sexta-feira, 2 de agosto de 2019

Arthur de Azevedo (Caiporismo)


Naquele dia o Ladislau entrou em casa radiante e alegre. A sua cara-metade, não habituada a isso, perguntou-lhe se tinha visto passarinho verde.

– Não, não vi passarinho verde, mas calcula que… Ainda me parece um sonho!…

– Mas que foi, homem de Deus?…

– Tu sabes que eu sou o maior caipora em tudo quanto é jogo… Em Caxambu – lembras-te? – todos ganhavam, menos eu, e o processo era muito simples: jogavam onde eu não jogava. Bastava que eu pusesse uma fichazinha num número para que ele ficasse abandonado pelos demais pontos! Já toda a gente sabia que o diabo do número não safa nem a cacete!

– Mas que te aconteceu? Estou morta de curiosidade! Tiraste algum prêmio na loteria?

– Oh, a loteria!… a loteria é outra!… Bem sabes que ainda não me foi dada a satisfação de comprar um bilhete e tirar, não a sorte grande,  não um prêmio qualquer, mas o mesmo dinheiro! Não sei o gosto que isso tem!.

– Na realidade és muito caipora.
 
– E os bichos? Se jogo na borboleta, dá o elefante; se arrisco cinco ou dez mil-réis na águia, é contar que sai o burro!… Sempre contrastes!… sempre antíteses!…

– Mas não me dirás?. .

– O Balisa, aquele alfaiate da Rua do Ouvidor, que me fez o terno marrom – sabes? -, organizou um “club de roupas” a cinco mil-réis por semana, e instou comigo para que eu entrasse. Entrei, paguei a primeira prestação, e saiu o meu número! Comprei por cinco mil-réis um terno que vale duzentos!

– Deveras?

– É o que te digo! Já tomei medida! Desta vez não fui caipora!… Ainda bem! O Balisa pediu-me que continuasse, e eu continuei: paguei já a primeira prestação para outro terno.

Três meses depois desse diálogo, o Ladislau já tinha pago integralmente os duzentos mil-réis do segundo terno, e o alfaiate não lhe dera ainda o primeiro: desculpava-se com o mestre da oficina, com a grande quantidade de roupa que tinha a entregar, e hoje-amanhã, hoje-amanhã, passaram-se dias, semanas, e nada…

Um dia o Ladislau saiu de casa disposto a zangar-se com o Balisa: se não tivesse para ali os ternos, ou pelo menos um, faria um tempo quente! Pois se estava tão precisado de roupa!

Mas qual foi a sua surpresa quando, ao chegar à loja, encontrou a porta fechada.

Um vizinho informou-o de que o alfaiate morrera falido e na miséria, sem ter em casa fazenda que chegasse para a terça parte dos ternos que devia.

E o Ladislau se convenceu de que ter apanhado calça, colete e paletó por cinco mil-réis foi ainda uma pirraça do seu medonho caiporismo.

Fonte:
Arthur de Azevedo. Contos.

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