sexta-feira, 9 de agosto de 2019

Christa Wolf (Associações em azul)


Quem gritou de alegria quando a cor azul nasceu?
Pablo Neruda


Pablo, o senhor faz perguntas estranhas. O azul? Nasceu? Mas ele não estava aqui desde sempre? Como o azul do céu sobre a paisagem da infância? Como o azul mais imortal que existe? Lá fora, se estende o mais belo céu azul e você aqui dentro debruçada sobre seu livro. Ainda vai tornar-se uma sabichona reprimida e etérea e não conseguirá depois homem nenhum.

O azul escreve histórias.

O amigo de Annemarie quer ir buscar para ela o azul do céu, ele disse. Vou trazer para você o azul do céu. Ah, deuzinho querido. Isto alguém diz apenas assim, à toa. Mas lhe é fiel, ela diz. Quem acredita. Ela é loura, por isso usamos azul, diz seu namorado. Azul, azul, azul, azuis são todas as minhas roupas. Azul é a cor da fidelidade. Mas sapatos vermelhos, até deu-lhe de presente, recentemente. Vermelho e azul anil decoram o pernil da leitoa. E Kasper, sua patroa. Bem que ele gosta de gazetear, seu namorado, papo pro ar azul. Hoje azul e amanhã e depois de amanhã outra vez. Segunda-feira azul. Ora, você vê. Segunda azul, terça fome, isto a gente conhece. E agora, mentavelmente, ele cambaleia lá fora na praça e a isso canta: azul da centáurea é o céu sobre o Reno deslumbrante. Totalmente azul, o ser humano. Também nenhum adepto da Cruz Azul o socorre mais. Azul da centáurea são os olhos das mulheres quando bebem vinho. Isto você pode dizer bem alto. Outro dia ele a espancou até que ficasse verde e azul. Bem, você vê. Daí seu irmão disse, agora porém ele pode levar a sua e experimentar suas próprias estrelinhas azuis, e, com uma bela surra, azulou-o devidamente. Ele mais uma vez escapou de uma pior com um olho azul. Bonito e bom. Mas agora, tomara. Annemarie não vai mais se deixar enganar por ele e cair nessa do perfume azul. Tão ingênua, só vendo imaculado azul, decerto ela não pode ser.

Viemos da montanha azul, tesouro, ah, tesouro, estás tão distante daqui. Nosso professor é tão burro quanto nós, cantávamos. O dia está lindo, o céu é azul, senhor professor, queremos sair para passear. Querem mesmo ganhar uma carta azul? Ou o quê!? Melhor que observem bem as cores do arco-íris: vermelho laranja amarelo verde azul índigo violeta. VLAVAIV. Ou preferem novamente escutar apenas alguma coisa sobre a guerra, quando as balas azuis voaram à volta das orelhas dos nossos? Em marcha de passos uniformes. Uma canção. Os dragões azuis. Cavalgando num brinquedo tilintante, eles atravessam o portão.

Não podem ao menos uma vez cantar algo bonito? Danúbio azul, tão azul, tão azul. Esta foi a primeira valsa que dancei com Hans. Sim, sim. Sempre o mesmo. Terminou mal com seu marinheiro azul. Grete não se conforma. Um marinheiro azul, que navega ao redor do mundo. Ele amava uma garota e não tinha nenhum dinheiro ou fundos. A garota enrubesceu e quem era o culpado? O marinheiro azul na loucura do amor desvairado. É o tipo de coisa que pode acabar em fiasco. Precisamente, a mulher X teve de ser removida na ambulância com luz azul. Ácido cianídrico azul, digo apenas. Já tinha os lábios completamente azuis. Neste caso qualquer socorro chega tarde demais.

O tipo elegante que ela abandonou ali sentado deve ter tido sangue azul, em todo caso ele disse isso a ela. Rei Barba Azul, a gente conhece bem. "O cavaleiro estrangeiro tinha uma barba inteiramente azul e, diante dele, ela sentia um pavor que, tantas vezes quantas o mirasse, era-lhe sobremodo aterrorizante." Tivesse atentado para seu sentimento. Mas ele a presenteou com uma raposa azul, ela pensou, alguém assim não pode mentir, e com os joelhos trêmulos, assombrada, intimidou-se.

Isto aqui custa ao senhor no entanto um par de lóbulos azuis que, antes de tudo, querem ser merecidos. Se tanto. Para a escrita clara, usamos sempre tinta azul. Mas primeiro fabriquem-me por favor uma pausa azul. Num tal projeto, não se deseja qualquer tiro lançado em vão para o ar azul. Não obstante, alguns atiram no azul e acertam o preto.

Antigamente, tínhamos as canecas de leite cheias de cerejas azuis em duas horas. E, à tarde, o bolo já estava pronto. Carpa azul para o Ano-Novo? Jamais. Carpa ao molho de cerveja, assim é que se faz. E truta azul é algo para gente fina. Azul não é simplesmente uma cor para produtos alimentícios. Mais para flores. Violetas, por exemplo. No prado, curvada sobre si mesma e anônima, havia uma violeta, era uma graciosa violeta. Repolho azul, no sul, como quiser, E licor azul, este sim bem que existe! Curaçao, ou como ele se chame. E queijo que se denomina Blue Master, com mofo dentro, nada para mim. Mas como cultivam batatas e depois podem chamá-las "camundongo azul", isto restará para mim eternamente incompreensível. Algo assim antinatural...

Azul, Pablo, é a cor da saudade. Isto o que o senhor quis dizer. A primavera deixa sua fita azul outra vez tremular através dos ares. As colinas azuis na distância azul. Sobre tão azuis horizontes. Bandeiras azuis a caminho de Berlim. Azul-da-prússia, azul-berlim, importante pigmento azul, extraído do sulfato de ferro e do ferrocianeto de potássio amarelo. Como fino traço sobre porcelana. O azul cobalto profundo dos vasos de vidro, tigelas e cinzeiros, cor predileta. Toalhas de mesa com estampa impressa em azul, antiga padronagem. Técnica que se extingue.

Uma vez na vida estar no Adriático azul. Ó céu, radiante azul. A borboleta azul, que esvoaça à nossa frente. O pássaro azul da artista Liessner-BIomberg sobre a cortina de boca, para o cabaré dos emigrados russos, na Berlim dos anos 20. O cavaleiro azul de Kandinsky. A torre dos cavalos azuis de Franz Marcs. A fase azul de Picasso.

A hora azul entre dia e sonho. Azul noite. Azul dos pombos. A luz azul da fonte do conto de fadas dos irmãos Grimm, a qual não apenas proporciona satisfação ao bravo soldado tratado com injustiça, quando ele acende seu cachimbo, mas traz para ele o reino completo com a filha do rei. De outra forma não pode ser.

A divisão azul do general Franco na Guerra Civil Espanhola. A bandeira da Europa em azul. E os pacotinhos de produtos alimentícios que os americanos lançam no Afeganistão, ultimamente em azul, não mais em amarelo, para que eles os distingam das bombas de aspersão amarelas, que eles também atiram.

A flor azul, ao contrário, Pablo, um símbolo do romantismo alemão, uma invenção de Friedrich, conde de Hardenberg, chamado Novalis. Cujo herói de romance, Heinrich von Ofterdingen, a encontra em sonho, "uma grande flor de azul luminoso, que logo de início achava-se ali na fonte e o tocou com suas folhas largas e brilhantes... Ele observou-a longamente com indizível ternura e nada mais via além da flor azul". E ele segue sua imagem encantadora e ideal e vê nela "uma proteção contra a mesmice e a vulgaridade da vida", um feitiço contra a monotonia do mundo terreno.

Mas quem gritou de alegria quando o azul nasceu? Em quem o senhor pensava, Pablo? Agora eu sei; foram os extraterrestres que gritaram de alegria ao ver como a Terra, o planeta azul, nascia,

(Traduzido do alemão por Laura Barreto)

Fonte:
Nadine Gordimer (org.). Contando histórias. SP: Companhia das Letras, 2007.

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