segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Caldeirão Poético XXX


ADÉLIA VICTÓRIA FERREIRA
São Paulo/SP

Tempo Presente


— Discutir o Presente? É falar de utopia!
Ele é simples bocal de acanhada abertura
que a matéria do Tempo, em veloz travessia,
do Futuro ao Passado, esfaimada perfura!

O lampejo fugaz de uma luz fugidia
é esse vulto que passa e passando fulgura,
ao tomar-se um "já fui" na roldana macia
que impulsiona ao Passado a existência futura.

Ao dizeres "eu sou!", já não és! Terás sido!
O que foste partiu nos embalos da voz,
mero "z" de um corisco entre o antes e o após...

Na ampulheta, é o gargalo, o funil reduzido
que as areias do Instante, ansiando viver,
atravessam fulgindo e... deixando de ser.

 ANALICE FEITOZA DE LIMA
Bom Conselho/PE, 1938 – 2012, São Paulo/SP

Espiando Estrelas


Somente em sonhos, posso ver estrelas,
por ser minha visão, um véu espesso,
fico feliz, se em sonhos volto a vê-las,
e quando as vejo, logo me enterneço.

Por as querer, tentando merecê-las,
ao infinito, em preces agradeço,
e por não descobrir como entendê-las,
a minha pequenez eu reconheço.

Sei que os meus dedos jamais vão tocá-las,
por isso é que emoção, nos versos deixo,
tentando aos poucos, quase desvendá-las.

E se fazer poema, é ser esteta,
jamais dos contratempos eu me queixo,
porque Deus deu-me o dom de ser poeta...

ANTONIO CARLOS FONTES
Santos/SP

Bastidores


Não sou um vencedor, falando claro.
Não tenho a contundência da conquista.
Isolam-se de mim, num fato raro,
O prático viver e a larga vista.

Nem sei a substância de que é feito
O anseio de se expor à luz intensa?
Pois vale para mim, como perfeito,
O gosto de viver da só presença.

Eu vejo-me de estar em outra cena,
No reverso do palco engalanado,
Onde o silêncio é vivo e a luz amena.

Mas é, então, que eu sei onde me ponho,
Ser, assim, como alguém visto de lado,
Preso do fogo interno do seu sonho.

CAROLINA RAMOS
Santos/SP

Bendito Seja...


As palavras o tempo apaga e arrasta
— pétalas soltas ao sabor do vento...
O livro é escrínio, que resguarda e engasta
as joias perenais do pensamento!

O livro é amigo silencioso. E basta,
em si trazer as luzes do talento,
para, banindo a dúvida nefasta,
mentes clarear e aos sonhos dar alento!

Bendito o livro que mantém o lume
do saber, que impulsiona e orienta o povo
que na cultura o seu lugar assume!

Bendito seja quem imita os astros,
valorizado a cada instante novo,
à luz dos livros, que lhe doura os rastros!

DIVENEI BOSELI
São Paulo/SP

A Ponte


Eu ia pela ponte estreita, longa e erguida
e, olhando o sol se pôr, eu chorava baixinho,
levando uma incerteza há muito conduzida
na concha destas mãos, vazias de carinho.

Tu vinhas pela ponte, a mão enrijecida,
armada de um gatilho, ao modo de um bentinho,
trazendo no semblante a marca umedecida
de quem, no pôr do sol, duvida do caminho.

Cruzando-se no ocaso, as nossas incertezas
pesaram por demais e a ponte, combalida,
me fez estremecer ao rés das correntezas...

Mas, firme, a tua mão alçou-me para a Vida,
enchendo as minhas mãos das supremas belezas
contidas neste amor, do qual nem Deus duvida!

GLORINHA VELLOSO
Santos/SP

Aconteceu!


Nosso amor, uma cálida paixão,
levando-me a viver um doce encanto,
paixão febril, prenúncio de ilusão,
sem que eu pudesse perceber o quanto,

arrebatou-me a alma e o coração,
fazendo-me cantar um acalanto!
Em palavras e gestos, num clarão
tão assustador, cheio de espanto,

não mais que de repente se findou
aquele amor e tudo se acabou;
restou uma lembrança, uma saudade,..

E hoje, lembrando aquele desalinho,
tento outra vez, seguir novo caminho,
procurando encontrar felicidade!

 IDALINA APPARECIDA COTRIN APPES
Ribeirão Preto/SP

Arrebol Gaúcho


O pôr do sol no Guaíba caindo,
mesclando as águas turvas do estuário,
vai este espelho todo colorindo,
no extasiante, belo relicário!

Eis o horizonte, todo engalanado
de cores mil co'a noite se encontrando,
no rubro traço mostrando encantado,
a mão de Deus, na tela pincelando!

Fim da tarde! Lá se foi mais um dia,
que ao calendário vai e já se integre,
marcando tempo, dor, mais alegria,

nesta querida e sempre Porto Alegre!
Mas... se este dia já se torna outrora,
novo amanhã, virá em nova aurora!

Fonte:
Cláudio de Cápua (editor). Itinerário Poético II: coletânea. São Paulo: EditorAção, 1996.

Nenhum comentário: