A mulher prevenira: domingo não haveria almoço. Era dia de folga da copeira, a cozinheira pedira para sair cedo: queria passar o aniversário do filho em Niterói. O casal tinha de almoçar fora. E depois, você sabe, sem feijão, sem açúcar, sem nada, o melhor é mesmo deixar o fogão em paz.
— Está bem, almoçaremos fora. Ótimo.
Quando chegou domingo, chegou também a preguiça, em forma de pijama, jornalada para ler, disco novo para botar na vitrola, e esse frio… Ele tentou fugir ao compromisso.
— Faz aí uns sanduíches, qualquer coisa para enganar a fome.
— Que qualquer coisa, filhinho? Não tem nada na geladeira, e além disso você me prometeu.
Ela não disse “você concordou”, disse “você me prometeu”, e só então ele sentiu como aquele almoço fora de portas quebrava a rotina ajantarada, era uma novidade, não uma contingência.
Saíram à procura de restaurante. O hábito de não sair de casa para comer tornava-os indecisos na escolha. Nem havia mesmo como escolher. Tudo cheio, o bairro inteiro despencara-se para a rua, na fome incoercível, universal, dos domingos.
Afinal, no salão repleto, defenderam a mesa que uma senhora deixara. Ele, com complexo de velhice, avaliava satisfeito a média de idade dos clientes.
— Estou me sentindo à vontade. Gente de cinquenta para cima.
Ela protestou:
— Não viu aqueles brotos?
— Minoria. Repare na discrição do pessoal, na roupa, nas maneiras. Até gravatas.
O garçom era atencioso, você sabia que ainda há garçons atenciosos? E a toalha alva, a flor natural no vaso, tudo era bom, limpo, cortês. Sentiam-se mais moços por dentro, num Rio também mais moço — ou mais antigo? — de antes de outubro de 1930.
Ela observou:
— Aquela senhora ali deve ser desquitada. Com certeza o garoto saiu do colégio para passar o fim de semana com ela. Repara como trata o menino, alisa os cabelos dele. E ele quase não liga.
Ele, por sua vez:
— Estão bebendo champanha na mesa da direita.
Aniversário pessoal, ou de casamento? O certo é que muitas pessoas, em mesas diferentes, brandiam sua champanhota, faziam brindes em tom menor.
Ele assanhou-se:
— Vou pedir para nós também.
— Calma, rapaz. Espere as bodas de ouro.
Nisso a orquestra, a boa orquestra romântica dos restaurantes da velha guarda, atacou “Parabéns pra você” e, logo depois, “Cidade maravilhosa”.
Houve palmas.
À sobremesa, antes que ele pedisse, o garçom trouxe a garrafa e as taças.
— A casa pede licença para oferecer. Em comemoração ao aniversário da firma.
Os dois entreolharam-se, feito menino que ganhou bala, e desejaram felicidades à firma. Com uma reserva, do lado feminino:
— Vai ver que é nacional.
— Francês — concluiu o lado masculino, degustando; a casa tem tradição.
— Vai ver que a nota será aumentada, para pagar a cortesia…
— Ó mulher de pouca fé, que duvidas dos outros como de teu marido!
A nota não trazia qualquer majoração, era a honestidade mesma. Os dois saíram rindo, sob a impressão de que voltara o reino da boa vontade na terra. E decididos a, todo ano, almoçarem aquele dia naquele restaurante.
Fonte:
Carlos Drummond de Andrade. 70 Historinhas.
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