— Problemas!... Sim, só problemas!...
Enxugou o rosto com o lenço já úmido. O sol do meio dia vinha buscar água no fundo do seu ser.
Sentia-se sugado por força estranha que lhe roubava a calma. Não conseguia concentrar-se. Buscava soluções e elas se embaralhavam, a zombar da sua incapacidade. Tudo começara a passos miúdos, devagarinho. Ao embalo da vida.
De uma hora para outra, complicação geral!
Os negócios iam mal. O salário colocando coisas em prateleiras inacessíveis. Jogara na Bolsa... a Bolsa baixara como represa em tempo de seca! Por que não vendera as ações no tempo certo?! Sabe-se lá porque! Claro que, no fundo, apostara na sorte. Queria melhores cotações. Iam subir, sim... e aguardara. Quando começaram a desabar, confiara na recuperação. Agora, naufrágio à vista! Restava esperar. Esperava. Até quando? Essa a questão! Diabo! Diabo era o cerco das promissórias, cada vez mais apertado! Sempre honrara compromissos. No presente, sentia-se amarrado… - de pés, mãos e mente!
Andava nervoso, implicante... Aí a mola mestra do desentendimento com a mulher. Causa principal. Não justificativa.
Apressou o passo. O comércio fechava as portas. Sábado. Dia de descanso. Sábado azul, prometendo praia domingueira. Nem essa perspectiva o animava. Não fora almoçar em casa. A família deveria sentir-lhe a falta. Melhor! Talvez a ausência o valorizasse um pouco mais, jogando cinzas sobre a ranzinzice. Reconhecia exceder-se, de vez em quando. Mesmo assim, não dava o braço a torcer.
Andara demasiado. Sem destino, perdera-se no labirinto dos próprios conflitos. Começou a sentir cansaço. A sede. A fome. Os primeiros instrumentos de tortura inventados pela natureza e usados em qualquer época, sem serem ultrapassados.
A tarde morria. A brisa arrancou-lhe arrepios. Frio... um frio que vinha de dentro, Maior, bem maior que o de fora. O sol bocejava, perdera a agressividade, estendendo sobre a relva um manto de luz outonal, dourado e morno. Convidativo.
Recortou mentalmente um retalho de sol e embrulhou nele o coração carente e friorento. Sentiu-se melhor. A amostra tentou-o.
Sem ninguém por perto, entendeu-se na relva, deixando que o corpo rolasse sobre si mesmo, como se macio cobertor lhe envolvesse os braços enregelados. Parou, quando finda a inclinação. O azul parecia ainda rodopiar sobre ele. As pálpebras, pesadas, fecharam-se, pouco a pouco. A noite calma do sono antecipou-se àquela outra noite dona dos astros.
Quanto dormiu, nem soube. Não o despertou o cricrilar dos grilos, e, sim, a ponta da bota de um guarda em serviço.
— Ei, cara... vai curtir esse pileque noutro lugar... aqui a barra é pesada!
— Tudo bem, seu guarda. Não bebi, não... estava só descansando um pouco.
Vendo-o sóbrio, o guarda, afastou-se, desinteressado.
Testemunhas discretas da cena, as estrelas piscavam, marotas. A lua, por sua vez, escondeu o sorriso num cachecol de nuvens.
O homem ergueu-se, sacudindo as palhas e os gravetos presos às roupas, Descontraído, tomou o rumo de casa, chutando as pedras do caminho, e, com elas, os problemas que o atormentavam.
Pouco adiante, comprou uma rosa... salvo conduto para a paz.
Fonte:
Carolina Ramos. Interlúdio: contos. São Paulo: EditorAção, 1993.
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