse está dito! Não dou os vinte por cento!

– Mas atenda.

Entretanto, os outros pontos começavam a impacientar-se; o gordo Comendador Fraga, que jogava muito, com uma felicidade assombrosa, e suava por todos os poros, gritou brutalmente:

– Ô Carvalho! dê os tais vinte por cento a esse homem, e ele que nos favoreça com a sua ausência!

– E insuportável! bradou outro ponto. Quem não pode perder não joga!

Um vencido, que assistia de parte, ao jogo, depois de ter colocado, muito dobradinha, em cima do 17, uma velha nota de quinhentos réis, a derradeira, observou:

– Perdi tudo quanto trazia e não exigi porcentagem…

Mas o Coronel Mascarenhas insistia, lamuriento, com lágrimas na voz, desfiando o longo rosário das suas misérias, humilhando-se, ameaçando suicidar-se, e, afinal, chorando, chorando, como uma criança.

* * *

Escusado é dizer que ninguém se sensibilizou com isso; mas o Carvalho, querendo ver-se livre do importuno, foi consultar o Gama, que jogava bilhar, na sala da frente e voltou com a seguinte decisão:

– Sr. Coronel, a casa não se comprometeu a fazer concessões de espécie alguma aos jogadores infelizes; entretanto, para se ver livre do senhor, resolveu dar-lhe, não vinte, ruas dez por cento, sob a condição de que o senhor nunca mais há de jogar aqui.

– Vá lá, murmurou o desgraçado; aceito.

– Aqui tem cem mil-réis.

O coronel apanhou no voo a nota que o Carvalho atirou com o firme propósito de lhe bater com ela no rosto, amarrou-a nas mãos, guardou-a na algibeira do colete, ergueu-se lentamente, e saiu, dizendo: – Seja tudo por amor de Deus! Meus senhores, muito boas noites!

Acompanharam-no risos sardônicos e ditérios (falatórios) ofensivos, como: – Ora graças! – Que tipo! – Não tem vergonha! – Quem não chora não mama! etc.

* * *

Uma hora depois, terminada a banca, estavam todos à mesa, fazendo honra à opípara (lauta) ceia com que os regalavam os donos do estabelecimento, quando entrou, como um foguete, o Costinha, tipo que passava as noites percorrendo aquelas casas, uma por uma, para contar aqui, o que se passava acolá.

– Querem saber uma grande novidade? perguntou o recém-chegado.

– Qual? interrogaram todos em coro.

– Eu estava em casa do Jojoca quando lá apareceu o Coronel Mascarenhas, que ia correndo de cá.

– E então? perguntou o Carvalho, que presidia o banquete.

– Ele contou a história dos cem mil-réis…

– Canalha! Sem vergonha! Malandro! Miserável! etc., vociferaram todos os convivas.

– E ainda foi gabar-se aquele cínico! obtemperou o Comendador Fraga.

– Ouçam o resto! bradou o Costinha. Ele tirou da algibeira a nota amarrotada, comprou cinquenta fichas e jogou-as todas no “esguicho” do 31 ao 36. Saiu o 31.

– Ah!

– Dobrou a parada e jogou em pleno em todos os seis números, carregando no 34. Repetiu o 34!

– Oh!

– Na parada seguinte deu o 32, depois veio mais uma vez o 34, para encurtar razões: em dez ou doze bolas o coronel deu um tiro de quarenta contos! O Jojoca está furioso!

* * *

– Quarenta contos! quarenta contos!…

Os jogadores estavam atônitos. Alguns se ergueram, outros cruzaram os talheres, todos se entreolharam. Houve um momento de silêncio glacial.

– Sim, o coronel não é peco… sabe jogar… quando ganha, atira-se, e faz
muito bem, disse o Carvalho.

– Decerto, concordaram alguns.

– E ele acaba de provar, replicou o gordo Comendador Fraga, que não deixava de ter razão exigindo a porcentagem.

– Sim, concluiu outro; a porcentagem é muitas vezes a salvação do ponto. Vejam como os dez por cento grelaram (germinaram, brotaram)!

– E o que nos pareceu uma canalhice…

– Era um ato inteligente, isso era, e a prova aí está que com os cem mil-réis levantou quarenta contos.

– A sorte foi justa, ponderou o Gama, o Coronel Mascarenhas perdeu à roleta tudo quanto possuía.

– Era um fazendeiro importante.

– Muito boa pessoa…

– E honesto; nunca jogou senão o que era seu.

* * *

Todos os comensais se desfaziam em louvores ao Coronel Mascarenhas, quando este assomou à porta da sala.

O Carvalho e o Gama ergueram-se de um salto e foram ao encontro dele para apertar-lhe a mão e abraçá-lo. Alguns dos circunstantes fizeram o mesmo, e o ex-fazendeiro foi alvo de uma verdadeira ovação. Entretanto, conservava-se calado.

– Venha cear, coronel! A canja está deliciosa! disse o Carvalho.

– Perdão, respondeu Mascarenhas, com toda a simplicidade; eu fui expulso desta casa, e aqui não tornaria a pôr os pés, se a sorte não me favorecesse, proporcionando-me ocasião de restituir dez por cento a que não tinha direito, e que me atiraram como uma esmola infame…

Estas palavras foram acolhidas com mil protestos e desculpas, mas o Coronel Mascarenhas, que recuperara a sua antiga arrogância, a nada atendeu, e atirou à cara do Carvalho a mesma nota amarrotada com que saíra.

Alguns dias depois o pobre homem aparecia inopinadamente à mulher e aos filhos, dizendo-lhes:

– Passei ultimamente por tamanha vergonha, e ao mesmo tempo tive uma felicidade tão inaudita, que os dois fatos se combinaram para salvar-me, evitando que eu descesse ainda mais abaixo.

“Trago o preciso para começar de novo a trabalhar, e trabalharei, se vocês me perdoarem.”

Perdoado, o Coronel Mascarenhas, se bem o disse, melhor o fez. Hoje não joga nem mesmo a bisca em família.

O jogo passa por ser um vício incurável, mas afianço ao leitor que esse final é verdadeiro. Lá disse o outro que a verdade nem sempre é verossímil.

Fonte:
Arthur de Azevedo. Contos.

quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Aos Organizadores de Concursos Literários

O blog disponibiliza o espaço "GRATUITO" para a divulgação de literatura em geral, e dos concursos.

Se possui algum concurso literário para divulgar ou mesmo resultados deles, favor enviar email com os regulamentos e/ou resultados para 
gralha1954@gmail.com

Deste modo a divulgação será pelo blog que atinge cerca de 5 mil pessoas/mês, além dos 350 assinantes e pela página do blog no facebook, e divulgação por revistas virtuais (gratuitas) por email para poetas, trovadores, escritores em geral, etc.


2. Concurso Nacional/Internacional de Trovas de Iúna/ES (Prazo: 10 de Outubro)

Nota do blog:
Veja breve resumo sobre a cidade na postagem abaixo desta.

 _________________________________________________________
 

REGULAMENTO:

1 – DOS TRABALHOS:


1.1 – As trovas devem ser inéditas, de autoria do remetente e, cada uma delas deve ser datilografada/digitada na face externa de um envelope branco, que deve ser remetido fechado. Dentro de cada envelope, colocar um papel com a identificação:
Nome, endereço postal completo, data de nascimento, pequena biografia com data e local de nascimento, e-mail e assinatura.

1.2 – Os envelopes com as trovas devem ser colocados em outro, maior, para a remessa.

1.3 – Máximo de TRÊS trovas lírico-filosófico-humorísticas por concorrente, no tema proposto abaixo exaltando as Maravilhas da Cidade de Iúna, na Região do Caparaó, terra do Café, na divisa entre Minas e Espírito Santo.

1.4 – Serão consideradas as trovas recebidas até 10 de Outubro de 2019.

1.5 – As trovas devem ser remetidas para:
2º Concurso Nacional e Internacional de Trovas de Iúna.
A/C Sr. Clério José Borges
Rua dos Pombos, 2 – Eurico Salles – Carapina
CEP. 29160–280 – Serra/ES

1.6 – Para efeito deste Concurso entende-se por TROVA, composição poética de apenas uma estrofe, sem título, com quatro versos setessilábicos, ou seja, de sete sílabas poéticas, contada pelo som, rimando o 1º com o 3º e o 2&ord m; com o 4º, ou apenas o 2º com o 4º verso, tendo sentido completo.

2 – TEMA:

IÚNA (Palavra de origem Tupi que significa Rio Pardo).

Categorias:

Categoria Estadual: Para trovadores domiciliados no Estado do Espírito Santo;

Categoria Nacional/Internacional: Para trovadores domiciliados nas demais cidades do Brasil e Exterior;

OBS. – Nas trovas devem constar obrigatoriamente a palavra IÙNA, referindo-se a Cidade localizada na Região do Caparaó.

3 - DA FESTA DE PREMIAÇÃO: 

DIA 14 de Novembro de 2019, durante a Sessão Solene de abertura do XVII  CONGRESSO BRASILEIRO DE POETAS TROVADORES, que se estenderá com ampla programação de Palestras, Baile, Concurso Relâmpago de Trovas, Performances, Declamações, Oficinas, Serenatas e Missa em Trovas, até o Domingo, no dia 17 de Novembro de 2019.

Na impossibilidade do Comparecimento na abertura do evento no dia 14, haverá uma segunda Solenidade Especial no sábado dia 16, com início as 18 horas. 

4 - PRÊMIOS:

Serão concedidos TROFÉUS para as três (3) melhores trovas classificadas em cada categoria, sendo todas consideradas VENCEDORAS.

Do 4º ao 10º lugar serão conferidas Medalhas.

Todos os classificados receberão Diplomas de Participação, desde que as Trovas estejam de acordo com o presente Regulamento.

Caso o classificado não possa comparecer, o classificado ficará ciente de que para receber o Troféu terá que pagar uma Taxa de Correios no valor de R$ 50,00, podendo ser maior dependendo da tarifa do SEDEX.

5 - DA COMISSÃO JULGADORA:

A Comissão Julgadora será formada por trovadores de reconhecido mérito, ficando estabelecido que as trovas de âmbito Estadual sejam julgadas por trovadores residentes em outras regiões e Estados (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais) e, as trovas de âmbito Nacional/Internacional serão julgadas por trovadores da Grande Vitória. 

6 - DA COMISSÃO ORGANIZADORA:

A Comissão Organizadora está assim constituída:
Clério José Borges – Presidente da ACLAPTCTC;
João Roberto Vasco Gonçalves, Secretário da ACLAPTCTC.

6.1 – A Comissão Organizadora resolverá os casos omissos e suas decisões serão definitivas e irrecorríveis.

6.2 – As trovas remetidas em desacordo com qualquer item serão eliminadas automaticamente do concurso, sendo que a simples remessa das trovas significa total conhecimento e completa aceitação deste Regulamento.
Ao encaminhar seus trabalhos os autores cedem Direitos Autorais para uso da ACLAPTCTC e desde já autorizam a publicação nas Mídias Sociais de fotos e vídeos realizados durante o evento, Congresso de Poetas Trovadores e nas solenidades de entrega de prêmios.

Clério José Borges de Sant Anna
Historiador, poeta Trovador Escritor Capixaba
Presidente da Academia Capixaba de Letras e Artes de Poetas Trovadores, ACLAPTCTC, antigo CTC - Clube dos Trovadores Capixabas
Fundador e Primeiro Presidente da Academia de Letras e Artes da Serra, ALEAS e atual Vice Presidente.
Secretário Geral da Academia de Letras Jurídicas do Estado do Espírito Santo.
Senador da Cultura representando o Estado do Espírito Santo no Congresso da Sociedade de Cultura Latina do Brasil.
www.clerioborges.com.br
www.youtube.com/clerioborges


Fonte:
Clério Borges

Cidade de Iúna, no Espírito Santo

Cachoeira do Chiador - Iúna/ES

O município de Iúna é localizado a quinze km da BR-262 e a 180 km da capital do estado, Vitória, fazendo parte de sua área no Parque Nacional do Caparaó, embora o Pico da Bandeira (ponto culminante do estado) fique no município de Ibitirama. No município fica o Pico do Colosso, com 2 849 metros.

Turismo

Iúna é uma cidade rica em belezas naturais. Tem potencial para turismo de montanha, aventura, religião, ecológico e agroturismo. Dentre as cachoeiras mais belas, podemos citar a Cachoeira do Rio Claro, Poço das Antas, Cachoeira do Chiador. Em se tratando de aventura, a topografia proporciona a prática de esportes radicais como rapel, tracking e parapente.

O Santuário de Santa Luzia, localizado na Água Santa, local de turismo religioso, onde para aqueles que acreditam, nasce uma pequena fonte de água milagrosa, é palco de peregrinação, não tão intensa, mas que recebe turistas de várias regiões do Brasil, principalmente no dia 13 de dezembro, em que se comemoram os festejos de Santa Luzia. A Igreja Matriz da Paróquia de Nossa Senhora Mãe dos Homens, recentemente reformada, é uma das mais belas do estado.

Tem o café, a maior riqueza do município, já torrado, moído e embalado artesanalmente, que é produzido em algumas propriedades rurais, relembrando a maneira como faziam os antepassados de muitos. A cidade possui uma Cafeteria que faz este trabalho artesanal no próprio espaço, dando a oportunidade de ser tudo observado e explicado pelos proprietários. Os alimentos, como doces de mamão em pedaços, ralado cozido com açúcar mascavo ou rapadura, de abóbora em pedaços e ralado puro ou com coco, doces de figo, goiaba, pêssego, carambola e jaca em calda; os bolos de laranja, milho, coco, as broas de fubá com melado, com erva-doce; os queijos frescal e curado; licores de sabores diversos, quentão; salgados diversos, enfim uma infinidade de guloseimas "da roça" que dão muita água na boca.

História

O território que hoje corresponde ao Município de lúna era, antigamente, totalmente coberto pela Mata Atlântica e habitado por diversas tribos indígenas da nação puri. Os puris eram de estatura mediana, de cor morena e cabelos pretos e lisos. Andavam nus, se alimentavam da caça e da pesca, cultivando alguns produtos agrícolas. A história da região do Caparaó pode ser contada a partir da vinda da família real, em 1808. Em 1814, o príncipe regente João, filho de dona Maria I, determinou que as remessas de ouro, pedras preciosas ou madeira fossem feitas obrigatoriamente pelo Rio de Janeiro. Para tanto, o governador da província, Francisco Alberto Rubim, recebeu ordens para construir uma estrada ligando Minas Gerais ao Espírito Santo. Vários povoados se formariam futuramente nesse caminho, em volta dos postos militares então instalados.

Um desses foi o povoado de "São Pedro de Alcântara do Rio Pardo", erguido em volta da capela erguida em 1855 em terreno doado pelo fazendeiro Joaquim Ferreira Val. O povoado foi primeiro subordinado a Vitória e, depois, a Cachoeiro de Itapemirim. Em 1816, o governador Francisco Alberto Rubim, valendo-se da Carta Régia do Príncipe Regente, dom João, ordenou a construção da Estrada São Pedro de Alcântara, que ligava Vitória a Vila Rica, em Minas Gerais. O responsável pela construção em território capixaba foi o Comandante Duarte Carneiro. Para a manutenção da estrada foram estabelecidos quartéis de três em três léguas para que os viajantes pudessem descansar e encontrar proteção contra os constantes ataques das feras e índios, que viam no homem branco um invasor de suas terras.

Em território riopardense, existiam três quartéis: a) Quartel de Chaves, que logo recebeu o nome de Quartel do Rio Pardo, por situar-se às margens de um rio de águas pardas; b) Quartel de Santa Cruz e Quartel do Príncipe. Com o passar dos anos, ao redor do Quartel do Rio Pardo, surgiu a pequena povoação denominada "Arraial de São Pedro de Alcântara do Rio Pardo". No decorrer do ano de 1845, o missionário capuchinho frei Paulo de Casanova construiu, com o auxílio dos índios puris, a Capela de São Pedro de Alcântara, inaugurada com a presença do Barão de Itapemirim e benzida pelo seu idealizador.

No ano de 1855, o alferes José Joaquim Ferreira Valle doou 42 alqueires de terra para a construção de uma capela dedicada a Nossa Senhora Mãe dos Homens e expansão do arraial que se formava às margens do Rio Pardo. Contudo, em 1858, Frei Bento di Gênova liderou a construção da capela, que foi inaugurada e dedicada a Nossa Senhora da Pureza. Em 1859, o arraial foi elevado a distrito de Vitória, como nome de Freguesia de São Pedro de Alcântara do Rio Pardo. Posteriormente, o distrito passou a pertencer ao município de Viana e, em 1867, foi anexado ao recém-criado Município de Cachoeiro de Itapemirim. Em 14 de julho de 1859, o povoado foi elevado à condição de paróquia; em 24 de outubro de 1890, obteve a emancipação de Cachoeiro de Itapemirim. O município foi criado em 11 de novembro de 1890 e instalado em 3 de março de 1891, com o nome de "Rio Pardo". O nome de "Iúna" seria adotado em 1943. Significa "águas pardas", em língua tupi.

Com o crescimento da freguesia, Frei Bento di Gênova construiu a Capela e o Cemitério de São Miguel Archângelo, no qual foi sepultado no dia 2 de janeiro de 1862, pois falecera sentado na Pedra do Pecado, na Água Santa, no dia 1. No período compreendido entre 1865 e 1870, chegaram, à freguesia de São Pedro de Alcântara do Rio Pardo, diversas famílias de origem portuguesa, remanescentes da Guerra do Paraguai e que receberam, de Sua Majestade Imperial, dom Pedro II, sesmarias no "Sertão do Norte", como era conhecida a extensa região que compunha o distrito de Rio Pardo, abrangendo os territórios que hoje correspondem aos municípios de Castelo, Conceição de Castelo, Venda Nova do Imigrante, Muniz Freire, Ibatiba, Irupi, no Espírito Santo e Lajinha, Chalé, Ipanema, Conceição de Ipanema e Mutum, em Minas Gerais.

Também se fixaram em Rio Pardo, no final do século XIX e início do século XX, famílias de nacionalidades francesa; alemã; suíça, libanesa e italianas.

Em 1879, foi construída a Igreja Matriz de Nossa Senhora Mãe dos Homens, criadas as escolas masculina e feminina da Vila e em 1881 foi instalado o correio. No dia 11 de junho de 1888 foi realizado, na Freguesia de São Pedro de Alcântara do Rio Pardo, o primeiro casamento civil da província do Espírito Santo, antes mesmo da Proclamação da República.

No dia 24 de outubro de 1890, os moradores de Rio Pardo decidiram pedir à Assembleia Constituinte a criação do município, visando ao crescimento sócio-econômico da extensa região. Com efeito, no dia 11 de novembro de 1890, quando da promulgação da primeira Constituição Republicana do estado do Espírito Santo, os Deputados Constituintes aprovaram o desmembramento do distrito de São Pedro de Alcântara do Rio Pardo, então pertencente ao Município de Cachoeiro de Itapemirim, criando o Município da Villa do Rio Pardo, com sede na antiga Freguesia de São Pedro de Alcântara do Rio Pardo e tendo como distritos: Santa Cruz e São Manoel do Mutum.

Em consequência do desmembramento do Município de Cachoeiro de Itapemirim, no dia 3 de março de 1891, foi instalado o primeiro Conselho de Intendência Municipal. A Comarca do Rio Pardo foi criada em 1890.

No ano de 1917, foi fundado o primeiro time de futebol do município, denominado ainda hoje: "Rio Pardo Futebol Clube", com uniforme vermelho e branco. E ficando extinto após muitos anos e ainda Iúna ficou marcada com o famoso bingo vermelho e branco que atraia pessoas de várias cidades do Espírito Santo e Minas Gerais, mas o Rio Pardo Futebol Clube, não resistiu e ficou apenas nas lembranças daqueles que um dia fizeram parte de sua história.

Em 1922, chegaram os primeiros automóveis na antiga Vila do Rio Pardo. Em 1924, foi construída a primeira usina que gerou a eletricidade para toda a Vila do Rio Pardo, pioneira no sul do Estado. Em 1930 aconteceu a Revolução, sendo deposto o então prefeito Alfredo Hybner e fechada a Câmara, presidida pelo Coronel Pedro Scardini.

Em 1943, existiam, no Brasil, três municípios com a denominação de "Rio Pardo": nos estados do Espírito Santo, em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul. Em virtude de lei federal, a duplicidade de nomes foi proibida. O Rio Pardo do Rio Grande do Sul, por ser mais antigo, permaneceu com o nome inalterado. O mineiro passou a denominar-se "Rio Pardo de Minas" e o capixaba foi denominado Iúna, numa homenagem aos primitivos habitantes, banidos de seu território, pois no idioma tupi, lúna significa "águas pardas".

Fonte:
Wikipedia