terça-feira, 27 de agosto de 2019

Artur da Távola (Tudo Ruim, mas Tudo Bem)


O “tudo bem” é uma expressão profundamente brasileira. Somos um  povo pacífico e acomodado. Término do romance, sem dinheiro, brigou com a família e, após contar a desgraça inteira, diz: “Mas tudo bem”.

Na verdade, preferimos fingir que não ligamos e secretamente diluir o que nos chateia ou oprime, a remover o mal sob forma  cirúrgica. Para tal, o “tudo bem” cai como luva. Revela uma    espécie de certeza de que nada é duradouro, tudo acabará modificado, por mais que a rigidez pareça dominar.

O “tudo bem” possui duas outras leituras que latejam por dentro de sua significação aparente. São elas: “Não faz mal” e “deixa comigo que adiante eu dou um jeito”.
                                  
“Não faz mal” quer dizer “não importa”, “não há de ser nada”, “tentaram me atingir mas não conseguiram”. Quer, portanto, dizer: “Olha, eu não desistirei; estou apenas fingindo que não ligo”.
                                  
O “deixa comigo que adiante eu dou um jeito” revela outra atitude sábia do chamado caráter nacional. Eis sua tradução detalhada palavra por palavra: “Eu sei que as coisas não duram. Sei, também, que, enquanto estão quentes, as pessoas se aferram. Não adianta forçar nessas horas. É esperar a emoção, o impulso, a vontade e a teimosia passarem e, na medida em que a realidade tiver atuado sobre elas, diluindo o rigor anterior, então a gente entra na brecha e vai fazendo do jeito que quiser”.

Na medida, portanto, em que a expressão “tudo bem”, como espelho da maneira de ser, da psicologia, do caráter e do comportamento brasileiros, possui essas duas conotações revela algumas características  (e até virtudes) da maneira de ser brasileira; paciência; teimosia; capacidade de esperar; certeza de que não fará o que não quer fazer; confiança nos seus próprios métodos; certeza de que a realidade é sempre complexa e acaba se impondo com a variedade de seus resultados; convicção de que mexer demais nas coisas acaba atrapalhando; percepção de que nada é duradouro; de que é necessário criatividade para impedir as deformações da imposição de qualquer certeza exagerada; fé no tempo como o grande e lúcido mediador das coisas; falta de pressa; e certeza na própria decisão. E, também, uma certa capacidade de perdoar e encontrar desculpas para as coisas e prosseguir. O lado sábio do brasileiro é enrustido. Por malandragem ele finge não existir.

Que é tudo isso? Uma teoria de acomodação? Do deixa pra depois? Da alienação? Estarei teorizando sobre o conformismo, uma característica negativa da nossa maneira de ser?

Se é o que você acha, leitor, então tudo bem, tudo bem: mais adiante a gente se entende, ou você me entende, ou eu o entendo, tudo bem, não esquente a cabeça e vá em frente que no fim acaba dando tudo certo. Brasileiramente. Ainda bem; isto é, tudo bem. Tudo bem?

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