quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Manuel de Oliveira Paiva (Dona Guidinha do Poço)

Manuel de Oliveira Paiva (CE, 1861 -1892)

Sua única obra importante Dona Guidinha do Poço ficou ignorada até 1952 quando foi editada, sessenta anos após a morte do autor. Coube a Lúcia Miguel Pereira redescobri-la, fazendo na primeira edição uma elogiosa (e merecida) apresentação.

Obra do autor cearense Manuel de Oliveira Paiva, Dona Guidinha do Poço resgata elementos da cultura nordestina e pormenores da vida interiorana, na história de uma mendiga que, no final do século XIX, era alvo de piadas nas ruas, por ter sido condenada pela Justiça de Quixeramobim pelo assassinato do próprio marido. A tragédia inclui elementos de vingança, prisões e mortes.

Obra de profundidade psicológica vale-se de um estilo vivo, na qual se fundem poesia, reflexão, senso de humor e a presença do falar regional. Há o aproveitamento das tradições orais e dos contadores de história.

RESUMO

É uma história de adultério e crime passional, que escapa ao lugar-comum por dois motivos essenciais; o poder do romancista de levantar o perfil vigoroso do homem como expressão moral e telúrica de determinada região; e as qualidades da linguagem ou do estilo, refletidas nas características orais do processo narrativo.

A paisagem é o Nordeste, e os elementos de psicologia humana e social explorados definem o homem da zona sertaneja. Os detalhes característicos de ambiente, os padrões e valores apontados nos deixam antever um misto de pseudo-aristocracia e rusticidade de costumes, numa fase avançada de definição do patriarcalismo e coronelismo sertanejo, em pleno sistema escravocrata. E ainda aquele período que nos deu lenda e evocações, envolvendo escravos, crimes aprazados, vinganças, assassinatos, muitas vezes sob a inspiração passional ou sob paixões e orgulhos em conflito. Bem próximo do português pioneiro na região, reflete o instante ultimo do seu processo de aclimatação, do que resultou o autêntico fazendeiro das zonas agrestes do Nordeste,

O fundamento dramático da obra repousa em fatos reais, romanescamente tratados em virtude da intuição e poder do romancista de reconstituir no tempo e no espaço, sem se deixar contaminar pelo momento presente em que reelabora.

É o caso em que a técnica e a linguagem foram poderosos auxiliares. É provável a sugestão atuante nele dos processos de contadores de história ou das tradições orais da região.    Relata linearmente, comentando e ilustrando, fatos, tipos, circunstâncias enquanto enriquece o detalhe descritivo com elementos plásticos contidos no termo adequado ao linguajar regional. É este explorado essencialmente nos seus aspectos definidores da capacidade aguda de observação do homem na paisagem, num misto de poesia, percepção rápida e raciocínio crítico repassados de senso de humor.

A frase é contida e objetiva, direta, sem retórica, apesar dos elementos sensoriais e do espírito comentador que se entrosam com as imagens e os fatos. Por tudo isso, pelo seu realismo feito de observação perspicaz dos acontecimentos e de análise de caracteres assim como pela sua linguagem elaborada no sentido da experiência estilística, ele se destaca no romance pseudo-regionalista de fins do século. E, até o pouco desconhecido, assume agora um lugar importante em nossa ficção, bem próximo das melhores realizações do grupo modernista do Nordeste (Antônio Cândido).

A seca, pois, e o regionalismo margeiam o tempo todo a saga trágica acontecida na fazenda Poço da Moita. A linguagem do povo está tão presente que necessária se tornou a elaboração de um glossário no final do livro. Com cerca de quinhentos verbetes esse glossário de termos bem demonstrativos do falar do sertão cearense comprova a preocupação do autor em devassar a vida daquela gente sofrida a partir da sua linguagem. Prova é que a partir da primeira expressão do livro “De primeiro” esse falar já se apresenta. Depois disso vão se configurando cenas e temperamentos entrevistos sem a crueza naturalista em moda, mas deixando-os subentendidos como na estética realista.

Dona Guidinha do Poço é, portanto, um romance comprometido com a estética realista, resgata a linguagem regionalista do centro sul cearense, apresenta uma história de paixão e morte que traz, secundando-a, o fenômeno climático da seca, tão marcante na região Nordeste como nos romances da geração de 30. Daí que o embrião para o romance de seca da segunda fase do nosso modernismo finca-se, segundo Alfredo Bosi, em Dona Guidinha do Poço, de Oliveira Paiva, Luzia-Homem, de Domingos Olímpio e A fome, de Rodolfo Teófilo. Esses três autores cearenses foram testemunhas da grande seca dos anos de 1877, 1878 e 1879. Essa temática aliada ao resgate que faz do regionalismo, faz com que se afirme que nenhum escritor cearense soube trabalhar com tanta felicidade a nossa linguagem do povo - sem desfigurar o conteúdo literário como Oliveira Paiva. Além disso há a técnica narrativa empreendida pelo escritor quando ele consegue tornar sugestiva qualquer minúcia, valendo-se de indicações objetivas para reforçar indiretamente o sentido da narrativa ou insinuar o caráter de um personagem.

Dona Guidinha do Poço, considerado por José Ramos Tinhorão como um clássico da literatura brasileira. Obra de profundidade, psicológica e sociológica, vale-se de um estilo vivo, onde se fundem poesia, reflexão, senso de humor, a presença do falar regional nordestino, além do aproveitamento das tradições orais e das narrativas dos contadores de história.

Tempo

Dona Guidinha do Poço passa-se em dois anos, distribuídos ao longo dos 5 Livros: dois meses para o Livro I (o amor despontando); um mês para o Livro II (o amor se consuma em posse); onze meses para o Livro III (a paixão cega); novamente um mês para o Livro IV (o drama) e um mês ou mais para o Livro V (desenlace). Um preâmbulo de abertura completa a conta.

O tempo cronológico, convencional e linear, com discretos flashbacks, é altamente marcado, em dias, meses e até, por vezes, horas. Uma precisão, a mais óbvia, é, no entanto, insidiosamente escamoteada: o ano dos acontecimentos. Sabe-se que Guida era pequena na seca de 25 (“em 25, ela era ainda pequenota...” p. 56) e que tem, no momento da narrativa, mais de 30 anos. Essa inesperada imprecisão aponta para um desdobramento temporal entre o enunciado e o narrado: na verdade, a história de Guida pertence ao passado, é um “causo”, contado em outro momento. Aconteceu, “foi verdade” (a prova, as marcas de datas), no tempo da história.

Ao tempo cronológico, exterior e ao tempo psicológico, interior, soma-se um tempo cósmico, cíclico, marcado pelas estações. Assim o Livro I é o da seca, em março; no Livro II vêm as chuvas de abril e maio; o Livro III, o mais extenso, cobre as quatro estações – primavera, verão, outono, inverno e novamente as chuvas; o Livro IV retorna à primavera e o Livro V, ao verão.

Tempo cósmico, que é o tempo real do sertão e também o do mito e que, como as outras dimensões, dilui-se no final.

Foco narrativo

Em função do tempo, o narrador é a voz que conta um “causo”. Jogral contador, assegura, através de sua narração, o tempo cósmico-simbólico e restaura, no jogo de corda bamba, o equilíbrio. Narrador sem rosto, voz discretamente onisciente e onipresente, porque situada em outro tempo: a história contada já aconteceu. Mas, se algumas pistas são maliciosamente jogadas cá e lá, ele guarda a surpresa do final (que conhece), mantendo o ouvinte-leitor preso ao narrar.

Narrador popular, oral, que pouco intervém e que tem sua fala própria – e não é de espantar que, como Flaubert, use e abuse do estilo indireto livre.

Alguém conta uma história: o clássico narrador na terceira pessoa vai nos narrar o que sucedeu no Poço da Moita. Vemos na narrativa outras vozes surgirem e vários narradores proliferarem. O narrador de Dona Guidinha é um homem culto, com belo manejo de língua, conhecedor do latim e que julga desabusadamente a sociedade.

Observações:

Nada há, antes de Graciliano Ramos, algo tão denso como Dona Guidinha do Poço, quanto à linguagem incisiva na caracterização dos tipos humanos, e na transposição do latifúndio nordestino, com seu ritmo vegetativo, seus agregados, retirantes e fazendeiros,

Enredo

É a saga da fazendeira Marica Lessa. Essa via foi devassada pelo historiador Ismael Pordeus que teve acesso em cartório de Quixeramobim, ao processo em que a poderosa fazendeira Marica Lessa respondeu pelo assassinato de seu marido o Cel. Domingos d´Abreu e Vasconcelos por volta de 1853. A fazendeira poderosa amasiou-se com um sobrinho do marido, Senhorinho Pereira, e contratou o executante do crime contra seu consorte. Descoberta a trama, a desditosa dama foi condenada a muitos anos de prisão, vindo a cumprir sua pena na cadeia pública de Fortaleza. Ao ser solta, semi-enlouquecida e depauperada, perambulava pelas ruas da capital até quando morreu como indigente. Foi nessa história real que se baseou Oliveira Paiva para escrever Dona Guidinha do Poço.

É um romance modelar do realismo brasileiro. Compromissado com a realidade, ele mostra uma história que realmente aconteceu, mudando os nomes dos personagens e acrescentando alguns detalhes ficcionais e ilustrativos. Depois há a coragem do autor em introduzir na sua linguagem o rico latifúndio linguístico regional. O falar da região aparece como forma de trazer não só o homem mas principalmente sua fala para dentro do enredo. Além disso há outra realidade cruciante no romance, que ainda hoje se faz presente na região do semiárido nordestino que é a seca.

Narra a história da poderosa Margarida Reginaldo de Oliveira Barros, dona de cinco fazendas, prédios, gado, prataria e muitos escravos. Mulher bravia e apaixonada envolve-se por um sobrinho de seu marido, soldado elegante e vaidoso. Este acusado de homicídio esconde-se na casa do tio, que desconfiado de seus amores com a mulher, Dona Guidinha, resolve entrega-lo a polícia.

Como vingança Dona Guidinha manda matar o próprio marido, e como sempre altaneira, é conduzida à prisão, sob vaias da população.

Fontes:
- Joel Cardoso. Literatura Brasileira: resumos para vestibular e Enem. 2.ed. Maringá/PR: Massoni, 2018.
- Passeiweb

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